CUTUCANDO ONÇA COM VARA CURTA
por Valdir Appel
O extinto Ceub, de Brasília, fazia boas apresentações no Campeonato Brasileiro de 1974. Vencera bem seu último compromisso e estava preparado para encarar o Santos, da Vila famosa, quarta-feira, no recém-inaugurado estádio Mané Garrincha.
Uma TV local promovia, às segundas-feiras, uma mesa redonda, onde discutia a rodada do Brasileirão, e o convidado bola da vez foi o recém-promovido a técnico, Cláudio Garcia, que encerrara no próprio Ceub uma brilhante carreira de jogador. Ainda desprovido das malícias do novo cargo, Cláudio foi presa fácil dos analistas do programa.
Perguntaram ao incauto treinador:
– Quem vai marcar Pelé?
Cláudio respondeu que Pelé não era mais o mesmo jogador, suas funções em campo agora estavam voltadas para a preparação das jogadas, finalizadas pelos atacantes Euzébio e Neném.
Portanto, encarregaria aquele jogador que estivesse mais próximo do Rei o dever de marcá-lo. Cláudio não diminuía a genialidade do Pelé, apenas apontava mudanças em suas características.
Com a evidente intenção de promover o espetáculo, os jornais destacaram em suas manchetes no dia seguinte:
– Cláudio Garcia diz que Pelé não é mais o mesmo.
O público lotou o estádio para conferir as palavras do Cláudio. Em campo, o ponta-esquerda Edu virou-se para o lateral Rildo, com quem jogara no Santos, e disparou:
– Vocês estão fodidos e mal pagos! O negão, sozinho, vai dar conta do teu time. Ele tá uma fera com o teu treinador.
E foi o que aconteceu. Com jogadas geniais e um gol antológico, Pelé matou a pau, levando o seu time à vitória, apesar da primorosa atuação do Ceub.
As manchetes dos jornais de quinta-feira foram implacáveis:
– Cláudio Garcia tinha razão: Pelé não é mais o mesmo… está muito melhor!
MARACANÃ, ADEUS
por Zé Roberto Padilha
Estava de férias na casa de minha irmã, em Angra dos Reis, quando recebi um convite para defender o time dos marinheiros. O pessoal do cais soube por ela que jogara bola e havia um clássico local no sábado, no Frade, contra o campeão da liga amadora.
Estava com 42 anos e havia encerrado minha carreira no Bonsucesso FC, sete anos antes, mas jamais deixei de exercitar-me apesar do joelho trioperado requerer extremos cuidados. A chuteirinha, já desgastada, sempre nos acompanhou nas viagens e não seria problema, estava no carro além do kit sobrevivência formado por um tubo de Balsamo Bengué, com salicilato de metila, um envelope de Rehidrat e cápsulas de Cebion.
Quando cheguei ao estádio, modesto e pouco gramado, tomei até um susto. Casa cheia, gente saindo pelo ladrão, deveria ser o programa obrigatório daquele balneário simples que sustenta os hospedes dos reis que Angra acolhe com seus marinheiros, cozinheiras, porteiros e babás. Ou se tratava de uma revanche que pouco comentaram a respeito.
No vestiário, pedi a camisa 11 para ficar a vontade e me posicionei aberto na ponta esquerda aquecendo. O lateral direito que me marcaria, não estava em sua posição, mesmo diante da saída iminente da bola a nosso favor batia papo com o zagueiro central. Seu comentário passava em letras garrafais no telão imaginário: “Olha o coroa que vou pegar. Acho que hoje vou deitar e rolar!”.
Pedi que me passassem a bola, recebi um pouco a frente e parti em velocidade pelos caminhos abertos, e em cinco toques estava na cara do goleiro. O lateral só notou que a partida começara no terceiro toque, pois no quarto já passara por ele e no quinto chutava a bola com raiva para o gol (onde já se viu, não respeitar o meu passado?) .
O goleiro defendeu, ela voltou em minha direção e entrei com bola e tudo. O silêncio do estádio só foi interrompido com a bronca que todo o time dera no lateral, que subestimara o velhinho, e o gol mais rápido da história do Frade fora registrado naquela tarde.
Gato preto contra rato calvo, a partir daquele momento começou a caça do lateral sobre mim. E ele pagou cada pré julgamento com deslocações constantes, passes precisos e um preparo físico que ele jamais imaginou enfrentar diante dos amigos que debochavam dele o jogo todo junto ao alambrado. Vencemos a partida e dia seguinte meu joelho, inchado e dolorido, contrastava com o orgulho de ter feito uma grande partida.
Descobria ali que não é o ostracismo que nos atiram após a profissão que nos machuca. É o oxigênio do prazer de exercer uma vocação que desde menino se aflora e nos destaca. Sem a bola nos pés, somos mais um respirando o ar das multidões. Trata-se da meta atingida pelo caixa da Caixa, a petição triunfal, a nota 10 do doutorado, o reconhecimento do chefe. A promoção que pede um brinde e uma comemoração. O recital perfeito ao piano. Cada um com seu dom, e ele te diferencia, te faz importante e justifica sua presença aqui na terra.
Demorei quinze anos buscando este oxigênio por gramados cada vez mais vazios. E trazendo de lá as articulações, e o conceito duramente alcançados, cada vez mais comprometidos. Até que meu pai, à beira de um dos últimos embates, nos chamou a atenção pelo tempo da bola que se perdia, a passada que se desconectava do lançamento, o domínio e a habilidade que as lesões impediam. “Você, meu filho, tem um nome a zelar. Está na hora de parar!”.
Desde então resolvi estudar. Primeiro jornalismo, agora História. Escrever o que vivi e não mais empanar o que joguei. Nunca mais encontrei um lateral daqueles para enfrentar a não ser em sonhos, e das lembranças do Maracanã, nem ouso por perto passar. Dizem que é lindo no padrão FIFA, mas fico a imaginar o que fariam, hoje, Gerson, Rivelino, Paulo César Caju e Zico com um gramado daqueles, um Digão na zaga, uma bola tão leve e uma chuteira que parece uma pluma?
Assistam Pelé Eterno., certamente tal personagem se aproximaria do ET que fez o papel principal.
ORTOPEDISTA, PELADEIRO E RESENHEIRO
Uma pelada para ser considerada “show de bola”, depende de três personagens: do peladeiro, do cara que fica para a “resenha” e de um ortopedista para consertar qualquer estrago. Pois o nosso querido Dr. Clóvis Munhoz é craque nos três quesitos.
Como médico, cuidou dos nossos ossos e músculos. Quando jogava era conhecido como “Mister Parker 61”, o “Rei das Canetas!”. Bola entre as pernas do desavisado oponente, era sua marca registrada. Além do que, sabia tudo de bola.
Porém, como “resenheiro” – aquele que, pós pelada, fica para aquele papo, regado à muita cerveja e quitutes, o Dr. Clóvis é imbatível! Uma prova disto é essa entrevista que vamos assistir em seguida…
texto: Armando Pittigliani
DE CRAQUE PARA CRAQUE: A VIRADA
texto: Marluci Martins | edição de vídeo: Daniel Planel
Até o futebol, uma aglomeração necessária na vida, ficou para escanteio, na dividida cruel entre a vida e a morte. Vivemos assim nesses tempos de pandemia, com mais derrotas do que vitórias, mas acreditando na virada que há de vir.
A bola está com os profissionais da saúde. O gol é deles. Quem se acostumou a ser aclamado agora aplaude e torce. Por eles.
Quando Zico, o primeiro a ser acionado por WhatsApp, enviou seus aplausos em vídeo como quem corre decidido para a bola, bateu aquela certeza de que um verdadeiro escrete entraria no campo do Museu da Pelada para reverenciar quem pode fazer, hoje, a diferença nesse jogo, o time de profissionais da saúde. Deu no que deu. Craques aplaudem craques.
Vamos virar.
VOLTA NILTON, VOLTA!
por Victor Kingma
O futebol, essa paixão nacional, é feito de histórias, muitas delas fantasiosas, fruto da imaginação dos torcedores.
Assim, através dos tempos, cada gol ou lance inusitado que tenha acontecido numa partida, são contados pelos boleiros de forma diferente, onde são acrescentados novos detalhes e até outros personagens para o mesmo fato, quase sempre envolvendo figuras marcantes do futebol.
E essas histórias acabam entrando definitivamente para o folclore do velho esporte bretão.
Entretanto, existem aquelas que se tornam verdadeiras lendas e possuem registros oficiais que as comprovam, a despeito de pequenos detalhes que possam ter sido acrescentados pelo imaginário dos amantes da bola.
Uma dessas lendárias histórias foi a que aconteceu na estreia do Brasil, na Copa de 1958, na Suécia.
Brasil e Áustria se enfrentavam. A seleção havia vencido o primeiro tempo por 1 x 0, gol do centroavante palmeirense Mazzola, e tinha o jogo sobre controle.
Entretanto, logo que começou a segunda etapa, os austríacos iniciaram uma grande pressão em busca do empate. O goleiro Gilmar já havia feito duas difíceis defesas.
Aos cinco minutos o time austríaco inicia novo ataque pela direita quando Nilton Santos desarma o arrisco ponteiro Horac e parte para o ataque, coisa rara nos laterais daquela época.
No banco, o técnico Vicente Feola, temendo que ele pudesse perder a bola e propiciar um contra-ataque fatal, grita desesperado:
– VOLTA, NILTON! VOLTA, NILTON!
O lateral, com a personalidade que sempre o acompanhou, não dá ouvidos ao treinador e prossegue na jogada.
– VOLTA, NILTON, VOLTA NILTON! – Insistia, descontrolado, o treinador.
O craque botafoguense, então, avança com a bola dominada, tabela com Mazzola, recebe na frente e desloca o goleiro Rudolf Szanwald com um toque de classe: Brasil 2 x 0!
– BOA, NILTON! Valeu, meu craque! – Teria gritado, aliviado, e quase sem voz, o bonachão Feola!
A partir do gol, o primeiro marcado pela seleção por um defensor, com a bola rolando, o Brasil voltou a tomar conta do jogo e ainda faria o terceiro, novamente através do avante Mazzola.
Com a vitória por 3 x 0, e o lance marcante de Nilton Santos, a “Enciclopédia do Futebol”, o Brasil iniciava a memorável campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez a Copa do Mundo de futebol.