VOZES DA BOLA: ENTREVISTA TÚLIO
Neste domingo (19), é comemorado o Dia Nacional do Futebol. Pensando nisso, o ‘Museu da Pelada’ preparou uma série chamada ‘Vozes da Bola’, coletânea de entrevistas que serão publicadas aos domingos até o fim de agosto.
O ‘Vozes da Bola’ contará um pouco da vida esportiva de ex-jogadores de futebol que se tornaram ídolos em grandes clubes do país.
Hoje, o primeiro é o artilheiro Túlio Maravilha, que bateu um papo descontraído e contou um pouco de seu amor ao clube da Estrela Solitária.
O coração dos torcedores alvinegros ficou triste naquele 15 de setembro de 1965, quando Garrincha, o eterno camisa 7 e ‘anjo das pernas tortas’, entrou em campo pela última vez com a ‘Estrela Solitária’ no peito, na abertura do Campeonato Carioca contra a modesta Portuguesa da Ilha do Governador, no antigo estádio de General Severiano.
É verdade, que depois outros vários craques desfilaram pelos gramados vestindo o manto alvinegro, como Jairzinho, Paulo Cezar Caju, Afonsinho, Dé, Mendonça, Maurício, entre outros. Mas, desde a saída de Garrincha, nenhum outro demonstrou ter o carisma, qualidade essencial para ser ídolo de uma torcida.
Esse vazio durou 30 anos, até ser preenchido pelos pés, cabeça, tronco e demais membros de Túlio Humberto Pereira da Costa, que chegou ‘chutando’ a solidão dos alvinegros para bem longe da sua área, como na cobrança de um tiro de meta, e fazendo nascer o fenômeno Túlio Maravilha.
‘Importado’ do Síon da Suíça, em 1994, o ‘Rei do Rio’ como se intitulava, conquistou o Campeonato Brasileiro no ano seguinte, quebrando um jejum de vinte e sete anos sem o título nacional.
Virou ídolo por meio de gols, muitos deles marcados por puro oportunismo.
Vira e mexe é lembrado pelos torcedores do Glorioso, principalmente pelos da geração mais nova, que cresceu acompanhando os feitos dentro e fora de campo do camisa 7 alvinegro, e que jamais o esquecerá.
Nesse mês que é comemorado o Dia Nacional do Futebol, Túlio, ‘artilheiro dos mais de mil gols’ e com mais de mil histórias, bateu um papo com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso primeiro personagem na série de entrevistas do ‘Vozes da Bola’.
por Marcos Vinicius Cabral
Como foi o início de sua carreira?
Comecei minha carreira aos 12 anos de idade nas categorias de base do Goiás, na famosa ‘peneirada’. De lá para cá, fui seguindo nas catetgorias até chegar na equipe profissional, em 1988. Cheguei no clube em 1982, então, foi uma longa caminhada com vitórias, derrotas, mas graças a Deus, cheguei ao objetivo, que era ser profissional da equipe alviverde.
Você começou no Goiás, em uma equipe que tinha o ponta-direita Niltinho, os meias Tiãozinho e Luvanor, e o volante Uidemar. Como foi se destacar nesse time que é considerado pelo torcedor esmeraldino como um dos melhores de sua história?
É verdade. Jogar no Goiás com esses craques foi um privilégio e me ajudou bastante a me destacar. A minha sorte era que não havia um atacante matador como eu nessa época. E parece que esse time foi feito para mim, e, graças a Deus, eu soube aproveitar a oportunidade, me sagrando artilheiro do campeonato com 20 anos de idade, nessa equipe que é considerada a melhor de todos os tempos do Goiás.
Quem foi sua grande inspiração na vida e no futebol?
Na vida foi o meu pai e graças a ele, eu me tornei jogador de futebol. Desde os 7, 8 anos de idade, ele me levava ao Estádio Serra Dourada, aqui em Goiânia, para assistir os jogos do Vila Nova. Aquilo acabou despertando o interesse em ser um jogador de futebol. Por isso, é o meu pai, que Deus o tenha em um bom lugar no céu e que ele possa estar olhando por nós. E no futebol é o Pelé, e não à toa é o ‘Atleta do Século’ e detentor de todos os recordes. O Rei é insuperável, insubstituível e o meu ídolo no futebol.
Quem foi seu melhor marcador e qual o gol mais bonito que você fez?
Vou citar dois: Ricardo Rocha, que jogou na seleção brasileira, foi tetracampeão, jogou no Vasco, Real Madrid e São Paulo. Era um jogador raçudo, rápido e difícil sair da marcação dele, porque sempre se antecipava nas jogadas. O outro, Mauro Galvão, pela sua leveza e inteligência. Os dois foram os meus melhores marcadores. Já sobre o gol mais bonito, foi com a camisa do Goiás, de bicicleta, no Serra Dourada, pelo campeonato goiano de 91. Ganhamos de 3 a 0 do América, de Morrinhos, e eu fiz os três gols nessa partida. Esse gol foi no bico da pequena área e foi antológico.
Como surgiu o Botafogo na sua vida?
Em 1994, precisamente em janeiro daquele ano. Eu estava no Síon da Suíça e um empresário chamado Luiz Orlando me ligou e perguntou se eu tinha interesse em voltar ao Brasil e vestir a camisa do Botafogo. Eu não pensei duas vezes, aceitei o convite, e graças a Deus, tomei a decisão mais certa da minha vida, em voltar ao futebol brasileiro, e vestir a camisa do Botafogo.
O Maravilha que acompanha seu nome foi dado pela torcida do Botafogo. Mas como surgiu esse apelido?
Esse apelido surgiu em 1994, no jogo de estreia do Campeonato Carioca, entre Botafogo e América, no Caio Martins. Esse jogo foi 6 a 0, fiz três gols, e no terceiro a torcida começou a cantar aquela musiquinha: “Túlio Maravilha, nós gostamos de você, Túlio Maravilha, faz mais um pra gente ver”. E isso me acompanhou em todos os jogos e cada cantoria da torcida era sinônimo de gol. Aí eu adotei esse apelido que acabou encaixando direitinho com a minha personalidade.
Na época do Botafogo, quando os treinos eram no Caio Martins, em Niterói, você chegou algumas vezes a ir de helicóptero. Queria que falasse dessa época e saber se você continua voando por aí?
É verdade. Naquela época eu ia para os treinos no Caio Martins, em Niterói, de helicóptero e sempre gostei de voar. O que me deixava estressado era o trânsito caótico da Barra da Tijuca, onde morava, até Niterói, onde se levava uma hora e meia de carro, tanto na ida como na volta. Então, algumas vezes, para poder ser mais rápido e prático, eu alugava um helicóptero para ir aos treinos e isso acabou provocando a ira de muitos torcedores, principalmente flamenguistas, quando chegava às 8h da manhã e fazia um barulho danado e acordava todo mundo. Mas foi muito legal e não me arrependo não. Agora dei uma parada e hoje só voo de avião.
Você é o oitavo maior artilheiro da história do Botafogo com 159 gols. O que o Glorioso representa na sua vida?
Com 159 gols, sendo o oitavo maior artilheiro da história do clube e em recente pesquisa, eleito o quinto em 116 anos de existência. O Botafogo representa tudo na minha vida. Foi o melhor momento da minha carreira e se hoje eu sou o Túlio Maravilha é graças ao clube e ao título de 95. Ou seja, resumindo: devo tudo ao Botafogo!
Você foi três vezes artilheiro do campeonato brasileiro: em 1989 pelo Goiás, e 1994 e 1995 pelo Botafogo. Um recorde que divide com Romário, Dadá Maravilha e Fred. De onde vem essa facilidade em fazer gols?
Para mim é uma honra dividir essa artilharia com Fred, Romário e Dadá Maravilha. Acho que esse dom eu sempre tive, de fazer gols, mas o que me proporcionou ser artilheiro várias vezes do Brasil, sem esquecer uma vez da série B e duas da C, ou seja, único atleta a ser ‘hexa artilheiro’ em campeonatos brasileiros das séries A, B e C. Então, o que me diferencia dos outros atacantes, é que sempre fui um obstinado, treinei, me dediquei para fazer gols de todos os jeitos. Essa era a grande diferença do Túlio Maravilha, além do dom, sempre me aperfeiçoei e acabei sendo 99% transpiração e 1% inspiração.
Em 1997 você saiu do Botafogo e foi jogar no Corinthians, sendo a maior contratação da época. Mesmo você sendo artilheiro e o time campeão, você não foi bem e ficou no banco. O que de fato aconteceu ali?
Realmente fui contratado como o maior salário do futebol brasileiro, maior contratação da época e comecei muito bem, fazendo gols na estreia. Mas o problema maior, foi com o técnico Nelsinho, que preferia jogar com dois atacantes de velocidade, de movimentação. Eu, como todos sabiam, tinha minhas características e era um centroavante raíz, fixo na área, que esperava as jogadas dos companheiros. Infelizmente, o treinador não gostava desse meu estilo e resolveu me deixar no banco. Mas mesmo assim, fui campeão e artilheiro do time mesmo estando no banco naquele ano. No entanto, eu particularmente, considero essa passagem no Corinthians boa e dei o meu melhor. Pena que ele (Nelsinho) tenha me barrado.
Você sempre foi movido a desafios e em 2014 fez o milésimo gol jogando pelo modesto Araxá, da segunda divisão do campeonato mineiro. Qual foi a sensação de chegar aos mil gols?
A sensação de chegar aos mil gols é a de dever cumprido. Como falei, aos 45 anos poder jogar uma segunda divisão de um campeonato tão competitivo, como era o mineiro naquela época, enfrentando jovens de 19, 20 anos. Foi realmente um sonho realizado, um dever cumprido, já que muitos duvidavam que eu pudesse chegar naquela idade e fazer o milésimo gol. Por isso, me considero um vitorioso e um predestinado em busca dos objetivos.
E afinal são quantos gols no total?
Em toda minha carreira eu fiz 1001 gols. Aos 45 anos eu fiz o milésimo gol com a camisa do Araxá em 2014 e depois em 2019, fiz o 1.001 jogando pelo Taboão da Serra, da terceira divisão do campeonato paulista. Essa é a contagem oficial.
Diante de um número tão expressivo, você se considera um dos grandes centroavantes de todos os tempo?
Claro! Não à toa, que pouquíssimos atletas conseguiram chegar a essa marca. Primeiro o Pelé, depois o Romário, e eu, que sou o terceiro da lista. Me considero sim, um dos dez maiores atacantes do futebol brasileiro e talvez do mundo. Por que não? Porque os melhores atacantes do mundo são brasileiros. Então, me considero sim, modéstia à parte, entre os dez maiores atacantes do mundo.
Com mais de 25 anos de carreira, tendo jogado em cinco países diferentes, participado de 47 transferências, defendido a camisa de 32 clubes, e se eternizado pelas atuações no Botafogo, o seu maior objetivo dentro das quatro linhas foi alcançado: chegar aos mil gols. Olhando números tão expressivos, faltou algo na sua carreira?
Diante de tantos números significantes em clubes, tempo de carreira, países diferentes, tendo jogado em todas as regiões do nosso Brasil e tudo mais, o que faltou foi uma Copa do Mundo. É o sonho de todo atleta, jogar uma e de preferência ganhar. Então, tirando isso, sou muito satisfeito e feliz com a carreira vitoriosa que tive.
De tantas histórias vividas nesse tempo todo como jogador qual a mais engraçada?
Foram muitas, mas teve uma que é imperdível. Eu jogava no Nacional Fast, de Manaus, Série C do campeonato brasileiro em 2006, e havia uma chácara onde nos concentrávamos. Como a gente sabe, na mata amazônica em Manaus, 90% é predominante, então, teve um dia em que fui concentrar no quarto, juntamente com um outro companheiro de clube, e na hora do banho fui usar o vaso sanitário e para minha surpresa tinha uma perereca. Imagine se eu não olho e sento ali? Certamente, a perereca teria feito um estrago. Foi uma cena engraçada que eu não esqueço nunca mais.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças do estádio?
Em 1987 eu estava com 17, 18 anos, e fui ver a decisão do campeonato brasileiro entre Flamengo e Internacional. Estava na arquibacanda, vi aquele estádio tremer e falei: “Isso aqui vai cair!”. E pensei: “Hoje estou aqui nessa arquibacanda, mas daqui a uns anos quero estar lá no campo, podendo fazer gols e ser campeão”, e não deu outra. Pude realizar meu sonho e em 1994, fazer meu primeiro gol no Maracanã com a camisa do Botafogo e no ano seguinte, em 1995, um dos gols da vitória contra o Santos, que me proporcionou ser campeão daquele ano. Foi um momento indescritível. E nesses 70 anos do Maracanã, eu poder fazer parte dessa história e ainda por cima ter os meus pés na calçada da fama do estádio.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Minha vida tem sido rotineira como a de todo mundo nessa pandemia. De manhã, faço um treinamento funcional aqui em casa, levantamento de peso, corrida, ando de bicicleta, às vezes corro de 3 a 5 quilômetros três vezes por semana. E sempre mantendo a minha forma física. Hoje, estou com 51 anos, então, procuro sempre cuidar da minha saúde, da alimentação, em companhia da minha esposa e dos filhos. Por um lado esse isolamento está sendo positivo por estar deixando a família mais unida, mais amorosa e logo isso vai passar.
Defina Túlio em palavras?
Alegria, carisma, irreverência e artilheiro nato, artilheiro raiz, matador. Túlio é igual a gol e gol é igual a Túlio. Está no dicionário.
No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para você?
Para mim o futebol representa tudo. Foi minha ferramenta de trabalho e fui atleta profissional graças a esse esporte, que é o maior entretenimento popular no mundo. Então, feliz Charles Miller que inventou o futebol, e nós ex-jogadores, temos que agradecer todos os dias por ter o futebol em nossas vidas. Futebol transforma, realiza sonhos e supera desafios. Portanto, Túlio Maravilha é o que é, graças ao futebol.
ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: A AMARGURA DE UM CAMPEÃO MUNDIAL
por Marco Antonio Rocha
Do lado de um jarro de flores, um terço. Do outro, uma réplica da Jules Rimet, erguida em 1950 pelo capitão Obdulio Varela. A mesa, uma espécie de altar do futebol uruguaio, colocado estrategicamente em frente à porta de entrada da casa de Julio Perez, é mais um monumento à amargura do que à conquista da Copa. Cercado de três filhos e 12 netos, o ex-apoiador preferia contar histórias gloriosas que viveu com a camisa do Nacional a recordar aquele título.
– Aquilo não me deu de comer. Joguei futebol e carreguei caminhão com uma pá. Foi esse o trabalho que me deram por ter sido campeão do mundo no Maracanã. Tinha três filhos e precisava comprar comida! – dizia, quase se penitenciando:
– Não quero me lembrar de nada porque já passou. Estávamos defendendo nosso país e não podíamos fazer papel feio, mas voltamos ao Uruguai muito tristes com o mal que havíamos feito ao Brasil.
A falta de reconhecimento dos dirigentes era o combustível para a amargura de Perez. Uma amargura que ficava evidente em suas palavras:
– Depois da final de 50, retornamos ao hotel e conversamos por algumas horas sobre o jogo. Por volta das 21h, fui ao restaurante ver se o jantar estava servido. Quando vi a porta fechada, levei um susto e voltei para o quarto. Tivemos que dar o dinheiro que tínhamos no bolso para comprar sanduíches e cerveja num bar. Só no futebol uruguaio acontece isso! – lamentava, garantindo que nada mudara:
– Dizem que sou revoltado, que estou contra o mundo. Fizeram de mim um rebelde. As pessoas nas ruas são agradecidas, mas quem manda, não. Por isso não quero saber de homenagens!
Talvez o altar de Perez simbolizasse o que de melhor a conquista havia rendido a ele: amizades. Cinquenta anos depois, quando estivemos em Montevidéu para essa resenha, vencedores e vencidos continuavam se encontrando com alguma frequência:
– Não falamos daquele Mundial porque nos vemos há 50 anos. Sempre que alguém ameaça tocar no assunto, os outros dizem ‘Ah, lá vem ele com essa conversa…’. Melhor assim.
Uma das principais razões para esquecer o título era justamente a boa relação que existia entre uruguaios e brasileiros desde antes do Mundial.
– Jogávamos todos os anos pela Copa Rio Branco e éramos amigos! – ressaltou Perez, evidenciando um fantasma que parecia persegui-lo tantos anos depois:
– Se a decisão fosse contra a Espanha ou a Suécia, não teríamos sentido nada. O que doeu foi ter de ganhar do Brasil, dos amigos. Não ríamos no hotel, enquanto falávamos da final, porque sabíamos o que estava acontecendo lá fora. O povo ficou morto.
A tristeza que abateu o Brasil durou décadas para Perez. Inconformado, parecia querer pagar com a própria culpa a penitência dos amigos:
– Os brasileiros se comportaram mal com Barbosa e Bigode. Pobres homens, foram martirizados. Eles perderam e eu ganhei, por isso tenho dentro de mim uma amargura muito grande.
OS GAROTOS DE IPANEMA
Muitos dizem que pelada boa é aquela que tem goleiro, sem essa de revezar com jogadores de linha, que às vezes até fazem corpo mole para levarem o gol e trocarem a posição o quanto antes! Por isso, a equipe do Museu quis saber mais sobre a história de Renha, um dos maiores goleiros de pelada do Rio e que hoje é treinado por ninguém menos que Nielsen, ex-treinador de goleiros da Seleção Brasileira!
Seguindo todas as recomendações de segurança, fomos até Ipanema e, como de costume, tivemos o privilégio de encontrar ainda o cantor Fagner e Paulinho Pereira, que deram o pontapé inicial da resenha e relembraram histórias deliciosas dos áureos tempos do futebol brasileiro.
Após o papo, chegou a hora da verdade! Nielsen armou os cones e deu início ao treinamento. No alto dos seus 63 anos, Renha esbanjou agilidade e flexibilidade, mostrando que ainda tem muita lenha para queimar. Ao lado do jovem Gustavo, jovem que perdeu 20 quilos e está em busca do sonho de se tornar profissional, Renha fazia pontes e demonstrava segurança.
Uma coisa é certa: quando as peladas voltarem, os atacantes terão trabalho em dobro para balançar as redes de Renha!
SOBRE A SAÍDA DE JORGE JESUS DO FLAMENGO
por Luis Filipe Chateaubriand
Pois é, depois de muito “disse me disse”, o português vai embora – Jorge Jesus está saindo do Flamengo.
Alguns rubro negros, irados, agora amaldiçoam JJ, querem vê-lo pelas costas, consideram uma traição sua saída.
Mas a pergunta que não quer calar é: o gajo não tinha motivos para sair?
É óbvio que sim!
Em primeiro lugar, está voltando para Portugal, seu país, sua gente, é natural que se sinta bem ao lado de parentes e amigos com os quais conviveu por toda uma vida.
Em segundo lugar, está indo para um lugar em que a qualidade de vida é muito maior do que aqui no Brasil – em Portugal, sabe-se viver e eu, que sou português (embora viva no Brasil há 46 anos), e lá estive algumas vezes, bem pude comprovar.
Em terceiro lugar, vai ganhar bem mais lá do que cá, e dinheiro não é problema na vida, é solução.
Em quarto lugar, apresentaram a ele um projeto esportivo ousado, que promete fazer do Benfica uma potência europeia, é um desafio que resolveu se atribuir.
Em quinto lugar, lá ele está muito mais protegido em termos de saúde, especialmente de pegar uma perigosa Covid 19, que aqui se alastra como pólvora.
Como se vê, o português teve motivos mais do que suficientes para sair.
Aceita, rubro negro, que dói menos.
Acho Jorge Jesus um grande técnico, mas aquém do endeusamento que os rubro negros fazem dele.
Basicamente, não é ele que é excelente, apesar de bom, mas os técnicos locais que, com raríssimas exceções, são indigentes, o que fazia com que se destacasse tanto.
Mas, pensando estritamente do ponto de vista profissional, o português fez o que tinha que ser feito.
Terá sucesso?
A conferir.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
ESPECIAL 70 ANOS DA COPA DE 1950: SCHIAFFINO E A SORTE (DUPLA) DE CAMPEÃO
por Marco Antonio Rocha
Nem sempre um erro significa algo ruim. Juan Alberto Schiaffino, um dos maiores craques do futebol uruguaio, sabia disso. Se tivesse executado com perfeição a jogada que planejara no gol de empate na final da Copa de 1950, talvez o aniversário de 70 anos daquele Mundial tivesse o verde e amarelo como as cores da festa. Falastrão, era o único jogador com que conversamos que não se importava de relembrar a conquista. E até admitia que a sorte foi sua importante aliada quando a Seleção Brasileira vencia por 1 a 0 e estava bem perto do título.
– Eu peguei mal na bola e acabei me saindo bem. Quem já jogou futebol sabe como é isso. Uma bola que chega rápido tem que ser chutada depressa! – ensinou o ex-apoiador, explicando sua verdadeira intenção:
– Minha vontade era chutar à direita de Barbosa, no canto que estava vazio, mas ela foi no outro lado, no primeiro pau. O goleiro não podia adivinhar o que eu ia fazer. Nem eu sabia o que fazer. Se eu tivesse chutado bem, talvez não empatássemos aquele jogo. No futebol acontecem as coisas mais inverossímeis.
Ao falar do acaso na decisão, o ex-astro do Peñarol não poupava nem sequer o gol de Ghiggia. Assim como o empate, Schiaffino atribuía a virada a um golpe de sorte:
– Ele correu pela ponta, não tinha ângulo, e chutou rente ao primeiro pau. Como a bola poderia ter passado entre Barbosa e a trave? Mas passou.
A convicção de Schiaffino era tão grande que, com base no retrospecto entre brasileiros e uruguaios, considerava a derrota dos donos da casa obra do sobrenatural.
– Não sou cristão, mas acho que o Senhor não quis que o Brasil ganhasse. A Seleção Brasileira nos metia três, quatro gols nos amistosos. Como pôde aquilo ter acontecido logo na final? Foi uma casualidade! – repetia o ex-jogador, que morava numa casa confortável de frente para o mar, onde desemboca o Rio da Prata.
Se a vitória surpreendeu os próprios uruguaios, o que dizer de como os brasileiros receberam o resultado? Schiaffino lembrava com detalhes a reação da torcida que lotou o Maracanã. E garantia que, apesar da alegria pela conquista, foi contaminado pela tristeza adversária.
– Todo aquele povo chorava na arquibancada, principalmente as mulheres. Foi a primeira vez que vi um espetáculo daqueles. Quando percebi a comoção, fui correndo para o vestiário. Eu não queria ver aquilo! – contou, lamentando que tenha contribuído para a decepção brasileira:
– É triste. O carinho dos torcedores com o time era enorme, assim como a esperança que todos tinham em sair campeões.
Nem quando o maior objeto de desejo do futebol chegou às mãos dos uruguaios, pelo presidente da Fifa, o desconforto foi amenizado:
– Jules Rimet entrou em campo para nos entregar a taça e nós víamos o que estava se passando fora das quatro linhas, ali perto. Era incrível, parecia que havia morrido um familiar daquelas pessoas.
Embora o sofrimento dos torcedores tenha sido grande, a cena que mais impressionou Schiaffino foi o desespero de um adversário:
– A imagem que mais me marcou foi o pranto do Danilo. Enquanto nós levantávamos os braços, ele punha as mãos no rosto. Às vezes, é um erro; às vezes, o inesperado acontece.