O GOL GENIAL DO CRAQUE GENIOSO
por Luis Filipe Chateaubriand
Quem vê José Ferreira Neto comentar futebol na TV Bandeirantes, convive com um profissional polêmico e genioso, que é chamado de “Craque Neto” pelos seus colegas de trabalho.
Muitos não entendem: Craque? Será que ele jogou essa bola toda para receber essa designação?
Craque, sim. O cara jogava demais, com metidas de bola excelentes, dribles precisos e lances de ótima técnica.
O momento crucial da carreira de Neto aconteceu em 1988, quando jogava pelo Guarani e seu clube decidia o título paulista com o Corinthians. Marcaria um gol absolutamente espetacular, indelével para os olhos de quem o viu para sempre.
Em cruzamento vindo da direita, “tascou” uma bicicleta para o gol. A bola entrou majestosamente. Concretizado o tento, o irreverente craque saiu gritando que “eu sou f…”. Era mesmo.
Não é simplesmente o gol de bicicleta que entrou para a história, mas a maneira que este foi obtido: não foi qualquer gol de bicicleta, foi o gol de bicicleta!
Em primeiro lugar, a bola não veio cruzada em linha reta, mas sim em diagonal. Se meter uma bicicleta para o gol em um cruzamento em linha reta já é dificílimo, o leitor já parou para pensar o que é meter uma bicicleta para o gol quando a bola vem em diagonal? A possibilidade de alcançar a bola é mínima, mas Neto conseguiu.
Em segundo lugar, Neto estava muito longe do gol, quando pedalou. Exatamente na entrada da grande área, no centro da linha limite desta. Já imaginaram a dificuldade que é para desferir uma pedalada forte e diagonal de tão longe que estava?
Em terceiro, e principal, lugar, a bola chegou a Neto muito baixa. Então, este teve que fazer o esforço adicional de esticar o corpo todo para o chão, quase deitá-lo, para desferir a potente, certeira e incrível pedalada. Nada fácil, mas feito com excelência.
Em suma, lance dificílimo de ser executado… e de uma beleza indescritível. Gol de craque – o craque Neto.
O Guarani perdeu o título para o Corínthians? Mas, e daí? O que entrou para a história foi a pedalada elegante, distinta, divina.
O genioso jogador Neto esteve metido em diversas polêmicas em sua carreira – até querer bater no técnico Leão quis. Mas, indubitavelmente, uma verdade se impõe a seu respeito: Craque Neto é apenas ser justo com quem jogou muita bola e produziu obras de arte, com a relatada tendo sido a maior delas.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
O VAR VARIA?
por Ricardo Dias
Não sou geômetra, nem gênio da informática, nem mesmo inteligente, mas sou desconfiado até a medula. Estava vendo essa maravilha tecnológica que separa a imagem quadro a quadro e que garante, segundo o bom Gaciba, presidente do comitê de árbitros, 100% de precisão. Well…
Será? Sem ter acesso ao programa, vendo apenas o que todos veem, o aplicativo lança uma linha sobre o campo, e essa linha separa o impedido do legal. Mas o que é uma linha? Aí é que começa a confusão. Visto de perto, um fio de cabelo é uma linha. Visto no microscópio, é uma faixa grossa. A linha de fundo, vista de longe, idem; de perto, mais grossa ainda. E essa linha imaginária tem que ser rigorosamente paralela à linha de fundo. Esmiúço:
Há alguns anos a TV Globo fez uma reportagem sobre as balizas nos campos de futebol. Descobriu que a grande maioria tinha medidas diferentes. Isso num universo relativamente pequeno da baliza, 7 metros e pouco por 2 e pouco. E o campo? O Google me informa que as linhas do campo têm, no máximo, 12 cm. A linha eletrônica sai dali e vai parar no ponto onde há a dúvida. Você que me lê nesse momento visualiza 12 cm? É mais ou menos um envelope de CD. Sim, é grande, né? E é uma faixa pintada sobre a grama, que não permite muitos detalhes. De onde sai essa linha? Do meio? Das extremidades? Tem como garantir que esteja absolutamente no esquadro? TODAS as linhas? Se a linha de fundo estiver alguns centímetros fora do esquadro, a linha imaginária perde o sentido, já que não estará de fato reta – ou estará reta num campo torto. Qual será o critério? A linha imaginária reta ou a linha de fundo torta? Nesses casos, os erros de paralaxe (melhor googlar o que é, caso você não saiba; fica muito chato explicar aqui. Mas, grosso modo, significa que nem sempre o que você vê é verdade, dependendo do ângulo de observação) deixam de ser realmente esclarecidos. E a linha de 12 cm? Terá EXATAMENTE 12 o tempo todo? Oscilará? Se ela tiver 12 no canto esquerdo e 10 no direito, tira toda a acuidade, olha a paralaxe aí de novo…
Ah, mas você foi no campo, mediu com instrumentos quânticos microeletrônicos de base infinitesimal e está totalmente no esquadro? Bacana! Então vamos ver por outro lado:
O impedimento é marcado NA HORA em que a bola sai do pé do jogador em direção ao companheiro de time. Nesse momento tem que haver pelo menos dois adversários entre ele e a meta. Claro, há minúcias, mas esse trecho da lei é que conta. Pergunto: em qual momento a bola sai do pé do que dá o passe? Sim, não existe um momento único mensurável tão facilmente. Do momento em que o pé toca bola, até o último pedaço dela “descolar” da chuteira, há décimos de segundo. Todo mundo se acostumou aos milésimos de segundo da Fórmula 1, acha normal. Se o futebol quer ser tão acurado, tem que começar a pensar nessas coisas, também. É necessário estabelecer o décimo de segundo em que a bola se solta do pé e equiparar ao décimo de segundo em que o corpo dos atletas está ou não em linha.
Entenderam meu ponto? Não estou afirmando que o VAR está errado, apenas gostaria que houvesse um esclarecimento técnico sobre esses pontos. A palavra bem-intencionada do Gaciba não basta, ele evidentemente acredita no que está dizendo, é uma pessoa honesta. Mas pensou nesses detalhes? Seria bom um técnico vir a público e esclarecer DE VERDADE essas coisas, sem tratar o público como idiotas. Caberia uma reflexão sobre o que, filosoficamente, significa estar impedido: uma pessoa 1 cm à frente de fato tem alguma vantagem? E meio centímetro? E 1 mm? Eu fico me perguntando se não deveria haver um critério mais humano nisso. Ao mesmo tempo, o VAR não interfere quando um jogador merece o segundo cartão amarelo, que significaria expulsão; não se intromete em coisas simples e rápidas, como um escanteio errado, mas quer nos convencer que o cidadão está impedido porque calça 43. Se calçasse 42, não estaria.
A gente tende a achar que a tecnologia é infalível, mas lamento: não é. Infalível é a capacidade da diretoria do Fluminense de fazer bobagens, mas isso é outro assunto.
O MENINO, AS LÁGRIMAS E O ESCUDO
(Para o amigo Daniel Hirschmann, que soube dizer a um menino as palavras certas no momento mais necessário)
por Claudio Lovato
O menino chora, de cabeça baixa, os cotovelos apoiados na mesa, o rosto escondido entre as mãos. Seu time perdeu.
O pai é jovem, e está ao lado; o gestual é idêntico ao do filho, apenas não chora.
A mãe, de pé ao lado deles, não sabe o que fazer.
Então um homem mais velho, também vestido com camisa do clube, se aproxima do menino, coloca a mão no ombro dele e lhe diz em voz baixa:
– Não desiste desta camisa. Ela ainda vai te dar muitas alegrias. Certo?
A mãe sorri para o homem, agradecida. O pai se mantém calado. O menino balança a cabeça em sinal de concordância.
O homem retorna à mesa em que estão sua esposa e dois amigos, ambos veteranos de muitas batalhas assim como ele.
Não se sabe o que será do menino. Pode-se imaginar que não desistirá, que persistirá. Ele sabe que pode esperar o melhor de seu clube, pois, apesar de ser ainda um menino, já vivenciou vitórias e conquitas extraordinárias.
O certo é isto: enquanto existir um menino que chore por seu escudo, o futebol seguirá vivendo.
Seguirá vivendo da forma que deve.
A ALEGRIA DO FUTEBOL (VAL ZECA)
As pernas tortas que trançam
Um balé diferente a plateia que grita
O parceiro que cai no gingado da dança
Levanta, persiste, ele repete a finta
Que brinca que zomba sem veemência
O par reclama estendido na grama
Ele salta pro meio, foge da violência
Ele não perde a elegância da trama
Vai seguindo, sambando e sorrindo
Mais um gol se aproxima delírios
Naquele lindo domingo de sol
Maraca lotado ele aplica um lençol
Lá vai Mané desfilando a plateia Vibrando ele a bola e pobre goleiro
E um tiro torto, certeiro no canto, Espanto elêncio, e o grito de gooolllllll
E o juiz apita e o jogo que finda.
Fecham se as cortinas e o espetáculo
Termina.
LILA, O ZAGUEIRO SORRISO
por Jonas Santana
Uílames com U! Não tem nada de dáblio. Não é Wiliams ou Wilams!! Era assim que Lila corrigia seu nome toda vez que alguém pedia para soletrar.
O parceiro de zaga de Todo-Duro nos jogos de domingo era um “gentleman” no seu dia a dia. Pedreiro de profissão sabia manejar como ninguém a sua “ferramenta de trabalho”, a colher. Assim como sabia manejá-la também na hora das refeições. Todos admiravam a sua disposição no almoço onde se escondia atrás do prato, justificando-se que os esforços da profissão exigiam “sustança”.
Era um verdadeiro artista, principalmente quando calçava as chuteiras, com meiões levantados até os joelhos (a moda não é nova), camisa para dentro do calção (naquela época era assim, os jogadores andavam sempre alinhados salvo um ou outro mais “rebelde”) barba feita na navalha (quem lembra?), bigodinho fino simetricamente delineado e cabelo esticado no “henê”. Imagina isso num camarada de quase dois metros de altura, largo como um guarda roupa em cima e estreito como um canudo embaixo. Seu formato peculiar lhe auferia uma vantagem sobre os atacantes. Passavam eles ou a bola, nunca ou, muito raramente, os dois.
E ainda tinha o detalhe do dente de ouro, e seu sorriso sempre branco com o dente de ouro reluzindo era sua marca registrada.
Nosso atleta era verdadeiramente um artista. Da vida e da bola…
De uma por ter conseguido sobreviver e ter uma profissão e da bola por se sobressair no meio do futebol amador a ponto de ser chamado para jogar em diversas equipes, mas como ele mesmo dizia, “futebol não dá camisa e tenho dois meninos pra sustentar”.
Assim era o nosso Lila, quarto-zagueiro e dos bons que cansou de deixar adversário na beira do campo, seja pela força física (uns batiam nele e simplesmente caíam) seja pela técnica refinada, que lhe valeram comparações com o célebre Domingos da Guia, com Bellini e tantos outros que desfilaram seu talento nos gramados brasileiros. Dir-se-ia que nosso craque era uma mistura de estilos, o que lhe valia brados da torcida quando saía todo lampeiro com a bola dominada e dava prosseguimento ao jogo.
Mas Lila também não escapava das falhas comuns a todo artista da bola. Contam que numa ocasião, num jogo em que Litinho, ponta-direita habilidoso e veloz, partiu com bola dominada quase na marca de escanteio o nosso atleta alçou seu corpanzil num carrinho malabarístico, com as pernas finas esticadas em direção às canelas do adversário. Ocorre que o atacante, muito ágil e veloz deu, num átimo, um pulo que fez com que Lila deslizasse campo afora e derrubasse alguns torcedores que estavam à beira do gramado.
De outra feita, esta digna de registro, ocorreu num lance que se diria cômico, se não fosse tão bizarro.
Dada sua qualidade e altura, nosso craque era também exímio cabeceador e muitas vezes sacramentou a vitória do time quando os chutes de Nêrroda ou Vevé, ou ainda Zé Rosca não eram suficientes ou terminavam em tento. E foi numa cabeçada dessas que o episódio aconteceu.
Lance na área e Lila sobe para cabecear!!! Expectativa geral e enquanto a bola seguia sua trajetória com a força de um torpedo toda a plateia se voltava para o zagueiro que, abaixado e alheio ao jogo procurava freneticamente sua dentadura. Descobriu-se aí que ele era banguelo e que o dente de ouro fazia parte do seu patrimônio. Naquela cabeçada fatídica alguém o empurrou e ele, com o impulso dado, projetou sua dentadura no gramado.
Depois desse jogo nosso zagueiro passou alguns dias sem sorrir. Dizem que depois estudou e se tornou protético, tendo inclusive um filho dentista.
Jonas Santana Filho é escritor, funcionário público, professor, gestor esportivo e apaixonado por futebol.
Jonassan40@gmail.com