APENAS PARA NÃO SEREM ESQUECIDOS
por Zé Roberto Padilha
Jogava na Seleção Carioca de Máster, em 1993. E o Brasil disputava as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Após a partida em Mariana-MG, onde o Marinho, ex-Bangú, arrebentou com o jogo, fomos jantar no hotel antes de voltar ao Rio. A televisão transmitia Brasil x Bolívia, jogado lá nas alturas, e à sua volta se aglomeravam torcedores, jogadores, funcionários e hospedes. Quando a Bolívia marcou o seu gol, dois gritos surgiram lá do fundo do salão. Seriam bolivianos?
Não, eram Marco Antônio e Brito, tricampeões mundiais, que torciam por eles. Ninguém entendeu nada, mas como todos eram gratos pelo que fizeram por trazer a posse definitiva da Taça Jules Rimet, ninguém se manifestou. Muito menos, aprovou.
Já dentro do ônibus, procurei sentar perto de uma dessas feras para descobrir a razão. E ambos foram sinceros e visionários: “Não torcemos contra o Brasil. Torcemos para não sermos esquecidos.”
De fato, em vinte e três anos de insucessos seguidos, em cinco edições de Copas do Mundo, eles eram sempre lembrados antes da bola rolar. Félix, Piazza, Carlos Alberto, Everaldo, por onde estivessem, o Globo Esporte dava um jeito de encontrá-los. E as novas gerações ouviam as histórias de um grupo que conquistou o que nenhum outro conseguira mais alcançar. E tinha cachê. E reconhecimento.
Um ano depois, veio o tetra. Pior ainda para eles, alcançamos o penta. E nunca mais o Tino Marcos foi saber onde estava o “furacão” daquela edição, o Jairzinho, único jogador que fez gol em todas as partidas de uma Copa do Mundo. Já não dava mais Ibope porque “a memória do torcedor, telespectador, é mais fraca apenas que a razão que sobrou do seu fanatismo. É fraca, mas como dói…!”.
Desta safra maravilhosa, símbolo absoluto do futebol-arte que encantou o mundo, ousada e revolucionária por colocar em campo um ataque formados pelos melhores camisas 10 do país (Jairzinho, Botafogo, Tostão, Cruzeiro, Pelé, Santos, e Rivelino, Corinthians) alguns já se despediram de nós. A defender sua efeméride apenas os proprios atores , Paulo César Cajú, com suas crônicas, o Gérson, ao microfone, e o Rivelino, quando de suas intervenções em mesas redondas.
Agora, em 2020, o tricampeonato brasileiro de futebol completa 50 anos. Que busquem o Marco Antônio, e o Tostão, por onde andará nosso doutor? E o Clodoaldo, aquele maravilhoso cabeça de área, virou treinador? Dá palestras?
São todos heróis nacionais. Imortais e insubstituíveis por qualquer outra conquista. Que se faça justiça e, novamente, os recoloquem no lugar mais alto da história e da memória do nosso futebol. Eles merecem.
#TBT DO MUSEU
por Wendell Pivetta
Ontem mesmo era Dia do Fotógrafo em nosso país, e hoje o dia do #tbt, símbolo digital de resgatar a memória com fotos nostálgicas.
Estou quase finalizando minha formação no curso de jornalismo pela UNICRUZ e atualmente aproveito a experiência de atuar na Secretaria de Esportes e Lazer de Cruz Alta estagiando e fotografando o esporte do município. O ano de 2019 foi de muitas descobertas no caminho da fotografia. Tive o privilégio de captar registros do futebol municipal dentro do campo e da quadra em edições do Citadino Municipal.
Prestigiar com a lente grandes jogos, momentos de comemoração, lágrimas de felicidade e o grito solto de “é campeão” estarão eternizados em minha memória e na foto cuja a qual posso compartilhar com os leitores do Museu da Pelada momentos históricos das competições promovidas no ano de 2019. Citadino de Futebol de campo, futsal masculino e feminino estão presentes nesta mostra fotográfica digital.
O maior desafio na minha experiencia fotográfica com certeza foi o de deixar de ser um espectador e despertar para fazer a captação da foto no momento em que a ação acontecia!
TONINHO CEREZO, O ARTISTA DA BOLA
por Luis Filipe Chateaubriand
Antônio Carlos Cerezo surgiu no Atlético Mineiro, em meados dos anos 1970.
Depois de um empréstimo ao Nacional de Manaus, voltou ao Galo para ser um dos principais artífices dos grandes times do clube na segunda metade da década.
Jogou no clube mineiro até meados dos anos 1980, quando foi negociado com a italiana Roma.
Jogou, ainda, pela Sampdoria, pelo São Paulo, pelo Cruzeiro, pelo Lousano Paulista, novamente pelo São Paulo e encerrou a carreira no Galo mineiro.
Era o jogador peladeiro, no bom sentido da palavra.
Com técnica excelente e preparo físico fenomenal, movimentava-se por todos os lados do campo, sendo opção segura para receber a bola e, ao mesmo tempo, um ofertador de bola aos companheiros como poucos.
Seus passes eram “açucarados”, muitas vezes magistrais.
Tanto era capaz de fazer passes curtos para o ponto futuro, deixando companheiros em situações vantajosas para arremate ou criação de jogadas perigosas, como fazia passes longos, às vezes de mais de 40 metros, que deixavam colegas na cara do gol.
Ao longo dos anos 1970 e 1980, tornou-se cérebro de grandes times atleticanos, que contavam com nomes de destaque como Marcelo, Luisinho, Éder e Reinaldo.
Era ele que fazia uma engrenagem quase perfeita ser colocada em ação.
Já veterano, no São Paulo dos anos 1990, continuava a ser um dínamo, um cara que fazia a diferença diversas vezes.
Como na final do Mundial de Clubes de 1993, em que só faltou fazer chover.
Na Seleção Brasileira, teve uma carreira notável, com 73 atuações com a “amarelinha”.
Junto com Falcão, Sócrates e Zico, compôs um dos maiores meios de campo da história de nossa Seleção.
Filho de um palhaço de circo, tinha um futebol refinado, vistoso e elegante e, assim, não deixava de ser um artista, como o pai.
Artista da bola, produziu lembranças sobre o seu futebol exuberante que ficaram eternizadas não só para atleticanos e são paulinos, mas para os amantes do bom futebol em geral.
Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é estudioso do calendário do futebol brasileiro e do futebol europeu. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.
LEMBRANÇAS DO MARACA SETENTÃO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Na semana passada, lembrei que em 2020 comemora-se os 50 anos da conquista do Tri, uma data especialíssima. Assim que a coluna foi publicada várias pessoas me enviaram zaps alertando sobre o aniversário de 70 anos do Maracanã.
Mas, peraí, como me esqueceria disso se eu e o ex maior estádio do mundo temos algo em comum? Eu e o Maraca nascemos no mesmo dia, 16 de junho!!! Por isso, amo tanto esse lugar e me revoltei com a plástica de quinta categoria que o submeteram. Virou uma arena como outra qualquer, bonitinha mas ordinária.
Os estádios precisam ter alma, devem nos arrepiar da cabeça aos pés e despertar a emoção dos cronistas. A magia deve prevalecer. A arquibancada pode ser de cimento desde que seu coração esteja confortável. Quando eu corria pela ponta-esquerda (beirinha é o…..) e o geraldino me xingava a resposta vinha com um drible desconcertante, um balão, uma caneta. A ira transformava-se em idolatria e eu virava rei. Radinhos de pilha eram arremessados no campo, mas no fim do jogo eu ganhava um motorádio e tirava onda. Ganhei mais de 20!
Na minha estreia, no Maracanã, pelo meu Botafogo, guardei três contra o América e saí campeão! Perdi as contas de quantos gols fiz no Andrada e de quantos pisões levei do Moisés. Quando Francisco Horta me trouxe de volta ao Brasil e troquei o Olympique de Marselha pela Máquina Tricolor, a diretoria do clube preparou uma grande festa no Maraca e vencemos o poderoso Bayern de Munique, 1×0.
Esse estádio meu deu muitas alegrias, mas também sofri. E não foi pouco. Estava naquele desastroso 6×0 do Flamengo contra o Botafogo e na dura derrota do Botafogo contra o Fluminense na final do Carioca de 71. Nesta última, fomos prejudicados pela arbitragem e fiquei dez minutos chorando no campo sem conseguir levantar, após o apito final. Waldir Amaral narrava um tempo e Jorge Curi o outro. Mário Vianna comentava e Armando Marques distribuía cartões. Quanta saudade, meu Deus!
O Maracanã, patrimônio do futebol, jamais poderia ter sido modificado. Era um templo, virou boutique. Pelo Flamengo, ganhei um Torneio de Verão contra o Santos, de Pelé, e o Benfica, de Eusébio. Ouviram bem isso? Pelé e Eusébio! Também no Maraca, participei de um treino aberto da seleção brasileira, preparatório para 70. No intervalo, Zagallo me chamou e disse que colocaria Arílson no meu lugar. Na frente de Arílson, avisei ao Velho Lobo que não sairia, que ele escolhesse outro, Kkkk!!! Me dava muito bem com Zagallo e para evitar confusões ele pediu para Arilson dar mais um tempinho no banco.
No Vasco, formei meio-campo com Guina e Pintinho, tá ruim? As charangas nos injetavam emoção, bandeiras gigantes coloriam o velho Maraca e os camisas 7, 8, 10 e 11 davam seus shows particulares. Os cinegrafistas do Canal 100 à beira do campo flagrando as pernas bailando, o povão extasiado, Brito dando uma espanada na área, Eduzinho furando as defesas e Fio Maravilha inspirando Jorge Ben…”Fio Maravilha faz mais um pra gente ver…”.
Ele fazia e o Maraca tremia como tremiam nossos corações.
RAFAEL, O ‘TURRÃO’… O BANGU PAROU NELE
por André Felipe de Lima
Imagine um corintiano em uma família onde todos torcem pelo Palmeiras. Todos italianos e descendentes. Algo quase impossível aconteceu na casa dos Cammarota, no bairro São Judas, em São Paulo. O menino Rafael era corintiano. Exceção. E queria ser goleiro. Encasquetou que defenderia, um dia, o Corinthians. Ninguém tirava ideia tão fixa de sua mente. Quem ousaria?
Em 1969, Rafael, já com 19 anos, realizou seu sonho. Um professor o levou para uma peneira no Parque São Jorge. Foi aprovado, mas teve de esquentar banco durante quase cinco anos até algum treinador oferecer uma oportunidade. “Ei, você aí. Hoje é o teu dia. Vai estrear, garoto”. Deve ter sido mais ou menos isso que Durval Knippel, o mitológico e polêmico Yustrich, então técnico do Corinthians, disse para Rafael naquela tarde de 1974 em que o Timão disputava um amistoso em Poços de Caldas contra a Caldense. O menino fez bonito embaixo das traves. Titular do time, o goleiro Ado, tricampeão mundial em 70, rasgou elogios ao rapaz.
Mas a permanência de Rafael no Timão não durou muito tempo. Foi emprestado à Ponte Preta. Chegou a ser reserva de Carlos na final do campeonato paulista de 1977. Foram cinco anos no clube de Campinas até ser emprestado ao Grêmio Maringá, o primeiro clube paranaense na vida de Rafael. E o rapaz não decepcionou a torcida. Tornou-se ídolo. Era a grande revelação do certame local. Teve gente do Corinthians atrás dele.
Levaram Rafael novamente ao Parque São Jorge, em 1981. Perguntem ao goleiro se ele gostou? É claro. Afinal, tratava-se de um corintiano nato. Irrevogavelmente alvinegro. A estada foi, porém, pouco auspiciosa para Rafael. Sentou no banco para ver o baixinho goleiro César, companheiro de time, jogar. Não havia Democracia Corinthiana que amenizasse a decepção de Rafael com o seu clube de coração. Gostava dos companheiros. Desejava permanecer no clube, apesar da reserva. Lutava pela vaga com brio, técnica e esmero nos treinos. Esforço que nunca foi problema para Rafael. Mas havia um problema sim: Rafael batia de frente com a Democracia Corinthiana, movimento político dos jogadores do clube que, para o goleiro, soava falso. “Só três” falavam e o resto dizia “amém”. Era o que Rafael dizia naquela longínqua época.
Memória em dia, vamos lá: os pilares da Democracia eram Sócrates, Wladimir e Casagrande, com aval, ressalte-se, do então diretor de futebol, Adilson Monteiro Alves.
Não houve jeito. Rafael colheu desafetos no Timão. Wladimir — em reportagem de 1984, assinada por Roberto José da Silva — chegou a dizer naquele período: “O Rafael prejudicava o bom ambiente que estávamos formando na época. Foi expelido pelo grupo.”
Rafael acabou negociado em 1982 para outro clube do Paraná. O Atlético.
Finalmente a carreira, após mais de 10 anos, decolaria. É o que imaginava. No Furacão, Rafael não chegou a fazer história logo de cara. Sofreu grave contusão em 1982. Rompeu o tendão do pé esquerdo. Por isso fazia outra coisa: sombra para o goleiro titular Roberto Costa, mais um que não morria de amores pelo irascível Rafael. “Ele tem um gênio de lascar, costuma alardear pelos corredores que é o melhor em tudo, o mais profissional. Enfim, uma pessoa difícil de se relacionar”, disse Roberto Costa. No final das contas, Costa saiu e Rafael ficou.
Além do gênio intempestivo, as constantes contusões podem ter sido o grande entrave para que Rafael mantivesse a regularidade nos clubes que defendeu até a chegada ao time da Baixada. Na matemática desesperadora, foram oito. A mais grave em 1978, ainda na Ponte Preta. Rafael treinava quando se chocou com um atacante e teve afundamento do malar. Por pouco não perdeu a visão do olho esquerdo. Teve também a fratura na clavícula, quando defendia o Maringá. Vários meses no estaleiro.
Apesar de ser reserva de Roberto Costa e da contusão no pé esquerdo, Rafael defendeu bem as cores do Atlético. Mas pressentia que algo mudaria a sua carreira. E de forma positiva. Seria drástico. Da água para o vinho. Mudou mesmo. Em 1985. De clube, inclusive. Rafael já não era mais corintiano tampouco rubro-negro. Era Alviverde.
A saída do goleiro de um rival para outro da mesma cidade provocou a ira de muitos torcedores do Atlético. “Rafael é traidor!” ou “Os cartolas não poderiam vendê-lo para o Coritiba…”, bradavam.
O que teve de gente rasgando a carteira de sócio do Atlético não estava no gibi. Quem ria à toa era o velho “Chinês”. Evangelino Costa Neves era só festa. Tirar um goleiro do rival bicampeão estadual em 1982 e 83, não tinha preço. E o predestinado Rafael finalmente encontrou sua verdadeira casa.
No Coritiba, conquistou a vaga de titular. Intocável, frise-se. Foi campeão estadual em 1986, mas no ano anterior, a maior glória da história dele e do Coxa: o título de campeão brasileiro. Não teve Bangu, não teve decisão de pênaltis, não teve nada que tirasse a convicção daquele goleiro turrão.
Turrão? sim. Desde pequeno, quando torcia pelo Timão em uma família palmeirense; quando era contrário à Democracia Corinthiana por considerá-la elitista; por superar as graves contusões ao longo da carreira. Rafael tinha certeza: “Seremos campeões brasileiros”. O cara defendeu até pensamento. Não passava nada. Foi decisivo no jogo semifinal contra o Atlético, o Mineiro — tirou uma bola em cima da linha que garantiu o 0 a 0 e classificação —, e contra o Bangu, na finalíssima.
Rafael calou a boca de quem o definia como “velho”. Para a crônica esportiva, ninguém o superou debaixo das traves naquela reluzente temporada.
Quando o juiz apitou o final do jogo contra o Bangu, no Maracanã, ele não se conteve. Esbravejou. Retirou do fundo do armário os fantasmas que o assombravam: “O Rafael é campeão brasileiro. Onde está o Corinthians da Democracia?”. O Corinthians o revelou. Mas disputou apenas 31 jogos com camisa alvinegra, como destaca o Almanaque do Corinthians, do Celso Unzelte. O Corinthians nunca quis Rafael, essa é a verdade. Mas o Coritiba o queria. E muito.
Foram tantos os grandes goleiros que despontaram no Coxa…
José Fontana, o Rei, foi o primeiro. Jogou no Vasco e consagrou-se na seleção brasileira em um tempo em que era improvável qualquer jogador que não fosse do eixo Rio-São Paulo vestir a camisa do escrete nacional. Teve também o Ari. Goleiro papa-fina. Ainda no Coxa chegou à seleção. Depois foi para o Botafogo ser reserva de Osvaldo Baliza. Quem não se recorda de Joel Mendes? Já com a camisa do Santos vestiu a faixa de bicampeão paranaense pelo Coritiba. Ou também de Manga, na casa dos 40 anos de idade, fechou o gol do Alviverde em 1978. E o que falar de Jairo, uma verdadeira “muralha”?… mas nenhum deles foi como Rafael. Ele era especial. Afinal, foi campeão brasileiro.
Quando ergueu o troféu máximo do futebol nacional e foi paparicado pela imprensa, Rafael percebeu que a seleção brasileira não seria algo improvável. A Copa do Mundo de 1986 estava à sua porta. Mas o técnico Telê Santana priorizou a turma — sina infeliz — do eixo Rio-São Paulo. Na lista, Carlos, o titular, do Corinthians; Leão, do Palmeiras, e Paulo Victor, do Fluminense. Valdir de Moraes, então preparador de goleiros da seleção, indicou Rafael à Telê, mas o goleirão do Coxa havia recebido uma punição e, por isso, teria ficado de fora da lista. Seria efeito retardado da implicância de Rafael com alguns companheiros da antiga Democracia Cotinthiana?
Rafael Cammarota nasceu no bairro São Judas, na capital paulista, no dia 7 de janeiro de 1953. Quando encerrou a carreira, tentou se alocar em algum clube para treinar goleiros. O Guarani o recrutou.
O ídolo do Coritiba morou um tempo na capital paulista, onde manteve a escola de futebol “São Rafael”, no bairro do Ipiranga. Dividia o tempo com a garotada e com os seus carros, uma paixão de longa data. Mas retornou à Curitiba, onde todo o dia 12 de outubro abraça seu clube querido em mais um dia de aniversário.