O NEW FOOTBALL É UMA CHATICE SEM FIM
por Mateus Ribeiro
O bom filho a casa torna. E apesar de nunca ter abandonado o Museu da Pelada, aqui estou de volta para tocar a minha corneta sem medo de ser feliz.
Eu andei um pouco afastado do futebol, pois em meio ao caos que o mundo vive, não conseguia sentir o mínimo prazer em ver o esporte bretão. Por mim, o futebol nem voltaria neste ano, mas como querer é poder só na música do José Augusto com a Xuxa, a redonda voltou a apanhar nos gramados brasileiros.
É claro, óbvio e evidente, que eu não conseguiria ficar longe dos jogos e dos noticiários, mesmo sabendo tudo o que eu iria encontrar: aquele festival de termos rebuscados, os malabarismos para se explicar um sistema tático e toda aquela modernidade que apesar da roupa elegante e da fala bonitinha, já torrou a paciência.
Porém, o que mais me irritou nessa volta foi o que já roubava a minha paz antes da pandemia: a banalização da vitória. Tudo se tornou mais importante que os três pontos: a posse de bola, o planejamento, o mapa de calor, a movimentação e todas essas conversas pra boi dormir. De uns tempos pra cá, tenho a impressão de que o objetivo do jogo não é mais a vitória ou a conquista de títulos, mas sim, o “legado”, a “metodologia” ou quaisquer outros termos pomposos. Os debates esportivos, que eram tão legais, se tornaram a análise de um disco de rock progressivo (com todo respeito aos simpatizantes do estilo).
Enquanto os entendidos modernos fazem malabarismo para defender a invencionice desse “new football”, eu fico com o futebol punk rock, aquele onde a simplicidade manda e a única coisa que de fato vale é a bola na rede.
Toda essa necessidade de transformar algo tão simples e gostoso em uma ciência de difícil compreensão só reforça a tese de que o futebol moderno é uma chatice que não tem tamanho. A minha sorte é que existe o Museu da Pelada, onde eu posso acompanhar grandes feras e relembrar que futebol é gol, futebol é paixão, futebol é vitória, futebol é memória.
Obrigado pelo espaço e até a próxima!
AS CONSEQUÊNCIAS ANTROPOLÓGICAS DO 7 x 1
por Teixeira Mendes
Culturalmente, o 7 x 1 foi a melhor coisa que aconteceu ao Brasil.
“O brasileiro não está preparado para ser o maior do mundo em coisa nenhuma. Ser o maior do mundo em qualquer coisa, mesmo em cuspe à distância, implica uma grave, pesada e sufocante responsabilidade.”.
(Nelson Rodrigues)
Começo com uma citação amarga, triste, hiperbólica e, ao mesmo tempo, realista. Nelson Rodrigues, o maior cronista da história do futebol brasileiro, foi o primeiro a perceber a relação entre o futebol e a cultura nacional. É dele a tradução do maior dos fatos silenciosos, do silêncio ensurdecedor, do Maracanazo. A hipérbole é a mãe dos gênios, dos Profetas e dos Santos. É um equívoco linguístico que Maria se chame Maria.
Fazendo uma de suas profecias retrospectivas e hiperbólicas, o Anjo Pornográfico traduziu a condição antropológica de nosso povo, a alma do brasileiro comum, via futebol. Recuperando a triste e leprosa recordação de 1950, ele diagnosticou o complexo de vira-latas! Eis a sentença:
“Eis a verdade, amigos: — desde 50 que o nosso futebol tem pudor de acreditar em si mesmo. A derrota frente aos uruguaios, na última batalha, ainda faz sofrer, na cara e na alma, qualquer brasileiro. Foi uma humilhação nacional que nada, absolutamente nada, pode curar.”
(…)
Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Por que, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.”
(Nelson Rodrigues)
A falta de ambição, o sentimento de inferioridade, a resignação diante do mundo é transcendental aos brasileiros. Nosso sujeito transcendental é a imagem de um cão desnutrido, um circo de pulgas em quatro patas – nossa verdade demográfica é a SUIPA! Eis o imperativo: não ouse! E, assim, a privação da ambição, da ousadia e da coragem é um decreto para a maioria dos brasileiros. A consciência universal da norma, me parece inata.
Com o Bicampeonato Mundial em 1958 e 1962, o futebol contrariou a norma. Garrincha e Pelé pareciam ter fundado nos brasileiros uma autoestima sólida, perene, inquebrantável. Pelé era como um Fídias, Garrincha, por sua vez, era como um Antônio Francisco Lisboa. De repente, com as probabilidades negativas de um milagre, na miscigenação do Clássico com o Barroco Mineiro, a dupla de gênios esculpia a imagem do orgulho inabalável. Um Fídias, um Aleijadinho: a alma brasileira estava pronta!
Eis a verdade, amigos: o verdadeiro brasileiro não gosta de futebol. Desde Pelé e Garrincha, o futebol obrigava o brasileiro a ser melhor que os europeus, a ser melhor numa coisa que os americanos nem sonham em ser.
O futebol exigia dos retirantes de Portinari, que tivessem ombros largos para suportar a Glória. O futebol ousou tirar o brasileiro da indigência psicológica. O futebol obrigava o Brasil a ser grande, a ser uma potência, o melhor do mundo em alguma coisa.
Já viram o túmulo do Garrincha? Um indigente tem mais cortesias para os seus restos mortais. Já viram como o Pelé é tratado pela imprensa nacional? Parece que ele fez algum mal ao Brasil. Com o 7 x 1, o brasileiro está livre da responsabilidade de ser o melhor em alguma coisa. Já podemos passear pela SUIPA continental. Já podemos exibir sem pudor, sem medo e sem vergonha, o estandarte pálido de nossa anêmica autoestima, toda a nossa a anorexia psicológica.
O silêncio ensurdecedor durou oito anos, mas com o peso de oito séculos; o 7 x 1, por outro lado, deve durar pelas próximas sete eternidades. A derrota de 2014 transformou – novamente – o Brasil naquilo que ele é – uma SUIPA continental!
FINAL DO PAULISTA PREMIA FUTEBOL SEM GRAÇA
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Nesse “novo normal” do futebol resolvi ser mais do contra do que sou normalmente. Não tem dado muito certo, mas preciso fazer a minha parte. Se é para ser novo que seja mesmo, então tenho torcido para que novos nomes surjam entre os campeões estaduais. No Paulista, minha reza falhou, mas não é preciso ser definido o campeão paulista para cravarmos que nenhuma boa novidade surgirá a partir disso. Os dois times são fracos e no Brasileiro, se nenhuma contratação for feita, serão apenas mais dois times cumprindo tabela. Venho destacando Vanderlei Luxemburgo e Tiago Nunes há algum tempo, mas corre o risco de não surpreenderem mais.
Na verdade, Luxemburgo está completando 40 anos de carreira e já demonstrou sua qualidade diversas vezes, no próprio Palmeiras, em décadas passadas, no Cruzeiro, Santos e Bragantino, em 90, quando foi campeão paulista. Não acompanhei a carreira de Tiago Nunes, mas dava gosto ver o Athletico Paranaense jogar sob seu comando. Apurei que foi campeão pelo Luverdense, de Mato Grosso, Rio Branco, do Acre, e em diversas categorias de base, ou seja, percorreu o caminho certo. Mas é Luxemburgo quem está apostando mais na garotada, como Gabriel Menino e Patrick. Luxemburgo tem isso de bom, não fica cheio de dedos para lançar jovens talentos, mesmo que para isso seja preciso barrar Bruno Henrique, Lucas Lima e Scarpa. Mas a verdade é que os dois times não apresentaram absolutamente nada de novo, futebol sem graça e gols achados.
Tiago Nunes sempre foi acadêmico em suas declarações e fala do jogo como se fosse um engenheiro explicando uma obra. Luxemburgo não era assim, mas nas últimas entrevistas tem entrado para o time dos explicadinhos e só fala “marcação no primeiro terço do campo”. É Luxa tentando se enquadrar no “novo normal”. Em busca dessas novidades, tenho apostado minhas fichas nos times do interior e, por isso, torci para o Novo Hamburgo contra o Grêmio. Fugir do óbvio é isso! No Paraná, fui vencido e se classificaram Athletico x Coritiba. Em Minas, ainda pode dar Tombense, onde está trabalhando meu amigo Edinho, que fez história na zaga tricolor.
Na Bahia, o Atlético, de Magno Alves, vai disputar com o Bahia, de Roger, para quem torço muito. Roger, mil perdões, mas ser um “novo normal” é cravar no Atlético. Em Pernambuco, minha mandinga funcionou e deu Santa Cruz x Salgueiro, assim como no catarinense, que ficará entre Juventus, Chapecoense, Brusque e Criciúma, com Figueirense e Avaí de fora. Essa vida de se transformar em “novo normal” não é fácil, não. O secador precisa ser de última geração! E para quem pensava em secar o português, esquece, o Flamengo, malandro, o trocou por um espanhol. Por fim, aproveitando a onda, os comentaristas bem que poderiam aderir novos jargões, deixando de lado “jogador de beirinha”, “atacante agudo” e por aí vai!
PITA, O MENINO-MAESTRO, FAZ 62 ANOS
Centro de Memória do Santos
“Que gol fez o garoto!”, exclamou o jornalista Jéthero Cardoso, do Jornal da Tarde, na tribuna de imprensa do Morumbi. Lá no gramado o zagueiro Tecão ainda estava caído depois do drible seco do armador Pita, canhoto de 20 anos e muita habilidade, que corria em direção à pista de atletismo para comemorar o gol de virada contra o São Paulo, na primeira partida da decisão do título paulista de 1978.
Menino pobre nascido em Nilópolis, no Rio, em um 4 de agosto como hoje, Edivaldo de Oliveira Chaves veio com um ano de idade para Cubabão e passou a maior parte da infância jogando futebol e vendendo siris às margens da rodovia Anchieta.
Meia habilidoso, que não só lançava e chutava bem, mas também driblava como um atacante, Pita teve grandes momentos no futebol. Chegou até à Seleção Brasileira, pela qual fez 12 partidas, mas nada se compara com a explosão de sentimentos causada por aquele seu gol contra o São Paulo, aos nove minutos do segundo tempo, na noite de 20 de junho de 1979.
Do Casqueiro ao Santos em dois anos
Tudo estava acontecendo muito rápido na vida do menino que aos 13 anos foi defender o Casqueiro em um torneio de praia e acabou convidado para jogar na Portuguesa Santista. Dois anos depois já estava na Vila Belmiro, treinando ao lado de companheiros que, devido à eterna falta de dinheiro do clube, seriam promovidos ao time principal em 1978.
Pita passava tardes vendo os treinos de Edu, seu ídolo, e prestava atenção nos dribles do ponta para treiná-los depois. Ele acha que por isso se tornou um meia ofensivo, que se sentia à vontade perto da área adversária, a ponto de marcar gols como aquele contra o São Paulo.
Com ele e Ailton Lira lançando os rápidos Nilton Batata, Juary e João Paulo, o Santos infernizava os adversários. Após o título paulista de 1978, conquistado em meados de 1979, aquele Santos ainda venceu o primeiro turno do paulista de 1980, mas acabou derrotado na decisão com o São Paulo.
O título mais importante poderia ter vindo no Brasileiro de 1983, mas aí, além do bom futebol do adversário na final, Pita acredita que já estava tudo armado para Zico ter o seu último título antes de ir para a Itália:
– Em São Paulo ganhamos só de 2 a 1, mas era para fazermos mais dois ou três gols. No Rio, tomamos um gol logo de cara, mas estávamos equilibrando o jogo quando não deram um pênalti inacreditável em mim (o zagueiro Marinho atropela Pita na área e o árbitro Arnaldo César Coelho dá obstrução, cobrada em dois toques. Um absurdo).
– A gente já estava percebendo coisas estranhas em campo. Depois daquele pênalti não dado eu olhei para o Serginho e disse que já estava tudo armado, a gente não iria sair campeão dali de jeito nenhum.
Tímido? Nem tanto
O único defeito que os cronistas da época apontavam em Pita era a timidez. Às vezes parecia sumir do jogo. Isso também o atrapalhava fora de campo, principalmente no ambiente carnavalesco da Seleção Brasileira, dominado pelos espalhafatosos e super protegidos jogadores cariocas.
Na verdade, o futebol de Pita falava por si, não era preciso contar lorotas. Tanto, que no primeiro jogo depois de uma longa suspensão, Ailton Lira recusou a camisa 10 que o técnico Formiga lhe estendia, no vestiário. Apontou para Pita e disse: “Dê para o garoto, ele merece”.
Pita também tinha fama de bonzinho, mas também aprontava. Ele se lembra de uma noite em que colocou um siri embaixo do travesseiro de Serginho Chulapa, justamente o jogador mais temperamental do time.
– Ele estava fora. Pus o siri e antes que ele voltasse fui para o meu quarto e tranquei a porta. Eu sabia que o Serginho iria ficar furioso quando visse o bicho lá.
Realmente. Serginho viu o travesseiro se mexendo, foi checar e viu o siri enorme. Quase quebrou a porta de Pita. Hoje o meia ri, diz que gosta muito do centroavante e que o sentimento é recíproco.
Mesmo muito querido pela torcida, em 1984 Pita foi para o São Paulo, trocado pelos passes do ponta-esquerda Zé Sérgio e o volante Humberto (ambos campeões paulistas pelo Santos em 1984). No Morumbi, Pita foi duas vezes campeão paulista e uma vez brasileiro.
Em 1988 seguiu para o Racing Strasburg, da França, negociado por um milhão de dólares. Antes de encerrar a carreira de jogador e iniciar a de técnico de base, o meia que o técnico Cilinho chamou de “o último romântico do futebol” atuou pelo Guarani de Campinas e no futebol japonês.
Jogador que pouco se machucava, ele é o décimo sétimo jogador com mais atuações pelo Alvinegro Praiano. Foram 408 jogos e 55 gols marcados com a camisa do Santos, alguns deles belíssimos, que deixaram muitos zagueiros sentados, e a torcida de pé.
PRESIDENTE FLEUMÁTICO
por Valdir Appel
Joguei em vários clubes brasileiros, e tive a oportunidade de conhecer presidentes que fizeram história à frente deles. Alguns folclóricos, outros déspotas; alguns maquiavélicos, outros tirânicos; alguns autoritários…
Quando cheguei ao Vasco da Gama, o presidente era João da Silva ou simplesmente seu João, como os jogadores o chamavam, e seu vice era Antônio Soares Calçada.
Seu João era um dos donos da Carrocerias Metropolitana, instalada na Avenida Brasil. Chamava a atenção pelos hábitos elegantes e conduta de um lorde inglês, algo incomum para um homem que começou a vida como comerciante, dono de uma banca de jornais.
Gostava de circular com o seu chapéu de feltro, fumando cachimbo com um fumo aromático importado. De fleumático tinha algo: era categórico, imperturbável e decidido. Cordial e de fala mansa, transpirava credibilidade e confiança. Gostava e falava com orgulho das qualidades de sua Mercedes Benz conversível:
– Ninguém abre o motor de uma Mercedes antes de 15 anos de uso!
Observando-o, tornei-me um fumante de cachimbo e usuário de um chapéu idêntico ao dele, que comprei em Lisboa. Meus papos com o presidente, nas concentrações, eram sempre sobre cachimbos. As melhores marcas, tamanhos, filtros e formas. Tabacos, tipos de tabacos. Como encher o cachimbo, como acender, como mantê-lo aceso.
Por último, falávamos sobre a limpeza do cachimbo com escovilhões cônicos e a necessidade, por vezes, de usar alguma bebida com alto teor alcoólico para fazer uma limpeza mais profunda. Virei colecionador, cheguei a ter 27 cachimbos: inglês, italiano, americano e até japonês.
Em 1970, seu João era o vice-presidente do senhor Agarthino Gomes. Seu João participava ativamente de todas as atividades do clube e, nas preleções do técnico Tim, sentava-se no meio dos jogadores, absorto, enquanto o mestre estrategista mexia os seus botões, posicionando a sua equipe e revelando os segredos do adversário.
Na terceira rodada do campeonato carioca, Tim fazia sua preleção e, ao definir a lateral esquerda com Batista (que vinha atuando bem), João Silva o interrompeu. Tirou o cachimbo da boca e indagou:
– Tim! Batista?
E Tim respondeu:
– Batista, não. Eberval!
Nos olhares trocados entre os jogadores, a pergunta: seu João estaria escalando o time?
Com a ajuda do presidente ou não, o Vasco foi campeão carioca naquele ano.