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“VAI PARA CASA, PC”

  :::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Um dia de sol desses é impossível ficar em casa. Então, me arrumei, peguei meu Fiat Spider na garagem, abaixei a capota e fui, devagarzinho, sem máscara, sentindo a saudável brisa de Ipanema e Leblon. No caminho, reencontrei a turma do Grêmio, time que jogava na praia, entre as ruas Jerônimo Monteiro e Aristides Espinola, no início da Niemeyer. Acenei para Roma, Ronaldo Luiz, Lauro, Rica, Manoel, Gilo, Fred Foca, Reinaldo, Iata Anderson, Batata e meu irmão Fred. Tomavam uma cervejinha gelada, me chamaram, mas segui em frente. Parei quando vi uma aglomeração. Berraram meu nome. “Vem PC, só falta você!”. Era o time do Columbia que tinha armado um amistoso com estrelas do futebol. Estacionei e estavam lá Jairzinho, Zico, Adílio, Júnior, Gerson Canhotinha de Ouro, entre outros.

Pelo Columbia, aliás, tive a oportunidade também de jogar ao lado de Reinaldo, Juarez, Ivan, Mota, Agnaldo, Edu, Eduzinho e Léo. Uma equipe da Placar estava lá para cobrir. Fiquei só um pouquinho porque tinha combinado encontrar Evandro Mesquita, no Píer, altura da Joana Angélica. De longe, o avistei. Estava com Malibu, Otávio, Paulo Proença e Paulinho Suprimento, com sua Kombi. Essa turma é da pesada! Já cheguei gargalhando porque não dá para ficar perto do Evandro sem rir. Na areia, perto de nós, estavam Caetano Veloso, Gilberto Gil e Fernando Gabeira, os três com as tanguinhas que estão bombando nesse verão. Como é bom encontrar amigos, rir, falar bobagem. Gugu e Joninha, do Lagoa, passaram por ali e me chamaram para uma dupla de chute a gol. Não tem como negar! Me despedi e fomos caminhando pela areia até encontrar o pessoal. Feliz demais por reencontrar Nelinho, que chegou de Minas. Mas o pessoal do vôlei também estava, Zezinho, Aluísio, Bernard…claro que escolhi Nelinho, mas morri de rir porque ele, sem conseguir chutar direito da areia, optou por chutar do calçadão, Kkkk, não me aguentei!!! Mas pior que saiu cada petardo de endoidar o goleiro Paulo Sergio. Ganhamos, claro!

Depois, demos um mergulho e ficamos sentado na areia. Foram chegando Búfalo Gil, Pintinho…agradeci a Deus por tudo, pela família, pelos títulos, pela amizade, pelo Rio de Janeiro, por estar com saúde. Sol se pondo, os surfistas aplaudindo, saí de fininho para dar um pulo na Montenegro. Para mim, sempre será Montenegro. Pedi um guaraná e fiquei olhando o movimento. Vi Doval, meu grande parceiro das noitadas, chegar de moto com Marinho Chagas. Dois grandes amigos! Pedi a conta, entrei no meu Fiat e voltei para a casa. Ligo a tevê, vejo que o número de mortos pelo Corona vírus vem aumentando e fico inquieto. Preciso respirar. Pego minha máscara e fico parado na portaria do prédio olhando as ruas vazias. Vejo uma cidade, vazia, sem brilho. Saio para caminhar no quarteirão. Meu Fiat Spider não existe mais, Doval e Marinho Chagas nos deixaram bem antes da existência desse vírus. Não encontro ninguém na caminhada, nem os amigos do Columbia, do Grêmio, da dupla de praia, ouço apenas uma voz vinda não se de onde me aconselhando….”vai para a casa, PC”.

A COOPERATIVA DE ATLETAS DO SÃO CRISTÓVÃO EM 1983

por André Luiz Pereira Nunes


Quem um dia resolver enveredar sobre a escrita da história dos clubes-empresa no Brasil, terá de iniciar pela embrionária experiência do São Cristovão de 1983 através da sua inovadora cooperativa de atletas. De acordo com o projeto, os próprios jogadores seriam responsáveis pelas contratações e gerenciamento do time. A ideia parecia excelente. Quem duvidaria que um elenco composto por expoentes como Nílson Dias, Gil, Orlando Lelé, Nielsen, Rodrigues Neto, Rubens Galaxe, Edu (campeão de 70), Jayme de Almeida e Rui Rei não seria imbatível? Mas nada deu certo. Faltou comando e literalmente pernas. A divisão era assim composta: 40% da renda líquida se destinava aos atletas da cooperativa, 40% ao clube e os 20% restantes para reserva técnica. Inicialmente houve lucro. Basta dizer que na estreia (0 a 3 Fluminense em São Januário) o público pagante foi composto por 8.742 pessoas. Em seguida o time jogou um amistoso em Aracaju (2 a 2  Combinado Sergipe/Confiança, gols de Edu e Orlando) com uma excelente cota. Tudo levava a crer que o projeto seria bem lucrativo, mas as derrotas se sucederam. O time era considerado velho demais apesar dos inegáveis talentos, embora alguns estivessem em fim de carreira e nem todos continuassem até o fim do Estadual. Gil e Nílson Dias foram os primeiros desfalques. Ambos se transferiram para Portugal, aproveitando a divulgação que a cooperativa lhes trouxe. Até o final ficaram apenas Rodrigues Neto, que se tornara treinador do time, e o ponta Edu.

A cooperativa de jogadores do São Cristóvão, em 1983, foi uma grande ideia, mas com péssimos resultados. Não trouxe prejuízos financeiros, mas o time acabaria rebaixado à segunda divisão após uma campanha muito aquém do esperado. Foram 22 jogos, 0 vitória, 4 empates e 18 derrotas. Foram utilizados 45 atletas e 5 técnicos, entre os quais, Aristóbolo Mesquita, lembrado com carinho pela torcida cadete por ter trabalhado de graça para o time cadete. 

Portanto, apesar dos revezes, o time cadete de 1983 é lembrado com enorme carinho por conta da experiência inédita e inovadora envolvendo ídolos consagrados do futebol brasileiro.

CHEIRO DE SAUDADE

texto: Mauro Ferreira | fotos: Marcelo Tabach

O velho Zarani foi jogar futsal em outras bandas. Peladeiro nato, daqueles que perde o casamento do irmão, mas não perde a pelada, o jornalista Newton Zarani, 39 anos de Jornal dos Sports e primeiro jogador federado de futebol de salão do mundo, foi chutar a bola pesada em bandas extraterrestres na madrugada fria desse 11 de maio de 2020. Quis o destino que esbanjasse  sua“catiguria” nas quadras terráqueas até os 82 anos e frequentasse a do Club Municipal diuturnamente, até os 93.

Cobriu quase todos os esportes ditos amadores, mas foi no basquete e no futsal que “sentou praça”. Era o colo de muito “foca” – e o esporro, também. Todos eram acolhidos com carinho; no primeiro vacilo, assanhamento, um chega pra lá sutil derrubava o aventureiro do seu pedestal recém construído. O melhor de Zarani, era o Zarani. Escrevendo, jogando, convivendo. Não à toa, uma legião de seguidores chora sua ausência, mal ergueu a mão esquerda num adeusinho unido ao seu indefectível sorriso de canto de boca. Como definiu um estagiário observador o sorriso mais não-sorriso do mundo.


É, velho, seu legado é muito mais extenso do que você e seus filhos imaginavam. Mais infinito que o próprio infinito. Se você pensou em  morrer, pensou errado. Taí uma coisa que sua teimosia não vai conseguir. Como Getúlio – sem a política e o desatino do Getúlio -, você saiu da vida pra entrar para a história. E foi além. Impregnou em todos com quem conviveu um cheiro peculiar:

O cheiro da saudade!

CUTUCANDO ONÇA COM VARA CURTA

por Valdir Appel


O extinto Ceub, de Brasília, fazia boas apresentações no Campeonato Brasileiro de 1974. Vencera bem seu último compromisso e estava preparado para encarar o Santos, da Vila famosa, quarta-feira, no recém-inaugurado estádio Mané Garrincha.

Uma TV local promovia, às segundas-feiras, uma mesa redonda, onde discutia a rodada do Brasileirão, e o convidado bola da vez foi o recém-promovido a técnico, Cláudio Garcia, que encerrara no próprio Ceub uma brilhante carreira de jogador. Ainda desprovido das malícias do novo cargo, Cláudio foi presa fácil dos analistas do programa.

Perguntaram ao incauto treinador:

– Quem vai marcar Pelé?

Cláudio respondeu que Pelé não era mais o mesmo jogador, suas funções em campo agora estavam voltadas para a preparação das jogadas, finalizadas pelos atacantes Euzébio e Neném. 

Portanto, encarregaria aquele jogador que estivesse mais próximo do Rei o dever de marcá-lo. Cláudio não diminuía a genialidade do Pelé, apenas apontava mudanças em suas características.

Com a evidente intenção de promover o espetáculo, os jornais destacaram em suas manchetes no dia seguinte:


– Cláudio Garcia diz que Pelé não é mais o mesmo.

O público lotou o estádio para conferir as palavras do Cláudio. Em campo, o ponta-esquerda Edu virou-se para o lateral Rildo, com quem jogara no Santos, e disparou:

– Vocês estão fodidos e mal pagos! O negão, sozinho, vai dar conta do teu time. Ele tá uma fera com o teu treinador.

E foi o que aconteceu. Com jogadas geniais e um gol antológico, Pelé matou a pau, levando o seu time à vitória, apesar da primorosa atuação do Ceub.

As manchetes dos jornais de quinta-feira foram implacáveis:

– Cláudio Garcia tinha razão: Pelé não é mais o mesmo… está muito melhor!

MARACANÃ, ADEUS

por Zé Roberto Padilha


Estava de férias na casa de minha irmã, em Angra dos Reis, quando recebi um convite para defender o time dos marinheiros. O pessoal do cais soube por ela que jogara bola e havia um clássico local no sábado, no Frade, contra o campeão da liga amadora.

Estava com 42 anos e havia encerrado minha carreira no Bonsucesso FC, sete anos antes, mas jamais deixei de exercitar-me apesar do joelho trioperado requerer extremos cuidados. A chuteirinha, já desgastada, sempre nos acompanhou nas viagens e não seria problema, estava no carro além do kit sobrevivência formado por um tubo de Balsamo Bengué, com salicilato de metila, um envelope de Rehidrat e cápsulas de Cebion.

Quando cheguei ao estádio, modesto e pouco gramado, tomei até um susto. Casa cheia, gente saindo pelo ladrão, deveria ser o programa obrigatório daquele balneário simples que sustenta os hospedes dos reis que Angra acolhe com seus marinheiros, cozinheiras, porteiros e babás. Ou se tratava de uma revanche que pouco comentaram a respeito.

No vestiário, pedi a camisa 11 para ficar a vontade e me posicionei aberto na ponta esquerda aquecendo. O lateral direito que me marcaria, não estava em sua posição, mesmo diante da saída iminente da bola a nosso favor batia papo com o zagueiro central. Seu comentário passava em letras garrafais no telão imaginário: “Olha o coroa que vou pegar. Acho que hoje vou deitar e rolar!”.

Pedi que me passassem a bola, recebi um pouco a frente e parti em velocidade pelos caminhos abertos, e em cinco toques estava na cara do goleiro. O lateral só notou que a partida começara no terceiro toque, pois no quarto já passara por ele e no quinto chutava a bola com raiva para o gol (onde já se viu, não respeitar o meu passado?) .

O goleiro defendeu, ela voltou em minha direção e entrei com bola e tudo. O silêncio do estádio só foi interrompido com a bronca que todo o time dera no lateral, que subestimara o velhinho, e o gol mais rápido da história do Frade fora registrado naquela tarde.

Gato preto contra rato calvo, a partir daquele momento começou a caça do lateral sobre mim. E ele pagou cada pré julgamento com deslocações constantes, passes precisos e um preparo físico que ele jamais imaginou enfrentar diante dos amigos que debochavam dele o jogo todo junto ao alambrado. Vencemos a partida e dia seguinte meu joelho, inchado e dolorido, contrastava com o orgulho de ter feito uma grande partida.

Descobria ali que não é o ostracismo que nos atiram após a profissão que nos machuca. É o oxigênio do prazer de exercer uma vocação que desde menino se aflora e nos destaca. Sem a bola nos pés, somos mais um respirando o ar das multidões. Trata-se da meta atingida pelo caixa da Caixa, a petição triunfal, a nota 10 do doutorado, o reconhecimento do chefe. A promoção que pede um brinde e uma comemoração. O recital perfeito ao piano. Cada um com seu dom, e ele te diferencia, te faz importante e justifica sua presença aqui na terra.

Demorei quinze anos buscando este oxigênio por gramados cada vez mais vazios. E trazendo de lá as articulações, e o conceito duramente alcançados, cada vez mais comprometidos. Até que meu pai, à beira de um dos últimos embates, nos chamou a atenção pelo tempo da bola que se perdia, a passada que se desconectava do lançamento, o domínio e a habilidade que as lesões impediam. “Você, meu filho, tem um nome a zelar. Está na hora de parar!”.

Desde então resolvi estudar. Primeiro jornalismo, agora História. Escrever o que vivi e não mais empanar o que joguei. Nunca mais encontrei um lateral daqueles para enfrentar a não ser em sonhos, e das lembranças do Maracanã, nem ouso por perto passar. Dizem que é lindo no padrão FIFA, mas fico a imaginar o que fariam, hoje, Gerson, Rivelino, Paulo César Caju e Zico com um gramado daqueles, um Digão na zaga, uma bola tão leve e uma chuteira que parece uma pluma?

Assistam Pelé Eterno., certamente tal personagem se aproximaria do ET que fez o papel principal.