JOGO NÃO RECOMENDADO PARA CARDÍACOS
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 1980, Flamengo e Atlético Mineiro decidiam o título nacional, no Maracanã. O empate bastava para o Galo Mineiro ser campeão, o Urubu precisava da vitória para conseguir o título.
O Flamengo jogou com: Raul; Toninho, Manguito, Marinho e Junior; Andrade, Carpegiani (Adílio) e Zico; Tita, Nunes e Júlio Cesar. O Atlético Mineiro jogou com: João Leite; Orlando (Silvestre), Osmar Guarnelli, Luisinho (Geraldo) e Jorge Valença; Chicão, Toninho Cerezo e Palhinha; Pedrinho Gaúcho, Reinaldo e Éder.
Jogo nervosíssimo, o Atlético perde duas chances logo no início da partida. Mas, ainda antes dos dez minutos de jogo, o Flamengo abre o placar quando, depois de saída de jogo desastrada de Osmar Guarnelli, Zico recebe a bola na altura do meio de campo e mete lançamento precioso para Nunes que, ainda fora da área, toca na saída de João Leite.
Flamengo 1 x 0.
A alegria rubro negra duraria muito pouco, pois, um minuto depois, Reinaldo recebe a bola no bico esquerdo da grande área, chuta, a bola desvia em Manguito e vai morrer no fundo do gol, no lado direito de Raul.
Igualdade em 1 x 1.
E a partida segue, as chances se sucedendo lado a lado, mas com o Galo Mineiro sendo mais perigoso, especialmente Reinaldo, que inferniza a defesa carioca.
Já ao final do primeiro tempo, Junior chuta de fora da área, a bola bate em Zico, que, de virada, chuta no alto, indefensável para João Leite.
Flamengo 2 x 1.
O segundo tempo começa com pressão atleticana, em busca do gol do empate.
Reinaldo se machuca e, como o Galo não pode mais fazer substituições, fica em campo apenas fazendo número.
Ainda assim, mesmo machucado, escora cruzamento pela esquerda de Éder, para, por volta da metade do segundo tempo, heroicamente empatar o jogo novamente.
Nova igualdade, em 2 x 2.
O jogo fica cada vez mais dramático. O “Mais Querido” vai atrás do gol que lhe garante o título, fornecendo generosos espaços para o contra ataque atleticano.
Em uma dessas situações, Palhinha sai de frente para o gol com Raul, mas, erradamente, o árbitro marca impedimento. Na sequência, Reinaldo atrapalha a cobrança do impedimento e, para alívio da nação rubro negra, é expulso de campo.
O jogo caminha para o fim, quando Osmar Guarnelli, novamente, resolve sair jogando. Erra o passe e, antes que consiga voltar, Junior lança Nunes em profundidade. Nunes, com Silvestre o marcando à direita e a linha de fundo à esquerda, consegue enganar Silvestre e, em lance típico de Garrincha, passa entre ele e a linha de fundo e, chegando à frente de João Leite, completamente sem ângulo, toca por cima do goleiro mineiro – um gol que, para muitos, contraria as leis da física.
Flamengo 3 x 2.
O Atlético Mineiro não se entregou, foi para cima do Urubu e, no último minuto de jogo, quase empata.
Mas deu Flamengo, em seu primeiro título nacional.
O jogo foi tão dramático que, à época, bateu o recorde de atendimentos médicos em um jogo de futebol no Maracanã.
A massa rubro negra penou com Reinaldo e companhia, mas, ao fim da estória, pode sorrir aliviada.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada.
“IR NO ARPOADOR E NÃO VER O MAR”
por Nielsen Elias (@nielsen_elias)
Nesse fim de semana, o futebol alemão voltou a atividade. Claro, preparei a Giullietta e coloquei a linguiça pra queimar. Entre um gole e outro, liguei rapidinho a tv, não ia perder essa, né!? Futebol de novo e ao vivo! Ainda por cima o campeonato alemão…
Logo surgiram as primeiras imagens, e dois fatos me chamaram a atenção: o primeiro foi ver os jogadores em campo, de agasalhos e máscaras fazendo o reconhecimento da “relva”, como diria o nosso querido Jorge Jesus, e o segunda, foi não ver qualquer sinal da torcida muralha amarela nas arquibancadas do estádio do Signal Iduna Park, do Borussia Dortmund. Como diria o grande Januário de Oliveira: “tudo muito sinistro!!!!”.
Linguiça pronta pela churrasqueira elétrica Giullietta, um presente muito útil da Patrícia, minha irmã. Não tem fumaça, show de bola! Jogado no sofá, comecei assistir ao jogo. A linguiça, numa mão e a taça na outra. A linguiça de frango estava muito boa, especialmente entre os goles do Pinot Noir, enquanto jogo rolava na telinha. Rapidamente o Borussia fazia 2×0, em menos de 10 minutos.
O narrador se esforçava para dar a emoção, mesmo com pequenos tropeços, afinal ficou muito tempo em quarentena. Mas faltava alguma coisa, apesar da partida ser bem movimentada, além do entusiasmo da transmissão. Fiquei encucado que não estava com a minha atenção totalmente voltada pra telinha e comecei a procurar o motivo. Foi nesse momento que tocou no rádio uma música da banda de rock Skank, que diz assim: “é como ir Arpoador e não ver o mar..”. Aí estava o motivo, futebol sem torcida é igual: “Romeu sem Julieta”, “no ar sem mergulhar“ e como “mergulhar no rio e não se molhar”.
A torcida é o grande combustível do futebol! Por mais que o narrador grite “goooooooooollllll”, sempre faltará os abraços na arquibancada, a alegria estampada no rosto de cada torcedor e, finalmente, a explosão frenética no grito de gol da torcida. Faltou a alma do futebol, o torcedor! Só assim a transmissão ganhará a real emoção.
Futebol sem torcida é igual ir no Arpoador e não ver o mar!
OS TIMES DO SUBÚRBIO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Se tem um lugar que eu adoro, no Leblon, é o Na Venda, da Ana e Cris, que fica pertinho do meu prédio. É ali que sempre dou uma escapada da quarentena, de máscara, claro. Outro dia desci rapidinho para comprar uns queijinhos e quando estava voltando, entrando em minha portaria um rapaz com a camisa do Bangu me repreendeu e pediu que eu falasse mais sobre os times do subúrbio em minha coluna. Fiz sinal de positivo e veio em minha mente Ubirajara Mota, Fidélis, Mario Tito, Luís Alberto, Ari Clemente, Jaime, Ocimar, Paulo Borges, Parada, Bianchini e Aladim. Depois ainda teve Cabralzinho e Ladeira. E não precisei consultar o Google porque esses craques vieram morar em minha memória de mala e cuia e nunca mais saíram. Ainda tiveram Décio Esteves e Nívio. Acompanho futebol desde 61/62 e o nível das disputas era maravilhoso.
Duvido que algum jovem de hoje consiga escalar um time, que não seja o seu, inteirinho, daqui a 40 anos. E vou escrever essa coluna sem pesquisar nada. Teve o América de Arésio, Serjão, Alex, Aldeci, Zé Carlos, Renato (Ica), Joãozinho, Antunes, Edu e Eduardo. Mas também teve o América de Ari, Jorge, Djalma Dias, Sebastião Leônidas (Wilson Santos), Ivan, Amaro, João Carlos, que jogava de meiões arriados e fazia embaixadinhas com sabonete, Calazans, Quarentinha, Antoninho e Nilo. Mas o América ainda teve Jeremias, Ivo, Bráulio, Moreno & Cia. E o Olaria? Lembro de Murilo e Nelson, que depois foram para o Flamengo, Ernani, Haroldo, Cané, que foi para a Itália, e Rodarte. Sem falar no de 71, que ficou em terceiro no Estadual, que tinha Afonsinho, afastado do Botafogo por se negar a tirar a barba, Miguel, Altivo, Roberto Pinto, que não usava tornozeleira, nem caneleira, e Fernando Pirulito. Depois ainda teve Lulinha e outros bambas.
Estreei no futebol profissional em 67 e me lembro de um jogo maravilhoso do Botafogo contra o Madureira, em Conselheiro Galvão. Tinha Frazão, Nair, Farah e Lorico, que depois foi para o Vasco. Sem esquecer que Didi e Evaristo foram lançados pelo Madureira. E o Bonsucesso de Moisés, Rene, Nilson, Nilo, Gibira, Paulo Lumumba e dos goleiros Cláudio e Jonas? E o São Cristóvão de Ivo Sodré, um meia esquerda espetacular, Fio e João Paulo, que depois foi para o Santos? E o meio-campo do Campo Grande com Alves e Dominguinhos? A Portuguesa de Foguete? E o Canto do Rio que lançou Gerson, Jair Marinho, Altair e Fefeu? Impossível não chorar ao lembrar-se dessa turma. Todo time tinha um meia-esquerda talentoso, que desfilava em campo. A bola obrigatoriamente tinha que passar por eles: Roberto Pinto, Décio Esteves, João Carlos e Gonçalo, do Fluminense, que treinava dando a volta no campo fazendo embaixadinhas. A preocupação era com a técnica.
Muitos morreram sem o devido reconhecimento, a grande maioria não enriqueceu, mas posso garantir que todos encheram os olhos da torcida, todos fizeram nossos corações baterem com emoção, todos jogaram bola, mas muita bola, e a todos esses talentos dedico essa coluna, que deve ter alguns errinhos porque, como disse, não consultei nenhuma fonte de pesquisa, apenas fechei os olhos e sonhei.
SELEÇÃO BRASILEIRA 6 X 1 COMBINADO VASCO E BOTAFOGO
por Paulo Roberto Melo
– 03/03/1977 –
– AMISTOSO DE PREPARAÇÃO PARA A COPA DE 1978 –
– MARACANÃ –
O ANÚNCIO
– Domingo, nós vamos ao Maracanã!
A voz forte do meu pai era dirigida a mim e o anúncio carregava toda a alegria que ele sentia. Afinal, ele iria me levar pela primeira vez ao maior estádio de futebol do mundo!
O ano era 1977 e eu tinha 10 anos. Pode parecer estranho, mas aos 10 anos, eu nunca havia visto um jogo no Maracanã. Até mesmo a chegada de Papai Noel, programa quase que obrigatório em dezembro, numa época em que as crianças realmente acreditavam nele e que lotava o Maracanã, só pude ir depois.
Até hoje, fico pensando por que demorei tanto para ir ao Maracanã! Quando vejo pela TV, crianças com muito menos de 10 anos indo aos jogos, tenho a certeza de que de fato, os tempos são outros.
Quando eu tinha 10 anos, o futebol era um entretenimento de adultos. Jovens eram permitidos, desde que estivessem acompanhados de adultos ou em grupo.
E é bom frisar, que era um entretenimento para homens! As mulheres quando surgiam nas arquibancadas, eram saudadas com um singelo coro de “Piranha! Piranha!”. Cruel machismo dos estádios de futebol, vencido hoje em dia pela democratização e globalização do esporte bretão.
Voltando ao anúncio da minha ida ao Maracanã, não posso afirmar se houve alguma negociação entre meus pais, no sentido de me iniciar nos estádios de futebol. E explico a necessidade de uma negociação.
Meus dois irmãos mais velhos, com 16 e 17 anos, já iam ao Maracanã com meu pai ou com amigos. Eu demoraria em alcançar tal liberdade.
A verdade é que minha mãe morria de medo de jogos no Maracanã. Havia escutado pelo rádio, ainda jovem, a derrota do Brasil na final da Copa de 1950 para o Uruguai em pleno Maracanã e, como todo brasileiro, chorado um choro sofrido pela perda de um título tão ganho.Talvez aquele choro tenha marcado minha mãe de uma forma que nem mesmo ela tinha consciência. Muitas vezes, os medos têm origem no imaginário, naquilo que nós mesmos criamos e não sabemos como lidar.
E talvez, por isso, minha mãe tinha medo de tudo: Da sujeira do estádio, do tamanho dele, das possíveis brigas entre torcidas, enfim, tinha medo. Creio que tinha medo de me perder, como o Brasil havia perdido aquela Copa de forma tão inexplicável.
MEUS PAIS
É importante que eu explique o contexto futebolístico em que nasci.
Meu pai, José Ferreira, português dos Açores, chegou ao Brasil em 1953, depois de longos três meses em um navio. Antes da chegada definitiva no Rio de Janeiro, aportou em São Paulo por três dias. Tempo suficiente para ir ao Pacaembu, ver o Palmeiras jogar. Daí, o carinho que nutria pelo alviverde do Parque Antártica.
Mas quando chegou ao Rio de Janeiro, o sangue português gritou em suas veias e a paixão pelo Vasco tomou sua vida. Afinal, ainda era a época do Expresso da Vitória!
Quando eu era bem pequeno, ouvia algumas vezes os gritos de felicidade por cada gol do Vasco que meu pai escutava em seu rádio de pilha Spica. Meu pai faleceu em 2006, aos 79 anos, sem nunca ter voltado a sua terra.
Hoje entendo a alegria de vê-lo cantar o trecho do hino do Vasco, que expressava que esse clube era bem mais do que uma agremiação de futebol e regatas. Para meu pai, o Vasco era a “união de Brasil/Portugal”.
Assim, meus irmãos e eu nascemos e crescemos em um lar vascaíno. Minha mãe, Maria da Glória, como filha de pais portugueses e casada com um português, navegou ao longo de sua vida pelos mares do clube do navegante português.
PREOCUPAÇÕES
O anúncio da minha ida ao Maracanã foi feito em uma quarta-feira. Desde então, ocupei minha mente com algumas preocupações que se transformaram em dúvidas:
Qual seria o jogo? Meu pai me respondeu que seria a Seleção Brasileira contra um Combinado Vasco e Botafogo.
Juro que não entendi. Brasil contra Brasil?! Meu pai então me explicou que o jogo fazia parte da preparação da Seleção para a Copa do Mundo de 1978, que seria realizada na Argentina. E que a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) havia decidido que a preparação seria contra Combinados de times brasileiros e seleções de estados.
A outra preocupação, era se conseguiria enxergar o campo. Essa preocupação tinha um motivo: Eu sou míope desde que me entendo por gente. Apesar de ter colocado pela primeira vez um óculos aos nove anos, portanto, um ano antes de ir ao Maracanã, a sensação que tenho é que sempre precisei deles para enxergar. E naquela época, mesmo usando óculos, parecia que continuava a não enxergar bem.
Assim, perguntei diversas vezes aos meus irmãos se da arquibancada enxergaria bem os jogadores no campo. Como morava no oitavo andar, queria saber se a distância da arquibancada para o campo era a mesma do prédio para a rua. Afinal, nessa distância eu conseguia ver as pessoas e distingui-las. Lembro-me com carinho do cuidado dos meus irmãos em tranquilizar-me, afirmando que a distância era menor e que eu veria os jogadores tranquilamente.
Creio que nos dias que antecederam o jogo, meu pai deve ter escutado umas quinhentas e dezenove recomendações da minha mãe no cuidado em relação a mim. Mas eu me sentia seguro. Ansioso, mas seguro.
Essa, aliás, era uma particularidade no que diz respeito ao meu pai: Ele sempre me passou muita segurança! Dessa forma, era controlar a ansiedade e esperar o Domingo.
O MARACANÃ
Também preciso explicar a relação que a minha família tinha com o Maracanã. Já disse aqui sobre a minha mãe escutando pelo rádio a derrota do Brasil na Copa de 50 e chorando com a narração de Luiz Mendes.
Ela dizia que o silêncio das arquibancadas era algo assustador e que o padrinho dela a consolava dizendo: “Minha filha, não chora! É só futebol!” Pois é, quando se tem um pouco de sensibilidade, entende-se que o futebol nunca é só futebol.
Em relação a mim, meus irmãos e meu pai, o Maracanã era um dos locais do nosso lazer. A distância do estádio para a nossa casa era de uns vinte minutos a pé e tanto a ida quanto a volta eram recheadas de resenhas pré e pós-jogo.
Por conta disso, a relação afetiva que tínhamos com ele era muito forte. Determinadas lembranças, desses momentos em que íamos aos jogos, ficarão para sempre dentro de mim.
Entrar pelo túnel que dava acesso às arquibancadas, vendo o campo surgir diante dos olhos era algo indescritível! O cheiro do gramado quando estávamos na Geral, dava uma sensação de proximidade incrível! Enfim, essas e outras lembranças ficaram definitivamente marcadas em mim.
Mas, vocês devem ter reparado que falo do Maracanã no passado, como se o estádio não existisse mais. Pois é, ele não existe mesmo! O estádio que está lá e que tem o mesmo nome, não é o local de lazer e emoções que aprendi a amar ao longo de 40 anos de futebol.
As últimas reformas que fizeram no estádio, seguindo as normas da FIFA, para a Copa do Mundo de 2014, descaracterizaram-no de vez. Praticamente colocaram abaixo o velho estádio e construíram um novo.
Essa construção, ainda se tornou um símbolo de um governo estadual corrupto, mergulhado em diversos escândalos financeiros. O orçamento estourou e o custo de milhões, transformou-se em bilhões.
É importante dizer que o Maracanã, antes de 2014, nunca teve uma grande reforma, mas sim, pequenas reformas, muitas delas maquiando o estádio.
A sensação que eu tinha quando ia ver os jogos, era de que o Maracanã nunca havia ficado pronto desde 1950! Era comum, especialmente no túnel que dava acesso à Geral, ver entulhos de obras espalhados, dando a impressão de uma obra inacabada.
Como escrevi acima, ao longo de todos esses anos, o Maracanã passou por diversas pequenas reformas. Elas tiveram como objetivo dar mais conforto e segurança a todos que iam ao estádio. E a cada pequena reforma, o estádio diminuía.
Depois da última e definitiva reforma para a Copa de 2014, o estádio construído em 1950 para abrigar 200 mil pessoas, abriga agora cerca de 80 mil. Assim, o maior do mundo deixou de ser o maior do mundo…
Deixou de ser também um estádio para o povo. Os preços dos ingressos estão longe de serem acessíveis a uma camada da população. E creio que o fator determinante para isso, foi terem acabado com a Geral. O ingresso barato da Geral facilitava a ida ao Maracanã. Mas isso, eu falo mais pra frente.
Eu já fui ao estádio depois da reforma de 2014. Inegavelmente é um estádio mais limpo, mais seguro e mais bonito. Mas não consigo vê-lo como o Maracanã. É um estádio padrão FIFA, parecido ou igual a muitos estádios espalhados pelo mundo.
Na verdade, padronizar é uma tendência que atinge praticamente tudo relacionado ao futebol atualmente. Os estádios são padrão FIFA. O futebol é padrão europeu, com esquemas táticos cada vez mais mirabolantes e o torcedor, é padrão inglês. Bem vestidos e com dinheiro para aproveitar os shoppings e as praças de alimentação dentro de cada estádi
O JOGO
Confesso que foi um jogo meio estranho. Afinal, eu não sabia muito bem pra quem torcer! Se torcesse pela Seleção Brasileira, estaria torcendo contra o Vasco. Torcendo pelo Vasco, estaria contra a Seleção.
Quando perguntei para o meu pai qual seria a atitude certa em relação a minha torcida, ele me respondeu com a sabedoria e a simplicidade de sempre: “Hoje, tanto faz! O importante é vermos o jogo!”
Aprendi naquele dia, que no futebol, apesar de sermos levados sempre a torcer por algum time, determinados jogos são para apenas se ver! E foi isso o que fiz!
Vi uma Seleção Brasileira repleta de jogadores de times cariocas: Marco Antônio e Roberto Dinamite (Vasco), Carlos Alberto Torres e Zico (Flamengo), Edinho, Marinho Chagas, Rivelino e Pintinho (Fluminense), Gil, Nílson Dias e Paulo Cezar Caju (Botafogo).
E um Combinado Vasco e Botafogo, com alguns jogadores que tranquilamente poderiam estar na Seleção. Tais como Wendell, Zanatta, Dirceu e Manfrini. Nessa época, o futebol brasileiro ainda podia se dar ao luxo de ter pelo menos três seleções com jogadores de muita categoria.
Vi e vibrei com o primeiro gol do jogo, marcado por Roberto Dinamite pela Seleção Brasileira. Roberto Dinamite era meu ídolo vascaíno! E vi como o zagueiro vascaíno Geraldo, jogando pelo Combinado e famoso pelas violentas “botinadas” em diversos atacantes, poupava o Dinamite.
Tive o prazer de ver jogar pelo Combinado, um dos atacantes mais perigosos do futebol brasileiro: o Dé! Nesse momento da sua carreira, ele defendia o Botafogo, mas quando despertei para o futebol, um ano antes, ele era do Vasco.
E como jogava o Dé! Rápido, driblador e inteligente, Dé é uma figura antológica do futebol, especialmente o carioca. Suas passagens por Bangu, Vasco e Botafogo são recheadas de histórias deliciosas, construídas dentro e fora dos gramados.
Bem, o resultado final do jogo foi 6×1 para a Seleção Brasileira. E como meu pai havia me ensinado, o resultado era o menos importante.
Importante foi ter visto um monte de craques em campo. Na década de 70, montar uma Seleção Brasileira era realmente escolher os melhores jogadores do país. E com uma particularidade: Todos jogavam no país! Torcer para aqueles jogadores era o mesmo que torcer pelo seu clube, afinal, eles representavam o clube na Seleção!
Importante foi ter iniciado, em um amor à primeira vista, uma relação com o futebol e com o maior Estádio do Mundo, o Maracanã!
AOS IDOSOS, RESPEITO
por Rubens Lemos
Foto: Marcelo Tabach
A seleção dos melhores jogadores do Botafogo em todos os tempos conta com 12 integrantes por excesso de talento. No imenso pôster desenhado no mural do clube, está lá o soberbo time: Manga; Carlos Alberto Torres, Sebastião Leônidas, Nilton Santos e Marinho Chagas; Gerson, Didi e Paulo César Caju; Garrincha, Jairzinho, Heleno de Freitas e Amarildo. Cristalina formação.
Destaque para o deslocamento de Nilton Santos, a Enciclopédia do Futebol e melhor lateral-esquerdo da história da bola para a quarta-zaga para que pudesse entrar o maior patrimônio do esporte de Natal, o lugar que menos lhe deu valor: Francisco das Chagas Marinho, morto em 2014 para quem estava e continuará dele esquecido, a imensa maioria.
Esse time do Botafogo só teria concorrente no Santos, de Pelé, Coutinho, Pepe, Zito, Dorval, Clodoaldo, Mauro Ramos de Oliveira, Mengálvio, Gilmar goleiro, Carlos Alberto Torres(entrou ainda na seleção do Fluminense), Ramos Delgado e Dalmo. Seria um clássico digno de encerrar a existência humana passando os bons para o firmamento, os falsos para o inferno acompanhando a corja geral da maldade.
Voltando ao Botafogo. Nascido em Jerônimo Monteiro(ES), Sebastião Leônidas perdeu duas Copas, a de 1966 e a de 1970. Estava em plena forma tanto numa quanto noutra. Na primeira, entrou no corte por miopia sensitiva da comissão técnica do vexame da desclassificação na primeira fase. Na segunda, o técnico Zagallo, baseado em parecer do médico Lídio Toledo, deixou-o de fora por uma suposta contusão.
Negro alto, esguio e imperativo nas imagens hoje guardadas na internet, Leônidas despontou no América do Rio de Janeiro campeão carioca de 1960, último título estadual do clube. O Botafogo foi ágil e comprou seu passe fazendo-o xerife sem violência da defesa que conquistou os campeonatos de 1967 e 1968.
Encerrada a carreira, Leônidas tornou-se técnico e foi vice-campeão brasileiro comandando o Botafogo em 1972. No ano seguinte, veio para Natal tirar o complexo de inferioridade do América sem conquistas no então novo estádio Castelão. Ganhou o Norte/Nordeste que valeu a Taça Almir de melhor campanha das duas regiões para o alvirrubro.
Leônidas é o melhor treinador da história do América de Natal pela Taça Almir e o bicampeonato de 1974 e 1975, revelando jovens como o atacante Reinaldo, o zagueiro Djalma – era titular, mas com Leônidas ganhou moral -, o ponta-direita Ronaldinho, todos vindos das categorias de base. Iguais ao meia-atacante Washington, habilidoso e fulminante artilheiro.
Para entrar no memorial da glória americana, Leônidas trouxe para Natal o lateral-direito Ivan Silva, o volante Edinho, o botinudo Paúra, o ponta Almir, o meia João Daniel. Feito principal: tornou Hélcio Jacaré um armador e atacante nivelado ao abecedista Alberi.
Em 1976, depois de perder o campeonato para o ABC, Leônidas voltou ao Botafogo de onde saía esporadicamente para treinar clubes como o Ceará, no qual também foi campeão. O Botafogo, muito mais do que seu empregador, era sua casa. Que defendia ardorosamente.
Aos 82 anos, Sebastião Leônidas foi demitido pelo Botafogo. Sem piedade. Assim como tem sido o costumeiro tratamento dispensado aos idosos. Leônidas, que jogava mais do que qualquer zagueiro após sua geração, está ferido. Como abalado ficou o ator Flávio Migliaccio, que deu fim à vida após ser demitido, aos 85 anos, da Rede Globo.
Aos idosos, respeito. Aos insensíveis, o tempo. Malandro e paciente, o relógio da vida haverá de provar aos que impõem a inutilidade da experiência, que o maior castigo deles é inexorável: envelhecer.