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RENNER: O “PAPÃO” QUE DESBANCOU A DUPLA GRE-NAL EM 54

por André Luiz Pereira Nunes


Apenas 28 anos de vida foram suficientes para deixar saudades. O Grêmio Esportivo Renner, fundado a 27 de julho de 1931, em um bairro proletário de Porto Alegre, foi responsável por um feito histórico: ao desbancar os favoritos Grêmio e Internacional, conquistou o campeonato gaúcho em 1954. 

É importante frisar que o sistema de disputa desde quando foi realizada a primeira edição, em 1919, era bastante diferente. O certame era dividido em torneios regionalizados, os quais apontavam seus campeões para uma competição final. É por isso que até 1960, último ano dessa fórmula, não havia dois times da capital ou de qualquer região fazendo dobradinha. Até 1940, também era comum os times do interior ganharem com certa frequência o estadual. Brasil de Pelotas, Guarany de Bagé, Rio Grande e Pelotas tiveram o gosto de vencer o campeonato gaúcho. Até mesmo o modesto, porém tradicional, Cruzeiro de Porto Alegre conquistara, em 1929, o caneco. Portanto, o último campeão do interior nessa era fora o Riograndense, em 1939. A partir de 1940, com o hexacampeonato do Internacional e o crescimento da rivalidade com o Grêmio, ambos passaram a dominar inteiramente as disputas. Em 1954, contudo, a história foi bem diferente. O Renner, então mantido pelo empresariado da cidade, conseguiu romper com a tradição de títulos dos dois grandes da capital e venceu o Metropolitano, habilitando-se para a fase final do estadual.

Os adversários do Papão seriam o Brasil de Pelotas, vencedor da região Sul e Litoral, o Ferro Carril de Uruguaiana, da Fronteira, e o Gabrielense de São Gabriel, este proveniente da região da Serra. Porém, este último abdicou da disputa. Somente três times iriam se habilitar ao título máximo do Rio Grande do Sul, em 1954. O Renner estreou atuando em seu estádio, o Tiradentes, diante do Ferro Carril. Breno Melo e Joelcy fizeram os gols da vitória por 2 a 0. Na segunda partida, em Pelotas, houve um empate em 1 a 1 contra o Brasil, no Bento de Freitas. A igualdade colocou o time em boa condição, já que faria o último jogo em casa contra o Xavante. Porém, o Renner ainda teria que jogar em Uruguaiana, contra o Ferro Carril. A partida foi difícil, mas o magro 1 a 0 forneceu a vantagem a qual com uma simples vitória, o Papão conquistaria o título de 1954, já que o Xavante também havia vencido o Ferro Carril por duas vezes.

O estádio Tiradentes ficou totalmente lotado para a peleja decisiva. Breno Melo, com dois gols, e Pedrinho assinalaram os gols da vitória no segundo tempo. Não havia mais jeito. O Papão era incontestavelmente o campeão gaúcho de 1954. Essa hegemonia só voltaria a ser quebrada muito depois e, curiosamente, por dois representantes de Caxias do Sul. Em 1998, o Juventude, na época patrocinado pela Parmalat, ganhou  a competição. E, em 2000, o Caxias, então treinado pelo novato e promissor Tite, também veio a se sagrar campeão gaúcho.


O Renner mandava seus jogos nas esquinas das Avenidas Farrapos e Sertório, no bairro de Navegantes, onde atualmente resta apenas um pequeno campo ao lado de muitos prédios, que ocuparam o antigo estádio Tiradentes. O caldeirão ganhara o apelido de Waterloo, em referência à batalha perdida por Napoleão Bonaparte na Revolução Francesa.

Ênio Andrade, que mais tarde se consagraria como treinador ao se tornar campeão brasileiro por três clubes diferentes: Coritiba, Grêmio e Internacional, foi um habilidoso meia do Renner que fez parte do elenco campeão gaúcho. O atacante Breno Melo, também destaque, veio a protagonizar como ator Orfeu Negro, uma produção ítalo-franco-brasileira, de 1959, dirigida por Marcel Camus, baseada na peça Orfeu da Conceição, de Vinícius de Moraes.

Infelizmente o final da década de 1950 marcou um período de crise derradeira para o Papão. Como ao fim de cada temporada a empresa A. J. Renner tinha de cobrir o rombo financeiro, após o campeonato de 1957 decidiu-se extinguir o clube. Os executivos acharam mais produtivo as verbas destinadas ao futebol serem repassadas para a publicidade.

O Renner, mesmo tendo uma trajetória de 28 anos, foi um clube diferenciado de acordo com o jornalista Rui Carlos Ostermann: “O Grêmio Esportivo Renner é a quebra de todos os paradigmas do futebol gaúcho”. De fato alcançou um feito que permanece na memória dos “órfãos da arquibancada”,  os torcedores que, mesmo após quase 50 anos de extinção, continuam ativos. Alguns, inclusive, ainda carregam consigo a carteirinha de sócio da agremiação.

Essa fantástica história está devidamente retratada no documentário “Papão de 1954”, de Alexandre Derlam, lançado em 2005, e disponível no YouTube.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA NELINHO


Enquanto o país inteiro ainda estava sob o ‘luto’ pelo ‘Maracanazo’ da derrota do Brasil para o Uruguai, por 2 a 1, na Copa do Mundo, em 16 de julho de 1950, nascia dez dias depois dessa tragédia, no subúrbio do Méier, no Rio, um certo Manoel Rezende Matos Cabral, filho do casal de portugueses Seu Manoel e D. Rosa.

Para provar, que o ‘mundo é mesmo uma bola’, quis o destino, que o Manoel crescesse como Nelinho (diminutivo do nome do pai Manoel e do padrinho, também Manoel), e virasse jogador de futebol; e que aos 20 anos, ainda como aspirante no Fluminense assistisse seu ídolo, o lateral direito Carlos Alberto Torres, o ‘Capita’, fechar o ‘caixão’ da Itália com um golaço na decisão do Tri no México.

Quatro anos depois, a ‘bola continuou girando’ e Nelinho, o filho da portuguesa D. Rosa, era convocado para substituir o seu ídolo ‘Capita’, cortado por contusão, na Copa da Alemanha, em 1974.

Para fechar o ‘giro da pelota do planeta futebol’, em 1978, na Copa do Mundo da Argentina, estava lá Nelinho, como se incorporado pelo espírito do ídolo Carlos Alberto Torres de oito anos atrás, marcando um dos gols mais bonitos de todas as Copas, justamente numa vitória que valia o título de ‘Campeão Mundial Moral’, contra a ‘freguesa’ Itália.

Nelinho, que marcou 180 gols, se tornando o lateral que mais vezes estufou as redes adversárias na história do futebol mundial, conversou com o ‘Museu da Pelada’ e é o nosso segundo personagem para a série ‘Vozes da Bola’, em comemoração ao Dia Nacional do Futebol, celebrado em 19 de julho.

por Marcos Vinicius Cabral 

Você estava em seu último ano como aspirante do Fluminense em 1970, quando foi contratado pelo América-RJ. O que houve ali?

Joguei no Fluminense no infanto-juvenil e o Pinheiro era o treinador. Nessa época eu iria subir para o aspirante do Fluminense e receberia uma ajuda de custo. Mas, o América me procurou e me propôs pagar um salário mínimo da época. Então, quer dizer, eu disputei o aspirante pelo América, ou seja, o último ano de aspirante pelo clube. Depois disso, não teve mais no Rio de Janeiro campeonato de aspirantes.

No mesmo ano, por indicação do técnico Otto Glória (1917-1986), você foi jogar no Barreirense F.C. de Portugal. Jogou por quase um ano no clube português, mas por conta de uma contusão voltou para o Brasil. Como foi essa época?

O Otto Glória era o nosso treinador no América e me indicou para o Bairrerense, porque o técnico lá era o Edsel Rodrigues, que havia trabalhado com ele como preparador físico do América. Aí, ele foi e me levou. Cheguei lá no final de julho e voltei em fevereiro do ano seguinte. Comecei bem, jogando como titular, mas aí tive uma contusão na virilha que eu não curava de jeito nenhum. Nesse meio tempo ele mandaram embora o treinador que me levou e coincidentemente eu parei de jogar por estar contundido, e eles achavam que eu estava fazendo corpo mole. Nessa briga eu pedi meu passe e não sendo atendido, vim embora e depois peguei o passe, pois depois eles precisaram de um documento assinado pelo meu pai, que exigiu isso deles. Aí fiquei com o passe livre. Em seguida, já em 1972, disputei o campeonato carioca pelo Bonsucesso, e começando o Brasileirão, fui contratado pelo Remo já com o campeonato em andamento. Nos últimos jogos me transformei numa espécie de ‘curinga’ do time. Não era titular absoluto, mas aí o Aranha, lateral direito se machucou e fui para a lateral e joguei bem os últimos três jogos. Inclusive, o último foi contra o Cruzeiro, quando chamei atenção da diretoria do clube e me convidaram para em 1973 assinar um contrato com eles. 


Em 1983 você recebeu pela quarta e última vez o prêmio Bola de Prata, da Placar. O que significou esse prêmio para você?

Recebi essa Bola de Prata jogando pelo Atlético Mineiro, e receber um troféu desse quilate sendo oferecido por uma revista conceituada no meio esportivo, como a Placar, foi uma satisfação muito grande. É o reconhecimento do que você fez na temporada, né? Significou muito para mim pela carreira que tive.

Você era office-boy no Centro do Rio e saía todo dia de casa com marmita e tudo. Sua mãe só ficou sabendo que você estava no América/RJ quando seu chefe ligou para sua casa perguntando por você. Como foi essa história?

Eu estudava no Pedro II, na Tijuca, e repeti o segundo ano colegial duas vezes seguidas. Aí, minha mãe falou: “Você não quer estudar não? Então, você vai trabalhar!”, e arrumou um trabalho para mim no Centro do Rio de Janeiro, de office-boy, numa empresa, não sei se era americana, sei lá,  chamada Arnico. Estava trabalhando nessa empresa quando recebi o convite, quando eu treinava no Fluminense escondido, em vez de ir trabalhar eu ia para o Fluminense. Então, nessa época, não estava no América, e sim no Fluminense, e aí o meu chefe ligou para minha mãe e falou assim: “Dona Rosa, o seu filho está doente? Por que doente?, respondeu ela. É que ele não tem vindo trabalhar! Como assim, se ele sai todo dia de casa com sua marmita para ir trabalhar? É mais não está vindo para cá não!”. Cheguei em casa depois de um treino e tive que explicar para ela que havia recebido um convite, que estava jogando futebol e que estava ganhando o mesmo que ganhava como office-boy. Ela me perguntou se era aquilo que eu queria para minha vida, eu respondi que sim e ela mandou eu ir com tudo. Aí saí do emprego e assumi a carreira no futebol.

Um ‘talho’ de cinco centímetros num dos tornozelos foi a causa de você não ter sido contratado pelo Botafogo, quando defendia o Bonsucesso. O que aconteceu de verdade?

Eu estava jogando no Bonsucesso no final de 1972, no Campeonato Carioca. O último jogo foi contra o Botafogo, no antigo campo do Mourisco, e eu fiz um gol de falta. Eu levei uma pancada no calcanhar e ficou doendo muito, mas eu joguei os noventa minutos. Quando terminou o jogo, ao tirar a chuteira, estava toda ensanguentada. Tinha um talho grande no calcanhar e precisei levar pontos. Fui para casa, pois meu contrato com o Bonsucesso tinha acabado, o Botafogo teve interesse em me contratar, mas como estava cheio de pontos no calcanhar não pude assinar e eles não quiserem esperar minha recuperação. Aí fiquei em casa e veio a proposta do Remo, já com o campeonato estadual deles em andamento em 1972. No ano seguinte, em 1973, cheguei ao Cruzeiro, após ter jogado muito bem por sinal contra ele antes, e fui muito bem no campeonato mineiro e no brasileiro. Em 1974, estava na lista dos 40 para a Copa do Mundo e o Carlos Alberto Torres se machucou e fui no lugar dele, ou seja, de reserva no Remo no final de 1972, titular em 1973 no Cruzeiro, e em 1974 já estava numa Copa do Mundo. No futebol não pode nunca desistir e tem que acreditar, porque se você enfrentar o primeiro problema e não seguir adiante, você pode se lamentar lá na frente. Isso felizmente não aconteceu comigo. Eu prossegui minha carreira e acabou dando certo.

Você enfrentou o ‘Carrossel Holandês’ comandado por Cruyff, na Copa de 1974? Acha que aquela maneira de jogar revolucionou o futebol?

Nesse jogo contra o ‘Carrossel Holandês’ eu não joguei e nem na reserva fiquei. Estava na arquibacanda do estádio assistindo. Realmente, foi a última grande mudança no futebol mundial e de lá para cá não existiu nenhuma novidade. Eles mudam a nomenclatura,  mas o futebol continua do mesmo jeito com os 3-5-2, 4-5-1, 4-4-2 e sei mais lá o quê, só muda isso, mas o jeito de jogar não. Ou seja, tem a bola joga e não tendo marca, é assim, não mudou absolutamente nada. Às vezes eu fico impressionado quando vejo os comentaristas inventando moda, sabe? Ficam inventando explicações, não têm. O futebol é simples e continua tudo no mesmo depois desse ‘Carrossel Holandês’.

Teve um Cruzeiro x Atlético em que você brigou com o Éder no início do jogo e foi expulso. Era 1982 e na época, a imprensa disse que essa briga foi o motivo para você não ter sido convocado para a Copa do Mundo da Espanha. Você concorda com a imprensa ou acha que não foi esse o motivo de Telê não ter te levado?

Não, eu acho que não. O Cruzeiro não vinha bem nesse ano e eu também não. Por outro lado, o Edevaldo, do Fluminense, estava em excelente fase, sem falar do Leandro. Então, eu acho que a convocação dos dois foi correta é nada tenho a reclamar sobre isso. Muita gente comenta sobre essa briga, que se não tivesse brigado com o Éder eu talvez poderia ter sido convocado, mas particularmentebnão  penso assim. Acho sim, que a convocação já estava pronta independentemente daquele jogo.

No dia 19 de julho é comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Nelinho?

Representou tudo na minha vida. Se não fosse o futebol, eu nem sei o que teria sido na vida, que carreira escolheria seguir e como eu abandonei os estudos no segundo ano colegial, eu seria o quê? Não sei, só Deus sabe o que iria acontecer comigo. Mas, com certeza o futebol me salvou e fez com que eu, hoje em dia, tenha uma família estruturada. Hoje posso dizer que foi graças ao futebol que consegui tudo na vida e pude, a partir daí, montar minha academia e viver dela. Infelizmente o momento não é bom para as academias, mas espero que melhore.

Você sempre é lembrado como um dos grandes laterais direitos de todos os tempos do futebol brasileiro, ao lado de Djalma Santos, Carlos Alberto Torres e Leandro. Na sua opinião, quem foi o maior da posição?

É difícil responder essa pergunta, pois tivemos muitos bons laterais como o Cafú, Daniel Alves, Jorginho, Leandro, Djalma Santos, Carlos Alberto Torres. Mas para mim, que eu era fã, o melhor deles todos foi o Carlos Alberto Torres. Me espelhei muito nele e nas coisas que ele fazia dentro de campo. Mas o principal dele na minha opinião era que ele simplificava as jogadas, e em vez de dar dois toques na bola e passá-la para o companheiro, ele fazia isso com um toque só. E isso eu procurei fazer enquanto fui jogador profissional. Existem jogadores que dominam a bola e dão um, dois, três toques na bola para depois passar. E isso aí o Carlos Alberto Torres me ensinou a fazer diferente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Olha, para mim, esse isolamento tem sido tranquilo demais. Por que? Eu vivo em comunidade com filhas, genros e netos, e temos nos cuidado bastante. O convívio diário entre nós faz com que as coisas fiquem bem amenas em relação às outras famílias que não têm essa oportunidade.

Quem foi seu grande ídolo do futebol?

Na lateral direita foi o Carlos Alberto Torres, mas não tenho um ídolo apenas, tenho vários. Os craques do futebol brasileiro eu gostava de vê-los jogando, alguns enfrentei ou joguei a favor, e antes de ser jogador eu era torcedor, né? Era morador do Rio e vascaíno, e tinha muitos deles como ídolos, além dos outros como Garrincha, Didi, Nilton Santos, Dida e Moacir do Flamengo… Nossa, só craques! Então eu não tenho um único ídolo a não ser o Pelé que foi o maior de todos, mas não, sempre gostei de ver os craques jogando.

O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas lembranças do estádio?

Minha primeira recordação do Maracanã foi jogando no aspirante do América/RJ contra o São Cristóvão, se não estiver enganado. Foi a primeira vez que joguei no estádio. Mas antes, já tinha pisado como torcedor, pois era um menino, e o Olaria foi treinar com o Santos, na véspera da decisão do mundial contra o Milan/ITA, e seu Duque, treinador, me levou. Foi inesquecível, pois entrei em campo, bati bola, cobrei pênalti e infelizmente nesse dia o Pelé nem treinou porque estava machucado e também não jogou essa decisão.

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Tive vários. Seu Zezé Moreira (1907-1998), nosso treinador na conquista da Libertadores pelo Cruzeiro; Telê Santana (1931-2006), com quem trabalhei no Atlético; e Osvaldo Brandão (1916-1989), gente finíssima, além de ser ótimo treinador, um cara maravilhoso para se lidar. Era brincalhão, dava moral para o jogador. Esses três foram os melhores, claro, sem esquecer do Zagallo, meu treinador em 1974 na Copa do Mundo.

Você teve uma longa e bonita história no Cruzeiro, não foi?


Foi bonita porque eu era um reserva do Remo/PA e no Cruzeiro eu conquistei tudo que um jogador profissional poderia conquistar. Sou muito grato ao clube por me proporcionar isso. E se eu consegui meus objetivos foi porque o Cruzeiro era um senhor clube e contava com excelentes jogadores como Raul, Piazza, Dirceu Lopes, Zé Carlos, Palhinha, Joãozinho… enfim, qualquer um que chegasse ali para jogar naquele time ia ter uma facilidade maior. Mas o Cruzeiro foi muito importante para mim e sou eternamente grato por isso.

Nelinho, aquele seu gol contra a Itália, na Copa de 1978, foi extraordinário. Foi desenvolvido nos campos da ‘Boiada de Olaria’?

É. A ‘Boiada de Olaria’ foi o início de tudo. A gente chegava lá,  três, quatro meninos para jogar e não tinha número para fazer time contra, então azíamos chutes a gol. Eu particularmente,  passei a gostar de ficar chutando e quando cheguei aos profissionais me especializei. Mas o começo de tudo foi na ‘Boiada de Olaria’

Você, Éder ou Roberto Carlos. Quem foi o maior chutador do futebol brasileiro?

Esse negócio de maior ou melhor chutador do futebol brasileiro é muito difícil você apontar um. Cada um tem sua característica, sabe? Mas eu considero grandes batedores de falta aqueles que fizeram muitos gols. O Éder eu sei que fez, o Roberto Carlos eu já não sei, porque ele jogou muito tempo lá fora, mas eu incluíria o Marcelinho Carioca, como um dos maiores batedores  de falta de todos os tempos. Esse cara batia de toda forma e de qualquer lugar e se assemelhava muito como eu gostava de bater também, com lado interno, externo, peito de pé, de perto e de longe e de todos os lugares do campo. Então, para mim, apesar do Éder ter sido um grande cobrador de faltas, tínhamos o Zico e o Roberto Dinamite que batiam uma bola mais colocada. Mas o maior foi o Marcelinho.

Apesar de carioca, você foi o jogador que mais atuou no Mineirão, com 348 jogos. Além disso, despontou no Cruzeiro e encerrou a carreira no Atlético Mineiro. Que balanço você faz da carreira?

Quando eu conto para meus familiares e amigos sobre a minha história no futebol, e principalmente, para os que estão começando a carreira, eles se assustam. Porque teve muitos percalços, foi fácil não! Profissionalmente eu comecei no América/RJ, fui para Portugal e voltei por não ter dado certo, quase desisti da carreira, fui para a Venezuela, onde joguei com alguns que jogaram comigo no América/RJ, por um tempo lavei meu material de treino, quer dizer, não tinha estrutura nenhuma. Depois reiniciei pelo Bonsucesso, passei no Remo/PA e finalmente cheguei ao Cruzeiro. A partir daí é que as coisas clarearam mas até eu chegar no clube mineiro foi muito sofrimento, viu? Então, às vezes os caras que comentam sobre determinado jogador, como se ele não jogasse nada, eles esquecem que o jogador está no time errado, no momento errado do clube e acaba não rendendo. Aí ele sai dali e joga bem em outro clube e eles ficam se perguntando: “Pô, como esse cara não jogava isso no clube que ele passou?”. É isso, às vezes você passa por um clube e não está bem ou o clube não vive uma fase boa, o jogador não consegue produzir. No meu caso foi isso, eu cheguei no Cruzeiro na hora certa e o time estava embalado, e eu joguei tudo o que sabia. Mas antes, não! Por quê? Porque os clubes por onde eu passei não tinham a estrutura que  Cruzeiro tinha. E depois disso, quando fui para o Atlético/MG, foi quando o Cruzeiro estava sendo desmantelado, enquanto o Atlético/MG estava totalmente montado com Cerezo, Éder, Reinaldo, Luizinho… nossa, só grandes jogadores. Aí,  facilitou para mim e consegui encerrar minha carreira em altíssimo nível, justamente porque eu caí em um clube bem estruturado como o Atlético/MG. Posso dizer que a minha carreira profissional, a partir da minha chegada aqui em Minas Gerais foi que deslanchou. Antes disso, só sofrimento. Mas não tenho o que reclamar não. Serviu para minha vida pessoal.

Qual foi o gol mais bonito que você fez na sua carreira?

Não foi apenas o mais bonito, como foi o mais importante: o gol contra a Itália na Copa do Mundo de 1978.

A GOLEADA VASCAÍNA

por Valdir Appel


Logo após a conquista do título carioca de 1970, o Vasco conseguiu uma excepcional vitória contra o Santos de Pelé, 5×1 no Maracanã, pelo Campeonato Brasileiro.

Este jogo fazia parte de um dos testes da então recém lançada loteria esportiva no país e o Santos era tão superior tecnicamente ao time do Vasco, que ganhadores do concurso fizeram apenas 12 pontos, errando exatamente este jogo.

No princípio dava a impressão de que a equipe santista massacraria a cruzmaltina. O Santos atacava e alugava meio campo, mas a cada contragolpe o Vasco marcava um gol, chegando aos 4×0 rapidamente.

O torcedor não acreditava no que estava vendo e muito menos o pessoal do banco de reservas do Vasco. Quando o Santos diminuiu o placar fazendo o seu gol, que seria o de honra, um dos reservas comentou:

– Vejam como o “negão” Pelé buscou a bola no fundo das redes! O Santos vai virar este jogo!

O zagueiro Joel Santana foi o primeiro a sentir a disposição de Pelé e levou uma cotovelada do Rei, num lance na lateral do campo, que aumentou o volume e deixou marcas para sempre no nasal do rapaz.

Mas, apesar de toda pressão santista, um gol vascaíno logo no início do segundo tempo matou o jogo e o ânimo do time do Rei Pelé.

Esta foi a única grande performance vascaína na competição.

O Vasco, paralelamente ao Campeonato Brasileiro, viajava e intercalava amistosos pelo país afora, usufruindo o prestígio de campeão carioca.

Os jogadores viviam em ritmo de festa com a complacência do treinador Tim.

Em um amistoso em Aracaju, à noite, o time atrasou na saída para o estádio, porque os jogadores não desciam para a recepção, envolvidos que estavam num jogo de cacheta.

Os quartos conjugados do hotel, davam passagem para reunir o maior número possível de atletas em volta de um colchão, onde as apostas corriam soltas. Alguns perderam o prêmio da conquista do Campeonato Carioca nesta viagem.

Após a partida, Tim liberou o grupo até o café da manhã.

Todos sem exceção foram para um bordel, que fecharam como se privado fosse. Houve quem dançasse tango, alguns transaram e outros apenas beberam.

Um deles deu volta olímpica no interior do bordel, nu em pêlo, enquanto duas “senhoras” se atracavam no quarto de onde ele saiu.

O craque afirmava que elas estavam brigando por causa dele.

Finalmente, todos conseguiram voltar ao hotel a tempo de arrumar as malas e tomar o café da manhã, fazer o check-out e seguir para o aeroporto.

Em pleno voo, os grupos de cacheta se formavam envolvendo assentos, obstruindo o serviço de bordo e o livre trânsito no interior da aeronave, causando constrangimento a passageiros e aos comissários de bordo.

O presidente João Silva teve que intervir, proibindo de vez a jogatina.

Vinte e quatro horas depois tudo, voltou à rotina em São Januário, exceto pela gonorréia que alguns jogadores trouxeram de lembrança do nordeste.

Colocados em quarentena pelo departamento médico, desfalcaram o time no jogo seguinte.

(Torneio Roberto Gomes Pedrosa, 1970)

 

Wilson Gottardo

O DONO DA ÁREA

Em setembro de 2018, a equipe do Museu encontrou Wilson Gottardo para relembrar as glórias do zagueirão vestindo a camisa do alvinegro em um papo divertidíssimo em General Severiano. Como as histórias da fera vão muito além do Botafogo, retomamos o contato e marcamos um papo com o defensor, que passou por dez clubes, sempre com serenidade e boa colocação.

Tudo bem que foi no Botafogo que o zagueiro deu fim ao jejum de 21 anos sem títulos do clube, após conquistar o Campeonato Carioca de 1989 fazendo dupla com Mauro Galvão. Contudo, no seu vitorioso currículo constam ainda os seguintes títulos: Campeonato Carioca, Campeonato Mineiro, Campeonato Pernambucano, Campeonato Brasileiro, Recopa, Libertadores e muito mais!

Vale ressaltar, no entanto, que Gottardo nem sempre foi zagueiro. Nas divisões de base do União Barbarense, onde tudo começou, a fera teve que se desdobrar para dar os primeiros passos no futebol:

– Meu trabalho de base foi em várias posições. Era uma espécie de coringa e fui pegando o macete de cada uma delas! – não por acaso, no fim da carreira, teve a oportunidade de jogar de volante no Sport e não decepcionou.

Após o pontapé inicial no UnIão Barberense, foi tentar a sorte no Guarani e o desempenho agradou a comissão técnica e a torcida. Ao longo do papo, Gottardo revelou qual é o seu tempo passatempo preferido durante a quarentena:

– Unico lado bom da pandemia é que estão repetindo jogos do passado e dá para assimilar vários conceitos e estratégia.

Assista ao vídeo acima para saber tudo sobre a carreira de Wilson Gottardo!

DA LAMA À GRAMA: UMA VIAGEM PELA TERCEIRA DIVISÃO

por André Luiz Pereira Nunes

“A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakesperiana”, escreveu Nelson Rodrigues. 

O Campeonato Estadual da Terceira Divisão do Rio de Janeiro, hoje cognominado Série B2, é um verdadeiro celeiro de craques do futebol brasileiro e internacional. O artilheiro do recente Campeonato Estadual, João Carlos, do Volta Redonda, despontou no Arraial do Cabo, agremiação criada e presidida pelo saudoso ex-árbitro e dirigente Walquir Pimentel. O habilidoso atacante Pedro, do Flamengo, foi revelado pelo Duquecaxiense, antes de se transferir para o Fluminense. Uma outra histórica revelação é a do meia Válber, surgido no Tomazinho, o qual posteriormente se consagraria por clubes como São Cristóvão, São Paulo, Vasco, Fluminense, Seleção Brasileira e outros. O modesto Barcelona, de Jacarepaguá, pode não ter um histórico de títulos em seu pavilhão, mas revelou o zagueiro Thiago Silva, o qual chegou ao Fluminense e Seleção Brasileira. 


A vida, contudo, nem sempre é gratificante para quem atua no submundo do futebol fluminense. Os atletas costumeiramente não recebem salários, mas se dispõem a jogar na tentativa de serem notados para que consigam galgar o que pouquíssimos alcançaram: o sucesso em suas carreiras. A tarefa é árdua, pois além da incipiente cobertura da imprensa, falta apoio por parte da Federação de Futebol do Rio. A ausência de médicos e ambulâncias nas partidas, fato que inviabiliza totalmente a realização das mesmas, a ausência de sinal de internet, água, portas e lavatórios nos banheiros e até marcações no campo feitas com farinha de trigo já são cenas conhecidas no conturbado cenário da terceirona fluminense.

Não obstante, Da lama à grama, do estreante Kléber Monteiro, retrata a atmosfera inusitada e ao mesmo tempo lúdica desse universo bizarro e apaixonante cujos protagonistas são heróis invisíveis. O autor percorre diversos estádios em várias cidades, algumas bem longínquas, como Cardoso Moreira, no norte fluminense, na tentativa de dissecar todas as nuances do meio. Não faltam cenas cômicas e bizarras para que o sarcasmo e o bom-humor destilem e prevaleçam em uma crônica permeada de impressões e reflexões, às quais não se restringem apenas à realidade futebolística, mas se estendem à própria vida. Cada capítulo percorre um jogo por rodada da competição, retratando dramas, conquistas, tristezas e alegrias. A obra nos ensina que esses certames merecem ser vistos além da superfície com a qual a maioria está habituada. Até a capa é bastante emblemática. Porém, uma coisa é certa. O cenário é tão complexo que nem tudo, em se tratando de uma terceira divisão, pode ser contado. 


Não faltam referências às históricas agremiações, algumas centenárias como Mesquita, Queimados e Mageense, e outras insólitas como Barcelona e Juventus, que tentam sem sucesso capitalizar o êxito de suas inspirações européias. O autor ainda discorre acerca das dificuldades em obter informações sobre estádios e clubes, observando que a falta de interesse e apoio acerca das competições menores é predominante ainda que estejamos em um país que respira futebol. 

Todavia, fica claro que mesmo nesse meio de grandes dificuldades há uma riqueza histórica e humana que são incomensuráveis. A falta de incentivo, visibilidade e patrocínios não impede a bola de rolar. Da lama à grama é uma ode ao futebol-raiz e leitura obrigatória àqueles que realmente apreciam o velho e verdadeiro esporte bretão. 

Como já dizia o sociólogo inglês David Goldblatt: 

“nenhuma história do mundo moderno é completa sem levar em conta o futebol.”