Escolha uma Página

OS 50 ANOS DO TRI E A ACENTUAÇÃO DAS DIFERENÇAS ECONÔMICAS

por André Luiz Pereira Nunes

Neste domingo, o país comemora 50 anos da conquista do tricampeonato mundial da Copa do Mundo ocorrida no México. De acordo com especialistas, a Seleção Brasileira de 1970 foi a maior de todos os tempos. Na decisão, o Brasil goleou a Itália por 4 a 1 com direito a uma campanha avassaladora e irretocável: seis vitórias e 19 gols marcados. Pelé, Tostão, Rivellino, Carlos Alberto Torres, Gerson e o furacão Jairzinho encantaram o mundo.


Contudo, comparando aquela época com a atual, percebemos que há um crescente abismo econômico. Atualmente, o esporte vivencia uma nova dimensão social, se assemelhando a uma indústria produtora de novos mitos. Naquele tempo, os jogadores faziam propagandas de comida, bebida e itens mais banais. Hoje são propagandistas de grandes marcas internacionais. Ao explorar o potencial econômico do futebol, os empresários têm por objetivo transformar sentimentos em consumo e logicamente visam o lucro.

Analisando, portanto, o elenco tricampeão da Copa do México, percebemos que alguns daqueles atletas encerraram a carreira em modestas equipes, algo que seria impensável ou até bizarro no futebol contemporâneo. O goleiro Ado, por exemplo, reserva imediato de Félix, possuía 23 anos e obteve sucesso atuando pelo Corinthians. Curiosamente, veio a encerrar sua carreira no Bragantino, em 1982. Já o zagueiro Brito, na época com 30 anos, atuava pelo Flamengo e, apesar de memoráveis passagens por grandes clubes do futebol brasileiro como Vasco, Internacional, Cruzeiro e Corinthians, seu último time foi o modesto Ríver, do Piauí, em 1979.

O caso talvez mais emblemático tenha sido o do zagueiro Joel. Após uma brilhante carreira, pontuada por grandes partidas pelo Santos, resolveu aos 29 anos parar de jogar para mergulhar na bebida. Sua última participação ocorrera pelo extinto Saad, de São Caetano do Sul. Veio a torrar todas as economias duramente conquistadas com o futebol até se dar conta que, aos 35, não havia lhe sobrado absolutamente nada. Tomou então uma decisão radical: vendeu todas as medalhas que guardava em casa, incluindo a de campeão da Copa do Mundo. Inteiramente falido e com uma filha para criar, se viu obrigado a trabalhar como estivador no Porto de Santos. Invariavelmente quando era reconhecido, negava a sua origem, pois não admitia que interpretassem sua triste realidade como fracasso. Morreu de insuficiência renal aos 69 anos, em 23 de maio de 2014, pobre, enfermo e esquecido pelos clubes que um dia se renderam a sua indiscutível classe


O lateral-esquerdo Marco Antônio, também com grandes momentos por Fluminense, Vasco e Botafogo veio a terminar a carreira no modesto Fast, do Amazonas, em 1984. Atualmente leva uma vida de dificuldades e luta contra um inimigo invisível e poderoso, o alcoolismo. Zé Maria, o consagrado lateral-direito do Corinthians, pendurou as chuteiras, em 1984, na Internacional de Limeira. O volante Clodoaldo, titular por mais de uma década no Santos, vestiu a camisa do Nacional em 1981, para defender o clube no Campeonato Brasileiro. Também atuou pelo Fast, no emblemático jogo contra o New York Cosmos. Já o último clube de Jairzinho foi o desconhecido Nove de Octubre, do Equador, que hoje atua na segunda divisão do futebol do país. Outros atacantes que não atuaram no Mundial, mas integraram o plantel foram Edu, do Santos, e Dario, do Atlético Mineiro, os quais encerraram suas carreiras respectivamente no Dom Bosco (MT) e e Comercial de Registro (SP).

Comparando aqueles tempos com os de hoje nos parece impensável imaginar Neymar terminar seus dias no São Cristóvão ou Gabriel Jesus assinalar seus últimos gols com a camisa da Ferroviária, de Araraquara. O futebol passa por um processo crescente de elitização e a tendência é que somente os clubes de massa possam realmente prevalecer em um futuro cada vez mais dominado pelo crescente poderio econômico.

COM O DESTINO NAS MÃOS

por Alberto Lazzaroni


Rio de Janeiro, anos 50. A então capital da República era uma cidade bem diferente da que conhecemos hoje. Eram os anos subsequentes ao fim da Segunda Guerra Mundial e vivia-se a esperança de novos tempos. Tempos de paz e prosperidade.

Desde a sua fundação, a cidade sempre teve como característica marcante o fato de ser aberta ao mundo, de receber pessoas das mais variadas origens. E foi ali, no então aprazível bairro do Rio Comprido, que se estabeleceu um filho de imigrantes sírios. Seu nome? João Elias. Ou simplesmente Elias. Ou ainda Cachimbo, por conta do amigo inseparável.

Elias era uma figura ímpar. Sujeito alto, forte e decidido, não gostava de ficar esperando as coisas acontecerem. Ele ia literalmente à luta para realizar os seus objetivos. Era chofer de táxi. Ou melhor, era “O” chofer tamanha a seriedade com que encarava o seu ofício, o que inspirava todos à sua volta. Aqui vale lembrar um detalhe inusitado: à época os taxistas tinham que usar um uniforme, que era camisa branca e calça e gravata pretas. A camisa dele vivia furada por conta das brasas do cachimbo.


Apaixonado por futebol e com tamanha liderança, não tardou a buscar novos voos. O América FC, tradicional clube tijucano, abriu suas portas para ele e, com a mesma maestria com a qual guiava seu táxi, conduziu o time de veteranos a grandes conquistas. Mas Elias queria mais. Não deixava de pensar na família. Criou então um time de futebol de salão (hoje futsal) do qual faziam parte os três filhos. Os dois mais velhos eram realmente bons de bola mas o caçula não jogava nada. O que fazer? Deixar de fora? Nem pensar. Não titubeou: vai virar goleiro.

E aí o destino se encarregou do restante. Os dois mais velhos não deram sequência na carreira de jogador de futebol. Já o caçula é ninguém menos que o grande Nielsen Elias. As mãos que seguravam o volante inspiraram as mãos que seguravam a bola. Dois homens fortes. Dois homens de bem.

O destino estava literalmente em suas mãos.

Bate-pronto: essa coluna é uma declaração de amor de um filho para o seu pai. Serve para nos mostrar o quanto podemos ser inspiradores fazendo o simples, o básico, qual seja fazer sempre com amor. Obrigado Nielsen Elias por me dar essa oportunidade.

FUTEBOL EM FAVOR DE QUEM?

por Marcelo Mendez


O dia amanhece em Santo André.

O sol de inverno que é quase quente, ilumina uma manhã em que as coisas da periferia apontam para um dia que seria quase normal se não fosse por uma razão secular que marcará a história de nossa geração; Temos uma pandemia alimentada pelo coronavírus batendo a nossa porta.

Está, portanto, proibido todo afeto que se possa ter. Você que está me lendo não pode mais abraçar seu amigo, quando o ver, não deve apertar sua mão, seu sorriso não poderá ilustrar a manhã de sol, porque agora é necessário usar uma máscara e tudo que se tinha como comum está em suspensão. Todavia, como já é sabido pelas Gentes do Brasil, teremos futebol no Rio de Janeiro.

Sim, caro leitor. Não terá Olimpíada, Eurocopa, Copa América, Champions League, NBA, mas o mundo em pandemia precisa mesmo de um Flamengo x Bangu para chamar de seu!

O futebol ser usado como propaganda de Governos populistas para encobrir fatos, para divulgação de práticas eleitoreiras não é uma novidade. A história está recheada de momentos em que as máquinas públicas voltaram seus esforços para tal fim. Muitas são as maneiras para se maquiar e se fazer isso. A diferença cabal é que agora não se maquia nada, tudo é as claras, na larga, sem pudor ou discernimento algum.

A diretoria do Flamengo, em acordo com a Federação Carioca de futebol, mais os protocolos (Termo cada vez mais insuportável e hipócrita de se ler) chegaram a conclusão de que sim, em detrimento aos milhares de mortos diários no Brasil, o mundo precisa ter um Flamengo x Bangu no Maracanã vazio em suas arquibancadas, tendo como vizinho, um hospital de campanha em que pessoas lutam pela vida, contra o Covid. A história se repete em forma de perguntas:

Qual é a razão para ter esse jogo agora? Com que animação serão comemorados os gols? Com quem? Para quem? Os artilheiros baterão cotovelos e calcanhares para respeitar as normas da OMS do distanciamento social? E vai mudar o que na nossa realidade, ou mesmo no futebol?

Caro leitor do Museu da Pelada, essas perguntas que faço foram respondidas em malabarismos intelectuais vergonhosos nos últimos dias. O Absurdo para justificar o inargumentável. Uma lástima. Se você que me lê aqui tentar responder dessa forma, vou respeitar o que pensas mas vou lamentar muito. Porque algumas coisas não tem respostas práticas ou instantâneas como esses pacotinhos de macarrão ruim. O tempo e a calma são necessários para formação de um discernimento e de um bom senso para que se entenda o que o momento histórico pede de nós

Decerto que não é de gols que estamos precisando.

O FALSO ALEGRE

por Marcos Eduardo Neves


No tempo em que existia ponta-direita e ponta-esquerda no futebol, surgiu uma peça ofensiva que vestia a camisa 7 ou 11 mas não se restringia à limitada faixa lateral do campo. Era o falso ponta. Em sua fase áurea, por exemplo, o Flamengo teve dois atacantes assim: Tita e Lico. Nesta semana, perdemos não um falso ponta, mas um falso alegre. O sorridente malandro Mário José dos Reis Emiliano. O trágico Marinho, do Bangu.

Moleque travesso, luz que escureceu da noite para o dia. Aliás, do dia, vários dias, para a noite. Treva eterna de uma existência triste, solitária e infeliz.

O destino foi cruel com ele. Disfarçadamente. Primeiro o enganou, fez dele uma revelação do futebol. Aos 12 anos, precisou arrancar forças do Além para superar o drama de ver sua irmã morrer na sua frente, atropelada, quando o levava a um treino. A bola o salvou.

Marinho despontou com a camisa da seleção de novos e disputou a Olimpíada de 1976. Estreou jovem no fortíssimo time principal do Atlético Mineiro. O céu parecia o limite. Mas justamente quando poderia ter disputado sua primeira final de Brasileiro, ao lado de astros como Cerezo, Reinaldo e Éder, não prestava mais seus serviços em Beagá. Escondia-se em São José do Rio Preto, defendendo as cores do América paulista. Primeira grande ironia.

Não se abateu. Talentoso, provou seu valor e por alta cifra se transferiu para o forte Bangu, clube patrocinado por um contraventor cheio de bufunfa. O bicheiro Castor de Andrade montou um time para ganhar tudo. Em 1985, Marinho se tornou estrela nacional. Melhor jogador do Campeonato Brasileiro, fazia parte da seleção. Nos braços de amigos e na boca das mulheres, surfava a crista da onda.

Seu Bangu chegou às finais de tudo que disputou naquele ano. No Carioca perdeu a decisão para o Fluminense de maneira contestável. O árbitro fez vista grossa para um pênalti claro a favor do clube suburbano, nos instantes derradeiros. Já no Brasileiro, cenário final apoteótico. Maracanã lotado com as torcidas cariocas em peso no estádio; o Rio a favor do alvirrubro de Moça Bonita. Nos pênaltis, Bangu vice. Diante do mediano Coritiba e em casa, o apogeu de um belo time sem títulos, em suma, uma excelente equipe condenada ao ostracismo.


Marinho, contudo, era maior do que uma simples faixa no peito. 1986 era ano de Copa do Mundo. Na convocação final para o Mundial do México, porém, Telê Santana contrariou o ‘Zé da Galera’, personagem de Jô Soares no humorístico ‘Viva o Gordo’, e extirpou em um corte só dois ponteiros: ele e Renato Gaúcho. Nova decepção. Que sempre com um sorriso no rosto, sua marca registrada, Marinho haveria de contornar no ano de 1988.

Contratado pelo Botafogo, clube que dependia financeiramente de outro dono de banca do jogo do bicho, Emil Pinheiro, tudo indicava que Marinho, aos 30 anos de idade, daria finalmente o pulo do gato.

Não deu. E por não saltar não salvou seu filho, que com um ano e sete meses caiu na piscina da mansão enquanto o pai concedia uma entrevista à imprensa. O anjinho partiu afogado. Matando Marinho de vez.

Do mundo de tapinhas nas costas e farras, o jogador mergulhou profundamente no umbral das bebidas. Foi dizimado aos poucos pelo alcoolismo. Em contrapartida, seu patrimônio e sua vida pessoal dele se desfaziam de maneira tão veloz quanto partia Marinho para cima dos beques, serelepe, com a bola nos pés.

Perdeu a esposa, morou no próprio carro e até nas dependências do Bangu. Vagava pelas ruas do bairro que lhe deu fama e anonimato. Nos últimos anos contraiu tuberculose. Resgatado por um filho, voltou a Belo Horizonte. Na cidade que viu seu início mostrou-lhe o capítulo final.

Aos 63 anos, numa sala de UTI de um hospital público, o falso alegre perdeu o jeito para driblar tantas adversidades. Encarava um marcador inclemente: um câncer metastático de pâncreas. Passou por três cirurgias, mas pela última vez perdeu o jogo decisivo. Deixando lacrimejado nos fãs um sorriso amargo. Amargo de amargura.

“DINAMÁQUINA”: A SELEÇÃO QUE FEZ HISTÓRIA NA COPA DE 86

por André Luiz Pereira Nunes


Ao longo dos anos, muitas seleções e times se notabilizaram internacionalmente, ainda que não tenham ganhado campeonatos. No entanto, o esporte não sobrevive apenas de vitórias, mas de histórias. E nessa relação, o Carrossel Holandês se consagrou pelo estilo de jogo envolvente e apaixonante. Um outro esquadrão que encantou os gramados do mundo foi o da Dinamarca, na Copa de 1986, no México, o qual ganharia a alcunha de “Dinamáquina”.

Todavia, para avaliarmos esse talentoso conjunto, então estreante na competição, precisamos recuar à Eurocopa de 1984, disputada na França. Naquele certame os nórdicos, não só se classificaram, como ainda chegaram às semifinais, quando foram eliminados pela Espanha, a vice-campeã do torneio. A equipe contava com jogadores técnicos e com habilidade de sobra como Laudrup, Arnesen, Jesper Olsen, o goleador Elkjaer Larsen e o experiente Morten Olsen, o capitão do time. 

Dispondo de uma ótima base em mãos, o técnico Sepp Piontek preparou o elenco para as Eliminatórias da Copa do Mundo. Integrando o Grupo “6” com União Soviética, Suíça, Irlanda e Noruega, os dinamarqueses facilmente conquistaram a primeira colocação e a classificação antecipada para o Mundial, enquanto os soviéticos, segundo colocados, ficaram com a segunda vaga. 

Considerado um dos maiores revolucionários do futebol, Piontek consagraria o esquema 3-5-2, retirando um defensor para rechear o meio de campo de atletas talentosíssimos, os quais serviam de engrenagem à máquina. Vale ressaltar a presença do líbero e capitão, Morten Olsen, o qual anos depois se tornaria o treinador. A meia cancha ainda dispunha dos talentos de Soren Lerby, Frank Arnesen e Jesper Olsen, companheiros do forte Ajax. Na armação, uma promessa: o jovem Michael Laudrup, o qual mesmo às vésperas de completar 22 anos, já se destacava no futebol italiano pela Juventus. O grande astro, contudo, era Preben Elkjaer, fantástico atacante do Verona, campeão italiano em 1985, que ficara no pódio do prêmio Bola de Ouro nos dois anos anteriores.

Na Copa do Mundo, os nórdicos ficaram no Grupo “E”, ao lado de duas bicampeãs da competição: a Alemanha Ocidental, em 1954/1974, e o Uruguai, em 1930/1950. O quarto membro do grupo e, não menos importante, era a Escócia, país que desde de 1974 vinha participando de todos os Mundiais. Diante do equilíbrio, tudo levava a crer que os alemães ficariam na dianteira da chave, enquanto os adversários lutariam encarniçadamente pela segunda vaga. 


A estreia ocorreu justamente contra os escoceses, na época comandados pela futura estrela do Manchester United, Sir Alex Fergunson. O jogo foi bastante parelho, mas o camisa 10, Elkjær Larsen decretou a primeira vitória. Parecia o início de um sonho possível.  

O segundo adversário seria o Uruguai. O desafio se mostrava mais difícil para os atletas do pequeno país europeu, pois a Celeste Olímpica se sagrara campeã da Copa América, em 1983, e chegava ao Mundial em ótima fase. Porém, mesmo sob a batuta de Enzo Francescoli, os sul americanos foram os segundos a caírem diante dos dinamarqueses, os quais contaram com uma atuação impecável de Michael Laudrup e principalmente de Elkjaer, autor de três gols na goleada por 6 a 1. A partir daí todos os holofotes se voltaram para a seleção de Sepp Piontek. 

Pela última rodada da primeira fase, a Dinamarca defrontaria a Alemanha Ocidental, justamente temida por acabar com a farra das seleções que apresentavam um futebol revolucionário. Os nórdicos, no entanto, não se intimidaram, não dando a menor chance para a bicampeã mundial. Com um futebol rápido e envolvente, os germânicos foram fragorosamente derrotados por 2 a 0.

O surpreendente desempenho rendeu à talentosa equipe o apelido de “Dinamáquina”. Contudo, da mesma forma em que foram alçados ao posto de candidatos ao título, os dinamarqueses acabaram causando uma grande decepção nas oitavas de final diante da Espanha. Os nórdicos chegaram até a abrir o placar com Jesper Olsen, ainda no primeiro tempo. No entanto, um inimaginável apagão mudou o rumo do confronto e a Dinamarca acabaria derrotada por 5 a 1 em uma atuação impecável de Emílio Butrageño, autor de 4 gols.

Apesar da precoce eliminação, pontuada por uma inesperada goleada, a reputação dos dinamarqueses permaneceu inatacada. Elkjaer terminaria eleito o terceiro melhor jogador do Mundial e a base estaria montada para futuras conquistas e elas não tardariam a vir. A Dinamarca voltaria a surpreender na Eurocopa de 1992.