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A LIGAÇÃO DE MANGA

por Paulo Escobar


Em dezembro de 2019 estava pegando um ônibus na avenida Millán em Montevidéu, cidade do meu segundo nascimento, estava a caminho de encontrar uma lenda, um ídolo, que até aquele momento estava em algum lugar. Esquecido pelos clubes por onde passou e encontrado por torcedores no Uruguai que o ajudaram.

Ao descer no ponto próximo aquela vendinha, com o prédio em cima, entro e subo com minha câmera e tripé, para encontrar Manga.

Ao abrir a porta com um misto de espanhol e português na língua, aperto aquelas mãos marcadas pelo futebol. Aquele futebol sem luvas, aquele que não tinha tempo ruim, das lendas, dos ídolos, dos bairros, das terras.

Sentamos pra conversar sobre a vida, sobre a bola, sobre o futebol. Aquele jogos tão cheios de amores e dores, tão parecido com a vida e por vezes tão carregado de injustiça.

Ali naquela entrevista (para o Museu da Pelada), Manga me fala que o último sonho que ele tinha antes de partir, seria pisar em um jogo do Botafogo de novo. De entrar no Maracanã de pisar o Rio de Janeiro.

Saí dali com o coração pesado e com lágrimas nos olhos, pensando em como este país é ingrato com muitos ex jogadores e ídolos, que ficaram relegados muitas vezes ao esquecimento.


Peguei o celular e comecei a ir atrás de contatos, mandando o vídeo pensando em como ajudar.

Ali apareceu Marcelo Gomes e Helvidio Mattos, com a ideia de ir atrás dele e trazê-lo de novo a um jogo no Rio de Janeiro. E assim foi o resto da história.

Manga no Rio de novo num jogo do Botafogo sentindo o carinho da torcida e realizando um último desejo talvez. E o outro sonho que ele nem sabia que viria a rolar, graças a uma correria do Gomes, era um canto para ele morar com sua companheira.

Na semana passada, ele ligou do Retiro dos Artistas, com um sorriso para me perguntar se eu estou bem e como estão as coisas. Me conta que está feliz, que hoje ele tem seu canto, me convida para ir visitá-lo, que ele está me esperando.

Disse a ele que quando isso passar irei vê-lo e que fiquei feliz que aquilo que começou em Montevidéu tenha terminado bem. Falei que me sentia feliz com ele e sua companheira felizes.

E assim em dias de dores, Manga me deixou feliz com sua ligação e ao desligar com uma lágrima no rosto agradeci ao futebol.

GONÇALVES E UMA DAS MAIORES ATUAÇÕES DE TODOS OS TEMPOS

por Luis Filipe Chateaubriand


Em 1997, durante a Taça Guanabara, o time reserva do Botafogo despachou o time titular do Flamengo e, assim, habilitou o Vasco da Gama para disputar consigo a final do certame.

Botafogo x Vasco da Gama, final da Taça Guanabara de 1997, com vantagem do empate para o alvinegro de General Severiano.

Eu estava lá, vascaíno de quatro costados, nas arquibancadas do Maracanã. 

Jogo começa, Vasco ataca, Gonçalves rebate.

Vasco alça bolas na área, Gonçalves cabeceia.

Vasco penetra pelo meio, Gonçalves dá o bote.

Vasco vem tabelando, Gonçalves sai jogando.

Vasco tenta o chute, Gonçalves bloqueia.

Gonçalves é absoluto, onipresente, desdobrado, altivo, impressionante!

Não bastasse ser o imperador da defesa, ainda vai ao ataque, levando perigo à defesa cruz maltina.

E, assim, ao final do jogo, o Botafogo contra ataca, e acha o gol, para sacramentar o título.

Imagina de quem?

Sim!

Dele!

Gonçalves!

Que foi de uma área à outra, recebeu o cruzamento, e testou forte, da entrada da grande área, no alto, a bola bateu no travessão e quicou dentro do gol!

Que atuação de gala!

Final de jogo, 1 x 0 para o Botafogo, título da Taça Guanabara garantido, 12 jogos, 12 vitórias, nenhum empate, nenhuma derrota.

Gonçalves foi o nome do jogo, uma atuação memorável, inesquecível!

Saio do estádio e volto para casa dividido.

Triste porque meu clube perdeu.

Mas feliz porque presenciei uma das maiores atuações individuais da história do futebol!    

Luis Filipe Chateaubriand acompanha o futebol há mais 40 anos e é autor da obra “O Calendário dos 256 Principais Clubes do Futebol Brasileiro”. Email: luisfilipechateaubriand@gmail.com.

POR QUE OS NOSSOS ‘GEORGE FLOYDS’ DIÁRIOS NÃO CAUSAM TANTA COMOÇÃO?

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Não faz muito tempo um negro morreu por asfixia dentro de um supermercado carioca. O assassino também era um segurança branco, que também não atendeu ao apelo de pessoas ao seu redor. Qual a diferença dessa morte para a de George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos, que dura sete dias e já mobilizou 25 estados americanos? A do negro brasileiro também foi filmada e viralizou nas redes sociais.

De lá para cá vários outros negros morreram por motivos fúteis e ninguém foi para as ruas protestar. Os negros são discriminados e morrem diariamente no mundo todo, muitos de fome, como na África. O problema é quando se aproveitam dessas mortes por alguma motivação política e essa é uma especialidade dos brasileiros.

Se elas acontecem perto das eleições presidenciais, melhor ainda para os ativistas de plantão, os oportunistas de sempre, os políticos de esquerda, de direita e do centro, movidos por pesquisas que os orientam a como se comportar. Sempre odiei esse termo “raça” porque as cores não nos diferenciam.

Minha mãe sofreu racismo e senti na pele, literalmente, quando em uma excursão com o Botafogo, pelo Sul do país, liderada pelo vice-presidente do clube, João Citro, vi na porta do Country Clube de Bagé, onde seríamos homenageados, um cartaz avisando que era proibida a entrada de negros. Dói na alma. Mas, nesse dia, os jogadores brancos foram os que mais reclamaram e apoiaram os negros do grupo. Ou seja, o racismo não contaminou a humanidade inteira.

Em uma viagem aos Estados Unidos, também com o Botafogo, conheci os Panteras Negras, que defendiam a resistência armada contra a opressão dos negros, conheci a filósofa Angela Davies, famosa por sua militância pelos direitos das mulheres e contra a discriminação racial e social, e fiquei encantado com o trabalho de Malcolm X, um dos maiores defensores do nacionalismo negro dos Estados Unidos.

Antes de voltar ao Brasil, entrei em um salão de cabeleireiro e pintei meu black power de caju. Também comprei calças bocas de sino. Só não aderi aos cordões grossos que os Panteras usavam. Nunca fui influenciado integralmente pelo pensamento deles, mas todos foram muito importantes na minha formação e talvez, por isso, nunca tenha sido um “nego, sim senhor”.


Sempre contestei meus treinadores e até dirigentes, mesmo em plena ditadura militar. Hoje, me impressiona como os negros brasileiros ainda estão longe da politização dos americanos, principalmente os que tem o poder da comunicação nas mãos, como intelectuais, empresários e esportistas. Não lembro de ter visto algum jogador negro, principalmente os que atuam na Europa, se posicionar sobre esse tema de forma contundente. Há tempos os negros americanos vêm clamando por liberdade e respeito, e a morte de George Floyd foi o estopim que faltava. Vinte e cinco estados participam das manifestações e o desfecho está longe do fim.

No Brasil, essas mortes sempre são usadas politicamente e os veículos de comunicação surfam na mesma onda. Passamos por isso em plena covid-19 com um grupo de políticos nos mandando ficar em casa e o outro sugerindo que saíssemos. Quem realmente estava preocupado conosco? No Brasil, criamos campanhas modinhas, vendemos muitas camisetas com frases de efeito, mas tudo é nuvem passageira, papo de bar.

Precisamos afastar esses joelhos de nossas gargantas e nos livrar, definitivamente, dessa tentativa de asfixia, principalmente dessa desigualdade educacional, afinal quase sessenta anos depois de ser barrado em um clube por ser negro, ainda sigo, sem ar, escrevendo sobre esse tema em busca de uma solução, de um basta.

CARROSSEL CAIPIRA: A MORTE DE VADÃO E O LENDÁRIO TIME DO MOGI-MIRIM

por André Luiz Pereira Nunes


Em 25 de maio faleceu, aos 63 anos, acometido de um tumor no fígado, o treinador Osvaldo Fumeiro Alvarez, o Vadão, notabilizado por haver dirigido grandes times brasileiros, além da Seleção Brasileira Feminina em duas passagens, uma delas nos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, quando o escrete nacional ficou na quarta colocação e a um passo da conquista da medalha de bronze.

Há 28 anos Vadão foi o responsável pela formação do inesquecível ‘Carrossel Caipira’, em alusão à inovadora Seleção Holandesa, de Johann Cruijff, que imortalizou o futebol total e encantou o mundo na Copa de 1974. Foi assim que ficou conhecido o Mogi-Mirim, em 1992, cujo esquema tático, o 3-5-2, era bastante similar ao de Rinus Mitchells. Apesar de mal visto após o fracasso do Brasil na Copa de 1990, Vadão não se importou para as críticas, implantando um sistema de jogo com muita velocidade, o qual nenhum atleta guardava posição fixa. No entanto, é importante frisar que ele contou com amplo apoio do então presidente Wilson Fernandes de Barros, que montou uma equipe competitiva reunindo alguns valores da base com destaques de equipes de menor expressão. 

No primeiro semestre de 1992, o Mogi, capitaneado pelo magnífico trio composto por Rivaldo, Válber e Leto, conquistou a Copa 90 anos, organizada pela Federação Paulista de Futebol, em decisão contra o Grêmio São Carlense, perdendo apenas uma de onze partidas. No Campeonato Paulista, realizado no segundo semestre, a equipe foi a líder do Grupo B, garantindo uma vaga no quadrangular final, quando ficou na última colocação, feito que não desanimou os jogadores. Válber ainda foi o artilheiro da competição com 17 gols.

No ano seguinte, o Sapão não se classificou para a segunda fase do Campeonato Paulista, apesar de empatar o mesmo número de pontos que o Guarani, quinto colocado, e o Rio Branco, sexto. Foi o time que menos perdeu na competição juntamente com o líder Corinthians. Contudo, no segundo semestre o Carrossel foi extremamente vitorioso. Ao disputar o Torneio João Havelange, uma espécie de Torneio Rio-São Paulo, passou nas semifinais pelo Corinthians, mas acabaria derrotado, na decisão, pelo Vasco, nos pênaltis. Apesar do revés, a reputação do Carrossel Caipira não parava de crescer. No Torneio Ricardo Teixeira, integrado por equipes do Rio e São Paulo, que fornecia uma vaga na Série B do Campeonato Brasileiro de 1994, o Mogi bateu o Bangu, em duas partidas finais, e ficou com a taça após perder apenas um jogo no certame.

Rebaixado no Paulistão, em 1994, o alvirrubro voltaria à Série A1 logo no ano seguinte após obter o título da Série A2. Infelizmente o clube está mergulhado numa crise financeira sem precedentes que o rebaixou à quarta e última divisão do Campeonato Paulista. Em 2019, seus dirigentes retiraram o time das competições, mas com volta programada para este ano. Apesar das atuais desilusões, os fanáticos torcedores da cidade ainda sonham em reviver os agradáveis ares daquela memorável fase em que o Mogi-Mirim era motivo de orgulho para o futebol do interior paulista.

HOMENAGEM AO TIMES DE SP

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Sempre bati de frente com a imprensa paulista e isso não é segredo para ninguém. Bastava descer no Aeroporto de Congonhas para ser vaiado, mas como nunca fui de ouvir calado durante as entrevistas dizia que jamais moraria em São Paulo, um lugar poluído e com cheiro de podre do Rio Tietê. Acabei quebrando a cara porque morei anos nessa cidade, que adoro e fiz muitos amigos. E como nas últimas duas colunas fiz um teste de memória para lembrar alguns craques dos times cariocas, entre os anos 60 e 70, nada mais justo do que fazer o mesmo com os de São Paulo. E sem consultar o Google!

Adorava os torneios Rio-São Paulo, com seis clubes de cada estado! Vou começar pelo São Paulo, onde Gerson Canhotinha de Ouro foi campeão. Mas vou lembrar de um São Paulo um pouco mais antigo, quando eu era apenas um menino, da década de 50. Reforço que não estou consultando nenhuma fonte de pesquisa e pode ter algum erro. Me consertem! Poy, De Sordi, Mauro, Bauer, Noronha, Maurinho, Gino…..um time espetacular! Mas lembro de vários outros craques do tricolor, como Leônidas, Zizinho, Friaça, Jair da Rosa Pinto, que vi fazer dois gols no Manga, Dino Sani e Canhoteiro. E quando penso na Portuguesa a dó que me dá…. como foram deixar que chegasse a esse ponto. Olha só, os que saíram de lá, que me lembro sem pensar muito: Djalma Santos, Servílio, Sílvio, Ivair, Leivinha, Félix, Ditão, Zé Maria, Marinho Peres, Enéas, Basílio, Badeco e anos depois o diamante Dener. O Juventus, dos artilheiros Wilson Buzzone e Ataliba.

E o Santos? Aí teria que ter uma coluna só para esse time espetacular: Pelé, Pepe, Mengálvio, Edu, Coutinho, Djalma Dias, Dalmo, Calvé, Álvaro, Rildo, Ramiro Geraldino, Pagão, Dorval, Toninho Guerreiro, Tite, Abel, Lima, Ramos Delgado, Joel, Oberdan e tantas outros nomes que fizeram o futebol ser mais lindo! E o Palmeiras, a grande Academia: Valdir de Moraes, Leão, Baldocchi, Dudu, Ademir da Guia, Julinho Botelho, Chinesinho, Tupãzinho, Vavá, Ademar Pantera, Rinaldo, entre outros. Na década de 70, lembro de ter jogado contra um timaço da Ponte, com Carlos, Jair Picerni, Oscar, Polozzi, Odirlei, Marco Aurélio, Vanderlei Paiva, Dicá, Lúcio, Manfrini e Tuta, irmão do Zé Maria. O Guarani começa a montar aquele time que encantaria o Brasil, com Zenon, Renato, Careca, Capitão, Bozó, Zé Carlos, Mauro e Wanderley.

E pouca gente sabe, mas tive uma passagem curta pelo Corinthians, assinei contrato e tudo, mas com a morte de minha irmã, devolvi o cheque para o presidente Waldemar Pires e fui para França. Era época da Democracia Corinthiana. Mas, sem dúvida não seria fácil jogar porque metade da torcida era contra a minha contratação. De qualquer forma joguei algumas poucas partidas e até um torneio no México e posso dizer que joguei no time de Gilmar, Claudio, Luizinho, Balthazar, Ado, Olavo, Oreco, Tales, Sócrates, Vladimir e Rivellino e Luiz Carlos. A lista de grandes jogadores é interminável e é uma prova incontestável de como o nível de nosso futebol despencou.

Acho que passei em mais esse teste de memória, mas me surgiu uma dúvida. Como não lembro da escalação do meu Botafogo do ano passado e listo praticamente todo o time da Ponte Preta de 40 anos atrás? Melhor deixar quieto… Em tempo, ouvi ontem no Campeonato Alemão um narrador falar que a estratégia do time era dar a bola para o adversário! Alguém consegue entender? Sem contar com “consistência de jogo”, “orelha da bola” e muito mais!