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MANUAL PRÁTICO DO “QUEM NÃO FAZ TOMA”

por Luis Filipe Chateaubriand


No domingo de 12 de Abril de 1987, Fluminense e Vasco da Gama se enfrentavam pelo primeiro turno do Campeonato Carioca, a Taça Guanabara, já em uma de suas últimas rodadas, com este sujeito nas arquibancadas.

O favorito Vasco da Gama, invicto até então, tinha uma linha de frente poderosa: Mauricinho, Geovani, Roberto Dinamite, Tita e Romário. Poderia, se vencesse o jogo, sagrar-se campeão do turno com três rodadas de antecedência.

O Fluminense, sem o maestro Delei, tinha, no entanto, um time que não podia ser desprezado, com o craque paraguaio Romerito e o “Casal 20”, Assis e Washington, entre outros bons jogadores, como o lateral Branco e o jovem João Santos.

O jogo começa com o Vasco pressionando bastante. Liderado pelo cracaço Geovani, o Pequeno Príncipe, o time domina o jogo e perde gols.

Até que, por volta de metade do primeiro tempo, a zaga vascaína corta uma bola para o lado esquerdo de ataque da grande área e Assis desfere um chute cruzado, indefensável para o bom goleiro Acácio.

Fluminense 1 x 0 Vasco.

O Vasco volta a dominar, Geovani liderando as ações. Chances de gol se sucedendo, ou chutadas para fora, ou defendidas pelo excelente goleiro tricolor Paulo Víctor. O gol não sai e, assim, termina o primeiro tempo.

O segundo tempo começa com o Vasco mais em cima ainda. Liderados pelo genial Geovani, o Pequeno Príncipe, os vascaínos seguem dominando o jogo… e seguem perdendo gols.

Por volta de dez minutos da segunda etapa, Washington e João Santos saem tabelando desde o meio do campo, sem que sejam alcançados pelos defensores cruz maltinos e, na entrada da área, João Santos chuta rasteiro, sem chances para Acácio.

Fluminense 2 x 0 Vasco.

E, após tomar novo gol, o Vasco parte para cima de novo. Liderados pelo divino Geovani, o Pequeno Príncipe, os alvi negros vão em busca do gol novamente. 

Até que, para desespero da torcida vascaína, o então técnico iniciante Joel Santana – que ainda não era o Papai Joel – resolve sacar do time… Geovani! Os gritos de “burro” da torcida cruz maltina, predominante no estádio, são incessantes.

Mesmo sem o cérebro do time, o Vasco domina o jogo. Mas, em descuido da defesa, e já no final do jogo, Washington aparece na entrada da área, para fazer mais um gol tricolor.

Fluminense 3 x 0 Vasco. 

E assim termina o cotejo.

Ao final do jogo, se constata que o Vasco deu uma aula de como dominar uma partida, e o Fluminense deu uma aula de como vencer uma partida. O time que teve mais a bola, mais chances de gol, mais visibilidade em campo, foi goleado pelo colosso de objetividade e clarividência.

“Quem não faz, toma” não é mito, é parte bem visível deste esporte apaixonante, chamado futebol.

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais de 40 anos e é autor de vários livros sobre o calendário do futebol brasileiro.

Loco Abreu

O REI DA CAVADINHA

por Paulo Escobar 

Em Minas, uma pequena cidade do Uruguai , nasce Washington Sebastián Abreu Gallo, que viria a ser conhecido no mundo do Futebol como Loco Abreu.

Podemos dizer que o Loco é um daqueles jogadores que mesmo em curto tempo nos clubes por onde passou deixou sua marca, e não foram poucos os times defendidos: no total 28 até agora. Mesmo sendo este nômade do futebol deixou marcas profundas em alguns clubes.

Além da Seleção Uruguaia, Nacional, San Lorenzo, River, La Coruña e Botafogo devem ter sido os lugares onde o centroavante talvez tenha deixado a sua marca. Mas não podemos esquecer que são títulos e artilharias que ele carrega no seu extenso currículo também.

Homem de área, de presença e que sabia aguentar a pressão como poucos atacantes, frio e decisivo em muitos momentos. Abreu não é um daqueles loucos sem noção ou idiotas na sua forma de ser, mas a inteligência e as posições firmes do lado de fora dos gramados também são suas marcas.

Formado em Jornalismo, lembramos bem da sua passagem pelo Botafogo, onde foi um terror daqueles que muitas vezes se escondem por trás dos microfones para emitir opiniões sem conteúdos ou desconexos de contextos.

A química gerada entre Abreu e Botafogo é sem dúvidas umas das paixões que até hoje a torcida da estrela solitária sente saudades. Impossível esquecer aquelas tardes de Maracanã nas quais o camisa 13 fazia as redes balançarem e levava os torcedores do Bota, carentes de ídolos e títulos às lagrimas. Vale lembrar que a fera honrou o Glorioso até na sua comemoração do título da Copa América de 2011, quando levantou a bandeira do Botafogo em campo.

Uma das lições mais bem aprendidas pelo Loco sem duvida foi a famosa cavadinha nas cobranças de pênaltis, como ele mesmo gosta de apontar que aprendeu olhando Djalminha fazê-las. E é justamente talvez aí que habite um dos gestos que deve ter causado mais de um pré infarto por aí.

Mesmo com poucos minutos jogados na Copa de 2010, talvez daqui a dez anos você ainda se lembre daquele pênalti do jogo Gana x Uruguai. E, claro, toda história que envolveu talvez um dos jogos mais emocionante da história das Copas.

Abreu jogou 15 minutos daquela Mundial, mas, como costuma apontar Lugano, que sofreu muito com as cavadinhas do Loco, procurou o seu momento de glória propositalmente. Buscou entrar para a história das Copas e foi atrás do momento que fosse único.

O Loco não vinha sendo colocado nos jogos daquele torneio, mas por uma daquelas paradas do destino foi escalado para entrar em campo naquele mítico jogo. Pela ordem de batedores do maestro Tabárez, o Loco seria o terceiro batedor daquela série, mas ele olha para o técnico e pede para ser o ultimo batedor, num olhar do maestro de alguns segundos que devem ter parecido uma eternidade concede o desejo de Abreu.

Lugano, que já sabia que o Loco faria a Cavadinha, pede por favor para não fazer naquele jogo, mas Abreu segue firme na sua decisão para fazer história. Naquele quinto pênalti decisivo, el Loco manda aquela cavadinha infartante, colocando em risco um capítulo histórico e a volta do Uruguai ao cenário mundial.

Vale lembrar que meses antes, numa final contra o Flamengo, converteria também um pênalti da mesma forma, inclusive com a bola batendo no travessão e entrando. Num momento também em que o Botafogo vinha de três finais perdidas contra o Flamengo, Abreu saca uma dessas que deve ter feito desmaiar mais de um torcedor botafoguense.

Para um louco de coletivas acaloradas com os jornalistas, que não tinha meias palavras, errar uma cavada daquelas seria sem dúvidas um motivo para ser massacrado. Mas a frieza e convicção de Abreu faz um momento que durou alguns segundos parece uma eternidade.

Ao entrar no Museu do Futebol no Uruguai, há uns anos atrás no Estádio Centenário de Montevideo, vi numa redoma de vidro a chuteira com a qual o Loco bateu aquele pênalti. Durante muitos anos ainda a torcida do Glorioso também lembrará da camisa 13, a chuteira e, claro, das glórias de um loco que passou como uma estrela fugaz.

Naquele ano de 2010 o Uruguai teve a melhor defesa da Copa, o melhor jogador e um time inesquecível, mas tudo isso passou a ser um detalhe, pois o que muitos com certeza irão contar a seus netos é a cavadinha de Abreu.

 

TIRA A CAMISINHA, TIRA TREINADOR!

por Zé Roberto Padilha


São tantos os profissionais à disposição de uma Comissão Técnica, e tantos computadores em busca de novos dados sobre uma partida de futebol, que precisam preencher os quinze minutos do Show do Intervalo, que começaram a tomar conta dos passes certos e errados das equipes.

E este número se tornou, na análise dos Casagrandes, tão importante quanto a posse de bola. E se mostrou completamente inútil para definir o vencedor de uma partida.

Mas se alguém tinha dúvidas sobre sua inutilidade sobre o resultado final, somada a irritação de assistir aquela troca de passes sem sentido entre os zagueiros, que viram para as laterais, e estes devolvem e ficam ali praticando sexo seguro sem ousar um drible ou uma penetração em direção ao gol, o anúncio de qual o time foi o mais eficiente neste quesito coloca um ponto final nesta questão.

Foi o Fluminense que alcançou o melhor índice de passe certos nas três das quatro competições que disputou este ano.

No Campeonato Carioca, chegou em quarto, atrás de Flamengo, Vasco e do Bangu. Na Copa do Brasil foi eliminado cedo e no Campeonato Brasileiro chegou em 14º lugar.

Muito flerte de longe, muito namoro pela intermediária, mas pegar a bola e convidá-la para afogar o Ganso e seduzir o Nenê a alcançar o fundos das redes que é bom…

Que Odair Hellmann chegue e retire logo a camisinha deste time. E ouse alcançar um prazer melhor na vida de cada torcedor tricolor. Como eu.

VASCO

por Rubens Lemos


Ser vascaíno é desfrutar do privilégio da ansiedade. O Vasco é sedutor. Seja pela história, pela torcida, pelos timaços, pelas conquistas, pelas derrotas roubadas contra o Flamengo. O Vasco é tão fascinante que seu maior ídolo sorri triste. Roberto Dinamite exibe uma face de Quixote. Disparava petardos de granadeiro.

O Vasco é o time de quem ama sofrido, quem é apaixonado crônico ou vibra em jogo de segunda divisão. Eis o Vasco que superlotou o Maracanã Falsificado com 67 mil pessoas e estragou uma festa empatando com a rebaixada Chapecoense. O Vasco é o improvável, é o imprevisível, é o sentimento e o sofrimento.

Quando foi rebaixado duas vezes, o Vasco ostentava um time menos patético do que o atual. Quem salvou a raça cruzmaltina agora foi Vanderlei Luxemburgo. Ele mostrou o que um técnico é capaz de fazer com uma caricatura de equipe. Foi pinçando, pinçando, burilando, esmerando, até juntar 11 menos ruins para enfrentar uma batalha de anúncio perdido.

Os novos vascaínos, coitados, sofrem a falta de ídolos. Pikachu é esdrúxulo até no nome. O goleiro Sidão é para futebol de botão. Ribamar é um lastimar. Rossi é raça pura. Jamais jogaria nos escretes dos anos 1980 e 90.

Para que me faça compreender, é preciso dizer que vi jogar em 1987: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Dunga, Geovani (foto) e Tita; Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário.


Vi também em 1993, Carlos Germano; Pimentel, Torres, Jorge Luís e Cássio; Leandro, Luisinho, Geovani e Carlos Alberto Dias; Valdir e Bismarck. Esse foi o time bicampeão. O do Tri alinhava Carlos Germano; Pimentel, Ricardo Rocha (um dos melhores zagueiros do mundo), Torres e Cássio; Leandro, Luisinho, Yan e Cafuné, apelido de Denner, a mistura de Garrincha com Pelé; Valdir e Jardel.

Denner morreu sufocado pelo cinto de segurança e a torcida do Flamengo ultrapassou a torpeza no clássico seguinte: “Ô Vascaíno por que estás tão triste? Mas o que foi que te aconteceu, foi o Denner que bateu no carro, quebrou o pescoço e depois morreu”.

Desde esse dia de 1994, perdi o respeito que não havia pelos flamenguistas. Eles são diferentes. São inconsequentes. Agora há pouco tempo, morreram os garotos da Gávea e o Vasco demonstrou irrestrita solidariedade. Pode ser a diferença. A média do caráter vascaíno é íntegra.

O Vasco venceu os últimos títulos de respeito em 2000. Ganhou a Mercosul e o Brasileiro. Romário, Juninho Paulista e Euller jogaram demais. E acabou. Os times do Vasco pareciam Itaperunas disfarçados, sem referências, tanto que Romário jogou até os 41 anos e com bola para titular da seleção brasileira.

Terminando em 12º lugar, o Vasco festejou. Precisa de um time de verdade no próximo ano, senão corre risco, deve expurgar a mentalidade tacanha, pequena, distante de suas tradições. Pensar grande e trazer dois ou três jogadores razoáveis, embora jogadores razoáveis sejam exceção no Brasil.

Olhaí de novo Pikachu com pose de Geovani. Não tira uma lasca. O Vasco continua na Série A. Para quem sofreu o que a massa passou, é mesmo para rogar aos céus. E agradecer a Luxemburgo. Ser Vasco emociona. Comove. Instiga. Basta escrever que a gente chora.

ERA UMA VEZ LÉO BOLINHA OU LÉO CANHOTO

por Jonas Santana


(Foto: Alex Ribeiro)

Mais veloz que ele, só Pedro Preto!!! Era assim que falavam de Léo, mais precisamente Léo Bolinha, que embora fosse um pouco mais “encorpado” para os padrões da posição (jogar de lateral era só para quem fosse magrinho e corresse muito) era na faixa lateral do gramado que ele desfilava sua velocidade e seu cardápio de dribles inusitados (fruto dos anos de futebol de salão desde criancinha), no qual era muito admirado pelos amantes do verdadeiro futebol daquelas paragens e adjacências.

Não havia, no meio dos craques de fim de semana que aportavam àquele relvado, quem ainda não tivesse sido agraciado com um drible, fosse uma “sainha ou caneta” como chamam alguns, um “chapéu ou lençol” ou ainda uma “lambreta” (não era a motoneta, mas um drible). E era no “estádio” localizado no fundo do conjunto habitacional, nos estádios de cidades do interior e raras vezes no estádio oficial da cidade, sempre aos domingos, que aquele time exibia toda a maestria do futebol-arte, o futebol vistoso, de encher os olhos dos torcedores que se aglomeravam para se deleitar no esporte bretão.

Dizem que seu futebol era uma mistura de Nilton Santos (lateral do Botafogo apelidado de “Enciclopédia do Futebol”) com Mário Sérgio (célebre e inteligente ponta que desfilou seu talento no Grêmio, São Paulo, entreoutros) e, em virtude de tal habilidade, Léo era muitas vezes escalado na ponta esquerda, deixando os adversários desesperados com a arte do Léo Bolinha ou Leo Canhoto, como gostava de ser chamado.  

Cada um, desde Raimundo Quiabo (o goleiro) até o” exímio” centroavante Nêrroda tinha sua particularidade, seu caso inusitado, o que transformava aquele time em algo folclórico e uma atração onde quer que se apresentasse. Além disso tudo ainda havia a torcida. Esta era fiel e barulhenta, capaz de aumentar os feitos da equipe a cada jogo. Era verdadeiramente o décimo segundo jogador. 

E era neste clima que aquele time desfilava vitórias embalando as fantasias dos torcedores (ainda vamos ver esse time no profissional, diziam alguns!) que, muitas vezes decepcionados com os times de coração vislumbravam naquela equipe a projeção das suas esperanças e sonhos. E além dos torcedores havia os atletas que, ao vestir os uniformes e calçarem as chuteiras se transformavam em Pelés, Didis, Gérsons, Tostões, Zózimos, Quarentinhas e tantos outros insignes representantes do esporte bretão brasileiro que outrora havia sido guindado à condição de “melhor do mundo”.

E era nessa onda que Léo também surfava e, como sói acontecer a todos os craques daquele esquadrão, ele foi protagonista de um evento pra lá de imprevisível além de inusitado.

Num desses jogos em que o talento é exigido ao extremo e as forças vão se exaurindo como uma batalha épica entre dois exércitos de heróis o nosso craque estava como que inspirado ao extremo. Desde canetas (azuis ou não) a lençóis e chapéus e até “carretilhas” executadas com mestria, era o dia do Léo Canhoto. De nada adiantou trocar o lateral adversário por outro jogador, bem mais encorpado e com fôlego de triatleta. Léo nem tomou conhecimento dele e aplicou-lhe dois dribles que o deixaram estatelado no chão, sendo alvo de risada de ambas as torcidas, que a esta altura nem pensavam em resultado, mas no show que se realizava naquele campinho, agora içado à condição de estádio, dada a importância que tomou aquela pugna.

Pois bem, nosso craque avança pela lateral e ao adiantar a pelota, veio como um bólido o adversário e apôs fora de jogo pela linha de fundo, caracterizando o escanteio. E lá vai Léo para a cobrança do tiro de fundo.  

Com carinho paternal coloca a bola na esquina do campo e corre para ela elegantemente, alçando-a sobre a grande área, na esperança de encontrar um dos seus companheiros. E a bola vai, vai, vai e…. caprichosamente encontra a trave e, devido à força empregada sobe como se quisesse alcançar as estrelas ou beijar a lua.  E nosso craque corre para área numa velocidade quase supersónica e…. Inacreditável !!! A bola desce em direção a Léo que, incontinenti, executa um cabeceio, praticamente um petardo em direção ao gol, onde a redonda descansa mansamente nos fundos da rede, para desespero do goleiro rival.

E a torcida extasiada aclama o nome do jogador que escreveu sua história com mais uma jogada digna de narração:” — Corre para a bola Léo, levanta a pelota em direção à área onde aguardam a sua descida os jogadores. Na traaave!!!!!!! Foi na trave e subiu a bola, desceu, cabeceou Léo e é gooollllll!!!! Mais uma façanha desse time dos sonhos minha gente, é gol!!!

E mais um jogo, mais uma vitória, mais um domingo. Até o próximo jogo, o próximo grito de gol.

 

Jonas Santana Filho é gestor esportivo, escritor, funcionário público, professor e apaixonado por futebol.