O CARRASCO DE UMA GERAÇÃO VITORIOSA
por André Luiz Pereira Nunes
Em 1989, durante a segunda edição da Copa Pelé, um mundialito de seleções compostas por atletas veteranos disputado em São Paulo, ocorreu uma situação bastante inusitada. Foi só chegar ao país que Paolo Rossi, o carrasco do Brasil na Copa de 82, se deu conta de como era odiado em terras tupiniquins: “Em São Paulo, ao pegar um táxi, o motorista não parava de me olhar pelo retrovisor e, ao me reconhecer, parou o carro e me fez descer”. Durante uma partida do mesmo torneio, disputada no estádio do Canindé, resolveu por bem não atuar no segundo tempo após receber dos 25 mil espectadores, não só olhares ameaçadores, como também cascas de banana, amendoins e moedas das arquibancadas quando se aproximava da linha lateral. Consta ainda que “batizou” uma epidemia de gripe algum tempo depois da famigerada Copa em que eliminou o Brasil.
Nascido em Prato, uma comuna na região da Toscana, o atacante transitaria por diversos times pequenos até chegar às categorias de base da Juventus, em 1972. Por causa de algumas lesões, as quais o obrigou a passar por três cirurgias em um período de dois anos, acabaria emprestado ao modesto Como pelo qual passaria despercebido. Em 1976, já com 20 anos, foi contratado ao Vicenza, se tornando peça fundamental na ascensão da pequena equipe à Série A, com o bom desempenho de 21 gols em 36 jogos. Espantosamente, na temporada seguinte, a de 1977/78, por pouco não conduziu a agremiação do Vêneto ao título italiano, sagrando-se artilheiro e vice-campeão da competição, atrás apenas da Juventus, com a incrível marca de 24 gols em 30 jogos. A excelente performance o conduziria à Seleção Italiana, em 1977 e, por conseguinte, à Copa do Mundo de 1978, na Argentina.
A ótima fase seria reconhecida por Enzo Bearzot, o treinador da Azzurra, o qual se tornaria um dos maiores fãs e incentivadores do seu talento, chegando a convocá-lo ainda para mais dois mundiais. Em 1978, Rossi fez 3 gols, ajudando a Itália a chegar na quarta colocação. Mas essa ainda não seria a sua Copa do Mundo. O certame que o destacou sob os holofotes de todo o mundo e o projetaria para a galeria dos maiores carrascos da Seleção Canarinho, ao lado de Ghiggia e Zidane, foi mesmo a Copa de 1982, disputada na Espanha.
O Brasil, sob o comando de Telê Santana, chegava com ares de favorito, pois contava com craques de indiscutível qualidade como Zico, Falcão, Júnior e Sócrates. A Itália, por sua vez, mantinha a sua força no sistema defensivo, com Zoff, Scirea, Colovatti e Gentile. Porém, na parte ofensiva era uma verdadeira incógnita. Graziani não estava em boa fase e o artilheiro Roberto Bettega veio a se contundir há poucos meses da convocação, sendo cortado. Paolo Rossi, por seu turno, estava completamente à margem, visto que acabara de voltar de uma suspensão por um suposto envolvimento em um esquema de armação de resultados da loteria esportiva italiana que o impediu de jogar futebol por dois anos. Nem a imprensa tampouco a torcida eram favoráveis à sua convocação, mas Bearzot resolveria mesmo fazer a sua aposta individual. Mesmo com a punição, o atacante viria a ser contratado pelo clube onde iniciara a carreira, a Juventus. Posteriormente um de seus acusadores admitiria que as provas contra ele eram forjadas. Felizmente para Rossi e para a Itália, mas não para o Brasil, a pena terminaria a um mês do início da Copa da qual sairia campeão, artilheiro e consagrado como melhor jogador.
Sem atuar por quase dois anos e tendo jogado apenas três partidas pela Juventus, Rossi parecia contar apenas com o apoio do técnico. O meia Gabriele Oriali, também convocado à competição, disse pouco antes de a delegação rumar à Espanha: “Com Paolo Rossi no ataque, nossas chances de vencer ficam reduzidas”. E realmente assim foi na primeira fase, onde a parte ofensiva passou em branco nas partidas contra Polônia, Peru e Camarões.
Contudo, os deuses do futebol têm as suas artimanhas e os seus próprios desígnios. Quiseram eles que as seleções do Brasil e da Itália caíssem no mesmo grupo da segunda fase que contava ainda com a campeã Argentina. Contra o Brasil não demoraria para que Paolo Rossi mostrasse o seu cartão de visitas. Logo aos cinco minutos, ele abriu o placar com uma cabeçada fulminante após um cruzamento de Cabrini. Todavia, o Brasil não se abateria com o revés, chegando à igualdade aos 12. Entretanto, aos 25, Rossi aproveitaria uma falha clamorosa de Toninho Cerezo e, com o seu costumeiro oportunismo, colocou novamente a Itália à frente do placar. Na segunda etapa, o Brasil pressionaria até encontrar o gol, com um belo voleio de Falcão. Com o empate, parecia que o escrete canarinho viraria o marcador, mas novamente ele deu o golpe de misericórdia. Aos 30 minutos, livre de marcação, desviou na pequena área, marcando o gol da vitória. O Brasil não conseguiu superar o baque e, graças a Rossi, a Itália estava classificada para as semifinais. Foi o autor dos três gols da vitória naquela que ficou conhecida como a Tragédia do Sarriá. O atacante ainda deixaria a sua marca duas vezes contra a Polônia, na semifinal, e uma vez contra a Alemanha, na decisão, conquistando a Chuteira de Ouro da competição, com seis gols. Naquele ano, também arrematou a Bola de Ouro, da revista France Football, se tornando o terceiro italiano a ganhar o prêmio após Gianni Rivera e Omar Sivori.
No que tange a clubes, sua melhor passagem ocorreu realmente pela Juventus, ainda que pontuada por altos e baixos. O atacante nunca conseguiu estabelecer um relacionamento muito amigável com a torcida, o treinador Giovanni Trapattoni e o presidente Giampero Boniperti. Se queixava constantemente ao ser substituído. De qualquer forma, junto a Platini e Boniek, veio a conquistar diversos títulos com a Velha Senhora, entre os quais, os de 1982 e 1984, além da Copa dos Campeões da Europa, de 1985. Sua melhor temporada foi a segunda, na qual contribuiu com 13 gols para o scudetto.
Em 1985, ao ser contratado pelo Milan, não conseguiria render o que seria esperado de um legítimo matador por conta dos velhos problemas de joelho. Marcaria apenas dois gols com a camisa rubro-negra. No ano seguinte, Bearzot o chamaria para a sua terceira e última Copa do Mundo, possivelmente em uma espécie de homenagem, pois Rossi, em péssimas condições físicas, não atuou em nenhuma partida. Após o torneio, encerraria a sua prestigiosa carreira no Verona, marcando quatro gols em vinte jogos.
Em 2002, no vigésimo aniversário do Mundial, publicou uma autobiografia, de nome bastante sugestivo: “Eu fiz o Brasil chorar”. Atualmente, é comentarista do canal italiano Sky Sports, presidente honorário do Prato, a equipe de sua cidade natal, e ainda dirige uma agência imobiliária em Vicenza.
PORCO ASSADO
por Cruzoeiro
Na véspera da final da Copa do Brasil de 1996, contra o Palmeiras, Marcelo Ramos, Cleisson, Uéslei e Roberto Gaúcho foram convidados pelo jornal Estado de Minas para falar do segundo jogo da final, que seria no Parque Antarctica. A matéria, feita em um restaurante, contou com um convidado “especial”: um PORCO ASSADO. E todos sabem que o porco é o mascote palmeirense.
A foto dos jogadores comendo o porco foi primeira página do jornal e repercutiu mal tanto em Minas quanto em São Paulo. Enquanto os paulistas viram a imagem como uma forma de menosprezar o rival, cruzeirenses julgaram como uma forma de motivar o já favorito adversário. O responsável pela reportagem chegou a ser ameaçado de demissão pra vocês terem ideia.
Levir Culpi, treinador do Cruzeiro na época, xingou MUITO os atletas da foto, que até hoje afirmam não ter tido a intenção de afrontar o rival. Agora imagina se o Cruzeiro tivesse perdido a campeonato, e o quanto essa foto não seria culpada? Que bom que deu tudo certo!
PARADO, MAS NEM TANTO
por Idel Halfen
Mesmo com o futebol parado no Brasil o noticiário permanece ativo. Sem as especulações sobre contratações bombásticas ou polêmicas sobre erros de arbitragens, o espaço ainda que reduzido nos traz conteúdos, se não tão emocionantes, bastante interessantes sob o prisma de gestão.
Nessa gama de assuntos destacam-se as análises sobre os balanços dos clubes, que conseguem inserir no torcedor uma visão da situação econômico-financeira de suas organizações. Convém esclarecer que muitos dessas análises são bem superficiais e, por que não dizer, equivocadas, o que me leva a recomendar que desconsiderarem os estudos que são apresentados imediatamente após a publicação dos balanços para focarem naqueles mais elaborados e desenvolvidos por pessoas de forte reconhecimento dentro desse mercado. Sucintamente falando, ignorem os que nunca fizeram e buscam um lugar ao sol criticando os que efetivamente conhecem o assunto.
Outro tema que pode, ou pelo menos deveria, render mais atenção diz respeito à notificação que o Corinthians fez a um site não oficial pelo uso inapropriado e ilegal da marca “Timão”. O site publica conteúdos sobre o clube e tem uma expressiva quantidade de acessos.
Considerando que a marca é um patrimônio do clube, de fato, a utilização da mesma sem que se pague por isso não é correto. Não se entrará aqui nas filigranas jurídicas do tema, mas, admitindo que alguma marca registrada pelo clube seja utilizada por terceiros sem que se pague por isso é algo que não parece justo, até porque outros pagam para fazer tal uso.
Antes de passarmos adiante, é importante dizer que o artigo usa o exemplo do Corinthians em função de a notícia do imbróglio ter feito menção a ele, no entanto, isso ocorre na maioria, se não na totalidade dos clubes. Alguns, inclusive, chegam ao ponto de comercializarem produtos que, sob a mesma ótica, não são oficiais, portanto concorrem com os oficiais e nada repassam aos clubes.
Especula-se que uma das razões para a movimentação do clube paulista se deve à linha editorial do site que, além de abrangente, não hesita em publicar matérias que, de alguma forma, vão contra a diretoria. Se fosse apenas essa a motivação, trataria-se sim de um absurdo, pois estaria cerceando a liberdade de expressão.
Sobre o conteúdo editorial, algumas pessoas, baseadas em casos internacionais, sugerem como solução a melhoria dos canais oficiais, o que ajudaria realmente em termos do aumento de audiência, mas não faria com que os sites alternativos acabassem, até porque, as linhas editorias acabam sendo concorrentes.
Assim, vejo duas alternativas para esse tipo de situação: (i) regularizar esses sites no que tange ao licenciamento, isto é, eles passam a pagar pelo uso das marcas dos clubes; (ii) mudarem seus nomes.
Quanto a serem utilizados como canais de venda, nada contra, desde que adotem uma das soluções acima, comercializem apenas produtos oficiais do clube e arquem com todas as obrigações fiscais, de modo que não venham a praticar melhores preços em função de eventuais sonegações.
Como podemos constatar, a paralisação causada pela pandemia serve, entre outras coisas, para pontuar certas questões que muitas vezes passam despercebidas, tais como análises equivocadas e situações de pirataria que se incorporam no dia a dia ganhando status de “legítimas”.
LAPSO
por Eliezer Cunha
Algo me soa estranho. Algo não me parece normal. Algo ficou para trás. Algo foge à regra histórica do nosso futebol. Agora me pergunto e exclamo, o que será? Já não sinto mais o clamor popular para a conquista de mais uma Copa do Mundo. Não mais percebo do povo essa necessidade de superação através do futebol, onde, no passado, era algo atenuante para os nossos problemas diários. Da mídia futebolística percebo acanhamento e conformismo, dos dirigentes uma inoperância absoluta com os atuais resultados. E lá se vão anos sem uma conquista do mundial de seleções, parece que 2002 foi ontem? É, o tempo passa muito rápido.
Quando estávamos prestes a conquistar o mundial de 94, após longos 24 anos sem título, parecia uma eternidade obscura. Haviam cobranças vindas de todas as partes, principalmente por parte da mídia pelo vácuo de 24 anos sem tal conquista. Perguntávamos sempre, por que e como? Até que em 1994 Romário, Bebeto e CIA conquistaram o feito. Na Copa seguinte. 1998, logramos novamente a final e acabamos perdendo para a anfitriã França e para o inusitado acontecimento com nossa maior estrela. Veio 2002 e com uma equipe muito bem armada e com valores individuais culminando em seus respectivos auges da carreira conquistamos novamente a taça.
Subsequente vem à geração dos “meninos promissores” possíveis arrebatadores de nosso futebol arte, endeusados pelas mídias nacionais e, assistimos Kaká, Robinho, Luís Fabiano, etc., inoperantes frente a tal expressivo evento mundial e suas respectivas seleções, até que culminou com o escândalo maior que nosso futebol podia ter registrado, inacreditável há algumas décadas atrás, uma goleada estrondosa numa Copa, dentro de nossa própria casa.
Teria sido a pá de cal que nos faltava para percebermos que estamos muito atrás das médias seleções, teria sido a forma mais eloquente de nos mostrarmos que precisamos agir fazer algo?
Aos torcedores esperança, as tradições respeito, a mídia análise imparcial e aos comandantes a honra verde e amarela.
O GESTO NOBRE DE UM CRAQUE APRESENTOU AO MUNDO UM GÊNIO DA BOLA
por Victor Kingma
Suécia, 1958. O Brasil chegou para a sexta Copa do Mundo com uma equipe totalmente renovada, após a tragédia de 1950 e a participação apagada em 1954, na Suíça.
No time que estreou contra a Áustria, na vitória por 3 x 0, apenas dois titulares da Copa anterior estavam em campo: o lateral esquerdo Nilton Santos e o meia Didi.
Outros remanescentes eram o goleiro Castilho, o lateral Djalma Santos, antigos titulares, e o zagueiro Mauro.
Outro jogador, que certamente seria titular absoluto, não estava no grupo que foi para a Suécia: o ponta direita Julinho Botelho.
O atacante da Portuguesa de Desportos tinha sido o melhor jogador da seleção na Copa anterior, na qual o Brasil foi desclassificado nas quartas de final pela poderosa seleção da Hungria.
Fez dois gols nas três partidas que o Brasil disputou, inclusive o segundo na famosa batalha contra os húngaros, quando a seleção perdeu por 4 x 2.
Após se destacar no mundial, foi vendido para a Fiorentina, da Itália, onde brilhou intensamente, sendo considerado até hoje o melhor jogador da história do clube.
Naquele tempo não era comum convocar jogadores que não atuavam no Brasil mas, mesmo assim, o técnico Vicente Feola e a comissão técnica da seleção, impressionados com as notícias que vinham da Europa, o comunicou de que seria convocado.
Julinho, então, com a fidalguia que sempre o acompanhou por toda a carreira, declinou do convite para defender a seleção, argumentando que embora sentisse muito honrado pela lembrança, não serio justo tomar o lugar de um companheiro que jogava no país.
Em seu lugar, então, foi chamado um jogador que, apesar de algumas limitações físicas, que causava certa preocupação em relação ao confronto contra os fortes marcadores europeus, vinha se destacando no Botafogo.
Assim, na relação final dos convocados para a Copa, na ponta direita, com a ausência de Júlio Botelho, astro da Fiorentina, estava escrito:
Joel Antônio Martins (Joel), do Flamengo, e Manoel Francisco dos Santos (Garrincha), do Botafogo.
Com o mundial em curso, o Brasil havia vencido a Áustria, por 3 x 0, na estreia e empatado com a Inglaterra por 0 x 0 na segunda partida.
As atuações não empolgavam e o fantasma de nova desclassificação passou a preocupar os dirigentes.
Mudanças precisavam ser feitas na equipe, até porque na terceira e decisiva partida da fase de classificação a seleção ia enfrentar a União Soviética, conhecida pelos métodos científicos de preparação e com total estudo das características de cada jogador adversário.
Assim, naquele 15 de junho de 1958, na partida contra a URSS, o mundo do futebol foi apresentado oficialmente a um dos maiores fenômenos e o maior driblador que o futebol já teve.
Escalado na ponta direita, em substituição ao aplicado Joel, Garrincha fazia sua estreia na seleção.
Tinha a seu lado no ataque, o menino Pelé, então com 17 anos, que também estreava, Vavá e Zagallo.
Bastaram poucos minutos de jogo para o futebol estudado e cientifico dos soviéticos se desmoronar diante das diabruras que aquele desconhecido jogador, de pernas tortas, aprontava em cima dos seus atônicos marcadores.
Debaixo das traves, o lendário Lev Yashin, o melhor goleiro do mundo, incrédulo ao que estava assistindo, gritava desesperado para seus defensores: atenção, cuidado, não deixem passar!
Muitos estudiosos consideram que aquele início avassalador de jogo, protagonizado por Garrincha, foram os três minutos mais espetaculares da história do futebol.
O Brasil venceu por 2 x 0, gols de Vavá, e prosseguiu na campanha que o levaria a conquistar pela primeira vez o campeonato mundial de futebol.
O gesto nobre de Julinho ao abrir mão de sua convocação acabou por apresentar ao mundo um dos maiores gênios da bola.