GUALICHO
por Valdir Appel
Em 1967, Mané Garrincha já não era o mesmo.
Sem clube, sem oportunidade, desacreditado.
Mas, um pedido comovente dos jogadores vascaínos, liderados por Brito, nosso capitão, convenceu os dirigentes e o técnico do clube, a dar uma nova oportunidade ao genial ponta-direita.
Terça-feira.
Mané chegou com seu andar torto.
Trajando camisa aberta no peito, bermuda e chinelo de dedo.
Nos vestiários, vestiu seu agasalho de plástico escuro.
A chuva lá fora nos tirou o gramado, e o treino foi transferido para o ginásio.
O espaço menor aproximou o grupo.
As ordens de Gentil Cardoso eram passadas ao pé do ouvido.
O cone com o desenho da cruz e malta não teve o costumeiro uso.
O megafone ficou largado, oscilando junto ao corpo do técnico.
Lado a lado corríamos.
Manquitolando, Mané Garrincha faz par com Brito.
As bochechas enormes, as pálpebras caídas, os ombros pesados, denunciavam o seu pesadelo.
O plástico de seu esquente, derretia o excesso da noite mal dormida na sua rotina noturna – madrugada de doses de traçado, ao som da voz rouca de sua amada Elza nas boates de Copacabana.
O início dos trabalhos no clube para a necessidade de descanso do craque, era um pesadelo. Muito cedo para fazê-lo entrar em forma.
E, naquela manhã, não seria diferente. O espaço menor não diminuía o tempo de esforço.
Mais voltas para compensar os limites do ginásio e quebrar o pouco da resistência que sobrava ao Anjo Torto.
Naquela manhã, corríamos em silêncio.
Um pouco pelo tempo fechado e escuro, que nos manteve contidos.
As brincadeiras sem graça foram substituídas pelo sopro de cada um para o atleta cansado.
Sopro de respeito, de reconhecimento e de vida, injetado com vigor, para reerguer o mito Gualicho*.
Após as insuportáveis e intermináveis voltas, a ordem de parar nos jogou ao chão. Em círculo, para a sessão de ginástica, e suas longas sequências de exercícios localizados.
Mané puxou, com dificuldade, uma perna para abraçá-la. Depois a outra.
Estava ao lado do pássaro ferido, e não pude disfarçar a lágrima que desceu pela minha face.
Mané já não esperava a volta do adversário para driblá-lo de novo.
A vida já o driblara.
Só que ele ainda não sabia.
*Gualicho- Apelido do Garrincha antes da fama. Gualicho, cavalo argentino ganhador de Grandes Prêmios no Brasil, nos anos 50.
O MAIOR GRITO DE GOL DA HISTÓRIA
por Leandro Ginane
Terça à noite era o dia da pelada dos moleques. Jogavam em um campinho na Piedade, cinco na linha, um no gol. Ficava ali perto do Rei do Bacalhau. Campo de terra preta salpicada com uma espécie de purpurina cor de prata que pendia nas pernas dos garotos mesmo depois do escovão no banho.
Se reuniam na pracinha quatro horas antes da pelada começar e ficavam ali jogando conversa fora até a hora de ir para o campo. Ritual que se repetia toda semana. Mas aquela terça foi diferente. Havia dois dias de um dos mais memoráveis Fla x Flus da história. Aquele do gol de barriga do Renato Gaúcho no finzinho do jogo. Esse mesmo, que ficaria marcado na memória daqueles moleques para sempre. Não pelo jogo em si, mas pela astúcia do João, tricolor mais chato da rua.
João presenciou no Maraca o gol épico marcado pelo craque tricolor. O detalhe é que em segredo, tinha deixado o jogo sendo gravado em fita cassete. Naquela época, as partidas eram transmitidas pela rádio Globo AM com narração do José Carlos Araújo, o Garotinho.
No dia seguinte, de alguma forma engenhosa, João conseguiu editar apenas o trecho da narração que descreve a hecatombe que estava prestes a acontecer no Maracanã.
A partir daí, todos os dias religiosamente com início naquela terça dia 27 de junho de 1995, e durante os seis meses seguintes, ele repetiria a narração do Gol no mesmo horário, com o maior volume possível numa caixa de som presa entre a janela e a parede do prédio em que morava no primeiro andar.
João obrigou velhos, crianças, bebês e todos os seus vizinhos a ouvirem no mínimo cento e oitenta vezes a mesma narração. Isto sem contar as vezes em que ele colocava a fita em loop com o grito do gol de barriga do Renato. Dizem até que ele é o responsável pelo surgimento de uma nova geração de tricolores nascidos nos meados da década de noventa ali pela região.
Fato é que esse som ficaria marcado na memória dos moleques da praça uma vida inteira, inclusive na minha, rubro-negro roxo, que hoje escrevo essas palavras 25 anos depois com a voz do José Carlos Araújo na cabeça.
O DESEQUILÍBRIO DO FUTEBOL BRASILEIRO
por Idel Halfen
A recente publicação da medida provisória 984, a qual altera as regras de transmissão de jogos de futebol no Brasil concedendo aos clubes mandantes a exclusividade desse direito, nos leva mais uma vez à reflexão do futuro desta modalidade esportiva em nosso país.
Embora merecesse críticas, não entraremos aqui no mérito da falta de debate sobre o tema antes da citada publicação, pois, para isso, precisaríamos discutir o estilo de governo, o que levaria o texto para o lado da política, fugindo assim dos objetivos deste blog.
Dessa forma, usaremos esse espaço para discutir as consequências que o desequilíbrio entre os clubes já proporciona e que tende a aumentar caso a citada medida provisória seja aprovada. Para melhor ilustrar esse problema, pegaremos como exemplo a final do Mundial de clubes de 2019, quando ficou evidente o abismo que separa as duas equipes que se confrontaram. Se o resultado em campo mascarou um pouco tal diferença, as finanças dos dois times mostram claramente os danos causados pelo modelo de divisão de receitas vigente e que tende a piorar com a MP 984.
O quadro abaixo, produzido pela KPMG, compara os dados relativos à temporada 2017/18 do Liverpool contra os do clube brasileiro em 2018, nele é possível ver que a receita do time inglês é quase cinco vezes maior. Detalhando a composição desses números, veremos que o faturamento do campeão mundial com matchday (bilheteria) é quase quatro vezes superior, com commercial(patrocínios e licenciamentos) beira o quíntuplo e com broadcasting (direitos de transmissão), que é a maior fonte de receita de ambos, é mais do que cinco vezes maior. Ressalte-se que o clube brasileiro tinha na época da apuração o segundo maior faturamento de seu país, enquanto o Liverpool não figurava entre os três principais da Inglaterra, isso significa dizer que, se compararmos as médias dos clubes que fazem parte da primeira divisão dos dois países, a diferença é ainda mais alarmante.
Evoluindo na análise, pegaremos as três formas de receitas recorrentes para avaliar quais seriam as reais condições de o clube brasileiro diminuir a distância em termos de faturamento. Começando pelo matchday nos deparamos com a restrição do tamanho dos estádios – a limitação física – , o que faz com que a única opção para aumentar a receita seja a majoração do preço dos ingressos, mas aqui esbarramos na renda familiar brasileira, o que deixa essa alternativa extremamente dependente do crescimento da economia. Ainda que se adicionem nessa linha as receitas advindas dos torcedores que fazem parte dos programas de associação e não vão aos jogos, a limitação referente ao poder aquisitivo permanece.
A possibilidade de incremento através de patrocínios e licenciamentos é, sem dúvida, factível, contudo é importante ter em mente que os budgets das empresas costumam dedicar ao marketing um percentual das receitas oriundas das vendas. Nesse cenário, um eventual crescimento das verbas de patrocínio dependerá também do crescimento da economia, a menos que a verba venha de fora, o que não é usual. Sobre o licenciamento, podemos aplicar raciocínio similar, pois, por mais que os produtos sejam atrativos, a capacidade financeira para adquiri-los e a pirataria inibem incrementos significativos.
Por último, temos o broadcasting que, como já foi dito, é a maior fonte de receita do atual hexacampeão brasileiro. Essa verba advém dos direitos pagos pelas emissoras para que os jogos sejam exibidos, verba esta que é oriunda do montante pago pelos anunciantes, os quais buscam audiência como retorno. Progredindo nesse raciocínio, constatamos que a defasagem entre o que os clubes da divisão principal do campeonato brasileiro recebem chegou a um patamar que deixa a disputa bastante desequilibrada e pouco atrativa, fato que tende a diminuir a audiência e, consequentemente, o interesse dos anunciantes, redundando na diminuição de receitas e, quem sabe, se estenda aos patrocínios.
Essa falta de atratividade prejudica ainda a comercialização de tais direitos para o mercado internacional, o que proporcionaria mais receitas em moedas fortes.
Tal narrativa nos remete ao livro chamado “The Myth of Capitalism: Monopolies and the Death of Competition” – O mito do capitalismo: monopólios e a morte da concorrência, escrito pelo economista americano Jonathan Tepper, que preconiza que a concentração causada pelo processo de consolidação de alguns setores distorce um dos principais alicerces do capitalismo: a competição.
A propósito, até pelo aspecto técnico, o desequilíbrio crescente é prejudicial, pois, na medida em que não se é tão exigido durante grande parte da temporada, a evolução fica prejudicada, redundando num processo em que acaba se satisfazendo em ser “cabeça de sardinha” ao invés de buscar um planejamento que permita fazer com que o campeonato que disputa seja competitivo, proporcionando o desenvolvimento necessário para retenção/contratação de craques “de verdade” e, aí sim, poder jogar de igual para igual contra qualquer time.
CINEFOOT RECEBE INSCRIÇÕES PARA SUA 11ª EDIÇÃO
O Cinefoot-Festival de Cinema de Futebol está com inscrições abertas até 15 de julho para a sua edição 2020.
Do goleiro ao ponta-esquerda, o festival chega à sua realização número 11 renovando a sua missão de abrir espaços para a difusão da cinematografia mundial de futebol.
Sua programação inclui mostras competitivas internacionais, mostras especiais, debates, homenagens, dentre outras atividades.
O Cinefoot é o único festival de cinema do Brasil e pioneiro na América Latina dedicado à temática futebol, sendo o representante brasileiro no seleto circuito internacional de festivais de cinema esportivo da FICTS-Federation Internationale Cinema Television Sportifs, com sede em Milão.
O 11˚ Cinefoot, que tem data prevista de realização em setembro, aceita trabalhos produzidos em qualquer suporte, gênero ou formato e não há restrições quanto ao ano de realização da obra.
Regulamento e inscrições através do site www.cinefoot.org.
O VERDADEIRO MOTIVO DO CORTE DE RENATO EM 1986
por Luis Filipe Chateaubriand
Antes da Copa do Mundo de 1986, o ponta direita Renato, conhecido como Renato Gaúcho, estava jogando o “fino da bola”. Mesmo assim, foi cortado pelo ranzinza Telê Santana da delegação que foi à Copa do Mundo de 1986, no México.
Muitos atribuíram o corte ao fato de, em determinado dia, ter ficado na farra com Leandro em um dia de folga e só ter aparecido na concentração, junto com o craque rubro negro, às duas horas da manhã, quando a reapresentação estava marcada para as 22h.
Alguns atribuíram a Telê um grande maquiavelismo: desistiu de cortar os dois porque queria contar com Leandro; aí, à véspera do embarque para a Copa, quando teria que cortar cinco jogadores, cortou Renato, podendo manter Leandro.
Leandro, tendo percebido a situação, desistiu de jogar a Copa.
Mas muitos esquecem de um outro fator que, este sim, parece ter sido decisivo para o corte de Renato.
Jogo amistoso em São Luiz do Maranhão, durante a preparação para a Copa. Brasil x Peru. O Brasil ganhou de 3 x 0.
Em determinado momento do jogo, Éder agride um peruano – uma agressão absolutamente desnecessária. É expulso. Sai de campo… aplaudido por Renato.
Telê Santana, que sempre abominou violência (no que tinha toda razão…), corta Éder. E fica fulo da vida com Renato, que aplaudiu Éder pelo desatino.
Na hora de proceder os cinco cortes, pensa que Renato foi indisciplinado no episódio da chegada à concentração, pensa que Renato foi apologista da violência ao aplaudir e incentivar Éder. Corta Renato, ele é um dos cinco preteridos.
Em suma: se Renato não tivesse aplaudido Éder por ter agredido o jogador peruano, muito possivelmente não seria cortado. É o que muitos não lembram, atribuindo a exclusão do gaúcho apenas à farra com Leandro pela noite nas alterosas.
A pergunta que não quer calar é: Telê agiu certo ao cortar Renato? Na opinião deste signatário, não.
Chegar atrasado em concentração por uma farra eventual não é motivo de gravidade que justifique um corte.
Quanto a ter aplaudido Éder, não necessariamente estava fazendo apologia da violência. Possivelmente, não estava. Estava, tão somente, querendo dar ânimo, incentivo, a um colega que tinha acabado de fazer uma besteira.
Em outros termos: Telê, você deixou de levar para a Copa um cara que poderia fazer a diferença para a gente ganhá-la. Como fez, por exemplo, com Reinaldo, em 1982.
Sempre isso, teimoso?