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LEANDRO, O CÚMULO DO FUTEBOL ARTE

por Luis Filipe Chateaubriand 


Este texto homenageia o Leandro do Flamengo e da Seleção Brasileira, um dos maiores jogadores de todos os tempos, não só no Brasil, mas no mundo.  

Jogador de técnica absurda, era daqueles que aparava uma bola no ar levantando a perna para o alto, interceptando a bola com o pé no alto, fazendo a bola grudar no pé, descendo a perna até o chão com a bola grudada no pé. 

Naturalmente canhoto, sabia jogar de tal forma com o pé direito que muito julgavam que fosse destro. 

E vice versa.

Consagrado na lateral direita, devido a contusões foi jogar na zaga. Conseguiu o que parecia impossível, jogar ainda mais como zagueiro do que como lateral. 

Aliás, polivalente que era, jogava em diversas posições, seja de defesa, seja de ataque. 

Ao defender, era um Aldair ou um Baresi. Ao criar, era um Carpegiani ou um Modric. Ao atacar, era um Bebeto ou um Littbarski. 

O cara jogava tanto, mas tanto, mas tanto, que a história a seguir é verdadeira. 

No segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro de 1982, em Porto Alegre, o Grêmio estava pressionando o Flamengo. 

Leandro pedia ao goleiro Raul para sair jogando com ele, mas Raul insistia em dar chutões para a frente. 

Leandro encheu tanto a paciência de Raul para este sair jogando com ele que Raul de uma bola toda “quadrada” ao Peixe Frito. 

O ponta gremista Odair veio em cima de Leandro e deu carrinho para tomar a bola.

Leandro, tranquilamente, deu um lençol em Odair, saiu jogando e, quando passou a bola, virou-se para Raul e disse: “Velho, eu jogo pra caral…”. 

Jogava mesmo. Fato!

Por essas e outras, este escriba afirma que Leandro é o jogador de defesa mais completo que viu em atividade, muito embora no meio e no ataque também “tirasse uma onda” responsa.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

O OLHAR DE HUGO

por Sergio Pugliese


No melhor do jogo, o lateral Itiro disparou o famoso petardo e como sempre o destino foi o? Foi o? Foi o? Acertaram!!! O terreno baldio, vizinho ao campo, em Laranjeiras. A bola sumiu no mato, um verdadeiro Triângulo das Bermudas de Adidas, Penaltys, Toppers e Nikes. Uma outra, zero quilômetro, fora zunida por ele mesmo minutos antes. Os dois times se embrenharam no matagal e só faltou levarem cães farejadores. Horas depois, necas de pitibiriba, frustração geral. Anoiteceu, a peleja acabou e a resenha começou mais cedo. Nesse dia, Hugo Aloy, organizador da pelada, não foi. Sua ausência é fato tão raro que teve atleta linguarudo apostando em praga.

– Quando ele não vem ou cai um temporal ou o jogo acaba de forma estranha – reclamou Tico, já na mesa do bar.

Na semana seguinte Hugo quis saber o paradeiro das bolas, não se conformou com o resultado das buscas e muito menos com as desculpas do constrangido Itiro. Eram novinhas e o caixa estava no vermelho. Emburrado, caminhou para os fundos do campo, espremeu o rosto no alambrado, ligou o radar imaginário e fixou o olhar no mato. Ficou estático como os felinos antes do bote.

– Olha o Hugo tentando achar a bola. Pirou! – ironizou Guilherme, o Soninho, de 25 anos.

Era uma missão aparentemente impossível. O mato estava alto e fechado, e o campo ficava uns bons metrinhos acima do terreno abandonado. Mas a rapaziada conhece o cara. Hugo é teimoso e não carrega 73 anos na carcaça em vão. Ficou ali, determinado, por 45 minutos. Com as mãos fixas na grade, mirava cada detalhe, cada fresta. Atirador de elite!!! Ali, sozinho, viu o pensamento distanciar e lembrou-se dos tempos de garoto, no Capri, em Santa Teresa, campinho morto para dar lugar ao Parque das Ruínas. Quantas bolas voaram por cima do telhado do Colégio Machado de Assis! Nenhuma escapou. Corria atrás e resgatava uma a uma! “Bola não é coisa que se perca”, costuma dizer.

– Cara, o Hugo continua lá. Endoidou de vez. – comentou Pedro, o Paçoca, de 26 anos.

Seus olhos buscavam as bolas, mas acabaram funcionando como um liquidificador chacoalhando capítulos de sua vida. Respirou fundo quando lembrou-se da teimosia em trocar a missa de domingo pela bola. O frei João Moreira, da Escola Carmelita Santo Alberto, sofria com as faltas, arrancava os poucos fios de cabelos e na segunda-feira o obrigava a escrever 200 vezes “não devo faltar à missa…”. Para não perder o recreio, apelava para a técnica infalível, nunca descoberta pelos padres: usar dois lápis ao mesmo tempo, um grudadinho ao outro. Após 100 repetições, tchau para o castigo. De repente, um pedaço de gomo branco clareou seus pensamentos. Era uma das bolas presa ao galho de uma mangueira. Guardou para ele a descoberta, afinal ainda faltava a outra.

– Pai, não vai sair daí nunca mais? – provocou o filho Huguinho, de 42 anos.

O moleque cresceu! Quem diria! Outro dia era um pimpolho chutando a Dente de Leite para o paizão agarrar. E não era nem nascido quando Hugo saiu de casa escondido de Dona Edilia, deixou as filhas Monica, de três anos, e Adriana, de dois, nos braços do técnico-babá Roberto Altomar para que ele disputasse, no campo do Olaria, a final do campeonato interno da Petrobras, empresa pela qual trabalhou 30 anos na área de relações internacionais. Marcou três gols, conquistou o título e voltou para a casa correndo. Quando a mulher chegou estavam os três, angelicais, de banho tomado, assistindo tevê. Ninguém sabe, ninguém viu. Na cabeça também veio o primeiro título internacional da história do futebol de salão, disputado no Paraguai, há exatos 50 anos, e vencido pelo seu Fluminense.

– Achei! – gritou.

Aos poucos, todos foram conferir e espantaram-se quando ele apontou as duas redondas, camufladas. “É pegadinha?”, perguntou Camilo. O goleiro Neneca desceu para resgatá-las. Os jovens Soninho e Paçoca, intrigados, encararam-se. Agora entendiam Hugo em campo e sua tal “visão de jogo”. Era um bruxo! Por isso seus passes improváveis e gols inimagináveis para um homem de 73 anos, com os joelhos tomados por artroses que não o deixam dobrá-los. Itiro balançou a cabeça, pasmo. Huguinho estufou o peito de orgulho. As bolas foram arremessadas de volta. No reencontro, Hugo sentiu o mais profundo dos prazeres e com o olhar de uma vida inteira sorriu ao vê-las quicando, felizes, em campo.

O CORAÇÃO NUMA CAIXA DE FÓSFOROS

por Claudio Lovato


Entrei no carro quando o temporal estava prestes a desabar. Foi só o tempo de fechar a porta para que os primeiros pingos começassem a metralhar a janela. O motorista era um cara grisalho. Quando li o nome dele e olhei para a foto que apareciam na tela do meu celular, uma sensação de estranha familiaridade me assaltou, mas foi só dentro do automóvel que tive a certeza de que era ele. 

“Puxa, mas você é o Délio! Que satisfação!”, falei sem conseguir calibrar o volume da voz e o tom do entusiasmo. 

“Desculpe, não entendi”, ele respondeu, evitando meus olhos no retrovisor. 

“Será que eu me enganei?”, eu disse. “Você não é o Délio, centroavante?”

“Não, não sou”, ele disse, forçando um sorriso. “Muita gente me confunde com ele”.

Não dissemos mais nada um ao outro. A corrida durou mais alguns minutos. Durante o que nos restava de viagem nem me dei o trabalho de pesquisar sobre ele na internet, ver fotos atuais, conferir o que ele andava fazendo, essas coisas. Eu sabia que era ele. Paguei, saí do carro e fiquei pensando sobre as razões de ele ter mentido. Não cheguei à conclusão alguma. Fiz apenas algumas suposições sem a menor importância. 

 

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“Vai com Deus, meu filho”, e isso foi tudo o que ela disse.

Seu menino estava indo embora. Ela bem que gostaria de fazer um último pedido ao seu Waldemar, para que ele cuidasse bem do menino, mas não conseguiu. Se tentasse falar mais do que falou, cairia num choro incontrolável. 

Thiago levava a mochila às costas e uma bolsa preta de náilon, ambas com o distintivo do clube, mas não eram produtos licenciados; seu Waldemar tinha comprado tudo, uma forma de agradar o garoto e tornar “oficial” uma sequência de procedimentos que de oficial tinha muito pouco. 

Ela viu o filho e o homem magro e calvo entrarem no carro, sob a chuva fina e insistente, e tomarem o rumo da capital. 

“Vai com Deus, meu filho”, ela pensou, os braços cruzados, o coração parecendo estar dentro de uma caixa de fósforos. 

 

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Há algum tempo que ele só tem olhos para ela.

Ele foi uma promessa de craque que deu certo. Profissional aos 18 anos. Europa aos 21. Duas Copas do Mundo. Hoje, de volta ao Brasil, é o artilheiro do clube. Solteiro. Rico.    

Ela trabalha na loja do clube. Mora na periferia. É um pouco mais jovem que ele.

Ele passa pela loja todos os dias. A loja é anexa ao Centro de Treinamento. Numa tarde em que o sol e a chuva resolveram aparecer juntos, ele a convidou para sair. Ela disse não. Tem namorado. Vão se casar. O namorado dirige Uber e estuda para concursos. 

O artilheiro, apesar disso, só tem olhos para ela. Apaixonou-se como somente ocorreu uma outra vez em sua vida – pela mulher vencida pela doença cruel há dois anos. 

Ambos – o artilheiro celebridade e a vendedora da loja do clube – estão sendo honestos com eles mesmos. 

São pessoas que já entenderam que a vida está além do que se compra e do que se vende. 

 

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Nos últimos dias, ele tem pensado muito no avô. 

O avô lhe dava muitos conselhos e gostava muito de ditados e provérbios.

“Não se deve ser arrogante com os humildes nem humilde com os arrogantes”, o avô dizia com frequência. 

Ele riu, enquanto dirigia para casa. O avô era uma figura. 

Muito, muito tempo atrás, antes de sua primeira viagem com o time principal, ele recebeu do avô o seguinte conselho:

“Cuidado com o terno. A camisa é branca. Quando forem comer no aeroporto, cuidado com a beterraba e o molho da massa”.

Ele riu de novo dentro do carro silencioso que avançava no asfalto molhado pela chuva que tinha começado de manhã e não dava sinais de trégua. 

Como sentia saudades do avô.

Chegou em casa, estacionou o carro na garagem e, antes de sair, olhou para a calça. Na perna direita, logo acima do joelho, a marca redonda e roxa denunciava que uma rodela de beterraba havia despencado ali. 

Então, antes de dar aquele dia por encerrado, ele pensou:

“Em apenas um par de dias fui arrogante com um humilde e humilde com um arrogante”.

E por fim:

“Eu não sou isso”. 

Depois, com a cabeça baixa e os olhos grudados no chão, foi falar com os dois bisnetos do homem que ele sempre teve e sempre terá como referência absoluta do que é bom e digno e realmente importante.    

SEM COMPARAÇÕES

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Alô, torcida do Flamengo, aquele abraço!!! Todos sabem que sou botafoguense, mas, acima de tudo, torço pelo futebol carioca. Não tem como ser diferente, afinal vivi ótimos momentos no Flamengo, Fluminense, Vasco e no meu Fogão. Jamais ficarei feliz com o rebaixamento de algum clube do Rio. Ter apenas uma força é ruim para o conjunto da obra e esvazia o Estadual.

Que o Flamengo vive uma grande fase, principalmente financeira, não é novidade. Que a imprensa exagera na dose de elogios também é sabido por todos. Tudo bem, mas só faço um pedido em nome dos deuses do futebol, não comparem esse time com o rolo-compressor da década de 80. Por favor, não!!! Pais, tios, avós precisam chamar as novas gerações para conversar e colocar os pingos nos is.

Já vi “jornalistas” levando essa enquete para debate. Curtam esse momento, divirtam-se, fiquem felizes com o Maracanã lotado com 52 mil pessoas, zoem, brindem, gritem, pulem, mas não se ATREVAM a comparar os dois grupos. Primeiro porque um desses times tinha Zico. Vou repetir. ZICO! A discussão poderia cessar aí. Me perdoem, mas com todo respeito ao Rafinha, Leandro é Leandro. O Júnior vence qualquer um, tanto no meio-campo quanto na lateral. Se hoje o ataque rubro-negro é festejado os mais velhos precisam contar do que eram capazes Tita, Nunes e Lico.

A garotada pode e deve idolatrar Arão, Gerson e Everton Ribeiro, mas precisa entender que Andrade, Adílio e Zico faziam jus ao slogan “craque o Flamengo faz em casa”. O time atual é o da moda, formado por forasteiros, sem qualquer identidade com o clube. Sinceramente, essa enquete beira o desrespeito.

Olha, nesse fim de semana assisti e vi os “melhores momentos” de Atlético x Cruzeiro, Corinthians x Palmeiras, Athletico x São Paulo, Ceará x Fortaleza, Vasco x CSA, Grêmio e Chapecoense. O nível é lamentável e não é de hoje que digo isso. Ainda tenho que ouvir um locutor dizer que o jogador está na “contramão”… Na contramão está o nosso futebol!

Longe de querer desmerecer o Flamengo atual, mas na época do Flamengo de Zico havia o Vasco de Dinamite, o Botafogo de Mendonça, o América de Eduzinho, o Bangu de Marinho, o Fluminense de Romerito, o Atlético de Reinaldo, a Ponte Preta de Dicá, o Santos de Pita, o São Paulo de Pedro Rocha, o Santa Cruz de Givanildo, o Guarani de Careca, o Inter de Falcão e o CSA de Jacozinho, Kkkk!! Por favor, cada um no seu quadrado, cada um na sua época.

O futebol brasileiro desmoronou. Ainda hoje a imprensa elogia Mano e Abelão, e critica Diniz, “que deixa legado, mas não consegue consolidar o trabalho”. A visão da mídia está distorcida. Ela tem todo direito de celebrar o Flamengo, caprichar em suas manchetes e cobrir o Rio de vermelho e preto, mas ela também tem a obrigação de preservar a memória e frear qualquer tipo de comparação descabida.

Que o Flamengo seja campeão Brasileiro, da Libertadores e Mundial, mas que o valor da geração que jogou futebol de verdade permaneça intacto e no alto do pódium.

OS CLUBES DE FUTEBOL NO CONTEXTO OLÍMPICO

por Idel Halfen


Os que acompanham as modalidades olímpicas já devem ter notado que os chamados clubes de camisa – clubes notoriamente reconhecidos pela atuação no futebol – estão voltando a ter equipes participando das principais competições nacionais. 

Como já foi escrito no artigo Esportes Olímpicos como extensão de marca–  http://halfen-mktsport.blogspot.com/2013/10/esportes-olimpicos-como-extensao-da.html, tal tipo de iniciativa seria em teoria uma excelente oportunidade para atrair torcedores, pois os clubes se aproveitariam do conceito de extensão da marca para angariar novos simpatizantes. 

A prática, no entanto, não tem correspondido às expectativas citadas no artigo, o que pode ter como causas: (i) as dificuldades de os clubes explorarem todo o potencial das modalidades; (ii) a forte influência do futebol e de seus torcedores apaixonados que acabam não dando espaço para um novo público; (iii) a própria carência de aculturamento da população em relação aos esportes olímpicos; (iv) a pequena divulgação das modalidades; (v) um misto destas opções.

Além disso, é preciso considerar que o futebol é o principal gerador de receitas da instituição, sendo natural que ele venha a demandar maiores investimentos, o que acarreta em menos verbas para as equipes de esportes olímpicos e, consequentemente, desempenhos, na maioria das vezes, mais modestos – fato que gera insatisfação e desinteresse nos potenciais fãs. 

Por outro lado, não podemos esquecer que estes clubes têm forte parcela de participação na formação de atletas.


Todos estes pontos nos levam ao seguinte questionamento: qual deve ser a efetiva participação dos clubes de futebol nos esportes olímpicos coletivos?
De forma proposital todo o racional aqui desenvolvido não abrange os esportes individuais por entendermos que não há grande necessidade de investimentos vultuosos para a formação de uma equipe, mesmo porque não existe geralmente nenhuma obrigatoriedade no que tange à quantidade mínima de atletas. 

A título de provocar uma reflexão sobre o problema seria interessante avaliar a possibilidade destes clubes participarem exclusivamente das competições voltadas às divisões de base, pois o investimento é menor, além de se conseguir manter as tradicionais rivalidades –  vitais ao esporte – em um nível racional e ponderado.

Já as competições nacionais voltadas aos adultos teriam a cidade que sedia as equipes como representante. Exemplificando: o Rio de Janeiro se constituiria como uma entidade esportiva e passaria a ter equipes de algumas modalidades olímpicas, se capacitando assim para atrair patrocinadores – eventualmente a própria prefeitura e, consequentemente, melhores jogadores.

Algo, guardadas as devidas proporções, semelhante ao modelo das ligas americanas, onde as principais cidades costumam sediar franquias que as representam e atraem público para seus jogos. 


Nesse desenho, as próprias instalações erguidas e/ou reformadas para os Jogos de 2016 poderiam ter uma utilização maior e melhor.

O argumento de que haveria uma diminuição no número de equipes disputando os campeonatos nacionais não parece coerente na medida em que essa limitação já existe, visto ser finita a quantidade de times, além do que, poderiam ser criadas ligas intermediárias para o aproveitamento dos atletas que não são demandados naquele momento pelas equipes que disputam as competições principais. 

Se as ideias aqui contidas são viáveis só um estudo mais aprofundado poderá dizer, contudo, creio que valha desenvolver projetos que supram as carências de formação, que não deixem os clubes de futebol distantes dos seus objetivos e que permitam formatar as competições de modalidades olímpicas como um produto desejado e rentável.