E O PONTA ESQUERDA ERA UM TAL DE BIGODE
por Marcio Aurelio Carneiro
(Foto: Custodio Coimbra)
Fomos convidados, um time amador aqui de Barra Mansa-RJ, um dos muitos que existiam na época, para jogar um torneio em Cabuçu-RJ. Daqueles torneios que era no modelo antigo do um contra um e quem ganhasse levava o troféu.
Dois ônibus lotados com a torcida e nós peladeiros que íamos no bolo. Nosso jogo era o principal da tarde ensolarada de Domingo, jogaríamos contra o time principal da localidade. Chegamos depois de 100km e moídos pelo desconforto do buzú, que pelo preço contratado, foi mesmo o que deu pra arranjar.
Chegamos meio em cima da hora e fomos logo trocar de roupa atrás do gol oferecido, campo precário, muita torcida da casa e um “fumacê” suspeitíssimo. Entramos em campo primeiro, sem a menor saudação dos presentes, normal!!
Logo em seguida entrou nosso adversário com um reluzente uniforme laranja a lá Holanda. Juizão com um comportamento cambaleante, disse que não iria tolerar violência. Tudo certo pra bola rolar, eu na lateral direita, tipo Orlando Lelé, esbravejava pra tentar intimidar o ponta esquerda que tinha um aspecto estranho.
Antes da bola rolar, constatei que o tal atacante era um sapatão, que atendia pelo apelido de Bigode, e era meio xodó da torcida, pensa! Primeira bola que ele veio de graça, mandei-o pra fora do campo com bola e tudo. Foi o bastante pra levar um cartão e uma cusparada da torcida. Lembro que meu capitão pediu pra eu aliviar que o lugar era perigoso.
Bigode se empolgou e vinha cheio de pedaladas, dei no meio de novo e o tempo fechou…me lembro de corrermos pro ônibus e os dois pneus da frente estarem furados.
Graças a valentia dos PM’s que assistiam o jogo, sobrevivi pra contar.
O BRASILEIRÃO SERÁ ESQUISITO
:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::
Discussões, debates, análises, esqueçam-se disso tudo quando se trata do amor da torcida pelo seu escudo. O torcedor pode esculhambar o seu clube de coração durante todo o campeonato, reclamar do meio-campo lento e até pedir a demissão do técnico, mas basta o time conquistar o título e a zoação com os adversários é imediata. E isso não pode acabar nunca, mas quando analisamos friamente não temos dúvidas em afirmar que o jogo Palmeiras x Corinthians foi um show de horrores e que o campeonato paulista de 2020 deveria ficar sem campeão. Já elogiei o trabalho de Vanderlei Luxemburgo e Tiago Nunes, mas os dois foram extremamente covardes, retranqueiros e nos proporcionaram o que de pior o futebol pode nos oferecer.
E para piorar o cenário tenebroso, Luxemburgo ainda foi citar o português Jorge Jesus, como se esse título paulista, pífio, magro e feio, o credenciasse para isso. Jorge Jesus realmente não inventou a roda, mas fez a roda girar, remou contra a maré, apostou no jogo ofensivo, uma tradição do futebol brasileiro. Claro que qualquer técnico pode fazer isso, mas qual faz? Jorge Jesus caiu no gosto do torcedor por transmitir emoção. Se era marketing ficar andando de um lado para o outro, gritando e gesticulando enquanto a partida rolava, não importa. O torcedor brasileiro gosta de personagens. Não por acaso Jorge Sampaoli tem a simpatia dos jogadores e da galera. Ambos são eficientes e passam emoção.
O que mais me chamou a atenção no estilo de Domènec Torrent foi seu bloquinho. Já já a torcida vai compará-lo a Joel Santana e sua prancheta! Claro que o Flamengo vai subir de produção, mas não dá para os comentaristas desmerecerem a vitória do Atlético alegando que o rubro-negro estava há 20 dias sem jogar. O time mineiro atua junto há pouquíssimo tempo e o entrosamento deve ser levado em consideração. Mas a grande verdade é que esse Brasileirão vai ser esquisito. Já teve partida suspensa por conta de jogadores contaminados pelo covid-19 e as arquibancadas seguirão com torcedores imaginários.
Buscar inspiração será uma tarefa árdua. Não consigo prever um favorito. Minhas apostas como técnicos não deslancharam e até Roger decepcionou no Bahia, outro torneio que deveria terminar sem vencedor, devido ao baixíssimo nível técnico. A prova disso, sem querer desmerecê-lo, é Magno Alves, do Atlético de Alagoinhas, aos 44 anos, eu falei 44, fez gol na decisão do campeonato baiano. E jogou a partida toda! Futebol é futebol, quem sabe, sabe. Isso é um bom incentivo para Nenê e D´Alessandro, que já já chegam aos 40 anos. Não tem esse papo de futebol moderno, antigo, queremos é um futebol bem jogado, mesmo que seja pela beirinha, jogadores flutuando, marcação alta no último terço do campo, com gol acertando a cara da bola, que vá parar na bochecha da rede, do jeitinho que os comentaristas “modernos” mais desejam.
GANHAR E PERDER
por Paulo Roberto Melo
Aquele Vasco e Flamengo de abril de 1986 tinha todos os ingredientes para ser diferente. Não pelo jogo em si e o que ele representava, a final da Taça Guanabara daquele ano. Gosto de lembrar que até meados da década de 90, ganhar a Taça Guanabara tinha realmente um sabor de título para as torcidas do Rio de Janeiro. Portanto, era mais um jogo em que os rivais históricos decidiriam umtítulo.
A diferença daquele Vasco e Flamengo estava nos personagens. Dentro de campo, dois jovens despontavam como candidatos a ídolos dos dois times, dividindo a paixão de suas torcidas, acostumadas a venerar Roberto Dinamite e Zico. Esses dois jovens eram Romário e Bebeto. Artilheiros cheios de talento, campeões pelas seleções de base e um futuro brilhante, que seria coroado pelos gritos de Galvão Bueno, na Copa dos Estados Unidos: “É tetra! É tetra!”
Fora de campo, os personagens éramos meu irmão mais velho e eu. Por conta de um casamento terminado, meu irmão havia voltado a morar conosco e tentava se adaptar à rotina de ex-casado vivendo na casa dos pais. Parte dessa rotina era voltar a frequentar o Maracanã. Por isso, ficara acertado que iríamos àquela final da Taça Guanabara de 1986, entre Vasco e Flamengo.
O interessante é que naquela semana que antecedeu o jogo, minhas lembranças recuaram nove anos no passado. Eu, com onze anos, era louco para ver no Maracanãzinho um evento chamado Disney on Parade. Era um desfile dos principais personagens da Disney, que povoavam minha imaginação. Pois bem, naquele ano de 1977, meu irmão prometeu me levar ao tão sonhado desfile.
Então, numa noite de quarta-feira, lá fomos nós rumo ao Maracanãzinho, encontrar Mickey, Pateta e cia. Quando chegamos à bilheteria do ginásio, a decepção: os ingressos haviam se esgotado. Meu desapontamento foi grande. Não ver o Disney on Parade naquele ano, significava ter que torcer para que no ano seguinte eles viessem de novo ao país, o que não era uma certeza. Vendo minha tristeza, meu irmão sacou um plano B:
– Vamos ao Maracanã! Estão jogando hoje Flamengo e Internacional!
Criado em sólidas bases vascaínas, estranhei a solução apresentada e exclamei:
– Vamos ver jogo do Flamengo?!
Foi então que ele explicou, tentando me convencer, que muitas vezes ele, meu outro irmão e um grupo de amigos iam ao Maracanã ver jogos do Fluminense, apenas para ver o Rivelino jogar. E veríamos naquela noite, jogadores como Zico, Carpegiani, Júnior, Falcão, Batista e outros. Como o apelo do Maracanã sempre foi muito forte para mim, aceitei, e trocamos os bonecos da Disney, pelo desfile dos craques que jogavam no Brasil. O jogo foi um amistoso e o placar final de 1×1 refletiu o equilíbrio dos dois elencos. Um detalhe foi marcante para mim: pela primeira vez eu vi um gol do Zico!
Voltando a 1986. Aquele Vasco e Flamengo foi tenso, como, afinal, todos o são. Meu irmão e eu estávamos na arquibancada atrás do gol, no local ocupado pela Força Jovem. E víamos um Vasco excessivamente recuado, confiando nos contra ataques puxados por Mauricinho e Romário. O primeiro tempo acabou 0x0, e meu irmão consumiu um maço de cigarros inteiro, tal o nervosismo em que se encontrava.
Logo no começo do segundo tempo, o lateral Paulo Roberto bateu uma falta, cruzando para a área. Muitos jogadores dos dois times disputaram a bola, mas ela sobrou para Romário, que fazendo jus à alcunha de “gênio da grande área”, chutou de bate-pronto e fez 1×0. Festa de três personagens daquele jogo: Romário, meu irmão e eu.
O outro personagem, Bebeto, passou a tentar de tudo buscando o empate. Deslocava-se por todos os lados do campo, chutava de todas as distâncias, dava passes, mas de nada adiantou. Quase no final do jogo, Mazinho deu um chutão pra afastar o perigo da área do Vasco e encontrou o rápido Mauricinho, que puxou o contra ataque e lançou Romário. O craque tocou na saída do goleiro Zé Carlos e decretou a vitória do Vasco: 2×0! Explosão de alegria na arquibancada! Meu irmão, que já havia devorado outro maço de cigarro, me abraçou e juntos éramos a expressão da felicidade naquele domingo de abril de 1986.
Nove anos separaram os dois episódios que narrei neste texto. Episódios de vitória e derrota.
Perdi o Disney on Parade, mas ganhei, ao ver grandes craques de Flamengo e Internacional, naquele Maracanã de 1977. No ano seguinte, vi o desfile no Maracanãzinho, levado por uma prima.
Como vascaíno, ganhei um título sobre o Flamengo, naquele Maracanã de 1986. Ganhei, vendo um Romário jovem, imbatível na corrida e mortal nos arremates.
Meu irmão não namorava; casava. Logo, foi um homem de muitos casamentos desfeitos. A cada término acontecia uma volta pra casa. Dessa forma, tenho a sensação de que ele entrou e saiu da minha vida diversas vezes. Era como se eu o ganhasse e o perdesse constantemente. Como a bola que vai e vem numa partidade futebol.
No jogo da vida, eu o perdi em 2014, quando um câncer o levou. Por outro lado, desde então o ganhei para sempre junto a mim, pois ficou comigo seu carinho, sua amizade e uma saudade que às vezes teima em doer.
ROMÁRIO E A COPA DO MUNDO DE 2002
por Luis Filipe Chateaubriand
Passados quase 20 anos, a dúvida ainda persiste: afinal, por que Romário não foi convocado para a Copa do Mundo de 2002?
A resposta me parece muito mais prosaica do que muitos imaginam: meu xará Luiz Felipe Scolari não contava com Romário para ser titular e, se o colocasse na reserva, temia que o Baixinho tumultuasse o ambiente.
Parece claro que meu xará queria o trio ofensivo composto por Rivaldo e pelos dois Ronaldos.
Confiava na recuperação clínica do Fenômeno para tal.
Não passava pela cabeça do Felipão ter um quarteto ofensivo, formado por Rivaldo, Romário e os dois Ronaldos, no time titular – na visão do treinador, tal quarteto desequilibraria a escalação.
Então, se convocasse Romário, seu destino seria o banco de reservas.
E aí, o problema: Scolari temeu que Romário, jogador de forte personalidade, não aceitasse a reserva, criasse conflitos, desunisse o grupo.
Preferiu não correr esse risco.
Este signatário acha que seu xará agiu erradamente.
Mas o quê importa?
Ganhamos o título, e o trio Rivaldo e Ronaldos deu “banho de bola’.
Valeu, Felipão!
Hoje, você é superado.
Naquela época, foi muito bem.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA DELEY
por Marcos Vinicius Cabral
Na noite de 11 de dezembro de 1983, com o testemunho de 83 mil pessoas, Wanderley Alves de Oliveira, o Deley, filho de Seu Sebastião, um metalúrgico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, mostrou que era mais do que um ‘operário’ da bola.
Não que isso fosse um demérito.
Mas, depois de fazer parte do ‘timinho’ do Fluminense, campeão Carioca de 1980, o ‘operário’ Deley virou um dos protagonistas do escrete tricolor que conquistou o tri carioca de 83, 84 e 85, além do Campeonato Brasileiro de 1984.
As imagens do lance que originou o gol de Assis, aos 45 minutos do segundo tempo daquele Fla x Flu de 83 estão eternizadas nas retinas de todos os tricolores, vivos ou mortos.
Apesar de naquela noite, Assis ter se consagrado e dado o primeiro passo para se transformar no ‘carrasco’ do rubro negro, foi o ‘operário’ Deley que consolidou seu ‘reinado’ nas Laranjeiras.
E conta a história, que tudo podia ter sido diferente.
Com 12 anos, Deley treinava na escolinha da CSN, quando Jaime Valente, professor de uma universidade de Volta Redonda, levou Deley e outros quatros meninos para treinarem no Flamengo.
Oficialmente não se sabe porque Deley não ficou.
Mas os deuses do futebol explicam.
É que, quatro anos depois, em 1976, a ‘Máquina’ do Fluminense com Gil, Carlos Alberto Pintinho, Rivelino e Paulo Cezar Caju, entre outros, foi à Cidade do Aço enfrentar o Volta Redonda.
Na preliminar, se enfrentaram Barra Mansa e Comercial, pelo Campeonato Amador do estado do Rio, e Deley, então com 16 anos, com a camisa do Barra Mansa, encantou os craques da ‘Máquina’, que o indicaram para o dirigentes tricolores como um discípulo de Gerson, o ‘Canhotinha de Ouro’.
Conciliando o futebol com os estudos, Deley começou a aparecer para a torcida tricolor no ‘timinho’ do Fluminense de 1980 que desbancou Flamengo, Botafogo e Vasco, com quem decidiu o título e se tornou campeão Carioca.
Nessas coincidências que o mundo da bola proporciona, em dezembro daquele ano ‘nascia’ o ídolo Deley e morria outro, o escritor Nelson Rodrigues, não sem antes presenciar o inesquecível camisa 8 conquistar o título estadual.
Na série Vozes da Bola, que comemora o Dia Nacional do Futebol, o Museu da Pelada traz um pouco da história do nosso quarto personagem, craque inesquecível, que além do Tricolor jogou pelo Palmeiras, Botafogo, Volta Redonda e times de Portugal.
Deley, quando você decidiu que ia ser jogador de futebol?
Meu pai era funcionário da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), aqui em volta Redonda. Começou como servente, mas sabia que para ascender na empresa e poder dar mais conforto a família teria que estudar. Eu tenho um irmão com paralisia infantil e meu pai fez cursos, se formou em Contabilidade, e foi promovido a chefe de seção. E como a maioria de filhos de operários, naquela época a gente se enxergava seguindo a trajetória do pai. Eu já me enxergava como alguém que ia trabalhar na CSN.
E o que houve para mudar seu destino?
Eu, como filho de funcionário, treinava no campo da CSN, na escolinha do professor Irlei, e o Jaime Valente, que era professor de uma universidade de Volta Redonda, selecionou eu e mais quatro garotos para participar de um treino na Gávea, no Rio. Foi minha primeira viagem ao Rio e assisti Zico e Geraldo treinando. Minhas pernas tremeram para burro. Isso foi em 1972, e continuei atuando em times amadores de Volta Redonda. Até que em 1976, quatro anos depois, o Fluminense de Pintinho, Gil, Rivellino e Paulo Cezar Caju, a ‘Máquina Tricolor’, veio enfrentar o Volta Redonda aqui e eu joguei na preliminar entre Barra Mansa e Comercial. Foi uma noite inesquecível. Eles me viram jogar e me indicaram para o técnico. Chegando nas Laranjeiras, tive a oportunidade de ser treinado pelo Pinheiro, que me ajudou muito.
Então, aos 12 anos você treinou na Gávea, e se encantou com Zico e Geraldo. Anos depois, em 1980, no seu primeiro Fla-Flu, e nos seguintes da década de 80, você participou de jogos memoráveis. Enfrentar o Flamengo era especial?
Sem dúvida. Na verdade, no meu primeiro Fla-Flu, em 1980, entrei no lugar do zagueiro Tadeu. Naquele ano eu havia sido efetivado pelo Nelsinho, porque o Pintinho havia ido para o Vasco. E moleque novo, entrando naquela onda de que o Zico ‘pipocava’, uma tremenda imbecilidade. Mas foi bem feito, porque acabei tendo a resposta do que deve ser o futebol. Tomei um chapéu com mais de 100 mil pessoas assistindo, mas depois me recuperei, pois aquilo me irritou e me incentivou a apenas jogar bola. Joguei outros Fla-Flus naquela década. Em 1985, quando fomos campeões no final, antes teve aquele jogo do gol do Leandro. Ali não era questão de marcar ou não. Foi uma escolha que eu fiz. Num rebote de uma bola alçada na área, a segunda bola sempre era minha e quando percebi que era o Leandro, jogador habilidoso, eu imaginei que ele fosse tentar me driblar. Naquele lance, eu lembro que já havia olhado para o placar do Maracanã e minha ideia era, sei lá, dar um abraço nele e o jogo terminaria. Quando ele ameaçou chutar (o gramado do Maracanã não era tão bom naquela época), eu nunca imaginei que ele fosse acertar aquele chute. Foi doído. Fui dormir às 4h da manhã, mas no final deu tudo certo e a gente conseguiu ser tricampeão.
Diz o ditado popular que “a primeira vez a gente nunca esquece”. Você também não deve esquecer o título do Campeonato Carioca de 1980. Quais suas lembranças daquela conquista?
A minha lembrança é o Zagallo indo para o Vasco. A gente começando a treinar e se preparar para aquele Campeonato Carioca. O Fluminense era o ‘patinho feio’ do Rio. A primeira força era aquela equipe espetacular do Flamengo; a segunda era o Vasco e a terceira o Botafogo. Mas, o Nelsinho chegou e teve a entrada do Cláudio Adão, o Gilberto cresceu enormemente dentro do campeonato, e isso foi importante para a gente. O time era basicamente de jogadores formados dentro do Fluminense, com exceções do Gilberto e do Adão; e como era a primeira vez, a gente nunca esqueceu. Está guardado na memória e para o resto da vida.
Os tricolores até hoje não esquecem o seu passe magistral para Assis no Fla-Flu que decidiu o campeonato estadual de 1983. Quais as recordações daquele jogo?
Por causa daquele gol, até hoje sou parado nas ruas. Eu brincava muito com o Assis sobre isso e ele foi um dos poucos amigos que fiz no futebol. Dá para contar nos dedos os que tive. Eu o zoava, dizendo: “Assis, avisa lá que 80% do gol foi meu” (risos). Mas realmente foi um momento fantástico e a lembrança que eu tenho é a minha preocupação da torcida invadir o campo para abraçar o Assis. Mas quando ela (a torcida) invadiu, alguns foram abraçá-lo e outros me abraçaram. E tiraram uma foto minha sentado no momento que eu vi o (árbitro) Arnaldo indo embora. Eu estava preocupado com a saída de bola e ali, sentei. Ia ser entrevistado pelo Raul Quadros e disse que aquilo ali “havia sido escrito há seis mil anos atrás”, que me veio à cabeça, essa profecia do Nelson Rodrigues.
Quem é o maior ídolo do Fluminense, na sua opinião?
Acho que o maior ídolo do Fluminense é o Castilho, por toda sua trajetória, sua história. Evidentemente, o clube tem vários ídolos, mas ninguém teve uma identificação tão forte como ele e não vejo outro maior.
Podemos dizer que o time tricampeão Estadual e Brasileiro em 84 era uma outra ‘Máquina Tricolor’, como foi o time de Rivellino e Cia.?
Eu, particularmente, acho que a ‘Máquina’ só tinha ‘artistas’. Não que o time da minha época não tivesse, tanto que vários jogadores chegaram à Seleção, mas realmente a ‘Máquina’ deveria ter tido um resultado melhor em termos nacionais. Até porque, aquele time era uma verdadeira Seleção Brasileira. Era uma coisa tipo, como ir numa peça de teatro. Já o time em que joguei não. Era mais pragmático, com um outro tipo de jogo e que teve seus méritos, e era fantástico vê-lo jogar, também.
Pelo tricolor, você conquistou os Estaduais de 83, 84, 85, além do Campeonato Brasileiro de 84. Como foi fazer parte daquele grupo vitorioso?
Foi um momento mágico. Acho que talvez tenha sido o maior momento da minha carreira, já que era o único remanescente de 80. Nesse time tinha o Paulo Vitor e o Aldo, que haviam chegado depois, e eu era a cria mais antiga do Fluminense, onde cheguei em 76. Então, foi o momento único de uma equipe, grande equipe melhor dizendo, que era muito difícil perder, e aqueles campeonatos foram conquistas importantíssimas. Foi o meu melhor período jogando futebol.
Após se sagrar campeão Brasileiro de 1984, você, Jandir, Assis e Tato, seus companheiros de Fluminense, vestiram a camisa da Seleção na vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai. Na sua opinião, o que faltou para vocês se firmarem na Seleção?
No meu caso, particularmente, não houve impedimento, pois vivi momentos fantásticos. Foram quatro anos, de 83 a 87, espetaculares. Engraçado que, eu me lembro quando nós fomos tricampeões, eu viajei de carro com Ricardo Gomes para a Bahia, e um dia lá em Porto Seguro, eu consegui achar um rapaz, que anos depois eu reencontraria. Ele, lendo o jornal O Globo, e na época, o Zagallo, então treinador, dizia numa entrevista, que o único garantido em seu meio campo era eu. Mas aí houve uma engenharia na época, entrou o Otávio Pinto Guimarães na presidência da CBF, e trouxe o Telê Santana, que quis prestigiar alguns jogadores da Copa passada, a de 82. No meu entendimento, eram espetaculares, mas alguns deles, não tinham o mesmo rendimento. Eu vejo que havia outros bons jogadores para a Seleção Brasileira de 86, como eu, Arturzinho e outros tantos. Mas faz parte da vida e não tenho nenhum trauma por isso.
Você em 1987, se transferiu para o Palmeiras, onde fez apenas 23 jogos, sofreu uma lesão no olho e passou por problemas pessoais. O que houve?
Minha passagem pelo Palmeiras foi muito complicada. Na verdade, eu não tive problema na vista, eu tive uma inflamação no cérebro, em que os pontos inflamatórios afetaram o meu equilíbrio, atacando minha visão e que demorou a ser descoberto. Eu fiz vários exames e só quando consegui achar um neurologista, que era na época o ‘bam bam bam’ em São Paulo, e que pediu uma ressonância, foi que me recuperei. Mas realmente, foi muito traumático, porque estava vivendo um momento fantástico. E mesmo assim, tendo feito poucas partidas, eu me lembro que quando saí do Palmeiras para ir para o Botafogo, os torcedores me pediram muito para que eu não saísse. Com todas dificuldades que tive, foi uma passagem que poderia ter sido melhor, mas essa doença me atrapalhou dali até o restante da minha carreira.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?
São inúmeras. Outro dia tive a chance de ver algumas fotografias antigas da geral e pensei em vários momentos que vivi no estádio. As melhores lembranças são de quando nós jogávamos no juvenil e no primeiro tempo já tinha 30, 40, 50 mil pagantes, que faziam questão de ver o nosso time jogar, que era uma ‘Maquininha Tricolor’. Então, era muito legal a gente fazer a preliminar e perceber o estádio enchendo aos poucos.
No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Deley?
O futebol representou muito para mim. Eu, um garoto do interior, o futebol abriu oportunidades e me deu chances de viver muitas coisas na vida. Socialmente, quem vem de camadas mais humildes, através do futebol, tem a oportunidade de viver momentos maravilhosos, de conviver, de aprender. E, eu encontrei não só pessoas da área do futebol, mas da cultura, da política. Então, tem muito a ver com a minha formação pessoal. O futebol me oportunizou chegar aonde eu cheguei, ter sido secretário de Esportes aqui em Volta Redonda, ter deixado vários legados aqui na cidade e ser deputado federal. Não sei, se sem o futebol eu teria feito tudo isso. Assim como fez o argentino naturalizado espanhol Di Stéfano, que ergueu um monumento de uma bola no jardim de sua casa, agradecendo a ela por tudo, eu tenho muito que agradecer ao futebol.
Em 1988 houve uma greve na CSN, quando o Exército invadiu e três operários foram mortos. Seu pai trabalhava lá naquela época? E você, como lembra daquele fato?
Na época da greve eu estava jogando em Portugal, mas tinha um entendimento político, já me sentia uma pessoa envolvida com a política. Fiquei muito preocupado com os relatos que recebi, pois era um ambiente muito carregado, que culminou com a invasão do Exército, e resultou na morte de três operários. Mas Volta Redonda sempre foi uma cidade com características de resistência da classe operária. Então, te confesso, foi um momento muito tenso.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Não tem sido fácil para ninguém. É lógico que tem pessoas em situações piores que a minha, mas estou tentando me exercitar quase todos os dias. Mas evidentemente, abismado com tudo que tem acontecido no mundo e no nosso país. Como dizia Nelson Rodrigues, “os idiotas perderam a timidez”. Então, estou vendo um cenário que é a mistura entre a burrice com a ignorância. Mas estou torcendo para que isso passe logo. Estou fazendo um curso, extremamente interessante, de introdução à política, com palestras de ensinamentos de Sócrates, Plutão, Aristóteles. É um negócio muito legal. São várias visões desde aquela época antiga até o período feudal, o republicano e coisas do tipo. Tenho tentado passar o tempo estudando isso e refletindo como posso mudar meu comportamento pós pandemia.
Depois do Palmeiras, você jogou no Beleneses de Portugal, Botafogo, Volta Redonda, América de Três Rios e Volta Redonda, onde encerrou a carreira. Se arrepende de alguma coisa?
Sinceramente sim. Acho inclusive que essa quarentena tem servido para eu fazer uma avaliação da vida e de muitas coisas dentro e fora do futebol. Dentro do futebol, acho que poderia sim, ter sido um profissional melhor. Mas, evidentemente, que só a idade e o amadurecimento fazem você ver algumas coisas. Acho que é um problema de todo jovem, esse sentimento de imortalidade. A gente está vendo isso na própria pandemia, a garotada toda na rua, enfim, realmente, a juventude, ela nos faz ter esse sentimento imortal.
Quem foi o seu melhor treinador?
Não vou falar um só, seria injusto da minha parte. Mas o Nelsinho, Parreira e Ênio Andrade, foram os melhores. O Ênio, com quem trabalhei pouco, foi de um aprendizado muito grande.
Você dirigiu o Fluminense em 1994. Por que desistiu da carreira de treinador?
Fui treinador do Fluminense em 94 e depois fui para o Mogi Mirim, treinei o Volta Redonda e surgiu a oportunidade de trabalhar na Prefeitura de Volta Redonda, como secretário de Esportes. Naquele momento, eu estava com filhos pequenos e já meio sem saco de seguir no futebol, pois te exige muito e uma ausência muito grande em sua casa. Aí, eu preferi ficar mais perto da molecada. Essa vida de treinador, você sabe como é, uma hora você está aqui, outra hora você está lá. Mas foi de boa, foi tranquilo, acabou que em seguida também virei deputado, sem nunca ter imaginado que viraria. A vida da gente, às vezes, toma um caminho que não é aquele que a gente planeja.
Há cinco anos, nas eleições presidenciais no Fluminense, você foi derrotado por Peter Siemsen. Ainda pensa em ser presidente do clube?
Não, não penso mais em ser presidente do Fluminense. Acho inclusive que os clubes vão ter que repensar o lance da pandemia. Eu achava que a única saída era a transformação do clube em empresa ou algo parecido, mas não acredito mais nesse modelo. E naquela época, era um outro momento. Economicamente o país vinha muito bem, e o fato de eu ser deputado, me ajudaria a contribuir e muito para o Fluminense. Eu não tenho dúvidas que o Peter foi um horror, e é um dos piores da história do clube. Acho que eu teria condições sim, de fazer muitas coisas, mas também faz parte da vida, faz parte do jogo. Mas foi, acima de tudo, um momento muito bacana e inclusive fui homenageado no final da eleição. É uma coisa que tenho como um grande momento marcante na minha vida.
O futebol brasileiro parou de produzir aquele camisa 8 clássico, como você, Adílio e Sócrates. A que atribui essa escassez de meias que desequilibravam uma partida?
A falta do camisa 8 no futebol brasileiro é uma coisa que vem acontecendo ao longo do tempo. O nosso futebol vem cometendo erros e o principal é copiar o europeu. Se você olhar para trás, a questão física já aparece na Copa do Mundo da Inglaterra, em 66. Ela tem um hiato na Copa de 70, até porque o Brasil teve quatro meses para se preparar, jogando na altitude e sob um calor enorme. Em 74, quando volta para o ambiente europeu, você tem aquela revolução que foi a Holanda e aí, uma leitura também errada daqueles que dirigiam o futebol brasileiro, que entenderam que a partir dali o futebol era força. O Brasil começa a fugir das suas características, da sua maneira de jogar, e aí aparece esse tal de dois cabeças de área. Hoje, se prova mais uma vez que não funciona e os meias da Europa e nos times modernos de lá, os meias vão e voltam. O De Bruyne, do Manchester City, talvez seja o melhor exemplo disso. Nos últimos tempos, tivemos o Ricardinho e o Ganso, que com problemas no joelho, não foi o jogador que esperávamos que fosse. Mas isso é culpa das categorias de base com os seus tecnocratas que exterminaram esse tipo de jogador, que sempre fez parte da nossa cultura no futebol.
Defina Deley?
Se fosse uma palavra eu diria solidário, talvez generoso, sei lá. Se fosse uma frase maior, a minha melhor definição seria uma do Arturzinho que disse certa vez: “Eu só vi dois jogadores jogarem sem condições físicas: Sócrates e Deley”. Concordo com ele, e acho que realmente não fui um atleta.