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MASCARADO, EU?

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Estava dando um pulo rapidinho, no Kurt, do Leblon, para comprar um pedaço de torta quando alguém me grita “Ô, mascarado!”. Já ia partir para cima, conferir se as aulas que vinha fazendo de boxe deram resultado. Mas era o flanelinha, que guarda e lava os carros da rua. Só então lembrei que estava de máscara para me proteger desse vírus maldito. Mas malditos mesmo são esses políticos, que mesmo em um momento crítico como esse, com a população fragilizada, nos deixam cheios de dúvidas.

O melhor é ouvir o que os médicos sugerem porque morreremos se dependermos dos políticos. Mas achei divertido esse grito de “mascarado” porque ouvi durante toda a minha carreira, na verdade desde o infanto-juvenil quando jogava no futebol de salão do Flamengo. Adorava quando ia jogar nas quadras de taco. As duas do Flamengo eram de cimento, mas as do Vasco, Vila, Grajaú, Melo, Carioca e Fluminense eram lindas, de madeira.

A primeira vez que me chamaram de “mascarado” foi em um jogo contra o Vasco. O goleiro deles era o Borrachinha e tinham um cracaço, Antônio Carlos Cabeça. O meu era Alcides e Marcelo revezando no gol, Fred de parado, Johnson, excelente pivô, eu e Maurício. Foi 4×4 e meti os quatro. Era brincalhão, abusado, gostava de dar caneta e isso irritava a torcida adversária. Mas quebrava a cara quando encontrava um Tamba pela frente. Tomei uma goleada inesquecível quando joguei contra ele, na Associação Atlética Tijuca. Que jogador!!!

Depois, aos 15 anos, fui levado para a Colômbia, por Marinho, meu pai adotivo e treinador do Junior Barranquilla. Na minha estreia contra o Milionários, de Bogotá, ganhamos de cinco e meti três. Mas era fácil jogar com Oto Valentim, Airton Beleza, Escurinho, Dida e Fred, meu irmão adotivo, todos levados pelo grande Marinho. Aí veio minha estreia pelo Botafogo, no Maracanã, três contra o América e o título.

Como meus amigos eram de classe média alta me vestia com as grifes da época. Achavam marra, mas era estilo!!! Lia muito e não aceitava desaforos e ofensas. Me irritei porque a diretoria do Botafogo deu uma volta no meu pai. E a partir daí sempre briguei pelos meus direitos. Isso virou máscara, mas era personalidade!

Quando viajei para os Estados Unidos, conheci o os negros de lá e suas ideologias aí que ninguém me segurou. Voltei com um black power laranja e calça boca de sino. No aeroporto de São Paulo, os adversários fizeram a festa. “Mascarado” foi pouco! Mas continuei fazendo meus gols e dançando à noite nas boates do Rio. Minha carreira toda foi assim.

Aí ligo a tevê e noticiam a morte de meu amigo Moraes Moreira. Meu Deus, quantas peladas, noitadas e loucuras. Moraes viveu intensamente e fez um cordel para mim e um trecho diz assim…”chamado o nariz de ferro, pois sempre encarou sem medo, jogar era seu segredo, eu falo assim e não erro, ninguém ganhava no berro. Qual era a sua função? Marcar posição…”.

Obrigado, parceiro! Carregarei para sempre você, meu cordel e minha máscara, que como você bem definiu, representa minha verdade, minha liberdade de expressão.

AGORA COMO É QUE EU FICO

por Marcos Eduardo Neves 


Despertei com a notícia da morte de Moraes Moreira. Foi encontrado caído no chão sem vida pela empregada que havia chegado para trabalhar e percebeu o gás aberto. Moraes tomava medicamentos para pressão. A grande imprensa fala em infarto fulminante, mas fonte segura me avisou que ele era muito distraído – e era mesmo, isso eu pude constatar!

ACABOU CHORARE para o BRASIL PANDEIRO nesta segunda-feira. BESTA É TU, se não conheces direito a obra de Moraes. O MISTÉRIO DO PLANETA era um dos gênios imortais da MPB. Com ele A MENINA DANÇA, seja ela loira, morena, índia ou PRETA PRETINHA. Os meninos também. Não à toa, PELAS CAPITAIS só se fala disso. LÁ VEM O BRASIL DESCENDO A LADEIRA com mil homenagens a quem, COM QUALQUER DOIS MIL RÉIS, alegrava a plateia sem fazer esforço.


POMBO CORREIO me passou que o mestre do cordel contemporâneo esqueceu a COISA ACESA e a moça da VASSOURINHA ELÉTRICA bateu de frente com a tragédia ao chegar. Não importa. Gosto dele desde que calçava o CHINELO DO MEU AVÔ e a seu lado tive duas passagens mágicas, SINTONIA profunda em ambas. Primeiro, numa entrevista. Depois, no lançamento de um livro meu, faz um ano e meio. Tenho SANTA FÉ que ele agora CHAME GENTE para cumprimentá-lo no Além. Divertidas as próximas baladas no céu.

Aqui na Terra, ficam as SAUDADES DO GALINHO, saudades minhas, saudades nossas desse rubro-negro que soube levar a vida como novo baiano e autêntico carioca. Solto um GRITO DE GUERRA: Agora, como é que eu fico nas tardes de domingo sem a LENDA DO PÉGASO para aplaudir? O CAMINHÃO DA ALEGRIA freou.  PAROU POR QUÊ, POR QUE PAROU? Só Deus há de saber. E ISSO AQUI O QUE É? Ainda estou sem resposta.

Eis aqui o meu respeitoso e apaixonado POEMA DO ADEUS.

Ari Gomes + Ricardo Leoni

LENDAS DA FOTOGRAFIA

entrevista: Sergio Pugliese | texto: Mauro Ferreira | vídeo e edição: Daniel Planel

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Na religião dos lambe-lambes esportivos, Ari Gomes é Jesus Cristo. Não foi crucificado, nem morto e jamais sepultado. Sobrevive, câmera em punho, aos 74 anos, ainda na ativa, sempre atrás da foto perfeita, sempre atrás daquilo que o olho comum não enxerga.

Um clique.

A primeira vitória de Ayrton Senna, o recorde de João do Pulo, cinco Copas do Mundo, quatro Olimpíadas… Pelé. Ao longo dos anos, Ari acumulou afetos; pelo trabalho e pelo jeitão carinhoso, fanfarrão, gozado. Carioquice explicada pelo nascimento de parteira no morro da Formiga, na Tijuca. Filho de fotógrafo consagrado (Ângelo Gomes), contrariou o pai e não fez a faculdade de medicina.

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Viajou o mundo. Armazenou uma infinidade de histórias e várias e várias malas de conhecimento. Faz questão de lembrar – com ênfase, diga-se – que sua bagagem vem do convívio com três ícones do jornalismo esportivo: Oldemário Touguinhó, Sandro Moreyra e João Saldanha.Com eles aprendeu manhas e malandragens. E a fotografar com os dois olhos abertos.

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Ao lado de Ricardo Leoni – parceiro, vizinho e também fotógrafo -, brinca de fotografar. Ambos cobrem jogos e competições da Liga Petropolitana de Desportos (LPD). Ela serve como um óleo antiferrugem. Leoni abre um livro de elogios ao amigo. Lembra, quando em O GLOBO, que era impossível vencer a foto matadora do JB na sua edição de segunda-feira. E ela era quase sempre assinada por Ari. Diz não ter conhecido fotógrafo igual e ressalta que a alta qualidade profissional do amigo jamais foi usada para se achar mais que qualquer outro companheiro.

Um clique.

Ricardo Leoni é o mestre da luz e da cor, afirma Ari Gomes. A rebatida vem mais pesada: Ari Gomes é o mestre dos mestres, assegura Leoni. Bola pra cá, bola pra lá, não há vencido ou vencedor. A opinião dos colegas – amigos e inimigos -, leva Ari Gomes ao Olimpo. Todos são unânimes em afirmar que o galã de olhos azuis hipnotizantes é o melhor dos fotógrafos esportivos.

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Ari sente falta de a foto surgir no papel, de levar o filme para revelar na câmera escura. De escolher os hotéis pelos banheiros, das redações, das festas com os atletas. Ari sente falta da primeira página de segunda. Ari sente falta do elogio. E com razão. 

Um clique. 

Mas Ari, na religião dos lambe-lambes esportivos, você é Jesus Cristo. Não foi crucificado, nem morto e jamais será sepultado. 

Um clique.

MEU TIO LEO, MEUS BOTÕES, MEU ANTIGO LEBLON E JADIR

por André Felipe de Lima


Meus dois primeiros times de botões foram do Vasco e do Fluminense. Na época, os que mais se destacavam no futebol do Rio. Sobretudo o tricolor e sua máquina devastadora, com Carlos Alberto Torres, Paulo Cezar Caju, Rivelino, Gil, Doval… time indigesto. O meu Vasco tinha Mazzaropi, Marco Antônio, Roberto Dinamite, Zanata, Zé Mário… timaço também, ora essa. Quem deu a mim os dois times de botões foi meu querido e saudoso tio Leônidas, irmão do meu pai.

Cresci ouvindo do tio Leo a paixão que tinha pelo Flamengo. Talvez fosse essa paixão que o fez presentear-me dias depois com um time de botões do Flamengo. Como rubro-negro ferrenho, ele não daria um mole desses. Meu tio sempre tentou (em vão, frise-se) me convencer de que torcer pelo Flamengo era o melhor a fazer e coisa e tal. Não caí na esparrela do titio, obviamente. Mas nunca esqueci o amor que ele sentia em especial pelo Flamengo tricampeão carioca de 1953, 54 e 55. Nunca me esqueci da linha média daquele esquadrão porque o tio Leo sempre que falava de Flamengo citava-a: Jadir, Dequinha e Jordan. Os três também foram “botões” e ídolos do meu tio.


O destino — veja você — nos dá uns nós estranhos. Jordan acabaria entrevistado por mim décadas depois. Foi sua última entrevista. Morreria dois anos após nosso papo, completamente esquecido, em um leito de hospital público e com as duas pernas amputadas por causa da maldita diabete, que também passou a me perturbar um pouco na virada dos quarenta. Dequinha, o grande volante daquele Flamengo do segundo “tri”, disputou todas as partidas dos três títulos. Feito que deveria estar em algum “Guinness da vida”.

Meu filho mais velho, hoje um homem com seu respeitável um quarto de século de vida, tinha somente oito anos e jogava botão comigo. Do nada, simplesmente do nada, virou-se para mim e perguntou quem foi o Dequinha. Foi ali que comecei a juntar tudo sobre a história dos ídolos do futebol. O que hoje leem do que escrevo sobre eles brotou ali, naquela pergunta do meu filho. E o Jadir? Bem, o Jadir, hoje, dia 9 de abril de 2020, faria 90 anos. Jadir Egídio de Souza, um dos ídolos do meu tio Leônidas. E pensar que o Jadir morava na rua Ataulfo de Paiva, no Leblon, onde também morei até meus nove anos de idade. Éramos (quase) vizinhos. Talvez nem meu tio e nem meu pai soubessem disso. Talvez eu tenha cruzado com o Jadir no caminho até a padaria do seu Carlos ou a banca de jornal, na esquina da rua Rainha Guilhermina com a Ataulfo, sem me dar conta de que ali estava o Jadir, um ídolo do Flamengo. Ou mesmo tenha esbarrado no Jadir, no bar Jobi, se identificá-lo.


A portaria do prédio em que morei ficava ao lado do saudoso botequim, que hoje se tornou elitizado. Chato. Ia lá para comprar cerveja e cigarro para o meu pai. Jadir deve ter passado por mim várias vezes naquele Leblon intimista e com uma carinha espontaneamente informal que hoje já não ostenta mais. Ficou artificialmente “fashion”. O Leblon do Jadir era o meu Leblon também. O Leblon do Caneco 70, da Pizzaria Guanabara, da La Mole, do Pancake Bar (o antigo, claro), do Gordon, da carrocinha da Geneal na praia, do biscoito Globo e do mate e caju do figuraça Vicente. Um Leblon que não visito mais porque o passado o levou.

ACHADOS

por Claudio Lovato Filho


Nestes tempos de isolamento social, ele tem feito um verdadeiro trabalho de arqueologia em velhas caixas de sapato, pastas de papelão e sacos de lixo transformados em arquivos.

Certo dia encontrou seu time de botões, que ele acreditava que se extraviara na última mudança de endereço. Os botões foram presente de um velho amigo, um irmão a quem ele jamais tivera a coragem de informar a (suposta)perda.

 Naquele mesmo dia, em um dos sacos azuis de lixo, ele reencontrou o button de um dos clubes mais tradicionais da Inglaterra, lembrança de um jogo que assistiu no velho Wembley, em meados dos anos 90. Lembrou-se então da viagem a trabalho e da sorte que teve ao ser presenteado por um colega de empresa com um ingresso destinado a clientes e parceiros da companhia. O button estava dentro da revista produzida especialmente para o jogo. 

 Em outro dia, no fim da tarde, pôs as mãos e os olhos, depois de muito tempo, nos ingressos para os jogos que assistiu na Bombonera (Boca x Rosário Central), no Centenário (Peñarol x Nacional), no velho Alvalade (Sporting x Metz) e no Brígido Iriarte (Caracas x Deportivo Táchira).

 Foi em um sábado de manhã, entretanto, que ele encontrou uma foto que o fez interromper, naquele dia e nos outros dias que se seguiram, as buscas que vinha empreendendo. 

 A foto, guardada em umas daquelas pastas com elástico, mostrava um jovem, um garoto de 19 anos recém-completados, o rosto cheio de espinhas, o cabelo comprido, o sorriso de quem achava que havia compreendido todos os mistérios do mundo, ao lado de um senhor calvo, de óculos, barriga proeminente, pele bronzeada e o sorriso aberto e contagiante de quem estava pouco se lixando para os mistérios do mundo. 

Ali estavam, naquela foto em papel que já havia adotado a forma de canoa, ele e o avô, sob um céu muito azul, nas arquibancadas superiores do estádio que era então o maior do mundo. 

O avô que era apaixonado por futebol e pela vida, o avô que caminhava no calçadão da praia todo santo dia e, de 20 em 20 metros, encontrava um amigo, o avô que se foi aos 74 anos, levado por uma doença contra a qual todos os tratamentos e medicamentos pouco puderam fazer. O avô que nunca perdeu a alegria e a vontade de viver.

Naquele dia, ele recolocou a foto na pasta e então pensou,mais uma vez, que lidamos com forças muito superiores aos nossos desejos e às nossas certezas, que o “acaso” e o “aleatório” são apenas formas distintas de nomear essas forças e que a única resposta que cabe nisso tudo, a resposta que devemos dar para nós mesmos, é de que é preciso prosseguir, seguir, continuar indo em frente, tentando levar conosco apenas aquilo que dá sentido a essaininterrupta caminhada da qual somos partícipes e protagonistas, o supremo privilégio que nos foi concedido.