30 ANOS DE UMA COPA INJUSTIÇADA
por Mário Moreira
Nestes dias em que comemoramos o cinquentenário do tricampeonato mundial no México, na melhor Copa do Mundo da história, gostaria aqui de propor o resgate daquela que o senso comum aponta como a pior de todas as Copas – a de menor média de gols, paradigma do futebol de resultados, verdadeiro Patinho Feio da competição: Itália-90.
Mas, já sabemos, toda unanimidade é burra. Vítima da uma injustiça histórica, o Mundial italiano teve, sim, muitos momentos de ótimo futebol, drama, grandes surpresas e uma penca de partidas de antologia. O patinho, afinal, não é tão feio quanto o pintam.
A começar pela campeã. Não hesito em dizer que, na história da Copa Fifa – os 12 Mundiais realizados a partir de 1974, ano em que comecei a acompanhar futebol -, a Alemanha Ocidental de 1990 foi a equipe que melhor jogou, entre as que levantaram a taça. A seleção treinada pelo Kaiser Franz Beckenbauer era muito forte técnica e coletivamente, cheia de grandes jogadores e capaz de ser competitiva e dar show ao mesmo tempo. No papel, a mítica Alemanha de 74 era até melhor: Maier, Vogts, Breitner, Overath, Gerd Müller, além do próprio Kaiser… Mas os alemães jogaram em 90 mais do que em 74, quando saíram vaiados nos três primeiros jogos e só começaram a evoluir na metade da competição, até a indiscutível vitória final sobre o Carrossel Holandês. E nunca é demais lembrar: futebol se joga no campo, não no papel.
A verdade é que Matthäus, Brehme, Klinsmann e companhia deram espetáculo, e de alta qualidade, nos campos da Itália. Não por coincidência, a Alemanha pleiteou, como cabeça-de-chave, ficar no Grupo C para mandar seus jogos em Milão, onde o já citado trio desfilava sua categoria pela Internazionale, campeã italiana um ano antes. Pois foi ali, no estádio San Siro, nas três partidas da primeira fase e ainda nas oitavas e nas quartas-de-final, que os alemães jogaram de longe o melhor futebol do torneio, com exibições mais do que convincentes e que os levariam à semifinal em Turim e à finalíssima em Roma.
Como sempre, havia quatro ou cinco favoritos ao título. A Itália, pela tradição, pelo elenco e sobretudo por atuar em casa, talvez fosse a maior. Além da Alemanha, o Brasil – que vinha de conquistar a Copa América no ano anterior – e a Holanda de Gullit, Rijkaard e Van Basten, campeã europeia em 88, completavam o quarteto principal. A Argentina, então campeã mundial, mas com Diego Maradona fora de forma, corria por fora.
Das cinco, só a Alemanha justificou plenamente as previsões, com a Itália num distante segundo plano. À medida que o torneio avançava, poucos duvidavam que as duas fariam o confronto final. Mas os italianos, que tinham uma equipe forte, mas nem tanto, trataram de atirar por terra as previsões ao perderem nos pênaltis a semifinal para os argentinos.
A Alemanha, por sua vez, tratou de mostrar serviço. Logo de cara, goleou por 4 a 1 a boa seleção iugoslava, com uma atuação de gala do meia e capitão Lothar Matthäus, autor de dois golaços da entrada da área – o segundo, após uma arrancada irresistível desde o próprio campo. Estreia exuberante. O jogo seguinte, contra um rival fraco, serviu para confirmar a impressão inicial: 5 a 1 sobre os Emirados Árabes. Matthäus fez outro de fora da área.
Os alemães sofreram um tropeço no terceiro jogo, quando, já quase classificados, empataram em 1 a 1 com a Colômbia. Mas quem viu sabe que foi uma baita partida. Os colombianos precisavam do empate para se classificar e endureceram as coisas, à base de muita habilidade. Os gols saíram no final do segundo tempo: o rápido e driblador ponta Littbarski para a Alemanha aos 43 minutos, Rincón para a Colômbia nos acréscimos. Os alemães passaram em primeiro no grupo, já com pinta de grandes favoritos.
O confronto seguinte, contra a Holanda, ainda no San Siro, foi talvez o melhor jogo da Copa. Além da rivalidade histórica, a partida continha um antagonismo particular: os três maiores craques holandeses (Gullit, Van Basten e Rijkaard) atuavam pelo Milan, rival da Inter. Seria quase um clássico local. Seria também um repeteco da semifinal da Eurocopa de 88, quando a Holanda venceu por 2 a 1, de virada. Mais promissor, impossível. E a partida confirmou todas as expectativas. Os holandeses, vindos de três empates na primeira fase, finalmente decidiram mostrar o que sabiam, embora Gullit tivesse problemas físicos. A expulsão, na metade do primeiro tempo, de Rijkaard e do ótimo atacante alemão Völler acirrou ainda mais a tensão. A Alemanha, sempre mais perigosa, se impôs no segundo tempo, com belos gols do atacante Klinsmann e do lateral-esquerdo Brehme, contra um de Koeman, de pênalti, no final. Mais uma exibição de gala de Matthäus e outra grande vitória, que colocou os alemães definitivamente na rota do título.
No jogo seguinte, contra a Tcheco-Eslováquia pelas quartas-de-final, mais uma ótima exibição e uma classificação tranquila: 1 a 0, gol de Matthäus, de pênalti. Os alemães dominaram amplamente o jogo, criaram várias oportunidades e não foram ameaçados.
Enquanto a Alemanha nadava de braçada, os demais favoritos penavam. O Brasil, após três vitórias magras sobre Suécia, Costa Rica e Escócia na primeira fase, parou na Argentina em sua melhor exibição na Copa, com amplo domínio sobre os hermanos e várias chances perdidas, incluindo três que bateram na trave. Mas futebol é bola na rede, e Maradona impôs seu talento driblando três brasileiros e deixando Caniggia livre para fazer o gol da vitória. Outro confronto dramático. O Brasil deixava a Copa nas oitavas, sua pior campanha desde 66, sepultando temporariamente a Era Dunga, preconizada pelo técnico Sebastião Lazaroni.
Já os argentinos, após uma primeira fase sofrível – e uma derrota traumática para Camarões no jogo de abertura da Copa -, ganharam novo alento com a vitória e acabaram passando depois às semifinais ao bater a Iugoslávia nos pênaltis. Aos trancos e barrancos, a Argentina chegava a mais uma semifinal.
Dos favoritos iniciais, restava a Itália. Com três vitórias sem brilho (e uma mãozinha da arbitragem) na primeira fase, a Azzurra teve dificuldades nas oitavas e nas quartas, contra Uruguai e Irlanda. Mas a tradicional força defensiva e os gols do desajeitado centroavante Totò Schillacci levaram a equipe adiante para uma histórica semifinal com a Argentina.
Faltava o adversário da Alemanha, papel que caberia à Inglaterra. Os ingleses se imporiam em duas disputas sensacionais até o confronto com os alemães. Depois de uma primeira fase insossa, com dois empates e uma vitória, a Inglaterra encarou nas oitavas a boa seleção belga. A partida, emocionante, foi dominada pela Bélgica, que mandou duas bolas na trave – uma delas num chute espetacular do talentoso meia Scifo. O 0 a 0 levou o jogo para uma prorrogação dramática. No último lance, o ótimo e irascível meia inglês Gascoigne levantou a bola na área e o atacante Platt acertou um voleio no ângulo, decidindo a parada.
O adversário seguinte da Inglaterra seria a surpreendente seleção de Camarões, primeiro país africano a chegar às quartas-de-final de um Mundial. Após a vitória inicial contra a Argentina, os camaroneses derrotaram a Romênia com dois gols do veterano centroavante Roger Milla, que entrava sempre no segundo tempo, e se classificaram em primeiro lugar no grupo. Nas oitavas, eliminaram a Colômbia com mais dois de Milla, o segundo deles após roubar a bola do excêntrico goleiro René Higuita, que tentara driblá-lo na intermediária.
Não sem razão, Inglaterra x Camarões costuma ser o jogo mais lembrado daquela Copa. Partida épica, para ficar no chavão. Um confronto entre a tradição e a zebra, entre o futebol pragmático e previsível dos ingleses e o jogo de ginga e habilidade dos camaroneses. Platt abriu o placar no primeiro tempo, mas Camarões se agigantou no segundo e produziu os 45 minutos mais empolgantes do torneio. Com um vasto repertório de dribles, tabelas e muita disposição, os Leões Indomáveis empataram num pênalti sofrido por Milla e viraram com Ekeké, ao receber passe de Milla (sempre ele) e tocar por cobertura na saída do goleiro Shilton. Já no final do jogo, o sempre perigoso atacante inglês Gary Lineker, artiheiro da Copa anterior, empatou de pênalti. Mais uma prorrogação, novo gol de pênalti de Lineker, e a Inglaterra chegava à sua primeira semifinal desde o título de 1966. Já Camarões deixava a Copa como a grande surpresa do Mundial e a seleção de futebol mais alegre da competição.
O último grande drama do torneio se daria na semifinal entre Itália e Argentina. Não bastasse o peso das duas camisas, a partida ocorreria no estádio San Paolo, casa do Napoli, que acabara de faturar seu segundo scudetto sob a liderança de Maradona. O gênio argentino tratou de aproveitar o fato para instigar o dissenso entre os torcedores locais, que se dividiram entre a paixão clubística e o amor às cores nacionais. Ele apelou inclusive ao sentimento de desprezo de que são vítimas os italianos do sul pobre e agrário por parte dos italianos do norte rico e industrializado.
É difícil saber se isso pesou, mas a seleção italiana, que até então só havia jogado em Roma, claramente tremeu. Embora Schillaci tenha feito 1 a 0 aos 17 minutos, a Itália parecia nervosa. A Argentina cozinhou a partida e começou a se impor na base da manha e da experiência. Na metade do segundo tempo, Caniggia igualou o placar de cabeça, numa saída em falso do goleiro Zenga, até então invicto na Copa. O empate enervou ainda mais os italianos e inflou os argentinos. O confronto ficou dramático. A Argentina, mesmo inferior, conseguiu levar o jogo para a prorrogação. O duelo acabou sendo definido nos pênaltis, e aí brilhou a estrela do goleiro Goycochea, que começara o torneio na reserva e entrara no segundo jogo, após o titular, Pumpido, fraturar a perna. Ele defendeu duas cobranças e colocou os argentinos na segunda final consecutiva contra a Alemanha.
A outra semifinal foi até uma boa partida, mas os alemães, menos inspirados que nos outros jogos, só conseguiram eliminar os ingleses nos pênaltis. No tempo normal, Brehme, de falta, e Lineker fizeram os gols. A Alemanha estava em mais uma final, a terceira seguida.
Alguém poderá dizer que a decisão da Copa de 90, no dia 8 de julho, foi a mais sem graça da história dos Mundiais, e eu estarei fortemente inclinado a concordar. Porque só uma equipe jogou – ou melhor, tentou. Os alemães tomaram a iniciativa e correram atrás da vitória o tempo todo, mas tiveram uma atuação pouco inspirada e enfrentaram dificuldade para criar chances de gol. Os argentinos nem ameaçaram – sua única finalização foi numa falta no primeiro tempo, que Maradona cobrou por cima do travessão, sem perigo. A Copa terminou decidida num pênalti duvidoso aos 40 minutos do segundo tempo, convertido pelo excelente Brehme – um dos raros jogadores realmente ambidestros que vi jogar, capaz de bater faltas com o pé esquerdo e pênaltis com o direito.
A Alemanha chegava ao tricampeonato em viés de baixa, é verdade. Mas o brilho mostrado nas cinco primeiras atuações não deixa dúvida de que se tratava de uma grande campeã. A taça acabou em excelentes mãos.
À Itália coube o consolo do terceiro lugar e do artilheiro do torneio, Schillaci, com seis gols. O atacante ganhou também a Bola de Ouro, numa evidente patriotada dos jornalistas italianos, maioria na cobertura da competição. Matthäus, o verdadeiro melhor da Copa (pouco à frente de Brehme), levou a de Prata, e Maradona, a de Bronze.
Se uma Copa do Mundo se limitasse à primeira fase, eu talvez concordasse que o Mundial de 90 foi o mais fraco de todos. Mas a fase de mata-mata registrou confrontos tão intensos e de tão boa qualidade que só alguém insensível às emoções do esporte pode menosprezá-lo. Quem não concorda, que (re)veja as partidas citadas. Com certeza, terá uma bela surpresa.
PELÉ, RIVELLINO E ZICO NA SELEÇÃO: O MUNDIALITO DE MASTERS
por André Luiz Pereira Nunes
O falecimento de Luciano do Valle, histórico narrador televisivo, significou a perda de um dos maiores incentivadores do esporte no nosso país. Para quem não sabe, Luciano detém uma coleção imensa de grandes narrações, como a Copa do Mundo de 1982, os títulos de Emerson Fittipaldi na Fórmula 1, as 500 Milhas de Indianápolis de 1989 e o Mundial de Clubes de 2000. Era o narrador principal da TV Globo até o começo da década de 1980, quando saiu para transformar a Bandeirantes no Canal do Esporte.
Graças aos seus esforços, algumas modalidades como vôlei, sinuca, boxe, futebol americano e a Fórmula Indy ganhariam destaque nas tardes de domingo. Como promotor, conseguiu lotar o Maracanã para uma partida de vôlei entre Brasil e União Soviética. Trouxe para o país as transmissões da NBA e da NFL e ainda ajudou a popularizar o futebol feminino. Luciano do Valle tem ainda bastante influência nos primeiros campeonatos europeus veiculados pela televisão brasileira. Vale recordar as memoráveis transmissões do campeonato italiano nas manhãs de domingo.
Porém, uma outra grande sacada do locutor foi a de promover a Seleção Brasileira de Masters, inicialmente concebida como de Seniors. A ideia teria surgido no início dos anos 80 quando ele e alguns amigos discutiam acerca do baixo nível do futebol brasileiro. Junto a empresários, o locutor lançou, em 1987, a Copa Pelé, que contava com ex-craques de cinco seleções campeãs do mundo até então: Brasil, Argentina, Uruguai, Alemanha Ocidental e Itália.
Mas não só seriam ídolos brasileiros que topariam participar do torneio, realizado em São Paulo. Uwe Seeler, Paul Breitner, Gerd Müller, Giacinto Facchetti e Roberto Boninsegna estiveram entre os convidados para o deleite de milhares de espectadores que lotaram as arquibancadas. O Rei do Futebol, entretanto, só atuou na primeira partida contra a Itália. Na decisão do torneio, a Seleção, comandada por Luciano, acabou sendo derrotada por 1 a 0 pela Argentina, de Babington, Brindisi e Oscar Más. O carrasco naquele ‘pequeno Pacaembunazo’ foi Darío Felman, atacante que havia acabado de encerrar a carreira após ser ídolo de Boca Júniors, Gimnasia e Valência.
A edição seguinte contou também com a participação da Inglaterra, passando a ter todos os seis campeões mundiais. O Brasil finalmente conseguiu levantar a taça ao bater na decisão o Uruguai por 4 a 2, com três gols de Claudio Adão e outro de Rivelino. Já em 1990, uma edição especial foi nomeada ‘Copa do Craque’ ou ‘Copa Zico’. Mais uma vez a Seleção venceu com sobras o torneio com direito a show do Galinho de Quintino, Rivelino, Serginho e Éder na final contra a Holanda: 5 a 0, no placar.
Em 1991, Luciano do Valle conduziria o escrete canarinho ao tricampeonato. Luís Pereira, Vladimir, Batista, Mário Sérgio, Zenon, Rivelino, Roberto Dinamite, Rocha e Jaime de Almeida eram alguns dos destaques da equipe. O Brasil derrotou, na decisão, a Argentina, de Mário Kempes e Hugo Gatti, por 2 a 1, com um gol decisivo de Zico, aos 42 minutos do segundo tempo. Posteriormente, a International Federation of Master Football se encarregaria de organizar mais duas edições do torneio, nos Estados Unidos, sem o mesmo apelo, embora com mais um título da Seleção.
Se o projeto fosse reativado, poderíamos, quem sabe, ver em campo craques como Bebeto, Romário, Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho trazendo mais alegrias para os torcedores brasileiros. Quem pôde assistir a algum momento da Seleção Brasileira de Masters, jamais se esquecerá da magia a qual cada vez menos encontramos nos dias de hoje.
O “VELHO NORMAL” NO FUTEBOL CARIOCA
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Tenho ouvido muito a expressão “novo normal’’ durante essa pandemia, mas não acredito que as partidas de futebol do Campeonato Carioca se enquadrem nesse padrão pós-Corona. Se alguém assistiu Resende 2×0 Madureira vai entender o que digo. Caramba, PC, mas escolheu logo essa partida para avaliar, questionarão alguns. Tudo bem, vamos para o meu Botafogo que venceu a Cabofriense por 6×2. Não posso estar feliz quando vejo Cícero sendo eleito o melhor em campo. Fico imaginando a frustração dos olheiros – isso existe, ainda? – destacados para acompanhar esses dois jogos. Na verdade, eu, com 71 anos, não desperdiço o gol que o Cano perdeu na vitória do Vasco por 3×1 sobre o Macaé. Fez três, mas perdeu um caminhão. Pelo jeito, o campeonato vai seguir no padrão “velho normal”.
Se a diretoria do Botafogo me colocar em um spa e melhorar meu condicionamento físico em dois meses volto aos gramados. Quem me acompanha sabe que sempre fui um defensor do futebol do Ganso, mas ele tem andado em campo. Não é possível um atleta se descuidar tanto da parte física até porque ela influencia na técnica. Sempre adorei treinar, tinha prazer, de verdade! Sem essa força não conseguiria dar um drible da vaca e pegar do outo lado, seria inviável ganhar na corrida dos brutamontes que tentavam me atingir. O Cristiano Ronaldo joga em alto nível até hoje porque é uma máquina de treinar. Para você dar uma bicicleta tem que estar bem preparado fisicamente. Os craques devem treinar mais do que os dobermanns ou serão presas fáceis.
Acho um desrespeito ao clube os jogadores que engordam e andam em campo. O Nenê vem conseguindo manter esse equilíbrio, afinal já está perto dos 40. Romário foi artilheiro do Brasileiro já quarentão porque era um fora de série e sabia usar a energia no momento certo. Na minha época, vários craques fumavam, o ponta Joãozinho, do Cruzeiro, Gerson e Aílton Lira, entre outros. A ponto de Telê Santana avisar, na convocação, que daria prioridade aos não fumantes. Mesmo assim se dobrou ao talento de Sócrates e Éder. O técnico Procópio colocava um cartaz no vestiário avisando que era proibido fumar no local. E mesmo com os pulmões podres aquela geração fez o que fez. Hoje, graças a Deus, o fumo foi praticamente banido do futebol, existem técnicas eficazes de emagrecimento e a tecnologia cria super-homens. Ou seja, não há desculpas para estar fora de forma.
Justamente por isso os raros bons de bola do futebol atual devem se preparar como nunca para esse “novo normal” do futebol. Fred, o rei do marketing, veio de bicicleta, de Minas ao Rio, para provar que estava em ótimas condições físicas, mas não fez nem cosquinha na defesa do Volta Redonda, na derrota por 3×0. Muitos irão dizer que estou sendo rigoroso, mas há quantas temporadas Fred vem mal? Será que uma crise como essa valia o investimento? Olha, a verdade é que os jogadores podem se descuidar a vontade porque seus empresários, esses, sim, sempre em plena forma, conseguem vender gato por lebre ou pintar listras em cavalos e transformá-los em zebras. E assim vamos nos iludindo com esse “novo normal”, que para mim não passa de mais uma versão do popular “me engana que eu gosto”.
QUANDO OS TÍTULOS BLINDAM DIRIGENTES
por Wilker Bento
Em entrevista ao blog Ser Flamengo, o vice-presidente de relações externas do rubro-negro, Luiz Eduardo Baptista (Bap), fez críticas severas ao trabalho de Abel Braga no clube durante o primeiro semestre de 2019. Responsável por trazer e manter o treinador, o dirigente afirmou que sua percepção sobre o trabalho de Abel não era boa, e que seu tempo no cargo chegaria ao fim em breve. E usou frases polêmicas: “Houve um momento em que a gente achava, e que a gente discutia internamente, que ele devia estar de sacanagem. A gente olhava ele dando entrevista e a gente falava ‘cara, tem alguma coisa que a gente não está entendendo. Ou ele bebeu ou ele está drogado’, disse Bap, se referindo às declarações controversas dadas pelo técnico em entrevistas coletivas, como “perder para o Inter é normal” e elogios ao Estádio Beira-Rio.
A crítica à postura de Abel Braga é válida, principalmente porque, ao assumir posteriormente o Vasco da Gama, o treinador seguiu dando declarações que viraram chacota nas redes sociais – como ao dizer “hoje foi lindo” após derrota para o Flamengo. No entanto, há uma fronteira entre crítica e ofensa, que precisa ser respeitada por ambas as partes. Vale tanto para o profissional que não aceita ser contestado quanto para o crítico que recorre a insultos pessoais. É o limite entre a liberdade de expressão e a difamação.
Bap ultrapassou esse limite quando se referiu ao treinador daquela forma. Obviamente, o dirigente não usou a frase de forma literal. Sua intenção não foi sugerir que Abel tivesse, literalmente, comandado a equipe sob uso de álcool ou entorpecentes. Trata-se de uma maneira de se expressar que muitas pessoas têm no cotidiano, em conversas informais, mas que jamais poderia ter sido utilizada por um dirigente de um clube profissional em uma entrevista pública. Quem exerce uma liderança desse porte deve ter um comportamento exemplar. Se age como um torcedor comum, corre o risco de desmoralizar sua imagem.
Apesar da fala inapropriada, muitos saíram em defesa do vice-presidente, alegando um suposto “mimimi” no meio futebolístico. De fato, o torcedor em geral sente falta de entrevistas mais sinceras, provocações entre jogadores, enfim, da “zoeira” característica do futebol brasileiro. Reclama da chamada “geração Nutella”. Nesse sentido, realmente retrocedemos, ficamos mais azedos.
Porém, é preciso fazer contrapontos. Para o bem ou para o mal, a sociedade mudou. Não estamos mais nos anos 1980 ou 1990. Antes era comum, por exemplo, fumar em ambientes fechados, propagandas de cigarro e comerciais de cerveja com mulheres seminuas. Hoje, isso não é mais aceito. Precisamos acompanhar a evolução da sociedade.
Mesmo naquela época, dirigentes de futebol não podiam falar e fazer o que bem quisessem. Um caso emblemático foi o desentendimento entre Eurico Miranda e Milton Neves, em 1999. Após o primeiro jogo da final do Torneio Rio-São Paulo, entre Vasco e Santos, Eurico se recusou a responder as perguntas de Milton e ameaçou bater nele, além de proferir insultos. O jornalista acusou o então vice-presidente do cruzmaltino de se proteger na imunidade parlamentar: “Ele é deputado federal e se esconde na covardia desse mandato”, disse Milton Neves que, no entanto, chegou a processá-lo.
É uma prática que pode acabar se tornando comum no contexto atual do Flamengo. Com bons resultados dentro de campo, os dirigentes ficam blindados e podem agir da forma como querem, acima do bem e do mal. A exemplo da gestão Ricardo Teixeira na CBF, ou como Andrés Sanchez no Corinthians e, mais recentemente, o Palmeiras na Era Crefisa. Situações diferentes em que o desempenho dos times acobertaram os problemas nos bastidores.
Assim, o rubro-negro, que jogou um futebol que encantou o país em 2019, caminha para se tornar, fora das quatro linhas, o time mais antipático do Brasil.
QUERIDO MARACA
por Leandro Ginane
Com oito anos você me fez presenciar nos ombros do meu pai um dos momentos mais marcantes da minha vida. Zico bateu o escanteio e Rondinelli marcou de cabeça o gol que fez do Flamengo campeão carioca e criou uma das maiores hegemonias do futebol brasileiro.
Cresci tendo você como a minha maior diversão. Aos domingos, em dia de jogo e céu azul com pipas colorindo, desde cedo um clima diferente rondava meu bairro. O papo nos botecos e nas esquinas era o grande clássico que aconteceria logo mais no Maior do Mundo.
Acordava cedo, meu coração infantil batia acelerado, as mãos pequenas e frias separavam cuidadosamente aquela camisa especial. O nó na garganta não deixava o almoço descer e as horas pareciam se arrastar. Ansioso, esperava o momento do meu pai nos levar para te encontrar. O caminho até lá era uma farra. Trem abarrotado, alegria que poucas vezes via meu pai sentir.
Ele levava a molecada da vizinhança, éramos nove crianças que se davam as mãos suadas. A tradição de levar os filhos até você passava de pai pra filho. Suas histórias eram contadas como alguém que fala do melhor amigo. Muitos vizinhos presenciaram o que você passou na final da Copa de 50, outros estavam no jogo do Brasil contra o Uruguai nas eliminatórias de 94, as histórias que ouvia só aumentavam o meu fascínio por você.
Talvez por isso, cresci com aquele sonho típico de todos que gostam de futebol aqui na rua: ter um filho e leva-lo para te conhecer. Quando tinha vinte e dois anos, nasceu o meu primeiro, batizado Arthur em homenagem ao maior jogador que vi jogar e quando fez dois anos levei o moleque e o avô para ver o segundo jogo da final do Campeonato Brasileiro de 92. Como um ciclo que se repete, os filhos se tornam pais dos seus pais e nessa época era eu quem o levava aos jogos.
Com mais de cento e vinte mil pessoas, minutos antes de a bola rolar você não resistiu a tanta gente amontoada e seu abraço, cedeu. Alguns torcedores caíram, três pessoas morreram e entre elas um amigo de infância. Com um gesto de companheirismo, torcedores amarraram uma faixa de tecido para servir como proteção para os que ficaram. Neto e avô se assustaram e queriam te deixar. Mas logo em seguida, o Mais Querido entrou no seu palco preferido e a festa começou. Neste dia, você foi novamente responsável por mais um momento marcante na minha vida, dessa vez ao lado do meu filho e do meu pai. Obrigado.
Sua velhice acompanha a do meu velho e as várias mudanças que te foram impostas nos últimos anos nos deixou apreensivos se um dia ainda poderíamos te ver até que veio a última e derradeira mudança. Te transformaram em arena. Sua magnitude sucumbiu junto com seu colossal tamanho. O que fizeram com você, querido Maraca, foi um golpe fatal em todos nós que crescemos ouvindo suas histórias.
Desde então, Arthur e eu não conseguimos mais te encontrar. Meu pai já bem velho dizia que não voltaria a te ver e ele tinha razão. Fico em paz que o velho Juca não esteja mais entre nós para ver o que aconteceu com o seu velho amigo, que em dia de jogo inundava as ruas cariocas e abraçava carinhosamente a nação.
Espero que a tradição se mantenha viva e que junto com Arthur e agora meu neto Junior, ainda possa desfrutar de mais domingos de festa com você. Aquele coração infantil ainda bate acelerado enquanto escrevo essas palavras no mês em que você completa setenta anos.
Parabéns, querido amigo.