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A SELEÇÃO QUE ME FEZ CHORAR NA QUARENTENA

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Estou fugindo do Coronavírus, em Angra, na casa de meu amigo Wilson de Souza Filho, rubro-negro e boleiro dos bons. Não estou vendo tevê, nem acompanhando o noticiário, mas continua atendendo ligações e uma delas foi de um jornalista da revista France Football. Falamos sobre minha carreira, polêmicas, títulos e derrotas. No fim, fez aquela pergunta que o pessoal da resenha adora: qual a melhor seleção, a de 58 ou a de 70? Me lembrei de um vídeo do Afonsinho e sua reação ao ver uma foto do time de 58 formado. Ele chorou e falou “esses são os santos de meu altar”.

Esse sentimento resume o que essa geração representou para nós. Um grupo com Pelé, Garrincha, Nilton Santos e Didi não pode ser comparado com nenhum outro na história do futebol. Realmente são os santos do altar de quem enxerga esse esporte como uma arte. A de 70 foi fantástica, mágica, inesquecível! Pela qualidade dos adversários pode ser considerada a melhor Copa de todos os tempos, afinal estreamos contra a seleção tcheca, campeã europeia, com Petrás e Kuna, depois contra a Inglaterra, de Banks e Bobby Moore, campeã mundial, e Romênia, vice-européia. Depois, Peru, do técnico Didi, Uruguai, de Ancheta, e a final contra a Itália, de Mazzola. O nível era muito bom. Mas, olha, não dá para esquecer da de 50, do grande Barbosa, Zizinho, Jair da Rosa Pinto, Chico, Friaça e Ademir Menezes. Era um timaço!

A de 62 era praticamente a de 58, mas tinha Amarildo, o Possesso, que mostrou o seu potencial quando precisou substituir Pelé. A de 82, nem se fala, Zico, Falcão, Éder. Carregam um peso cruel por não terem trazido o caneco. O futebol tem dessas coisas. Sobre as outras seleções não me sinto confortável porque o estilo passou a ser outro, muita retranca e um futebol pragmático, sem a magia de outrora. Mas coloco Rivaldo, Romário, Bebeto, Ronaldo Fenômeno e Ronaldinho Gaúcho na galeria dos maiores do mundo.

Respondi para o jornalista da France Football que a de 58 foi incomparável, mas pelo nível enfrentado pela de 70 o ideal seria colocar uma em cada tempo. Quando terminei a ligação procurei uma foto de 58 no Google: Gylmar, Djalma Santos, Orlando, Bellini, Nilton Santos, Zito, Didi, Garrincha, Zagallo, Vavá e Pelé. De repente, Wilson, meu amigo, cutucou o meu ombro e quis saber por que eu chorava. Mostrei a foto e ficamos os dois vidrados como se aqueles artistas da bola estivessem bem ali na nossa frente, entrando em campo para mais um espetáculo.

Pablo Forlán

TAL FILHO, TAL PAI

por Paulo Escobar

No Uruguai, os Forlans são sinônimo de futebol. Nesta família, dedicada ao esporte, e que vive do mesmo, Pablo Forlán é referência de raça e de idolatria pelos clubes que defendeu.

Naquela tarde de verão pedalando numa magrela a caminho de encontrar Pablo, penso que estava indo encontrar um sinônimo do futebol duro e pegado. O próprio Nei o apelidou do “Rei da Pancada”. Não deu moleza àqueles que enfrentou e pegou uma época de muita habilidade.

Pablo deu seus jeitos de parar muitos dos que teve encarar, e com certeza também deve ter perdido suas noites de sono pensando naqueles que viriam a sua frente. Ao me encontrar com o ídolo tricolor, Pablo me recebe com um abraço e já de antes de ligar a câmera começamos a resenhar a histórias e lendas das quais ele fez parte.

Sem mais fiquem a seguir com Pablo Forlán.

 

 

A CONSAGRAÇÃO DE PAULO GOULART

por Luis Filipe Chateaubriand


Naquela tarde de Domingo de 1980, Fluminense e Vasco da Gama decidiam o título do primeiro turno do Campeonato Carioca.

Quem ganhasse o jogo seria o clube campeão, havendo prorrogação e cobrança de pênaltis, caso necessário.

O jovem time tricolor formou com: Paulo Goulart; Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubens Galaxy; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho (Mário Jorge), Cláudio Adão e Zezé (Adilço).

O experiente time vascaíno formou com: Mazzaropi; Paulinho Pereira, Orlando, Léo e João Luiz; Pintinho, Guina (Dudu) e Marquinho; Wilsinho, Roberto Dinamite e Paulo Cezar Caju (Silvinho).

Início de jogo, domínio territorial do Fluminense, mas nada ameaçador.

Logo aos oito minutos de jogo, Paulo Cezar Caju bate escanteio para fazer gol olímpico, mas Roberto Dinamite ainda escora a cabeça na bola antes desta entrar.

Vasco da Gama 1 x 0.

Então, pelo resto do primeiro tempo, o Fluminense exerce domínio, “corre atrás do prejuízo”, mas apenas aparente, pois não cria chances reais de gol e, aliás, são os cruz maltinos que o fazem, em contra ataques.

Vem o segundo tempo é tudo muda, pois, logo aos dois minutos, o tricolor empata, em cruzamento da direita do canhoto Zezé, de pé trocado, em que Cláudio Adão mata a bola no peito, se enrosca com dois vascaínos mas, mesmo assim, consegue emendar de esquerda por baixo de Mazzaropi, para o fundo das redes.

O jogo está 1 x 1.

Agora é o Fluminense que manda no jogo, com domínio territorial e chances concretas de marcar tentos.

As expulsões de Wilsinho e Edinho, aos 18 minutos da etapa complementar, não mudam o cenário.

Perante o avassalador domínio tricolor na segunda parte do jogo, merecia a vitória, mas, como não fez o gol, veio a prorrogação.

Esta foi chata e arrastada, embora o domínio do Fluminense também tenha acontecido.

E vieram os pênaltis.

Veio a consagração de Paulo Goulart, como atuação trôpega no tempo regulamentar, mas que já havia pegado vários pênaltis na carreira, até de Zico e de Roberto Dinamite, mas, desta vez, iria decidir o título ao fazê-lo novamente!

Ao defender as cobranças de Dudu e de Orlando, deu o título ao clube das Laranjeiras.

Paulo Goulart ficou tão famoso como pegador de pênaltis, depois da decisão, que foi nos Trapalhões, onde defendeu um penal chutado por… Pelé!

É mole ou que mais?

 

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada.

O DIVINO ADEMIR DA GUIA: LENTO… E DAÍ?

por André Felipe de Lima


A crítica mais mordaz contra Ademir foi a de ser um jogador lento. Bobagem que foi insistentemente escrita e dita pela imprensa nos quase 20 anos de carreira do craque. Ademir não precisava correr muito porque suas passadas eram largas. Nada mais que isso. “Muita gente dizia que eu era lento. Até mesmo eu dizia. Em 1965, uma frase que eu havia dito transformou-se em manchete no caderno de esportes de um jornal: ‘Sou lento, mas não vou mudar.’

Ademir da Guia justificava o estilo por ser oriundo do Rio, onde se jogava um futebol mais cadenciado, mais compassado. Mas, para a imprensa paulista, a opinião de Ademir não convencia. “Durante muito tempo Ademir ficou no Parque Antártica aguardando uma oportunidade para surgir no conjunto esmeraldino. Houve inclusive quem esquecesse que Ademir pertencia ao Palmeiras. Todavia, quando a oportunidade chegou. Ademir não conseguiu aproveitá-la de acordo. Mostrou que é um craque na acepção da palavra, que sabe manobrar com a pelota. Entretanto, seus maiores inimigos foram exatamente os excessos de classe e lentidão. Com a bola nos pés, Ademir é um portento, porque sabe entregá-la com perfeição. Porém, sem ela, Ademir é figura decorativa no gramado, pois é lento demais e não é jogador que dê combate ao adversário para desarmá-lo […] É preciso considerar que há muita distinção entre o futebol jogado na Guanabara e o que se pratica em São Paulo. Lá, corre mais a bola que o jogador, pois é um futebol acadêmico, sem muito empenho individual. Aqui, as coisas são bem diferentes, pois é preciso garra, rapidez, entusiasmo, vibração. Estes argumentos destroem o garoto Ademir que, absolutamente, não conseguiu e tampouco conseguirá se adaptar ao futebol bandeirante.”

Ora, reconhecem-no “craque” e, mesmo assim, pediam que o devolvessem ao futebol carioca. O futuro tomaria conta da verdade sobre Ademir, provando aos seus críticos que ele, o “Divino”, estava fadado a ser o maior de todos os tempos no Palmeiras. O fundador legítimo da “Academia palmeirense”. Um estilo “acadêmico” de jogar bola que, como o próprio repórter despeitado escreveu, era genuinamente “guanabarino”.

A imprensa paulista só se renderia à genialidade de Ademir em 1964: “Ademir ‘tapou a boca’ de muita gente”, escreveram. Não havia mais o que falar [mal] do craque “guanabarino”. Até da Itália choviam propostas milionárias. Tudo na casa dos 300 milhões de cruzeiros. Ninguém confirmava, nem mesmo Ademir ou os cartolas do Palmeiras, mas a especulação corria solta na imprensa. Ademir desconversava, dizia que só sairia do Brasil depois de 1966. Tinha esperanças de ser convocado para a seleção brasileira que iria a Copa do Mundo a ser realizada na Inglaterra. E os jornalistas paulistas comentavam: “Está no caminho certo de Londres”. Mas com ressalvas.

Para o jornalista Armando de Castro, Ademir melhorara, contudo precisava desvencilhar-se da timidez para seguir adiante com brilho na carreira. “Agora, Ademir, resta ir em frente. Deixar para lá esse excesso de humildade e retomar o lugar que, de direito, lhe cabe dentro do ‘Esquadrão de Ouro’. Afinal, um ‘divino’ não se pode misturar a simples mortais…”

Conclui-se, portanto, que a posição na qual o craque jogava traz, até os nossos dias, um atavismo. Jogador meia-armador é execrado num dia e no outro recebe glórias aos montes. O périplo de Ademir da Guia nos campos de futebol foi assim. Sua personalidade nunca fora abalada com as críticas ou elogios. Manteve-se sempre sereno, surpreendentemente para a pouca idade que ostentava nos primeiros tempos de Palmeiras. Arroubos juvenis não combinavam com seu estilo consciencioso, dentro e fora dos campos. Em 1966, um cronista francês declarou: “Os brasileiros encontraram em Ademir da Guia o substituto ideal do grande meia Didi, talvez melhor, pois seu futebol é exuberante, pleno de beleza.”


Jornalistas argentinos definiam-no como um dos dez mais do futebol mundial em 1966. Elogios desse porte não o deixavam com nenhum sinal de máscara. Nem na juventude e tampouco na fase mais madura de seu extraordinário futebol.

Em 1971, corria um boato no Palmeiras de que os “mais velhos” receberiam passe livre. O ano não tinha sido bom para o time e as reclamações vinham de todos os lados, sobretudo dos cartolas. Na mira da diretoria estariam Nelson, Dudu, Hector Silva, Dé e Ademir da Guia: “Eu sei o que reclamam. Não leio jornais, não escuto rádio, não vejo televisão, mas sei o que reclamam […] Reclamam que eu não lanço e que sou lento, como sempre. Acontece que, sem querer me defender, o time do Palmeiras sempre teve esse estilo”. Reclamaram tanto que Ademir, coberto de razão, liderou o time ao “bi” brasileiro, em 1972 e 73.

Quando a carreira de Ademir ia se aproximando do fim, em 1976, sobrou-lhe, contudo, tempo para mais uma conquista. Como fiel parceiro de meio-campo, Dudu, conquistou o campeonato paulista de 1976, derrotando, na decisão, o XV de Novembro de Piracicaba.

Após o título, o time foi desfigurado. Ademir acreditava ter mais alguns anos de carreira. Ledo engano. Em 1977, durante o campeonato paulista, o “Divino” queixava-se de uma insistente dor na garganta. Do campo para a mesa de cirurgia. Pouco adiantou. Restou ao craque deixar os gramados no dia 18 de setembro do mesmo ano, em uma partida contra o Corinthians, que venceu a peleja por 2 a 0. Ademir não aguentou até o final da partida e foi substituído por Picolé.

No Palmeiras, Ademir da Guia ficou de 1961 a 1977. Disputou 901 partidas com a camisa do Verdão. Um recorde que até hoje ninguém conseguiu quebrar. Venceu 509 vezes e empatou 234. Fez 153 gols. Mas como foi a presença de Ademir da Guia na seleção brasileira? A resposta é das mais inusitadas: não foi.

Amanhã, no quinto e último capítulo da série “O Divino Ademir da Guia” a decepção com a seleção brasileira e o fim da carreira do genial craque palmeirense.  Até lá.

O DIVINO ADEMIR DA GUIA: ENFIM, O PALMEIRAS

por André Felipe de Lima


Chamar um jogador de bonde é, dependendo das circunstâncias, uma indelicadeza. Chamar um craque, um gênio  como Ademir da Guia de bonde é crime de lesa pátria. É pecado amoral, diria Nelson Rodrigues. E o cartola do Bangu Mauricio Cesar Buscácio cometeu este desatino, sem direito a sursis ou qualquer coisa que o valha. Depois do sucesso estrondoso de Ademir no torneio internacional de Nova Iorque conquistado pelo Bangu, em 1960, e na edição seguinte, em 1961, quando a imprensa divulgava que o Barcelona pagaria 16 mil dólares para tê-lo, o presidente do Bangu mandou redigir em ata ter “vendido um ‘bonde’ para o Palmeiras por três milhões e oitocentos mil cruzeiros”. 

Mas a rusga do cartola não era, propriamente, com Ademir e sim com o pai do jovem craque. “O presidente do Bangu, naquela época, não me olhava com muito carinho. Outros dirigentes achavam que o Ademir não se firmaria na equipe principal. Eu tinha vontade de levá-lo para outro time”, confessou Domingos da Guia a Kleber Mazziero, biógrafo do filho. Até enterro simbólico do presidente do clube de Moça Bonita a torcida banguense fez na porta da sede do Bangu. Tudo em vão. Ademir iria mesmo embora.

Domingos deu a notícia ao filho: o destino é o Palmeiras. No dia 7 de agosto de 1961, Ademir assinara o contrato com o novo clube. Receberia um salário mensal de 35 mil cruzeiros. O pai, naturalmente, emendou alguns conselhos, o principal deles de que o futebol de Ademir era “de berço” e que, portanto, deveria se cuidar no campo, durante os contratos e na vida pessoal. “Nada de farras”. Ademir, ao longo de uma das mais brilhantes carreiras de um jogador de futebol, seguiu as recomendações do pai rigorosamente à risca.

Embora a animosidade entre os Da Guia e a diretoria do Bangu fosse explícita, o próprio Ademir reconheceu a ajuda financeira que o clube carioca ofereceu: “O Bangu me premiou com 300 mil cruzeiros, em sinal de gratidão pelos anos que o defendi, e o Palmeiras me deu, a título de luvas, um milhão e quinhentos e quarenta mil cruzeiros”. Há, contudo, uma contradição quanto ao valor das luvas. O jornal O Globo, em edição do dia 8 de agosto de 1961, afirma que Ademir recebeu de luvas 540 mil cruzeiros e não os mais de um milhão de cruzeiros, como afirma o próprio jogador, segundo informou a Gazeta Esportiva.

Levaria, no entanto, um tempo até Ademir se firmar no Palmeiras. Na posição de meia-atacante havia Chinesinho e na de centromédio, Zequinha. Ademais, um incômodo problema dentário atrapalhava sua performance e retardava sua estreia. “Além de não me encontrar em perfeitas condições físicas, estou fazendo um tratamento dentário que tem prejudicado sobremaneira minha recuperação.”

Em 1961, Ademir disputou apenas um jogo amistoso, contra a Associação Esportiva Promeca, em Jundiaí, no dia 10 de dezembro. Venceu por 2 a 0 sob o comando de Rubens Minelli. Como Chinesinho fora vendido para o futebol italiano, ficaria, em tese, mais fácil para Ademir da Guia assumir a vaga de titular, mas Hélio Burini, oriundo da Itália, também disputava a posição. A ascensão foi paulatina. Mas era flagrante que deixavam-no numa “salmoura” e a imprensa paulista já questionava se teria valido a pena pagar “milhões” pelo passe de um garoto que sequer era escaldo para amistosos. “Se algum outro clube o pretender, terá que pagar caro, embora a hipótese seja remotíssima. Afinal, quem vai se interessar por um craque que, até o momento, só se exibia nas colunas dos jornais?”

No dia 8 de abril de 1962, Ademir vestiu, enfim, a camisa 10 pela primeira vez na vitória de 4 a 2 sobre o Esporte Clube Paulista, em Santa Bárbara d’Oeste. A primeira partida oficial com o Verdão aconteceu, contudo, no dia 14 de julho, no Pacaembu, contra o Taubaté em jogo válido pelo campeonato paulista. Ademir jogou com a camisa seis e o Palmeiras venceu de 5 a 1.

Ademir, cujo primeiro apelido no clube era “Formigão”, por comer muito nas concentrações, teve de atuar em várias posições naqueles primeiros momentos em que vestiu a camisa do Palmeiras. Foi de centroavante a volante. E não foi somente no time de profissionais. Jogava também no time de aspirantes, tanto que conquistou o campeonato paulista da categoria em 1963. Naquele ano, a tão esperada chance aconteceu. O técnico Geninho o escalou como titular e a resposta viria com o título de campeão paulista para o “Palestra”. Uma conquista memorável que interrompeu a saga de títulos estaduais do Santos de Pelé e Coutinho, que “graças” ao Palmeiras de Ademir não se tornou tetracampeão.

Ademir sempre manteve um relacionamento profícuo com os treinadores que passaram pelo banco do Palmeiras. O “mago” Oswaldo Brandão foi um deles. Com o novo técnico, que chegou ao clube em 1972, o elenco foi reduzido e surgiu a segunda “Academia” palmeirense depois do sensacional esquadrão da década de 1960. 

Ademir esteve nas duas “Academias”. É o maior símbolo de ambas.

GOL E TÍTULO INESQUECÍVEIS


Escolher o gol mais bonito da carreira de Ademir da Guia é tarefa das mais complicadas. Foram muitos. Mas o craque acredita ser o mais genial o que assinalou em 1964, contra a Prudentina, no Parque Antarctica. O jogo terminou 4 a 1 para o Palmeiras. “O Ademar entrou pela direita e atrasou a bola para mim, na altura da intermediária do time deles. Matei a bola no peito e resolvi entrar sozinho. Tive sorte. Driblei o primeiro zagueiro e, em seguida, o zagueiro da sobra. O goleiro Glauco saiu e eu tive de driblá-lo com uma finta seca, que me fez perder o ângulo. Não me afobei e voltei uns passos. Quando tive um ângulo melhor, chutei no alto.” 

Em clássico contra os grandes paulistas, Ademir balançou a rede diversas vezes. Contra o São Paulo, apenas Evair o supera em gols pelo Palestra, com nove tentos. Ademir marcou oito. Contra o Santos e o Corinthians, fez sete e quatro, respectivamente.

Dos títulos com a camisa do Palmeiras, o mais vivo na memória de Ademir é o conquistado em 1974 numa das partidas mais difíceis do alviverde contra o Corinthians, que aguardava o título paulista há 20 anos. O time do parque São Jorge era o favorito porque lá estava o reizinho Rivelino. Se eles tinham um “rei”, o Palmeiras tinha o “Divino”. 

Na série de reportagens “Meu jogo inesquecível”, publicada pela revista Placar , Ademir conta sobre a inesquecível partida contra o Corinthians: “O nervosismo que tomava conta dos jogadores, no entanto, denunciava: a partida era muito especial. O Corinthians não ganhava um titulo desde de 1954. Por isso, entrou em campo como se partisse para uma guerra […] Subimos os degraus que dão acesso ao gramado do Morumbi e, quando concluímos a caminhada, avistamos a multidão. Eram 120 mil torcedores, 70% dos quais torciam pelo Corinthians. Pior, todos estavam enlouquecidos para ver o alvinegro voltar e ser campeão […] uma cobrança de falta violenta do Rivelino acertou a cabeça do Dudu, na barreira. Ele caiu desmaiado e saiu de campo. Poucos minutos depois, estava de volta […] O cruzamento do Jair Gonçalves encontrou Leivinha, que subiu mais do que toda a defesa e cabeceou. A bola caiu exatamente no pé direito do Ronaldo. O chute saiu forte, indefensável, no canto esquerdo de Buttice, goleiro argentino do Corinthians. […] Uma emoção incalculável. Prova disso é que vários atletas foram ao Parque Antártica comemorar junto com a torcida mais um título para o Palmeiras. Eu preferi ficar em casa. A noite ainda assisti o videoteipe da partida. Tudo funcionava como se eu acabasse de participar de apenas mais uma, entre as muitas partidas da minha vida. A vitória contra o Corinthians, a faixa de campeão e tudo o que se passou dentro do campo, no entanto, garantiam que aquele tinha sido o melhor de todos os jogos.”

Amanhã, no quarto e penúltimo capítulo da série “O Divino Ademir da Guia” você recordará os títulos inesquecíveis do maior ídolo do Palmeiras em todos os tempos. Até lá.