ÍDOLO, ÀS VEZES O HERÓI IMPROVÁVEL
por Victor Kingma
Todos que convivem comigo sabem que sou rubro-negro de carteirinha, paixão que vem de longe, desde quando eu era menino na fazenda, em Mantiqueira, lá pelo final dos anos 50.
A influência maior, como já relatei, foi da minha tia Luquinha, que contrariando o hábitos das moças da época, gostava muito de futebol.
Desde aquele tempo acompanho sempre os jogos do clube. Lembro-me bem que, no início dos anos 60, a linha de frente do Flamengo, como os narradores costumavam chamar, era formada por Joel, Gerson, Henrique, Dida e Babá.
A escalação dos times era assim, com cinco jogadores no ataque, embora o meia direita, o clássico camisa 8, no caso Gerson, na prática não era um atacante, mas o meia armador do time.
Apesar de os seus companheiros na dianteira do Flamengo naquele ano serem todos jogadores de seleção – Henrique e Gerson estavam convocados e Joel e Dida fizeram parte do elenco que conquistou o primeiro título mundial para o Brasil, na Suécia, em 1958-, o ídolo da minha tia era o menos famoso de todos: o ponteiro esquerdo Babá.
Ela sempre costumava dizer: esse baixinho é infernal!
Até colecionava revistas e jornais onde aparecia o seu ídolo.
O futebol sempre teve craques consagrados, de geração pra geração, jogadores idolatrados por uma legião de fãs.
Existem entretanto aqueles que, embora não tão famosos, ficam marcados para sempre na memória, às vezes de um único torcedor, devido a uma jogada, drible ou gol assinalado num jogo marcante da história do clube.
Nos tempos áureos das transmissões esportivas pelo rádio muitos ídolos eram até forjados no imaginário do torcedor através das narrações vibrantes de suas jogadas pelos locutores da época, como certamente foi o caso da minha saudosa tia Luquinha.
No mundo do futebol a idolatria despertada por esses heróis, às vezes improváveis, sempre será fundamental para a manutenção dessa paixão popular, independente da forma ou motivo que os tornaram ídolos.
Muitos, aliás, jamais vão saber dessa idolatria, como certamente Babá nunca soube.
A magia do jogo de bola tem dessas coisas.
Lulinha
100% RAIZ
texto: André Luiz Pereira Nunes | fotos e vídeo: Daniel Planel
“Gol do Bangu! Lulinha pega a sobra, bate forte e empata o jogo, aos 36 minutos do primeiro tempo. Após confusão na área, o meia pega a sobra na entrada da área e conta com o desvio no caminho para deixar tudo igual.”
Em 31 de julho de 1985, Bangu e Coritiba decidiram a Taça de Ouro, a Série A do Campeonato Brasileiro. O belo arremate em gol, digno daquela emocionante decisão, cujo público chegaria a quase 100 mil pessoas no maior estádio do mundo, representaria a cereja do bolo de uma carreira triunfante. Lulinha não só assinalara o seu, como ainda fizera o lançamento preciso para Marinho, em condição totalmente legal, marcar o tento da vitória. Mas a jogada acabaria injustamente impugnada por Romualdo Arppi Filho, apesar da assinalação positiva do bandeirinha Osvaldo Campos. O Coritiba sairia vencedor na disputa por penalidades.
A derrota do Alvirrubro da Zona Oeste retirou a possibilidade de Lulinha alcançar o feito inédito de vencer as três divisões então existentes do Campeonato Brasileiro. Em 1981, ganhara a Taça de Bronze, correspondente à Série C, pelo Olaria, cujo adversário na finalíssima foi o pernambucano Santo Amaro. No ano seguinte arrematou a Taça de Prata pelo Campo Grande, o qual desbancaria, na decisão, o tradicional CSA de Alagoas. Quis caprichosamente o destino que Lulinha não conquistasse o seu título mais importante. Apesar do revés, se sagraria campeão baiano pelo Vitória após sua passagem invicta por Moça Bonita.
Luiz Carlos Rebouças de Santana, carioca de Botafogo, era um autêntico meia-armador tão eficiente no combate como na criação. Certa feita, em uma de suas passagens pelo Olaria, driblou dois defensores do Mesquita e cruzou forte para Betinho fazer o gol. Destaque absoluto, foi o autor de todas as jogadas que resultaram na vitória por 3 a 0, de acordo com uma matéria do Jornal dos Sports.
Pela Seleção do Sindicato dos Atletas Profissionais do Estado do Rio de Janeiro (SAFERJ) era sempre titular. O amigo de longa data, Bris Belga, relembra com carinho um momento especial em que participou como supervisor de uma excursão chefiada por Francisco Horta a Bordeaux, na qual o selecionado brasileiro venceu o francês por 4 a 0 com direito a um elástico sensacional de Lulinha no goleiro adversário.
A sua longeva trajetória só encontraria fim no São Cristóvão devido a uma seríssima contusão. Caso contrário, teria jogado por mais tempo. Quem sabe, até aos 50, pois vitalidade nunca lhe faltou. Anos antes, pelo Bonsucesso, acumulara o cargo de treinador com o de jogador, prenunciando a futura função à beira dos gramados.
“Era ótimo, pois eu mesmo me substituía quando sentia que não estava jogando bem”, ressalta com bom-humor.
A extensa lista de clubes pelos quais desfilou o seu talento é composta por Olaria, CSA, Campo Grande, Bangu, Vitória, Botafogo, Serrano de Vitória da Conquista, Fluminense de Feira de Santana, Bandeirantes (SP), Bahia, Nacional de Manaus, Operário (MS), Bonsucesso, Friburguense, Rio das Ostras (sob o comando de Dário Lourenço), Democrata de Governador Valadares e São Cristóvão. Como técnico esteve no comando do Rubro, America, Angra dos Reis, Bonsucesso, Al Town, da Arábia Saudita, e Vilavelhense.
Sobre o passado, recorda com satisfação a ótima fase em que atuou pelo Bangu, na época patrocinado por Castor de Andrade e treinado pelo saudoso Moisés, o melhor com quem trabalhou.
“Não faltava nada àquela equipe. Doutor Castor nos fornecia todo o aparato. Éramos felizes!”, afirma.
De fato, aquele ousado time, de 1985, foi o único capaz de unir todas as torcidas do Rio de Janeiro a ponto de lotar o Maracanã na mencionada final do Brasileiro. Tudo isso prova que o futebol não é só feito de vitórias, mas de histórias, algumas protagonizadas por esse memorável e decisivo meia habituado às decisões.
HÁ 64 ANOS PELÉ ESTREAVA NO SANTOS
por Gabriel Pierin, do Centro de Memória do Santos
Na tarde de 7 de setembro de 1822, o Príncipe Regente Dom Pedro I, primeiro Imperador do Brasil, declarou o País independente. Nesse mesmo dia, no ano de 1956, o menino Pelé, futuro Rei do Futebol, estreava pelo Santos e marcava o primeiro gol do seu reinado.
O garoto veloz, habilidoso e atrevido tinha chegado de Bauru há um mês e meio, mas, apesar de impressionar nos treinos, ainda não estreara no time principal. Provavelmente o técnico Lula ainda o considerasse franzino, nos seus 16 anos incompletos. Finalmente, no amistoso de 7 de setembro de 1956, uma sexta-feira, contra o Corinthians de Santo André, surgiu a oportunidade tão esperada.
O Santos era o campeão paulista e figurava na ponta da tabela do Torneio de Classificação para a fase final do Campeonato Paulista de 1956. Apesar disso, as últimas exibições deixaram a desejar e a equipe vinha de três resultados ruins: dois empates de 2 a 2, na Vila Belmiro, contra XV de Jaú e Nacional, e derrota para o Flamengo, no Maracanã, por 2 a 1, no confronto entre os campeões paulista e carioca do ano anterior. O amistoso tinha sido marcado em boa hora para melhorar o ânimo do time.
O jogo foi oferecido pela Prefeitura de Santo André e a disputa valeu o alusivo Troféu Independência, por ocasião da data comemorativa. Disputado no Estádio Américo Guazzelli, o Santos, recebido com honras, foi escalado pelo técnico Lula com Manga, Hélvio e Ivan (depois Cássio); Ramiro (Fioti), Urubatão e Zito (Feijó); Alfredinho (Dorval), Álvaro (Raimundinho), Del Vecchio (Pelé), Jair Rosa Pinto e Tite.
O Corinthians local jogou com Antoninho (depois Zaluar), Bugre e Chicão (Itamar); Mendes, Zico e Chanca; Vilmar, Cica, Teleco (Baiano), Rubens e Dore. Arbitrou a partida Emilio Ramos.
O Santos dominou toda a partida, mas só marcou seu primeiro gol aos 33 minutos, por meio do ponta-direita Alfredinho. Dois minutos depois, Del Vecchio ampliou para 2 a 0. Antes de terminar o primeiro tempo, Álvaro, aos 36, e Alfredinho, aos 44 minutos elevaram o marcador para 4 a 0.
Del Vecchio voltou a marcar aos 16 minutos da segunda etapa e foi então que Lula resolveu descansar o artilheiro do Campeonato Paulista de 1955 e fazer entrar o garoto que os mais velhos apelidaram “Gasolina”, pela rapidez com que corria atrás da bola nos jogos entre titulares e reservas.
O estreante se colocava sempre como uma boa opção para o passe. E o gol veio aos 37 minutos, quando o ponta-esquerda Tite alcançou a linha de fundo e cruzou para trás. O garoto dominou e bateu para fazer o primeiro dos seus 1282 gols na carreira.
O goleiro Zaluar, que também entrara no segundo tempo, se orgulharia de ter sido o primeiro a levar um gol do Rei do Futebol. Seu cartão de visitas passaria a ter a inscrição: Zaluar – Gol Rei Pelé – 001.
Aos 39 minutos, Vilmar marcou o único gol dos locais e, aos 44, Jair Rosa Pinto definiu o resultado de 7 a 1 para o Santos, iniciando uma série de 13 jogos invictos da equipe que se tornaria bicampeã estadual ao vencer o jogo-desempate com o São Paulo por 4 a 2, em 3 de janeiro de 1957.
O jogo em Santo André marcou seus personagens e histórias. A cidade do apóstolo recebeu o time de Todos os Santos. Da nação independente ao país do futebol, do príncipe regente ao Rei, uma identidade e um destino.
Um Rei ainda anônimo
Pelé ainda era pouco mais de um desconhecido quando estreou no Santos, há 64 anos. Prova disso é que na escalação do time os jornais grafaram seu nome como “Telé”. O Estado de São Paulo fez o seguinte registro sobre o jogo:
Santo André, 7 (ASP) – Surgiu, hoje, nesta cidade, a esperada reabilitação do Santos F.C., que, apesar de figurar na ponta da tabela do Torneio de Classificação da F.P.F., vinha, ultimamente, apresentando fracas exibições. Coube ao Corinthians, local, proporcionar essa reabilitação, uma vez que foi batido por 7 a 1, no jogo que ambos travaram hoje à tarde. O resultado por si só diz o que foi o espetáculo.
A fama não veio imediatamente. Reserva de um meia-esquerda excepcional, como Vasconcelos, Pelé certamente teria sido emprestado para outros clubes, a fim de ganhar experiência, caso uma fratura de fêmur, em dezembro, não afastasse Vasconcelos dos gramados por um longo tempo. Mesmo assim, o futuro Rei do Futebol só se firmaria no ataque santista no início de 1957, durante uma excursão ao Sul do País.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ARTURZINHO
No dia 7 de setembro de 1983, há 37 anos, o Maracanã foi palco da coroação de Artur dos Santos Lima, o Arturzinho, como o ‘Rei Artur do subúrbio de Bangu e Moça Bonita’.
Pois é, como diz o ditado, ‘Rei morto, Rei posto’.
Fazia pouco mais de três meses que um outro Arthur (Arthur Antunes Coimbra), o Zico, havia abdicado do trono de ‘Rei da Nação Rubro Negra’, depois de 10 anos de reinado, para tentar conquistar outros súditos na Itália, sede do antigo Império Romano.
Quis o destino que a prova de fogo de Arturzinho pela conquista do trono de Moça Bonita fosse contra a Nação Rubro Negra.
E ele não decepcionou.
Fez 4 gols, um deles digno de um ‘monarca da bola’, na histórica vitória do Bangu por 6 a 2 sobre o Flamengo pelo Campeonato Carioca daquele ano.
No lugar de Zico, no Flamengo, quem ‘comandava’ com a camisa 10 era Júnior, mas Arturzinho e seus ‘cavaleiros’ não tomaram conhecimento.
Poucos torcedores sabem, mas esta disputa de ‘reinados’ que ocorreu entre o final da década de 70 e meados da década seguinte, está registrada nas páginas das crônicas esportivas.
Os dois ‘baixinhos’ com o mesmo nome lideraram ’11 Cavaleiros da Redonda’ e se enfrentaram em vários campos de ‘batalhas’ do Brasil, um deles o ‘Maior do Mundo’, o Maracanã.
De um lado, Arthur Antunes Coimbra, o Zico ou Galinho de Quintino, ‘Rei Primeiro e Único da Nação Rubro Negra’.
Do outro, Artur dos Santos Lima, o Arturzinho, com súditos conquistados nos reinados das Laranjeiras, de São Januário, e outras ‘plagas’ do Nordeste e Centro Sul do Brasil, mas entronizado como ‘Rei Artur do subúrbio de Bangu e Moça Bonita’.
Com três anos de idade de diferença (Zico nasceu em 1953 e Arturzinho em 1956), e 10 centímetros na estatura (o Galinho tem 1,72 m, e Arturzinho 1,62 m), contam seus ‘súditos’ que os dois se igualavam em talento com a bola nos pés.
Bem, hoje o ‘Vozes da Bola’ presta reverência a um deles: Arturzinho.
Ele conta como enfrentou o preconceito pelo pequeno porte físico para o esporte e venceu dificuldades para conquistar seu reinado no futebol.
“Ei, baixinho: pode sair! E não volte mais aqui!”, foi o que ouviu de um dirigente da Portuguesa-RJ, que apontou o portão de saída pra mim. Isso em 1969, quando eu tinha 13 anos e só tinha treinado 20 minutos”, relembra.
Naquele dia, ele voltou para casa chorando e achou que só restava se contentar em jogar as peladas de rua no Caju, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, defendendo o Redentor, time que Seu Amaro, o pai, tomava conta.
Mas, logo depois conseguiu uma chance de treinar na escolinha de futebol de salão do São Cristóvão de Futebol e Regatas, onde ficou de 1969 a 1974, e despertou a atenção de olheiros do Fluminense, onde começou sua carreira profissional.
Hoje, além de treinador, com vários títulos conquistados, Arturzinho é proprietário do Centro Esportivo Social Arturzinho, clube que disputa à série C do Campeonato Carioca.
Por Marcos Vinicius Cabral
Como vê o Bangu atualmente?
Eu torço muito pelo Bangu. Costumo dizer que no Rio de Janeiro, é o único clube que eu torço para que ascenda e volte a ser o Bangu da minha época, o que disputava títulos todo ano. Hoje, não concordo com a filosofia e nem com a maneira que o Bangu tem trabalhado nesses últimos anos. Na minha opinião, o clube deveria olhar mais para as categorias de base, formar atletas, e acho que o Bangu vem se contentando apenas em trazer, às vezes, jogadores que não atuam de forma convincente e com isso desperdiçando anos e anos sem revelar jogador nenhum. Acho que o Bangu, como uma equipe tradicional do Rio de Janeiro, deveria pensar mais na formação, e consequentemente, no futuro, com a contratação de atletas pontuais, visando formar grandes equipes e postular bons resultados, títulos, conquistas, e pensar na parte de cima da tabela. Hoje infelizmente, entra na competição para não cair, e isso não é da grandeza do Bangu.
Em 22 anos de carreira como jogador, tem duas partidas épicas e que são inesquecíveis para os torcedores do Bangu e do Vitória. Uma foi a goleada por 6 a 2 sobre o Flamengo, no Carioca de 1983, em que você marcou quatro gols. A outra foi o Ba-Vi histórico, em que o Vitória venceu por 1 a 0, mesmo com dois jogadores a menos. Foram realmente suas maiores atuações por clubes?
Foram dois jogos que marcaram muito a minha carreira, sem dúvida. Ganhar do Flamengo em 83, que era um equipe muito qualificada, em que eu tive uma noite muito feliz, fazendo 4 gols, isso fica marcado para o resto da vida e na história. O outro, foi um clássico entre Vitória e Bahia, em que o nosso time, com dois a menos, ganhou de 1 a 0, gol meu de cabeça. Então, são jogos inesquecíveis, e que o torcedor, tanto do Bangu, como o do Vitória, sempre comentam quando a gente tem oportunidade de reencontrá-los.
Ainda pensa em voltar a trabalhar como treinador?
Sim. Tenho inclusive um projeto, estou trabalhando diariamente nele e quando acabar essa pandemia, se aparecer uma oportunidade concreta e que valha a pena, eu posso voltar ao mercado. Eu acho que ainda tenho muito a dar ao futebol e espero que isso aconteça em breve, sem descartar em hipótese alguma, o meu projeto, muito pelo contrário, para que esse projeto seja mais conhecido e a gente possa revelar mais garotos para dar a oportunidades deles virarem profissionais.
Você teve uma passagem curta como treinador do Bangu em 2017, clube onde jogou por sete anos e se tornou ídolo. Por que ficou tão pouco tempo?
A minha passagem como técnico do Bangu, era a realização de um antigo sonho de dirigir o alvirrubro e tentar fazer história. Mas, infelizmente, tive alguns transtornos que fizeram com que ficássemos apenas um mês e pouco, onde a indisciplina imperava. Inclusive, um atleta de renome, queria mandar mais do que eu dentro da equipe, e para não prejudicar o clube e não me desgastar com esse atleta, achei melhor sair. Uma pena, pois é um clube que tenho um carinho muito grande e que eu queria muito fazer história como técnico. Mas Deus sabe o que faz.
Defina Arturzinho em uma única palavra?
Não consigo me definir em uma palavra, mas acho que a melhor definição seria: jogador de Deus! Com o meu tamanho, com o meu corpo, jogando de ponta de lança e ter feito história no futebol, só Deus mesmo, a quem tenho que agradecer sempre. Então, três palavras me resumem: jogador de Deus! Só Ele para justificar como eu virei jogador profissional de futebol.
Quem foi o seu melhor treinador?
Eu tive bons técnicos com quem eu tive a oportunidade de trabalhar. Posso citar o Edu, irmão do Zico, o Zagallo, outro ótimo treinador, o Didi, que foi sensacional, teve também o professor Pinheiro, que me marcou muito na época da minha formação no Fluminense e Seu Valdir e Seu Décio, ambos no São Cristóvão, pessoas que foram importantes para mim. Mas o que mais me identifiquei foi Carlos Castilho, ex-goleiro do Fluminense, com quem trabalhei três anos no Operário-MT. Ele me deu uma diretriz correta sobre o que era ser profissional, e dele, extrai alguns pontos e coloquei isso no meu trabalho como técnico de futebol.
Como tem enfrentado o coronavírus?
Estamos guardados dentro de casa e saindo muito pouco, com raras exceções, quando é necessário sair. Às vezes, caminho na praia e tentando conviver com alguns amigos mas de uma forma diferente, em virtude da distância. É lamentável que esse vírus tenha nos deixado em casa, sem contato com as pessoas e a gente torce para que isso acabe logo, ou então, que fabriquem uma vacina o mais rápido possível para voltarmos a ter a nossa vida de volta, além é claro, da convivência com àqueles que amamos.
Por onde você anda e o que tem feito?
Estou no Rio de Janeiro, esperando que essa pandemia acabe, aguardando esses protocolos aí, tanto da Prefeitura, como da FERJ, para reiniciarmos nossos treinamentos. O nosso clube treina no CFZ, de segunda a sexta, de 10h às 12h, e esperamos que tudo se regularize para voltarmos sem nenhum transtorno e tocar o nosso clube, que é um sonho pessoal em fazer dele uma referência na formação de jogadores no futebol brasileiro e com nosso DNA. Se Deus quiser, colocar muitos jogadores no mercado, com qualidade e princípios, e não só futebolísticos, mas com princípios de cidadãos.
Você é o único técnico que conquistou a taça da Copa do Nordeste pelo Vitória e pelo América de Natal em 1997 e 1998, respectivamente. Por que sua carreira de treinador não decolou?
Além desses títulos na Copa do Nordeste, em 97, 98, ganhei campeonatos goianos, conquistei títulos no Joinville, fui campeão na segunda divisão pelo América-RN e outros títulos significativos. Eu acho que a minha carreira não decolou, primeiro porque não tenho empresário, segundo, que meus princípios vão na contramão do que é empregado pelos clubes brasileiros. Tem que ser complacente, maleável, para poder sobreviver, e eu não abro mão dos meus princípios, do meu comando, da minha diretriz, independentemente de, às vezes, até perder o emprego. No Brasil, isso é quase uma condenação das pessoas que têm esse tipo de conduta, mas não me arrependo, até porque faz parte do processo. O mais importante disso tudo é que deito a cabeça no travesseiro e durmo tranquilo.
Você fundou em maio de 2000, o Centro Esportivo Social Arturzinho, dois dias depois do seu aniversário. Era um sonho ter seu próprio clube de futebol?
Eu costumo dizer que realizei alguns sonhos. O primeiro, ter sido jogador de futebol profissional, e graças a Deus, consegui, e depois, ser técnico de futebol, que consegui também. Ser jogador e técnico com excelência, conquistando vários títulos. Depois, um outro sonho que tinha, era ter um clube meu, com meus princípios, minha metodologia e filosofia de trabalho, com ideias que tenho no futebol e agora estou realizando este outro sonho. O clube foi fundado em 2000, mas na época, não estava focado apenas nele, já que estava trabalhando como técnico Brasil afora, mas agora, um pouco mais voltado para isso, bem focado, estou tocando o
Centro Esportivo Social Arturzinho. Lá sou presidente, técnico, massagista, roupeiro e é uma coisa que me envaidece muito, me deixa muito feliz, pois estou realizando um sonho. Vale frisar, que o meu sonho, possibilita realizar o sonho de outros tantos garotos, que assim como eu, quando garoto, tinha essa vontade em se tornar atleta de futebol profissional. Sinceramente falando, espero que isso dê certo, porque não é somente a parte financeira, é questão de se ter uma oportunidade.
No final dos anos 1990 e começo dos anos 2000, você voltou a atuar com destaque com a camisa do Vitória. Como foi esse período?
Eu cheguei no Vitória em fim de carreira, com 36 anos e tive atuações espetaculares. Eu costumo dizer que no Operário-MT, no Vitória, no Bangu, no Vasco, no Fortaleza, eu fiz partidas fenomenais e tive a honra de vestir a camisa grandiosa do Vitória. Estava nesse momento que cheguei em má situação em relação à credibilidade nos torcedores e conseguimos resgatar isso. Subimos da série B à A e depois fomos campeões baianos em 92, eu jogando e sendo artilheiro da equipe e do campeonato. Eu tenho as melhores recordações desse lugar e até hoje, tenho boas lembranças dessa equipe quando vou em Salvador. Confesso, que tenho um carinho especial pelo Vitória e sei o carinho que a torcida tem por mim, e espero que o clube recupere e volte à elite do futebol brasileiro, pois é um time de primeira grandeza.
Recentemente o futebol brasileiro perdeu a irreverência do ex-ponta Marinho, o Bangu perdeu um ídolo e você perdeu um grande amigo. Como foi jogar com ele e como era sua ligação com ele?
O Marinho foi um amigo e irmão, que o futebol me deu. Mesmo de longe ultimamente, eu sempre lembrava dele e torcia para que se recuperasse em todos os níveis, não só clinicamente, mas também emocional e de autoestima. Vou confessar aqui, que a primeira vez na vida que eu chorei por causa de um amigo, foi quando nos reencontramos em Belo Horizonte, depois de bastante tempo sem vê-lo. Marinho foi o maior jogador com quem eu tive o privilégio de jogar, apesar de ter jogado com Pintinho, Rivellino e outros grandes jogadores. Mas o Marinho era diferente, foi o mais completo de todos, em todos os sentidos, ele driblava, lançava, cabeceava, batia bem com os dois pés, era veloz, inteligente, sabia fazer gols como poucos e um jogador completo. Nunca senti tanto a perda de um amigo como foi a sua morte. No futebol, eu cumprimentava a todos normalmente, mas o Marinho, eu fazia questão de beijá-lo no rosto. Infelizmente, foi uma perda muito grande, um cara que só trazia alegria, um bom astral, uma irreverência, e uma felicidade que transbordava. Que Deus o tenha, pois ele merece o melhor lugar do mundo pela pessoa que ele era, por sua simplicidade e sua humildade.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?
Eu tenho as maiores e melhores lembranças. Minha primeira vez no Maracanã, foi na final do Campeonato Brasileiro em 74, entre Vasco e Cruzeiro, onde eu era juvenil do São Cristóvão e fizemos a preliminar enfrentando o próprio Vasco. Até hoje, não esqueço aquele dia, estádio lotado, e eu, com meus companheiros, jogando em um grande evento como foi aquela final. Depois, fiz belas partidas pelo Vasco, pelo Bangu, marcando gols importantes e que valeram títulos, como na final da Taça Rio de 87, contra o Botafogo, em que fiz dois gols, os quatro contra o Flamengo em 83, um time super campeão. Jogar no Maracanã era diferente, só quem jogou naquele palco pode dizer a magia que era aquilo ali.
Você viveu uma das melhores fases de sua carreira jogando no Operário-MT. Que recordação você tem dessa época?
Em relação ao Operário-MT, tenho as melhores recordações possíveis. Sou considerado em Mato Grosso do Sul, um dos maiores atletas de todos os tempos que já passou por lá. Em relação a títulos, nunca perdi nenhuma decisão com a camisa do clube e meu retrospecto é muito bom. Cheguei lá com 22 para 23 anos, totalmente focado em jogar futebol e tendo nos treinos um desempenho exemplar. É um clube que adoro, está em meu coração eternamente e que torço até hoje, para voltar aos seus momentos de glórias, e foi um clube que me formou praticamente junto com o Fluminense. Foi ali inclusive, que comecei a jogar como titular pela primeira vez de verdade e com a responsabilidade em tentar fazer o meu melhor para algum clube. Então, eu sou muito agradecido ao Operário-MT e estou na expectativa que volte a ser o grande time dos anos de 1970 e 1980.
Em 1984, você foi contratado pelo Corinthians com a enorme responsabilidade de substituir Sócrates, na época negociado com a Fiorentina, da Itália. Como foi vestir a camisa do Timão?
Ter vestido a camisa do Corinthians, foi uma coisa que me deixou muito envaidecido. Talvez, por alguma circunstância extra campo, como o nascimento da minha filha e ela não podia ir para São Paulo ficar comigo, isso me tirou um pouco o foco. Admito, que não fui tão profissional como deveria ser no Timão. No primeiro semestre fui bem, mas no segundo, não. Joguei apenas um ano no clube, não tive muitas oportunidades e também não merecia tais oportunidades, porque não estava focado no clube. Infelizmente, é algo que lamento, me entristece e me deixa até certo ponto, sabendo que fiquei devendo ao tratamento que me deram. Mas não fui no segundo semestre, nem metade do jogador que fui jogando lá, nos primeiros seis meses. E jogar no lugar do Dr. Sócrates, um craque excepcional, era uma cobrança muito grande, apesar de não ter sido esse o motivo de não ter rendido o que esperavam de mim. Mas apesar do Corinthians ter me recebido com muito carinho, minha cabeça não estava boa. Infelizmente.
Ainda em 1984, você jogou uma única vez pela Seleção Brasileira, no amistoso contra o Uruguai, no Estádio Couto Pereira, em Curitiba, e fez o gol da vitória. Na sua opinião, por que não teve uma sequência?
Vestir a camisa da Seleção Brasileira foi outro sonho que realizei. Por mais que alguma vez eu pensasse que isso seria impossível pela qualidade dos atletas da época, da minha geração. Foi apenas uma partida sim, em 84, eu tive a felicidade de jogar e fazer o gol da vitória, é uma coisa inesquecível. Jamais, confesso, pensei em ter essa oportunidade, e quando a tive, graças a Deus, pude mostrar o meu valor. No entanto, jogar na Seleção Brasileira, que é considerada o país do futebol, com os maiores jogadores do mundo aqui, você é um privilegiado. Acho que, se não tive a sorte de ter a sequência de jogos, porque, depois eu fui para o Corinthians e na época, as convocações demoravam quase um ano para ter outros jogos e não tive outras chances, infelizmente. Já em 85, numa outra convocação, estava machucado. Mas eu sou muito agradecido a Deus, em ter vestido a amarelinha, representado o país, mesmo que tenha sido por apenas uma partida.
No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que esse esporte representou para o Arturzinho?
O futebol é tudo na minha vida. Sou uma pessoa melhor, um ser humano melhor, isso, porque eu joguei futebol. O futebol nos prepara para a vida, nos dá uma disciplina, um conhecimento de vitórias e derrotas e desde cedo, te prepara para ser uma pessoa mais capaz de ver as intempéries da vida, e, consequentemente, ter menos dificuldade de ultrapassar as barreiras. Agradeço a Deus pelo dom de jogar futebol e digo que, através desse dom, pude realizar sonhos, alguns materiais e outros, mais significativos, praticando esse esporte.
O DIA DO REI ARTUR EM 1983
por Paulo-Roberto Andel
Há exatos trinta e sete anos, num feriado de muita chuva no Rio de Janeiro, o Bangu cumpriu uma de suas atuações históricas contra o Flamengo, aplicando uma sonora goleada pelo placar de 6 a 2.
Foi uma tarde-noite de Arturzinho, o maestro banguense da camisa 10. Marcou quatro gols na partida e se tornou um dos seis jogadores na história a conseguir tal feito em cima do Flamengo. Um deles foi antológico, da intermediária, encobrindo o pobre – e jovem – goleiro rubro-negro Abelha, à época substituindo Raul Plassmann. Aliás, é bom que se diga: imediatamente após o jogo, houve uma tentativa injusta de transformar Abelha no vilão máximo daquela partida, no único culpado, por ter cometido falhas clamorosas no clássico, o que na verdade não aconteceu exatamente com a tônica da ocasião. No terceiro gol, socou uma bola fraca e, na consecução do lance, escorregou na verdadeira lama da pequena área. E no sexto gol, rebateu um chute forte de Ado que Arturzinho, sempre ele, aproveitou. É certo que Abelha falhou, mas nem de longe foi o único culpado pelo massacre banguense: a imprensa esportiva foi unânime em afirmar que o Alvirrubro de Moça Bonita poderia ter feito tranquilamente mais três ou quatro gols, enquanto o time flamenguista jogava absolutamente atônito. Por sinal, a grande falha na partida, sem comprometer o resultado, foi justamente do goleiro banguense Toinho, soltando uma bola fácil para o ponta Robertinho descontar a goleada. E é bom que se diga: o Bangu tinha um timaço comandado pelo treinador – e eterno xerife – Moisés, além dos gordos “bichos” pagos pelo mecenas Castor de Andrade. Basta falar de feras como Mário, Marinho, Fernando Macaé e o jovem ponta-esquerda Ado.
Mas, afinal, o que dera no Flamengo daquele momento? Depois de ganhar o tricampeonato brasileiro, veio um golpe fatal: a venda de Zico para a italiana Udinese, que abalou todos os flamenguistas do mundo. E a campanha rubro-negra na Taça Guanabara sofreu um forte abalo depois dos 3 a 0 sofridos do Botafogo, num clássico que derrubou o treinador Carlos Alberto Torres, toda a comissão técnica e até a diretoria do clube da Gávea. Apesar de ainda ter um timaço, o Flamengo acusou o golpe da perda do Galinho de Quintino. Mas se recuperaria em breve, conquistando a Taça Rio e disputando o triangular final do Campeonato Carioca de 1983.
Curiosamente, na mesma competição o Flamengo viria a vencer o Bangu em outras três partidas, marcando seis gols e sofrendo um, mas mostrando que no futebol não se compensa uma goleada apenas com rigor matemático. Depois daquele massacre de 7 de setembro, o Fla fez 3 a 1 pela Taça Rio (já com um time remodelado pelas voltas de Tita, Cláudio Adão, mais as contratações de Lúcio e Edmar), 1 a 0 na final da própria Taça em jogo extra e, por fim, na última partida de toda a competição: 2 a 0 no triangular final de 1983, com os jogadores do Fluminense comemorando o título na Tribuna de Honra – o Tricolor havia empatado com o Bangu em 1 a 1 na primeira partida da decisão, para depois vencer o Flamengo por 1 a 0 com o famoso gol de Assis no último minuto. Ressalte-se que, naquele tempo, a vitória ainda valia dois pontos em uma competição profissional no Brasil.
A antológica goleada do Bangu em cima do Flamengo foi vista por muito pouca gente no Maracanã: apenas 5.009 pagantes encararam a tempestade carioca no feriado da Independência para ver o jogo no estádio. Os flamenguistas saíram de cabeça quente, já os banguenses celebraram uma vitória eterna. Júnior, craque rubro-negro e substituto de Zico como armador do Flamengo naquele momento, já disse que, se pudesse apagar de vez uma partida em sua carreira, seria esta. E a ironia do destino escreveu suas linhas de forma magistral: muitos anos depois, o execrado Abelha faria sucesso como treinador de goleiros do japonês Kashima Antlers, ao lado do treinador… Zico.
Uma coisa é certa: digam o que disserem, em 7 de setembro de 1983, o baixinho Arturzinho fez chover com seu futebol gigantesco. Era feriado da Independência do Brasil, mas o dia foi do Rei Artur.