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O ARTILHEIRO QUE NÃO SORRIA

por Rafael Casé


“Os dois tinham a mesma idade e origens bem semelhantes. Embora tenham nascido em locais tão distantes, Belém (PA) e Pau Grande (RJ), vinham de famílias pobres e viveram muitas dificuldades na infância. Eram dois sujeitos simples e pacatos, e ambos tinham uma mesma paixão, a bola… Dona Olga, viúva de Quarentinha, adotou o “cunhado”, de quem gostava muito e era também uma grande admiradora.

– Pra mim o maior jogador do mundo foi Garrincha. Era um anjo. Ele e Quarentinha eram como irmãos. Na conquista do primeiro título mundial, de 58, Garrincha quando chegou foi comemorar conosco lá no apartamento da Álvaro Ramos. Quando viemos morar aqui na Ilha, Garrincha vivia aqui em casa. Ele vinha no fogão, mexia nas minhas panelas, se servia ali mesmo, era de casa. Nós tínhamos limoeiros no terreno, Garrincha ia lá atrás, pegava a fruta no pé e fazia a batida dele. Quarentinha ainda falava: “Não sei como você consegue beber uma coisa dessa”. Garrincha, nessa época, só bebia batida mesmo. Depois daquela história da morte do filho dele é que passou a beber conhaque. Já Quarentinha só bebia cerveja, nada mais.

Jorge, filho de Quarentinha, apesar de pequeno, na época, lembra que a garrafa de Garrincha tinha lugar reservado no bar da casa.

– A garrafa de Praianinha (cachaça famosa naqueles tempos) ficava no bar que tinha lá na sala. Era um bar que tinha pés de palito e uma decoração japonesa, ou chinesa, sei lá… A garrafa era só pra ele.

A filha de Quarentinha, Maria Alice, acha graça ao lembrar da maneira inusitada com que Garrincha chamava os filhos do amigo.

– Ele só chamava a gente de 39. Tinha o Quarenta, meu pai, e nós todos éramos 39. Eu, por exemplo, ele só me chamava de “Gringa 39”.


Mané estava sempre por lá. Ia à casa de Quarentinha para fugir da dieta calórica e alcoólica que lhe era imposta por Elza Soares. Ele e Quarentinha saíam juntos e iam até um botequim próximo para beber algo e comer uns petiscos… Nessas idas e vindas entre a Ilha e os treinos, uma vez Quarentinha, Garrincha e outros craques quase tiveram uma aposentadoria forçada, no cemitério… Os campeões da Copa de 58 haviam ganho de presente um Renault Dauphine, e até mesmo o roupeiro e massagista Assis, do Vasco, foi agraciado. Só que, como ele não sabia dirigir, vendeu o Dauphine para Sabará, só que este também não tinha carteira de motorista. Coube a Escurinho, ídolo do Fluminense, guiar para a turma. Escurinho deixava primeiro Sabará no Vasco; depois, Quarentinha e Garrincha no Botafogo e seguia com Clóvis para as Laranjeiras. Na volta pra casa fazia o caminho inverso.

Garrincha vivia enchendo o saco de Sabará, dizendo que o carro era dele e ele é que tinha que dirigir. Depois de tanto ouvir aquela cantilena, um dia o meio-campo vascaíno decidiu tomar coragem. Garrincha, com ares de vitorioso, sorriu.

Só que entre decidir dirigir e dirigir bem, vai uma grande diferença. Era uma barbeiragem atrás da outra. Todos estavam desesperados, menos Garrincha, que dava a maior força para o “piloto” Sabará. Em São Cristóvão, o motorista novato entrou numa rua, onde uma enorme carreta estava atravessada na pista. Nervoso, acelerou ao invés de frear e todos só não morreram porque o carro que era baixinho passou por baixo da carreta, quase ficando sem o teto.

Um guarda, que viu a cena, ligou a sirene de sua moto e foi atrás. Assustado por não ter habilitação, Sabará continuava em alta velocidade. Garrincha, que não parava de rir sugeriu que Quarentinha pusesse a cabeça para fora do carro para o guarda reconhecê-lo.

Quando Sabará conseguiu parar, o guarda se aproximou de arma em punho e mandou que todos descessem. Garrincha tomou a frente, pediu desculpas ao policial e disse que só estavam correndo porque estavam atrasados para o treino. Para surpresa geral, o guarda liberou o grupo, só que desta vez com Escurinho ao volante. Já, Garrincha foi na garupa da moto da polícia, para que chegasse são e salvo, e a tempo, no treino do Botafogo.”

O TALENTO SOBREVIVERÁ

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Essa rodada foi mais uma prova de como os “especialistas das bancadas” enxergam o futebol. Se nos deixarmos levar por grande parte dos comentários, o Flamengo só perdeu para o Ceará porque Gabigol desperdiçou gols, Éverton Ribeiro não estava inspirado e Vitinho correu pouco. Era como se não existisse um time do outro lado. E um time que vem se estruturando ano a ano, que tem uma torcida gigante e apaixonada. Pelo que soube o clube contratou uma consultoria para cuidar da parte financeira e administrativa. Torço para que a diretoria siga firme com esse propósito.

Nota-se essa profissionalização também no Bahia. Mas acho que o presidente pecou por não insistir em Roger e contratar Mano. Alguns “especialistas das bancadas” tiveram a cara de pau em dizer que a contratação de Mano elevou o clube para um patamar superior. Peraí, a história do Bahia precisa ser respeitada! O Bahia já teve ninguém menos do que Evaristo de Macedo como técnico, campeão estadual e brasileiro, em 1988, em um time que tinha os excelentes Bobô, Zé Carlos e Charles, entre outros. Bem, o Bahia de Mano, amargou uma derrota para o Atlético goianiense, com gol do goleiro Jean.

Nessa rodada, o Inter também perdeu e ninguém exaltou a atuação do Goiás, que teve um jogador expulso logo no início da partida. Essa partida mostrou como o Inter é um time previsível. A única forma para tentar furar o bloqueio preparado por Thiago Lhargi foram os manjados “chuveirinhos”. Busquei essa lá no fundo do baú, hein!!! Bloqueio se fura com jogadores talentosos, dribles e improviso, mas estamos carentes de jogadores geniais. E o Palmeiras, de Luxemburgo? Mais um empate acompanhado de um futebol nada vistoso. Mas é importante valorizar o trabalho de Jair Ventura, que deu novo ânimo ao time. A imprensa precisa entender que existem dois times em campo e os dois precisam ser avaliados com isenção. É importante valorizar as vitórias e não ficar buscando resposta para as derrotas.

O acadêmico Paulo Autuori após vários empates perdeu para o Vasco, de Ramon. Tenho torcido para surgirem novos técnicos, mais ousados, e que não falem “posicional” de três em três segundos. O Ramon, como excelente jogador que foi, precisa treinar mais fundamentos, pois esse continua sendo o principal problema, não apenas do Vasco, mas do futebol brasileiro. Por isso, Nenê, que fez dois gols na vitória do Fluminense sobre um Corinthians horroroso, vai jogar até os 100 anos. O talento sobreviverá, apesar dos ultramans, velocistas e robôs, ele sobreviverá.

E SE ELE FOSSE UM VINHO…

por Zé Roberto Padilha


Segundo um renomado sommelier, vinhos comuns são feitos para consumo imediato. Dois, três anos, no máximo. Já os grandes vinhos, de safras excepcionais, estes podem durar a vida inteira. Lia isto na revista de domingo, com os ouvidos na resenha do Sportv e deu para perceber, em uma postagem no Facebook, que Deni Meneses, nosso consagrado comentarista, completava 81 anos.

Era tarde da noite deste domingo, muita informação, precisava diluí-las para dormir melhor. Daí joguei tudo no liquidificador e provei o resultado deste drink midiático que consultava antes de descansar.

Não foi difícil a conclusão. De fácil digestão. Como comentaristas esportivos, Paulo Nunes, Petkovic, Ricardinho e Grafite vão ter as suas ponderações consumidas por, no máximo, dois, três campeonatos brasileiros. São de uma safra de ex-jogadores que, precocemente colhidos nas videiras do mercado, buscam uma oportunidade de serem apreciados em uma taça nobre que vem sendo servida aos torcedores, já há algum tempo, com a leveza dos comentários do Júnior.

Não é fácil alcançar o sabor dos comentários isentos desta lenda rubro-negra que foi colocado na prateleira Global na posição certa, pelo Galvão Bueno. Encontrou a temperatura ideal para maturação, em várias Copas do Mundo, e tem se mantido discreto com seus comentários preservando a luminosidade ideal das adegas do futebol brasileiro que vivem a receber “saborosas revelações”.

Principalmente, para não precipitar o brilho sobre as novas safras colhidas em Xerém, no Ninho do Urubu, na Toca da Raposa, de onde mais empresários gulosos gostariam de negociar, com o mercado europeu, suas uvas ainda imaturas.

E que Deni Menezes, por pertencer a um safra excepcional, que produziu à beira dos gramados tintos do nível de Washington Rodrigues, Kleber Leite, Raul Quadros, João Saldanha e Iata Anderson, ter tido o privilégio de ser engarrafado nos radinhos de pilha ao lado de Waldir Amaral e Jorge Curi, além de servido aos torcedores junto a jornalistas consagrados como Armando Nogueira e Nelson Rodrigues, vai durar a vida toda.

Ao completar 81 anos, se fosse um vinho, Deni Menezes seria um Chateau Lafite Rothschild 1939. Os demais expostos nas prateleiras do Sportv, com todo o respeito, não passariam de um glorioso Galiotto.

Parabéns, amigo. Que Deus lhe conserve em barris de carvalho para que outras gerações, como a minha, possam continuar a provar um só gole da sua sabedoria.

BIRA, O ‘BURRO’ QUE TODOS QUERIAM

por André Felipe de Lima


A torcida do Remo nunca esquecerá Ubiratã Silva do Espírito Santo, ou simplesmente “Bira”. Afinal, é dele a marca de maior artilheiro de uma única edição do campeonato paraense, feito memorável e inigualável até hoje, alcançado em 1979, quando Bira balançou as redes adversárias 32 vezes. O ensaio para a extraordinária marca se deu no estadual do ano anterior, quando Bira marcara 29 gols.

Corpulento, raçudo e trombador. Os três adjetivos correspondem ao perfil de Bira que,com todo o vigor do mundo, fazia dos gols adversários verdadeiras peneiras; e, dos pobres goleiros, vítimas inconsoláveis. Perguntem aos arqueiros que defenderam o Paysandu no final da década de 1970 quem foi Bira.

Quando Bira esteve em campo, os clássicos entre Remo e Paysandu foram memoráveis. Aliás, Bira sempre se confessou uma geleira nos dias em que tinha de enfrentar o rival. A certeza inabalável de que faria gol, permitia-lhe a altivez. 

“Tive a oportunidade de jogar vários clássicos, e entrava em campo tranquilo, porque sabia que ia marcar. Meu melhor gol em Re-Pa foi em 1979, quando entrei no gol com bola e tudo. Foi lendário”. 

Quem tem lá seus 40 anos deve se lembrar do lance: após um contra-ataque fulminante, Bira deixou para trás o zagueirão Paulo Guilherme e atirou um petardo contra as redes do conformado goleiro Carlos Afonso que. sozinho diante da fera, nada pode fazer. Remo dois, Paysandu (que abrira o placar), um. Remo, campeão, Bira, artilheiro e recordista.

O tal Ubiratã Silva do Espírito Santo era assim: impiedoso, sobretudo contra o Paysandu. E não era para menos. Sua história com o rival do Remo não foi amena fora dos gramados.

Quando menino, Bira – que nasceu em Macapá, no dia 22 de setembro de 1979, em uma família com oito irmãos, filhos de Erondino e Joana – era o destaque das peladas que rolavam na Praça Nossa Senhora da Conceição, no bairro do Trem, o famoso Bairro Operário, na Zona Sul de Macapá. 

Tudo, digamos, com o aval da Igreja; afinal,todos os peladeiros frequentavam a paróquia local. Já adolescente, Bira foi parar no Reminho, do mesmo bairro. Ironia ou não, o destino já lhe reservava o manto azul como estandarte. Antes, porém, era preciso começar efetivamente a jogar bola. E fez isso no Esporte Clube Macapá. Como amador, foi campeão do Amapá e do extinto Copão da Amazônia. 

A bola de Bira era cheia. Logo, viria convite dos principais clubes nortistas. Seria a volta por cima do rapaz que, em 1974, foi reprovado em uma peneira pelo treinador Miguel Cecim, da Tuna Luso, retornando desiludido para Macapá. Mas o destino havia reservado o sucesso para o jovem Bira. 

Em 1976, o Paysandu largou na frente e o contratou. Em apenas dez meses no clube, Bira ajudou a conquistar o campeonato paraense daquele ano. No começo de 1977, na primeira fase do inchado campeonato nacional, com 62 clubes, a Confederação Brasileira de Desportos (antiga CBD) identificou indício de mutreta no contratoassinado por Bira com o Paysandu. 


O papel continha rasuras e foi considerado nulo pela CBD. Fulo da vida e sentindo-se enganado pelo cartolas do Paysandu, Bira arrumou as malas e voltou para Macapá. Dez dias depois do bafafá, retornou a Belém, e para jogar bola, para vingar-se da melhor forma, ou seja: defendendo o rival do Paysandu, o Remo, que sempre ambicionou tê-lo no time. 

O Paysandu chiou e tentou melar a negociação de Bira com o Remo. O parangoléparou no tapetão com uma ação do Paysandu. O Remo respondeu acusando o rival de ter escalado um jogador irregular na campanha do título estadual de 1976.

A pendenga rolou uns dez meses, com idas e vinda à CBD até que os dois rivais selaram a paz. O Remo retirou sua ação e pagou 50 mil cruzeiros ao Paysandu, que não mais perturbou Bira. Simplesmente, uma transação inédita na história do futebol: um clube troca um jogador para garantir um título e recebe mais uma grana por isso. 

Ao jornal “Diário do Pará”, Bira declarou certa vez: “Na minha época, o Remo era como uma família. Grande parte do time era local e poucos eram de fora. Eu era um deles”, relembra. “Confiávamos uns nos outros e na diretoria. Nossa confiança era tanta que chegávamos a assinar contrato em branco. A gente só se preocupava em ajudar o Remo”.

Bira foi um incontestável herói azulino. De uma genuína relação de amor entre craque e torcida. Naquele campeonato nacional de 1977, Bira superou a traumática migração do passe para o Remo e mostrou a todos que chegara ao clube para demarcar seu espaço na história do futebol paraense. 

Um jogo, em especial, realizado no dia 13 de novembro, no Baenão, pode ser considerado o marco inicial desse processo. De um lado docampo, o Remo; do outro, o poderoso campeão da Taça Libertadores da América e mineiro, o grande Cruzeiro, treinado pelo carrancudo Yustrich com os cracaços Raul, Nelinho e Joãozinho, em campo. Um timaço! 

Mas o Remo, treinado por Joubert, não estava nem aí para o currículo cruzeirense. Bira meteu três gols e o Cruzeiro saiu de campo humilhada por uma acachapante goleada de 4 a 0.


De “burro”, Bira não tinha nada. Aliás, esse apelido atribuído a ele é injusto. Embora a técnica nunca tenha sido o forte de Bira, compensava a falta dela com fibra e gols, como todo bom centroavante. No melhor estilo “Dadá Maravilha”.

Sobre a origem da inapropriada alcunha, há muitas versões. Uma delas, quando ainda jogava no Remo, Bira confessara a um repórter um desejo; um, não… dois, na verdade: conhecer, inicialmente, Roma e, em seguida, a loba que amamentou (sic) Romeu e Julieta. Pura pilhéria. 

Outra historinha famosa é a do Motoradio, prêmio concedido aos craques dos jogos, de Norte a Sul, pelas rádios transmissoras. Um destes rádios/toca-fitas de carro foi para o Bira que, caridoso, respondeu ao jornalista: “A moto vou dar pro meu pai, e o rádio pra minha mãe”. 

Se a frase surreal foi verdade ou não, Bira nunca confirmou, mas também não desmentiu.

O faro de Dadá Maravilha – Com um sucesso retumbante em Belém, não tardaria para Bira atrair a atenção de olheiros do Sul e Sudeste. O Internacional de Porto Alegre levou a melhor graças a Dario “Dadá Maravilha”, que conhecera Bira no Pará e o achava seu sucessor. Estilo não faltava. 

Grandalhão e desengonçado como Dario e com uma insaciável fome de gols. Bira era um novo Dadá. E foi Dario quem o recomendou ao Inter, em 1979. Pegou o telefone e tocou para Frederico Ballvé, então presidente do Colorado. “Ele joga essa bola toda ou é onda da imprensa?”, perguntou o cartola gaúcho. “Joga, doutor. Contrata que eu assino embaixo”, respondeu Dario. Com o aval do grande Dadá, Bira aportou no Beira-Rio. Mas o começo no Sul não foi fácil.

De setembro de 1979, quando chegou ao Inter, até meados de novembro, Bira disputou apenas quatro jogos.. E o mais incômodo: sem completar 90 minutos em campo. Bateu o pavor. Na estreia contra o Santa Cruz, marcou um gol e quebrou o braço. Na volta, já no mês seguinte, marcou duas vezes contra o Rio Branco (ES) e luxou a clavícula. Na terceira partida, contra o Goytacaz, não marcou gol e deixou o gramado reclamando de dor no braço. Recuperou-se para um jogo contra o São Paulo. Deixou sua marca de artilheiro com um gol, levou um chute no braço já machucado e saiu de campo inconsolável, chorando muito e dizendo que não mais vestiria a camisa nove.

Na manhã do dia seguinte, diante do espelho, constatara o fim da dor no braço. Afinal, a radiografia logo após o jogo contra o time paulista não acusara fratura. Respirava aliviado, o Bira, mas sempre um pouco ressabiado. 

“Isso é ruim. Os caras começam a falar. Parece que eu sou de vidro. Então, dá o desespero. Vou falar com os dirigentes e largar a camisa nove. Não é possível. Só pode ser ela. Está pesando demais, já virou mística”, disse certa vez ao repórter Emanoel Mattos, da revista “Placar”.

Trombador sim, mas sem perder a ternura. Bira mostrava-se sentimental. Às vezes,chorava sozinho, sentado no banco de reservas, com o braço enfaixado após a contusão nos primeiros momentos no Internacional. Agarrou-se à fé religiosa, especialmente em N.S. do Perpétuo Socorro, de quem sempre foi devoto e para quem fazia novena toda semana, em Belém. 

No Sul, recorreu a N.S. de Lourdes, cuja igreja ficava no Morro da Glória. No altar da santa, deixara a camisa nove que julgava “intolerante” com ele e, claro, muitas velas acesas. Ajoelhado, pedia para que a “nove” o aceitasse. Bira, de burro, nunca teve nada.

De burro, Bira nada tinha – Mas havia outro clube entre o Remo e o Inter, até Bira acomodar-se em Porto Alegre. À “Rádio Guaíba”, o centroavante explicou a situação: 

“Cheguei a Porto Alegre com o apelido de Bira Burro. Na verdade, ganhei este lindo (sic) nome porque escolhi vir para o Inter e não para o Flamengo. O Mengo tinha Zico, Adílio, Tita, Júnior, mas eu queria jogar com o Falcão, Mário Sérgio, Valdomiro e ser treinado pelo Ênio Andrade. Disse isso para uma rádio do Rio de Janeiro e os caras começaram a me chamar de ‘Bira Burro’. Nem me importei, porque tinha um medo enorme. Com 23 anos, mal sabia assinar o meu nome e nunca tinha saído de Belém. Imagina, só tinha jogado no Remo e, de repente, todo mundo me queria!”. 

(Pronto, enfim, a verdadeira origem do provocativo apelido!)

— * —

Com um time estelar do Inter, onde figuravam os geniais Batista, Falcão, Jair e Mário Sérgio, Bira fez definitivamente o nome no cenário nacional. Foi peça fundamental na campanha do tricampeonato nacional, em 1979, com um Internacional simplesmente imbatível e, de quebra,levantou um caneco estadual.

Bira tinha um sonho, longínquo mas genuíno, de conhecer Roma. Jogando brilhantemente, acreditava ter vaga na Seleção Brasileira. Uma chance apenas, imaginava Bira. Mas não deu. Uma lesão nos joelhos acabou com suas pretensões. 

“Era artilheiro do Campeonato Brasileiro e,naquele ano, fiz 11 gols. Foi aí que acabei lesionando os dois joelhos e fiquei de fora. Infelizmente, isso é coisa do futebol e fiquei sem vestir a camisa do Brasil”, conformou-se.

A vida não parou. Se não deu na Seleção, o Inter supria essa carência. Foi em Porto Alegre que Bira viu dinheiro. Foi no Colorado que sentiu o peso da camisa, mas também o reconhecimento – em sua conta bancária, do futebol que jogava. 

Os primeiros meses de salário foram o bastante para comprar um confortável apartamento que custava, na época, pouco mais de um milhão de cruzeiros, como narrou à “Rádio Guaíba”: 

“Quando cheguei ao Inter, fiquei apavorado quando recebi meu primeiro salário. Era uma dinheirama incrível. O Falcão veio falar comigo e perguntou o que eu ia fazer com a grana. Respondi que ‘ia gastar, ué’. Falcão me falou supereducadamente que eu precisava de alguém para cuidar de mim. Passou dois dias e me ligou a Dª. Belmira, mãe do Batista, me convidando para almoçar. Durante o almoço, ela começou a fazer um monte de perguntas: ‘Meu filho, quanto tu ganha no Inter?’, ‘O que vai fazer com os bichos por vitória?’, ‘Tu sabe que a vida de jogador é curta?’. Me deu um monte de lição de moral e mandou eu lhe dar toda a grana que eu ganhava”.

“Santa” Mãe do Batista – Enfermeira aposentada, a mãe de Batista tinha fama de superprotetora do filho único. Fez isso com boa parte dos craques do Inter. Bira era um deles. Era Dª. Belmira mandando e Bira respondendo, na dele, sem dar um pio. Dª. Belmira o deixava à míngua. Se a fome vinha, nada de gastança em restaurante, o almoço era na casa da mãe do Batista. A mãe do Batista juntava o dinheiro na conta do chá – nem mais nem menos – para o Bira ir ao treino. Empresária melhor, impossível. O que falava era religião, era mantra. E assim Bira acertou o passo no frio Sul. 


“Um dia, ela escolheu um apartamento para mim e disse: ‘É lá que tu vai morar, Bira. É um lugar que está valorizando. Um bom negócio’. E foi assim que arranjei uma mãe gaúcha. Uma baita mãe. Era dureza, mas eu obedecia”, disse à “Rádio Guaíba”.

Bira teve muito que agradecer à mãe de Batista e ao próprio companheiro de Inter. Além deles, Falcão também o ajudou muito em Porto Alegre. “Não fosse ela (Dª. Belmira), o Falcão e o Batista, eu não teria uma filha advogada e um filho administrador de empresas. Teria jogado tudo fora. É gozado como as coisas acontecem. Depois, eu me machuquei, fui para outros clubes, mas aprendi a me preparar para o futuro”.

Após a grande trajetória no Remo e no Inter, Bira rodou pelo País, passando por vários clubes, dentre eles o Atlético Mineiro, com o qual foi campeão estadual, em 1982. A pedidodo técnico Carlos Alberto Silva, o Galo pagou 20 milhões de cruzeiros pelo passe dele, mesmo tendo no elenco centroavantes como Reinaldo (o titular absoluto) e os reservas Rubão e Fernando Roberto. 

Mas Bira também brilhou no exterior, mas precisamente no mexicano Chivas (Rayadasdel) Guadalajara, onde levantou troféu. Ao retornar ao Brasil, despontou no Náutico onde – apesar de permanecer no clube apenas seis meses – foi campeão pernambucano após dez anos de espera: 

“Essa também foi uma importante conquista para mim. Fiquei apenas seis meses no Náutico, o suficiente para também contribuir”, disse ao GloboEsporte.com.

Bira, que é irmão do ex-lateral-direito Aldo, ídolo do Fluminense nos anos 1980, encerrou a carreira como jogador em 1989, no VilaNova EC, de Castanhal, interior paraense, no qual iniciou imediatamente a trajetória como técnico.

Mas o destino de Bira era mesmo regressar aMacapá. Lá, durante algum tempo, manteve a carreira de treinador com a de Gerente de Projetos Esportivos da Secretaria de Esportes e Lazer do Amapá, e foi superintendente do Estádio Estadual Zerão, em Macapá. Sua mais recente missão: comentarista esportivo no Amapá.

Embora tenha brilhado intensamente no Inter, Bira nunca escondeu sua paixão pelo Remo. “Lógico que ter me tornado campeão brasileiro no Inter foi a maior conquista e me orgulho muito disso. Lá, vivi os melhores momentos da minha vida. Mas no Clube do Remo foi onde vivi o auge, estava jogando muito e marcando muitos gols. Tanto é que até hoje ninguém bateu essa marca que é minha”, declarou ao GloboEsporte.Com. Os paraenses o reverenciam até hoje. 

Em janeiro de 2012, na solenidade que marcou a abertura oficial do Campeonato Paraense de 2012, em sua centésima edição, a Federação Paraense de Futebol (FPF) homenageou Bira, que recebeu um troféu por ter sido o maior artilheiro da história da competição.

Hoje, pela manhã, infelizmente, Bira, que sofria com um câncer, partiu. Vá, Bira, alegrar os times do céu.

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZENON


O destino, involuntário, sempre conduziu a vida do catarinense Zenon de Sousa Farias, hoje com 66 anos. O primeiro sinal disso, e que mudaria pra sempre os caminhos do então moleque, que gostava de jogar bola em campos de várzeas, mas nunca pensara em ser jogador de futebol profissional, aconteceu em 1971. Pois é, para quem pergunta qual o significado do nome Zenon: Zenon significa poderoso e gentil, e deriva do grego antigo.

Na versão polonesa, Zenon corresponde a Zenão. Zenon de Cítio foi um filósofo grego, discípulo de Sócrates da Democracia de Atenas, na Grécia.

Zenon de Sousa Farias foi um craque de bola, contemporâneo e companheiro do Doutor Sócrates na ‘Democracia Corinthiana’.

O destino é f…

Zenon já tinha 17 anos quando foi levado por um ‘olheiro’, para um teste no Grêmio, de Porto Alegre.

Recebeu o ‘não’ de um treinador da base do clube gaúcho e voltou para suas ‘peladas’ em Santa Catarina.

Dias depois foi assistir a um treino do Hercílio Luz, tradicional clube da cidade portuária de Tubarão.

Quis o destino – olha ele aí de novo -, que faltasse um jogador para completar os ’11’ do coletivo.

Zenon foi chamado para sair detrás do gol e entrar em campo, de onde só saiu 20 anos depois, após ‘pendurar as chuteiras’.

Em entrevista para a série ‘Vozes da Bola’, Zenon rememora sua história dentro dos campos, desde sua ascensão e glória no improvável escrete do Guarani de Campinas, campeão brasileiro em 1978; fala sobre uma mágoa com Telê Santana por tê-lo preterido em convocações para as Copas de 82 e 86; destaca sua brilhante passagem pelo Corinthians; e revela uma frustração por não ter jogado no Flamengo ao lado de Andrade, Adílio e Zico.

por Marcos Vinicius Cabral

Por que você apareceu tão tarde para o futebol? Como foi o seu início de carreira?

Minha carreira no futebol só começou quando eu tinha 17 anos, no segundo semestre de 1971, quando eu nem pensava mais em ser jogador de futebol. Estava nas arquibancadas assistindo a um treino do Hercílio Luz, clube da cidade de Tubarão, próximo à Florianópolis, quando me chamaram para completar o time reserva porque faltava um jogador. Depois daquele treino fui convidado para fazer parte da equipe.

Mas, você então já jogava bola, né? Tem a história de que você foi rejeitado no Grêmio. Explica aí essa história. O que aconteceu?

Então, eu tinha 17 anos e já estava ‘velho’ para começar uma carreira de jogador. Mas, no primeiro semestre de 1971, um senhor me viu jogando em times de várzeas, e me convidou para ir treinar no Grêmio, para ficar uns dez dias. Quando cheguei, o treinador demonstrou sua predileção por jogadores robustos, fortes. Eu era magrinho, pesava 50 quilos. Ele me disse: “Olha, você bate bem na bola, tem boa visão de jogo, sabe jogar, mas é muito franzino para o nosso clube”. Foi isso.

Azar do Grêmio, né!? Mas do Hercílio Luz você foi para o Guarani?

Não! O Guarani surgiu na minha vida devido às grandes atuações que tive lá no Avaí, em Florianópolis, para onde fui depois do Hercílio Luz. Cheguei no Avaí em 1972 e fiquei três anos, onde fui bicampeão Catarinense. O Guarani foi o clube que acreditou no meu futebol e negociou com o Avaí a minha compra. Por isso que eu vim para Campinas.

Quem foi sua grande inspiração no futebol?

Eu tive dois ídolos em quem me espelhei muito. Na Copa do Mundo de 70, quando vi Rivellino e Gérson atuarem, busquei me inspirar nos dois e considero que segui um pouco o estilo de cada um.

Camisa 10 do Guarani, campeão brasileiro de 1978, e camisa 10 da ‘Democracia Corinthiana’ no início dos anos 1980. O que representaram os dois clubes em sua carreira?

Guarani e Corinthians representaram muito na minha vida. Ambos me deram uma credibilidade, uma representatividade em termos de me denominar craque de futebol. Até hoje sou lembrado pelos amantes desse esporte, por ter vestido as camisas do Bugre e do Timão.

Suas atuações no Guarani lhe credenciaram a vestir a camisa da Seleção Brasileira. Foram quatro partidas no ano de 1979, inclusive duas válidas pela Copa América. O que faltou para você ter uma continuidade com a ‘Amarelinha’?

Verdade! A primeira partida foi contra o Ajax; depois duas contra a Bolívia, uma contra a Argentina e outra contra o Paraguai, quando fiquei na reserva, lá no estádio Defensores del Chaco, em Assunção. Ou seja, cinco participações na Seleção Brasileira, sendo quatro atuando e uma no banco de reservas. No entanto, não tive mais oportunidades na Seleção Brasileira, porque o técnico que entrou após o (Cláudio) Coutinho, não gostava de mim, simplesmente.

Como assim? O técnico era o Telê Santana!

Na verdade, ele não ia com a minha cara, e até hoje, não sei se foi birra que criou, pois eu contra os times dele, sempre tive grandes atuações. Posso te citar como exemplo, a Libertadores de 79, contra o Palmeiras que ele treinava, e onde fui um dos responsáveis pela a eliminação dele, fazendo um gol na vitória de 4 a 1, no Morumbi, e um dos gols no Brinco de Ouro, quando o Guarani venceu por 2 a 0. Então, acho que ele pegou uma cisma comigo, e em virtude disso, não me levou, tanto em 82 na Espanha, quanto em 86 no México, quando vivia grande fase no Atlético Mineiro.

Em 1980 você teve uma aventura curta pelo futebol árabe, jogando pelo Al Ahli. O que te motivou a ir pata lá? Foi o lado financeiro?


Sem dúvidas. Embora não se pagasse muito naquela época lá fora, eu fui ganhar três vezes mais do que ganhava no Guarani. Mas, foi mais interessante para o Guarani. Eles me comunicaram que seria muito interessante para o clube. Fui com contrato de três anos, mas fiquei apenas um, e aí chegou o presidente (Vicente Matheus) na minha vida, lá na Arábia, e me contratou para jogar no Corinthians.

Ao lado de jogadores como Sócrates, Casagrande, Biro-Biro e Wladimir, você viveu o movimento Democracia Corinthiana – um dos grandes marcos da história do futebol brasileiro. O que isso representou na sua vida?

Vestir o manto corinthiano não é para qualquer um, convenhamos, e sei que todo atleta profissional, sonha em jogar no Timão. Eu tive esse privilégio e acho que fui vitorioso, nesses quatro anos e meio em que vesti aquela camisa. Fui bicampeão estadual, chegamos em duas finais de Brasileiro. Foi uma passagem maravilhosa, memorável e inesquecível, ainda mais por ter participado da Democracia Corinthiana. O Corinthians é tão especial em minha vida, que me colocou novamente na Seleção Brasileira, como camisa 10, com a braçadeira de capitão, em um jogo contra uma Inglaterra, no Maracanã, com quase 100 mil pessoas.

E falando em técnico, quem foi o melhor na sua opinião?

Eu tive vários treinadores excelentes. Desde Jorge Ferreira, um técnico que veio do Rio de Janeiro para treinar o Avaí, muito inteligente e ótimo profissional. Depois, eu tive Mário Travaglini, no Corinthians, que foi excepcional; e Carlos Alberto Silva, que mesmo muito jovem na época, se consagrou no Guarani. Era um treinador de muito diálogo com os atletas e por isso está na lista dos meus três melhores, além de Cláudio Coutinho, que era brilhante.

Em 1986, no Atlético-MG, você foi campeão estadual duas vezes, mas teve problemas com o técnico Telê Santana e acabou saindo. O que houve?

O Telê Santana me perseguia. Eu estava na Seleção Brasileira muito antes dele chegar no grupo de 82, e depois em 86, e simplesmente, ele criou birra comigo. Quando jogava contra o time que ele era treinador, eu fazia sempre gols e jogava muito bem, então, ele criou uma antipatia por mim. No Atlético eu havia sido bicampeão, era capitão do time e quando ele chegou me deixou em terceiro plano. Arrumei minhas malas, pedi a rescisão do contrato, e fui para a Portuguesa de Desportos, em 89.

Você foi um exímio cobrador de faltas. Se considera o maior de todos eles ou teve alguém que batia melhor que você?

Olha, na minha época, nas décadas de 70 e 80, todo clube tinha um grande batedor de faltas. Eu sou considerado um deles, e fico muito feliz. Eu treinava muito, mas muito mesmo, e após os treinos costumava ficar uns 40 minutos cobrando faltas, e às vezes, de forma exaustiva. Infelizmente, hoje não temos grandes batedores de faltas. O melhor que eu vi, acima de mim, de Zico, de Dicá, de Roberto Dinamite, de Mendonça, de Ailton Lira, de Pita, de Juninho Pernambuco, de Marcos Assunção, de Neto, e outros que agora não lembro, chama-se Marcelinho Carioca.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao covid-19?

Essa pandemia tem nos deixado angustiado. Pratico esporte de segunda a domingo, e por aí, você pode imaginar como estou me sentindo. Mas, todos os dias faço meus treininhos para manter, ao menos, a musculatura.

O Maracanã ‘soprou’ 70 velinhas recentemente, de mais um aniversário. Quais são as suas lembranças como jogador no estádio?

Jogar no Maracanã é o sonho de todo atleta de futebol. Entrar e pisar no ‘Templo do Futebol’ é realmente uma coisa de arrepiar. O estádio em si tem muita energia, e eu fiz bons jogos no Maracanã, principalmente em 1978, jogando pelo Guarani, no Campeonato Brasileiro, quando fiz três gols e isso me marcou muito.

E qual foi o gol mas bonito que você marcou nesses 20 anos de carreira?

Os meus gols, sem brincadeira, eram bonitos. Eu não fazia gol feio. Não sabia fazer. Porque sempre chegava de trás, e pegava o rebote da defesa adversária ou em uma cobrança de falta. Num jogo contra o Internacional, em Porto Alegre, eu matei a ‘linha burra’ deles, saindo da minha intermediária e fazendo um gol muito difícil. Se naquela época existisse o Prêmio Puskas, esse gol levaria, por sua feitura, sua inteligência e criatividade, além do improviso. Já os de falta foram dois inesquecíveis: um contra o Santos, em 82, vencemos por 2 a 0; e outro contra o Vasco, no Maracanã.

Qual sua frustração no futebol?


Eu queria ter jogado naquele time do Flamengo que encantava a torcida, jogadores e técnicos. Então, se eu tivesse que escolher um time durante os meus vinte anos de carreira para ter uma passagem, esse time seria o Flamengo. Você já pensou um meio campo com Andrade, Zenon, Adílio e Zico? Seria um quarteto mágico. Mas nunca houve sondagem nenhuma.

O que o futebol representou para o Zenon?

Tudo. Simplesmente tudo. Não imaginava ser atleta profissional de futebol e me tornei um, de muito sucesso, onde conquistei títulos em quase todos os clubes em que passei.

Até hoje você é lembrado pela incomparável habilidade de organizar as jogadas e cobrar faltas, além do bigode que sempre o acompanhou durante a carreira. Do que sente mais saudades da época de jogador?

Eu não sou saudosista. Bato minha bolinha, e dei sequência, quando parei de jogar profissionalmente, na Seleção de Masters do Luciano do Valle, onde disputei quatro Copas do Mundo e em três delas, ganhamos: 89, 91 e 95, no Brasil, Estados Unidos e Áustria, respectivamente.

Defina quem é Zenon?

Genial em campo e fora dele, escolhido por Deus.