O DIA DO ANIMAL
por Luis Filipe Chateaubriand
Naquela quarta-feira, 03 de Dezembro de 1997, Edmundo, o Animal, chegava ao ponto mais alto de sua bem sucedida carreira. Uma atuação de gala, contra o maior rival de seu clube, o Vasco da Gama.
Naquele Vasco da Gama 4 x 1 Flamengo, pelas semifinais do Campeonato Brasileiro, Edmundo só faltou fazer chover.
O Vasco da Gama atuou com: Carlos Germano; Filipe Alvim (Maricá), Alex, Mauro Galvão e César Prates; Nélson, Nasa, Juninho Pernambucano (Moisés) e Ramon; Edmundo e Evair (Fabrício Eduardo).
O Flamengo veio a campo com: Clemer; Leandro Silva, Junior Baiano, Juan e Gilberto; Jamir, Bruno Quadros (Renato Gaúcho), Iranildo (Lê) e Athirson; Lúcio e Sávio.
Naquele dia, Edmundo fez três belíssimos gols, um deles antológico, colocou o Vasco na finalíssima e chegou ao vigésimo nono gol na competição – recorde de gols em uma edição do Campeonato Brasileiro.
No primeiro de seus três gols, por volta de 15 minutos do primeiro tempo, Edmundo recebe a bola na altura do meio de campo, tabela com Ramon na intermediária direita, com incrível velocidade recebe a bola na entrada da área, dribla dois zagueiros e goleiro rubro-negros e toca para o gol vazio. Belíssimo gol.
No segundo de seus três gols, por volta de 10 minutos do segundo tempo, Edmundo recebe lindo lançamento de Juninho Pernambucano do meio de campo e, na entrada direita da grande área, de ombro adianta a bola, tirando goleiro e zagueiro da jogada e tocando, sem ângulo, para o gol vazio. Outro gol sensacional.
No terceiro de seus três gols, por volta de 40 minutos do segundo tempo, recebe a bola no lado esquerdo da grande área e, acossado por dois marcadores, em uma finta de corpo faz menção de ir para a direita, para, com uma letra, jogar a bola para a esquerda, concluir com chute de perna esquerda rasteiro e cruzado e deixar os marcadores absolutamente perplexos e desconjuntados. Inesquecível!
O Flamengo dominou o jogo inteiramente, teve um jogador a mais a partir dos 35 minutos do primeiro tempo (Nelson foi expulso) e, ainda assim, saiu goleado. Óbvio: Edmundo, o Animal, o maior jogador do Mundo em 1997, jogava no rival.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CARECA
Hoje tem marmelada!
Corria o ano de 1960, quando em outubro veio ao mundo um certo Antônio Oliveira Filho, na cidade de Araraquara, interior de São Paulo. O pai, Seu Antônio Oliveira, um santista, era ex-jogador de futebol que chegou a jogar na infância com Dondinho, pai de Pelé. Assim que o filho começou a dar os primeiros passos, seu Oliveira deu uma bola para o garoto e dos 7 aos 15 anos levava o menino para os campos de ‘peladas’ da cidade. Pode se dizer que foi o seu primeiro treinador. Dava gosto de ver o garoto marcando gols nos campos de várzea de Araraquara e correndo para comemorar com os companheiros. Mas, o que poucos entendiam era porque com aquela vasta cabeleireira balançando ao vento, a cada gol os torcedores gritavam: “Careca, Careca!”. Pois é, a história do apelido só ganhou fama e foi esclarecida anos depois, junto com os primeiros sinais de que Antônio surgia como um novo craque do futebol brasileiro, lá pelo final dos anos 70, jogando no Guarani, de Campinas, o Bugre: é que quando criança, enquanto não estava correndo atrás da bola nos campos de várzea, o pequeno Antônio estava ao lado do pai, acompanhado pelo rádio ou pela TV, os programas do palhaço Carequinha (nascido em Rio Bonito, mas morador de São Gonçalo por toda a vida), de quem era fã. Daí, o cabeludo Antônio, virou o Careca, que anos depois virou artista da bola, encantando plateias pelo mundo, como Carequinha fazia com seu circo e sua trupe.
Para isso, Careca começou sua ‘turnê’ por Campinas, a 186,5 quilômetros de casa, onde aos 15 anos conheceu seu primeiro ‘palco’, o Estádio Brinco de Ouro da Princesa. Lá, antes de se tornar o protagonista do espetáculo, teve que dormir por muitas noites de calor e de frio no alojamento dos atletas amadores, sob as arquibancadas de concreto, de onde no futuro receberia os primeiros aplausos do público.
Do concreto, fez seu travesseiro, da laje, o cobertor, e assim, no chamado ‘quartão’, alojamento com 25 beliches, passou a sonhar em um dia vestir a camisa 9 do time principal do Guarani.
E três anos depois o sonho virou realidade, ao ser lançado aos 17 anos na equipe principal do Bugre, pelo treinador Carlos Alberto Silva, num time que tinha ‘feras’ como Zenon, Renato, Capitão, Zé Carlos, entre outros, e que despontava como o ‘azarão’ para disputar o título do Brasileirão de 1978.
E foi o que aconteceu naquela grande noite de 13 de agosto, com todos os 27 mil ingressos da bilheteria vendidos, e transmissão pela TV para todo o país, Careca brilhou durante os 90 minutos do espetáculo e foi aplaudido de pé pela multidão ao marcar o gol do único título brasileiro da história do Guarani.
Depois da consagração daquela noite, o ‘circo’ do futebol levou o ‘astro’ Careca a se apresentar por várias partes do Brasil e do mundo, brilhando em várias ”companhias’ diferentes: São Paulo (onde recebeu a visita do ídolo Carequinha antes da decisão contra o Guarani, pelo Brasileirão de 1986), Napoli (Itália), Seleção Brasileira, Kashiwa Reysol (Japão), Santos, Campinas e São José (RS).
Por tudo que fez pelo futebol brasileiro e mundial, Careca é o terceiro personagem na série ‘Vozes da Bola’, homenagem do ‘Museu da Pelada’ ao Dia Nacional do Futebol (19 de julho).
por Marcos Vinicius Cabral
Como foi o seu início de carreira?
Jogava ‘peladas’ em Araraquara, nas categorias de base dos 7 aos 15 anos. Um amigo do meu pai que era ‘olheiro’ e havia jogado no Guarani, o Creca, me levou para fazer um teste lá. Passei, deu certo e fiquei por lá. Mas o começo de tudo foi lá no ‘rapadão’ do interior, que era mais terra do que grama. Mas, enfim, foi aonde comecei e graças ao apoio do meu pai que me levava nos campinhos de várzea. Profissionalmente eu estreei no final de 1977, contra o Juventus.
Como surgiu o apelido Careca?
O apelido Careca vem do palhaço Carequinha, que eu tive o prazer de conhecer pessoalmente na véspera do jogo da final do Brasileirão entre Guarani e São Paulo, em 1986. Ele ficou sabendo por meio de uma matéria que fizeram comigo, que o apelido Careca surgiu em sua homenagem. Aí, saiu de São Gonçalo e na véspera do jogo, visitou o hotel onde estávamos concentrados aqui em Campinas. Se maquiou todo, se vestiu de palhaço e foi até a porta do meu quarto e fez essa surpresa maravilhosa. Desde os 6 anos, já tinha o apelido de Carequinha, e conforme fui crescendo, me tornei Careca. Mas eu gostava muito dele, ouvia seus programas de rádio e foi um ser humano muito marcante na minha vida.
Quem foi sua grande inspiração no futebol?
Sem sombra de dúvidas foi o Tostão, que acompanhei na Copa de 1970. Comecei a conhecer um pouquinho de futebol com 9 anos, com a Seleção Brasileira. Na minha casa não tinha televisão e eu ia na casa de uma tia assistir aos jogos do Brasil, só para ver o Tostão jogar. Eu tinha uma admiração enorme e seguia alguns dos movimentos dele. Ele era um jogador de muita movimentação, inteligente, que fazia gols, mas dava muitas assistências, mais ou menos o meu estilo anos depois. Portanto, a minha inspiração, quando garoto, sempre foi o Tostão.
É verdade que para realizar seu sonho de ser jogador de futebol você chegou a dormir embaixo das arquibancadas do estádio Brinco de Ouro, em Campinas?
Venho de uma família de boleiros, pois meu pai jogou futebol, mesmo sendo criado em um orfanato, lá em Santos. Com 15 anos, em 1976, cheguei no Guarani e dormia no alojamento embaixo da arquibancada mesmo, pois era o que tinha naquela época. Mas fui muito bem acolhido, com alimentação, treinamentos… enfim, fiquei duas ou três semanas sendo avaliado, até assinar meu primeiro contrato. Essas eram as condições do clube, mas mesmo assim sou muito grato.
Você apareceu para o mundo do futebol no Guarani, campeão brasileiro de 1978, o primeiro time do interior a conquistar o título nacional. Qual foi a sensação desse título?
Já no meu primeiro ano de profissional, em 78, conseguimos esse título, que para um time do interior, era inédito, e a conquista foi maravilhosa. Nosso objetivo era fazer uma boa campanha, pois no início, poucos se conheciam no time. Mas pelo que fizemos durante o campeonato, foi merecido. Não foi um título por acaso e sim conquistado com organização, disciplina e determinação, sem falar no elenco, que era maravilhoso.
Em cinco anos de Guarani, você marcou 118 gols, o que garante a terceira posição na lista de artilheiros da história do Bugre. Qual o seu sentimento em relação ao clube que abriu as portas para seu futebol?
Comecei profissionalmente em 1978, sendo campeão, e fiz 13 gols junto com Zenon, e nos tornamos artilheiros do time. Sem dúvida nenhuma é só gratidão e não me importo de ter feito 118 gols ou de ter jogado tantas partidas. O importante é o reconhecimento e a valorização que eu tenho até hoje aqui na cidade, já que foi a primeira camisa que vesti. Realmente, o Guarani foi tudo na minha vida, foi meu alicerce, a segunda família que eu tive aqui em Campinas. Sou muito grato por isso e do carinho de todos. Mas em especial aos treinadores, que me dirigiram nas categorias de base e ao primeiro presidente, Ricardo Chuffi.
O gol do primeiro título brasileiro de um clube do interior foi marcado por você com 17 anos. Foi o gol mais importante da sua carreira?
Não tenha dúvida. Fazer um gol no campeonato brasileiro, com 17 anos, em uma final, e, ainda por cima sendo campeão, realmente para mim foi marcante. Eu acho que não foi um gol bonito, mas o mais importante da minha vida e da minha história em tantos anos como jogador de futebol. Realmente me marcou muito e abriu as portas, não só para o Brasil, mas para o mundo. É claro que não existia a mídia de hoje, como internet, celular, mas com certeza a reprodução foi muito grande na época. Foi o gol mais importante da minha carreira.
O ex-treinador Carlos Alberto Silva disse que você foi um dos melhores atacantes com quem ele trabalhou. E quem foi o melhor técnico que te dirigiu?
Carlos Alberto Silva, sem dúvida nenhuma, foi o meu primeiro treinador profissional. Um cara que me ajudou bastante, era um treinador jovem, mas que já tinha a sua filosofia de trabalho. Eu moleque, com 16, 17 anos, e com certeza ele foi responsável por boa parte desse meu crescimento como jogador e da minha história. Depois tive outros treinadores, como Pepe, Telê Santana na Seleção, mas com quem me dei muito bem foi com o Cilinho, que foi um dos caras que me divertia bastante jogando, pois ele gostava do jogo bonito, com simplicidade e objetividade. Mas sem dúvida nenhuma, destacaria o Carlos Alberto Silva no começo da minha carreira, e no decorrer dela, o Cilinho, que merece um destaque legal na minha história.
Na Copa de 1982, na Espanha, você se contundiu e foi cortado. Quais suas lembranças daquele time?
Minha passagem pela Seleção Brasileira foi muito legal. Em 81, eu já estava com o time profissional, tendo o Telê (Santana) como supervisor na sub-23, em Toulon. O Vavá era o treinador e fomos bicampeões. Em 82, fui convocado e infelizmente, quatro dias antes da estreia tive uma distensão muscular, e acabei sendo cortado. Foi um momento muito triste, pois estava vivendo uma grande fase, com 21 anos, no auge. E aquela Seleção maravilhosa, que dava meio toque na bola e realmente, só de gênios, de jogadores diferenciados, mas que não ganhou. Apesar do corte, dessa tristeza, tenho ótimas recordações de Zico, Sócrates, Leandro, Júnior, Falcão, Cerezo, Serginho, Éder, Paulo Isidoro, Waldir Peres, Oscar, Luizinho… realmente jogadores muito diferentes na época, caras diferenciados.
Cortado da Seleção, você acabou indo parar no São Paulo. Como foi isso?
Foi em 83. Aconteceu oito meses depois da Copa do Mundo. Eu fiz minha recuperação no Guarani e voltei a jogar no Campeonato Brasileiro, e no fim do ano as negociações começaram. Jogar no São Paulo foi uma escolha minha e o clube tinha já naquela época uma excelente estrutura. Em janeiro de 83, acertei minha ida para o Morumbi. Ganhamos o Paulista, mas o Brasileiro foi muito importante não só para mim, mas para todo torcedor são-paulino.
O campeonato brasileiro de 1986 é especial para o são-paulino, pois era um grande time. Você marcou 25 gols naquela competição. Foi sua maior conquista com a camisa tricolor paulista?
Esse título em cima do meu ex-clube tem um lado triste para o torcedor do Guarani e muita alegria para o do São Paulo. Realmente, jogamos muito nesse campeonato e o Guarani tinha uma grande equipe. Empatamos com eles no Morumbi e depois decidimos no Brinco de Ouro, em Campinas. Foi um jogo emocionante, onde foi 1 a 1 nos noventa minutos e 3 a 3 na prorrogação. Eu me sinto abençoado, primeiro por ter dado o título ao Guarani em 78 e ter conquistado o bicampeonato Brasileiro pelo São Paulo, infelizmente, em cima do Guarani. Mas ali eu era jogador do São Paulo e com orgulho, honra, muita determinação, fomos ao nosso limite. Faltando 1 minuto para terminar o jogo, perdendo de 3 a 2, tive a felicidade de num sem pulo empatar o jogo e nos pênaltis, fomos campeões. Foi um título maravilhoso, onde fui artilheiro da competição com 25 gols e o Evair acabou sendo o vice com 24. Mas o time do Guarani era muito bom, com Catatau, o próprio Evair, Ricardo Rocha, João Paulo, Boiadeiro… eram grandes jogadores, mas o São Paulo era uma máquina. Tínhamos Pita, Silas, Muller, Sidney, Nelsinho, Bernardo, eu, Márcio Araújo, Oscar, Darío Pereyra, Gilmar no gol, que já fazia a diferença na época. Foi um ano muito iluminado para todos nós.
Certa vez você afirmou: “Os momentos que vivi no Napoli, de 1987 a 1993, não têm igual. Chegava num lugar, tinha que chamar a polícia para fazer um cordão de isolamento para poder entrar no carro”. Podemos concluir que foram os melhores anos da sua vida como jogador de futebol?
Em 1987, me transferi para o futebol italiano que era o melhor naquele momento, considerado o número um no mundo. O meu sonho era jogar no futebol daquele país e também ao lado de Maradona. Foi programada a minha ida para o Napoli, mesmo tendo clubes espanhóis e franceses interessados na minha contratação. Me interessei pelo Napoli, que era um time que tinha acabado de conquistar seu primeiro título depois de 63 anos e Maradona era sua principal estrela. Foi um sonho realizado, onde nos divertimos muito, com uma cidade linda e um povo muito caloroso. Inclusive foi ali que meus filhos cresceram e foram alfabetizados, então, marcou bastante. Hoje, quando volto a Napoli, às vezes, não consigo realmente sair nas ruas, mas naquela época de jogador era muito pior, pois andar pelas ruas, dirigir nas estradas ou até mesmo fazer compras era muito difícil. Muitos vezes tive que chamar seguranças, policiais para abrir caminho para pegar meu carro e ir embora. Nesses anos todos como jogador de futebol, os torcedores napolitanos me marcaram bastante.
Nas eliminatórias para a Copa de 1994, você deixou a seleção. O que houve de fato?
Em 1993, estávamos nas eliminatórias e sempre fui uma pessoa muito transparente em querer o bem para um futuro melhor àqueles que poderiam vir a conquistar alguma coisa pela Seleção. Sempre busquei meu objetivo, mas tivemos nesse período muitas confusões, desde 90, com os dirigentes, diretores, patrocinadores. Enfim, problemas externos que acabavam os jogadores levando a culpa. Ali, me sentindo mais experiente naquele grupo, com 12 anos de Seleção, me sentia no dever de fazer algo, ou até tentar mudar as coisas. Mas o sistema era complicado de se mudar em virtude das gestões dos presidentes. Infelizmente, minhas passagens não foram das melhores, mas eu só tenho que agradecer, mesmo em 82, quando machucado fui cortado, depois em 86 e 90, com outros presidentes. Porém, me sinto honrado em ter vestido a camisa do Brasil e gostaria sim de ter conquistado uma Copa do Mundo. Infelizmente, não era para ser. Em 93, eu via tanta coisa errada e gostaria que não acontecesse mais ali no momento e dali para frente. E naquelas eliminatórias que cheguei ao meu limite e pedi a dispensa, chamando o Parreira, treinador, o Zagallo, auxiliar, o Ricardo Teixeira, presidente, e os jogadores, e comuniquei a minha decisão. A gente tentava fazer as coisas diferente e resultava na mesma coisa do passado e por isso, resolvi sair e dar oportunidade para outro jogador.
Como foi a experiência de jogar no Japão?
Foi positiva. Quando saí do Napoli, em 93, era um sonho pessoal conhecer o país e seu povo. Um povo disciplinado, um povo de superação e fiquei lá até 96. Aprendi muitas coisas lá, fiz grandes amigos, inclusive, que foram jogadores da Seleção Japonesa. Meus filhos cresceram lá, estudaram em escola publica e tudo foi bacana. Fui bem recebido, bem tratado pelo povo japonês e foi uma experiência enriquecedora.
Você sempre foi santista, correto? Ter jogado no time do Rei do futebol foi um sonho realizado?
Desde criança. Éramos santistas por influência do meu pai, que nasceu no Guarujá, foi criado em Santos e acabou sendo adotado por um casal em Bauru, onde chegou a jogar com o seu Dondinho, pai do Pelé. Esse é um motivo muito forte para nossa família toda ser santista, né? Tivemos o prazer de conhecer Seu Dondinho e Dona Celeste, pais do nosso Rei Pelé, e na sequência realizei o sonho de vestir a camisa do Santos. Tempos depois, reencontrei ali o Pelé e foi emocionante, mais um sonho realizado. Mas ter jogado lá por três meses, foi para realizar um desejo de meu pai, que eu sabia que ia gostar de me ver jogando no Santos. Foi esse o motivo.
O Maracanã completou 70 anos recentemente. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?
O Maracanã completou 70 anos e as lembranças são maravilhosas. Tenho recordações de gols pelo Guarani e São Paulo, mas a mais marcante foi um amistoso pela Seleção Brasileira, jogando contra a Alemanha, em 1981. Se não me engano foi 1 a 0 esse jogo, antes da Copa do Mundo, e um estádio muito cheio em que o Telê Santana já era o treinador. Esse jogo me emocionou porque quando era jogo do Guarani ou do São Paulo ali naquele estádio, sempre era torcida contra e especialmente naquela partida, a torcida era única, a nosso favor. O Maracanã era iluminado e naquele jogo, representar o Brasil foi de arrepiar.
Como você analisa a falta de atacantes no futebol brasileiro atualmente?
Hoje temos uma carência de atacantes, daquele verdadeiro matador, o camisa 9, o jogador que tem obrigação de fazer os gols. Tiramos esse foco dele, esquecendo um pouco de se encontrar esse goleador. Perdemos com isso referência, com os pontas direitas e esquerdas e o centroavante sendo aquele ‘pivozão’. Perdemos isso. Passamos a copiar coisas da europa e nossa referência de grandes atacantes, grandes jogadores de área, tanto no espaço curto ou na jogada aérea, foi deixada de lado. A bola está difícil de chegar com qualidade e os laterais que antes defendiam, se tornaram pontas e os pontas não existem mais. O sistema mudou bastante e hoje temos essa grande dificuldade.
Defina Careca em poucas palavras?
Fantástico em todos os sentidos, e que, quando jogava, gostava de se divertir.
No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Careca?
O futebol foi tudo para mim. Tem essa influência do meu pai, que na época jogava e buscou esse sonho. Então, foi uma realização desse sonho, que busquei com alegria e com prazer, com os amigos que fiz. Hoje, tudo o que tenho, realmente, veio do futebol por meio de conquistas, dos contratos que assinei, pelas propagandas que fiz e sou muito grato a Deus pelo dom de ter sido jogador.
CENTRO DE TREINAMENTO GOLEIRO MOACYR BARBOSA
por Grupo Eternamente Vascaínos – RJ
Quem acompanha a nossa página e as nossas publicações sabe que já defendemos várias vezes a ideia de que o Centro de Treinamento do Vasco pudesse ser batizado com o nome do eterno capitão Bellini por tudo o que ele representou para o nosso Clube e para a nossa torcida, sendo um grande capitão, um grande atleta e um jogador símbolo de um Vasco muito forte e vitorioso. Contudo, nos meses recentes, também vimos crescer o apoio de muitos torcedores vascaínos ao nome do goleiro Barbosa para que ele seja o grande homenageado no futuro C.T do Vasco que será inaugurado em breve, no sentido de que o nome do Barbosa possa vir a ser aprovado pela Presidência e Diretoria do Clube e o Centro de Treinamento do Vasco vir então a ser batizado com o nome dele. Como nós também somos muito fãs da biografia do goleiro Barbosa e reconhecemos o grande atleta que ele foi e grande ser humano, sendo um homem simples e humilde de coração, um goleiro que foi várias vezes campeão pelo nosso Clube e que foi o atleta mais injustiçado da história do futebol brasileiro e um dos mais injustiçados da história do futebol mundial, reconhecemos e apoiamos que ele também merece muito vir a receber essa bonita homenagem in memoriam caso a Direção do C. R. Vasco da Gama realmente aprove que o nome oficial do C.T. do Vasco será “Centro de Treinamento Goleiro Moacyr Barbosa”, ele que sem dúvida foi o maior goleiro da história do nosso Clube e um dos maiores goleiros da história do futebol mundial. A respeito de Barbosa, assim escreveu o cronista Armando Nogueira:
“Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Gighia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera”.
Listamos aqui os títulos da brilhante carreira do Barbosa pelo Vasco, pela Seleção Brasileira e pela Seleção Carioca:
Títulos do goleiro Moacyr Barbosa pelo Club de Regatas Vasco da Gama:
Campeonato Municipal – 1945
Torneio Início – 1945
Campeonato Carioca – 1945
Campeonato Municipal – 1946
Torneio Relâmpago – 1946
Campeonato Municipal – 1947
Campeonato Carioca – 1947
Torneio Início – 1948
Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões – 1948
Campeonato Carioca – 1949
Campeonato Carioca – 1950
Campeonato Carioca – 1952
Torneio Início – 1958
Super Super Campeonato Carioca – 1958
Torneio Internacional Quadrangular do Rio – 1953
Torneio Internacional de Santiago do Chile – 1953
Torneio Rio-São Paulo – 1958
Títulos do goleiro Moacyr Barbosa conquistados pela Seleção Brasileira de Futebol:
Copa Roca – 1945
Copa Rio Branco – 1947 e 1950
Campeonato Sul Americano de Seleções (atual Copa América) – 1949
Título do goleiro Moacyr Barbosa pela Seleção Carioca de Futebol:
Campeão Brasileiro de Seleções Estaduais pela Seleção Carioca – 1950. Texto do Grupo Eternamente Vascaínos RJ Brasil
Búfalo Gil + PC Caju
O REFÚGIO DO BÚFALO
Em tempos de isolamento social, o craque Búfalo Gil buscou a tranquilidade da pequena Barra do Maricá para viver durante a quarentena e tomou gosto pela região. Tanto é que o artilheiro está prestes a inaugurar um restaurante na região, junto com a sua esposa!
Para saber mais dessa história e colocar a resenha em dia, a equipe do Museu botou o Pelada Móvel na estrada e contou com o reforço de ninguém menos que PC Caju para abrilhantar o encontro:
– Foi um privilégio ter atuado ao lado dele! Um jogador muito veloz, que carregava a bola com as duas pernas! Um dos melhores atacantes que eu vi jogar! – revelou PC Caju, ainda no trajeto de ida.
Ao chegarmos no local marcado, fomos recebidos por um Búfalo de visual novo, com rabo de cavalo e tudo. É claro que PC Caju não deixou barato e teve que colocar uma pilha logo de cara!
Para quem não se lembra, PC Caju e Búfalo Gil atuaram juntos na Máquina Tricolor, no Botafogo (Time do Camburão) e até na Seleção Brasileira, nas Eliminatórias para a Copa de 1978!
A Copa de 1978, inclusive, foi um dos assuntos abordados durante a longa resenha. Além de afirmar que a ausência de PC Caju na lista foi uma grande injustiça, Búfalo Gil fez grandes revelações da competição que ele se refere como “Copa do Roubo”.
Antes de chegar a esse patamar com a amarelinha, no entanto, Búfalo Gil teve que sofrer com a concorrência, sobretudo no Cruzeiro. Recém lançado aos profissionais, o artilheiro integraria o elenco com Natal, Tostão, Dirceu Lopes e cia. Ouviu da diretoria que não teria espaço e foi, por empréstimo, tentar a sorte no Vila Nova.
A atitude da diretoria celeste não caiu em esquecimento e, como um bom artilheiro, Búfalo Gil deu o troco com juros, ou melhor, gols!
– Jogando na Máquina Tricolor, ganhamos daquele time e, depois, pelo Botafogo, com PC Caju e Nilson Dias, demos de 3×0 com o Mineirão lotado! – recordou!
Como era de se esperar, a resenha fluiu do início ao fim e o longo papo passou voando! Com a promessa de retornar, até mesmo para conhecer o futuro restaurante de Búfalo Gil, nos despedimos e retornamos para o Rio com a sensação de dever mais do que cumprido!
Assistam ao vídeo e curtam esse papo!
O CENTENÁRIO COME-FOGO
por Émerson Gáspari
Tenho 105 anos. Nessa idade, como ancião, um dos poucos prazeres que a vida ainda me concede é o de relembrar as coisas de maior significado para mim, nessa vida. O futebol está entre elas. Meu primeiro contato com ele ocorreu no longínquo 1º de agosto de 1920. Faz, portanto, exatamente um século que pisei pela primeira num estádio de futebol, levado por meu saudoso pai, que queria me apresentar cedo ao mundo da bola.
Por falar em mundo, parece que em certos aspectos ele não mudou tanto assim: naquela época, estávamos saindo de uma Gripe Espanhola que matou milhões pelo mundo afora. Hoje, é essa pandemia da Covid-19 que assombra a humanidade. Tenho fé de que sairemos dessa, como da outra vez. Por pior que seja o dia de hoje, sempre haverá um amanhã diferente e melhor. Tenhamos fé.
Mas, voltemos ao “mundo da bola”. Ontem, meus bisnetos me pediram para que lhes falasse a respeito do Come-Fogo de antigamente. Então não me fiz de rogado e passei a lhes contar histórias e mais histórias dos jogos que testemunhei. Falei do primeiro deles, o tal de 1920: estive lá, aos cinco aninhos e deste, confesso, pouco me recordo: lembro-me que o clássico ainda não tinha sequer a alcunha de Come-Fogo, que o jogo ocorreu no antigo estádio da Rua Tibiriçá, ao lado da Beneficência Portuguesa, já nos limites da cidade. Torcedores entravam de paletó e chapéu. Os mais velhos não dispensavam a bengala. As pouquíssimas senhoras, de sombrinhas, chapéus e vestidos de seda.
O Comercial, equipe bancada pelos comerciantes e coronéis do café, teve um time fabuloso, que goleou por 20 x 0 o Taquaritinga (só Santinho, fez 10 gols), empatou com a Seleção da Argentina, venceu o Corinthians na disputa da Taça Clark e voltou invicto de uma célebre excursão ao Nordeste (daí ser apelidado de “Leão do Norte”), entre outras façanhas mais. Já era uma equipe experiente e temida e seu estádio, com capacidade para três mil espectadores, possuía o primeiro campo gramado do Brasil, encravado no topo do Centro de Ribeirão Preto.
Por sua vez, o Botafogo era um clube humilde, formado pela fusão de três equipes amadoras da região da Vila Tibério, bairro popular e que abrigava a estação ferroviária e as cervejarias que ajudaram a tornar a cidade famosa pelo chope, décadas depois.
Havia, obviamente, um desnível técnico entre os times. Daí o Comercial resistir a um confronto direto, pois a discrepância era nítida. Embora os alvinegros resistissem a uma contenda, acabaram por aceitar um confronto entre seu time B, contra o quadro principal do Botafogo. Daí, se acreditava, daria jogo.
Lembro-me vagamente da partida, naquele dia. Foram muitos gols. Recordo-me bem do placar final: Comercial 8 x 0 Botafogo. Quatro anos depois (eu maiorzinho, com nove) aí já me lembro melhor do segundo duelo: 2×1 para o Comercial, no mesmo estadiozinho da Rua Tibiriçá, em 1924.
Meus bisnetos ficaram encantados, embevecidos com tantas histórias sobre esse clássico tão tradicional do interior paulista. E eu, que acompanhei a maior parte dos quase 170 confrontos até hoje, me sinto um privilegiado por ser, talvez, a única testemunha ocular viva do primeiro jogo entre ambos. Ao menos, não conheço ninguém da minha idade aqui na cidade. Quanto mais, que tenha estado presente a essa partida inicial.
Para usar de franqueza, confesso que passei a tarde toda relatando casos e mais casos dos duelos travados. Expliquei que a vitoriosa fase amadora terminou junto com o fim daquele Comercial, em meados dos anos 30. E que o Botafogo, mais novo, prosseguiu sem a companhia do rival, por 19 anos. Até que, em 1954, eles retomaram suas disputas (já sob a alcunha de Come-Fogo) e aos poucos, a vantagem comercialina em confrontos foi sendo demolida e se inverteu, pois o Botafogo se fortaleceu bastante, enquanto o Comercial voltou com muitas dificuldades, atuando por alguns anos como inquilino, no estádio da Mogiana. Falei da “era Sócrates”, amplamente favorável ao tricolor, relembrei do rebaixamento que o Bafo impôs ao Pantera, entre outras gostosas histórias.
Expliquei a eles, como se deu a construção do estádio Francisco de Palma Travassos, a “Jóia” de cimento armado, no Jardim Paulista. E depois a mudança do Botafogo, do estádio Luiz Pereira (o “Madeirão”) na Vila Tibério, para o Santa Cruz, hoje convertido em arena.
Eles realmente ficaram muito felizes com o papo e disseram que iriam contar algumas dessas histórias para seus coleguinhas de escola, quando as aulas enfim retornarem, porque pelas redes sociais não dá: é muita coisa para ser escrita ou mesmo lida. Eles não imaginam que feliz mesmo fiquei eu, de poder ter a atenção das crianças dirigida a mim, um ancião, nessa altura da vida. Eles nem piscavam enquanto eu falava: tal era o fascínio deles, que parecia que eu era um celular. No final da tarde despediram-se, agradecidos.
A noite caiu e fui me deitar. Mas confesso que o sono não vinha. Porque as lembranças eram muitas e um turbilhão de recordações não me saíam da cabeça. Foi daí que me surgiu uma dúvida inusitada: como seria uma disputa definitiva entre ambos os times, para decidir qual deles é o melhor, nesses cem anos de bola rolando? E com os melhores atletas de cada posição lado a lado, ao longo da história: uma espécie de Come-Fogo atemporal, eterno?
Tomei consciência de que eu seria o único capaz de imaginar uma fantasia dessas e que ela seria, secretamente, a minha singela homenagem pelos cem anos de rivalidade, já que a data praticamente “passou em branco” em Ribeirão Preto. Sinal dos tempos!
E assim, sem mais delongas, passo a lhes descrever agora, como poderia ser o maior Come-Fogo de todos os tempos, com jogadores de épocas diferentes, atuando juntos. Para começo de conversa, proponho duas partidas: a primeira, no berço comercialino, o estádio da Rua Tibiriçá (talvez o primeiro campo totalmente gramado do Brasil) e a segunda, na atual arena botafoguense, o estádio Santa Cruz. Vale a Taça de “Campeão Eterno”.
Manhã aprazível de domingo, no estádio da Tibiriçá, com grande público saudando com pétalas de rosas o Comercial, que vem a campo com Leão, Ferreira, Jair Gonçalves, Piter e Toninho; Hélio Giglioli, Amaury e Jair Bala, Mauricinho, Paulo Bin e Carlos Cézar. O técnico Alfredinho Sampaio, auxiliado por Tim, relaciona para o banco: Ortíz, Benazzi, Pedro Omar, Ademar, Thadeu Ricci, Santinho e Guina. O Botafogo, saudado até pelos adversários com calorosas palmas e lenços brancos girados no ar, vem em seguida, com Aguilera, Eurico, Julião, Dicão e Mineiro; Carrapato, Sócrates e Tim; Zé Mário, Antoninho e J. C. Motoca. No banco, José Agnelli, auxiliado por Tiri, deixa Machado, Cicinho, Baldochi, Gallo, Raí, Paulo César e Geraldão.
Na tribuna de honra o prefeito Costábile Romano está rodeado por ilustres convidados como Lúcio Mendes (jornalista que “batizou” o clássico), o advogado e historiador Rubem Cione (comercialino), o analista social Vicente Golfeto (botafoguense), entre outros. Lá estão também o presidente do Botafogo, Waldomiro Silva, e o do Comercial, Mário Ricci. O jogo quase não acontece, porque o Comercial queria que estivesse em campo o meia Diego, mas o Botafogo protestou, pois o craque jamais vestira a camisa do time principal, tendo seguido para o Santos muito cedo. A FPF por fim, bateu o martelo: ele não poderia jogar e fim de papo. O Comercial protesta, diz que é perseguido pela Federação e que vai recorrer. O árbitro Dulcídio Wanderley Boschila, o maior apitador da história do clássico, tira o “toss” entre os capitães Carlos Cézar e Sócrates . Tudo certo, trila o apito do árbitro e começa a partida.
Empurrado por sua apaixonada torcida que é maioria no estádio, o “Bafo” parte logo para o ataque, exigindo de Aguilera, uma defesa arrojada aos cinco minutos de jogo. O meia Tim pede calma aos companheiros e tenta controlar a pressão inicial, prendendo a bola. Sócrates desdobra-se apesar do forte calor, enquanto Dicão grita com a zaga para que fique atenta, especialmente com Paulo Bin. Mas é Jair Bala quem dá um chapéu perfeito no mesmo Dicão e rola macia a bola pra Carlos Cézar, que de canhota e de fora da área, manda um pelotaço no ângulo de Aguilera: 19 minutos, Comercial 1 a 0. Sócrates, mesmo marcado por Hélio e Amaury, arma grande jogada com Zé Mário que entorta Toninho e centra para Antoninho cabecear contra a trave de Leão, aos 32. Logo em seguida, aos 35, Motoca, que trava um duelo equilibrado com Ferreira, consegue um perigoso chute cruzado, o qual passa quase sobre a linha do gol, mas vai pra fora, e quando a partida fica mais equilibrada, Paulo Bin sente o joelho e sai, para a entrada de Santinho (artilheiro máximo do amadorismo). Até que o primeiro tempo termina, no exato instante em que Carlos Cézar cobra uma falta com violência, que passa com perigo, bem próxima da meta botafoguense. Logo chega a notícia de que Zé Mário estranhamente não se sentiu bem nos vestiários e quando voltam os times para a segunda etapa, é Paulo César quem surge em seu lugar.
E o Fogão até recomeça melhor, quando um escanteio batido pelo próprio Camassuti, encontra Dicão livre no segundo pau, mas ele cabeceia de nariz e perde o empate feito. Agnelli morde com raiva seu indefectível chapéu e manda Baldochi se aquecer, para substituí-lo.
Píter paga bronca geral na zaga e Alfredinho põe Ademar no lugar de Hélio e Guina no de Jair Bala, pra tornar o time mais ofensivo. Dá certo e o alvinegro engrena novamente. Agora Píter, o indelével “Rocha Negra” não dá mais chances à Antoninho. Ademarzinho põe fogo no jogo e Carrapato (um amador botafoguense), sobrecarregado, começa a pregar. Sócrates também sente o ritmo e é substituído por Gallo, numa clara tentativa de Agnelli, de fechar o meio-campo. Mas Carlos César está impossível: lança milimetricamente nas costas de Mineiro, para Mauricinho, que vai ao fundo e cruza para um sem pulo sensacional de Santinho: 2 a 0. Goool! Esgoela César Bruno, na cabine de rádio. Ao seu lado, Miguel Liporaci é só elogios rasgados ao Leão. O Botafogo procura segurar o jogo e no finalzinho, num choque feio entre Ferreira e Eurico, em disputa de bola, ambos deixam o campo, contundidos. Felizmente, não há limites de substituições.
Cicinho entra na lateral botafoguense e Benazzi, na comercialina. E no minuto final, é ele, Benazzi, quem centra para a área, onde Guina anota de cabeça, o terceiro. Mas Dulcídio anula, alegando ter havido carga no lance e encerra o jogo em 2 a 0. O Comercial diz que vai recorrer na Justiça Desportiva, mas o resultado está mantido.
Semana de muita expectativa até o segundo confronto. O assunto preferencial nas rodinhas do Pinguim e da Única. Especulações mil de ambas as partes (Zé Mário jogará?). Torcedores fazendo apostas dos dois lados, principalmente no programa “Balanga-Beiço”, onde os apresentadores Tiririca e Coraucci Neto sempre se defrontam e a rádio PRA-7 registra recordes de ligações.
A torcida do Botafogo não perdoa o técnico José Agnelli; pede sua cabeça, pois acha que o time deveria ter atacado mais, mesmo no alçapão adversário, conforme noticia o jornalista Márcio Morais, em sua coluna “Bolso de Repórter” do jornal A Cidade. A pressão chega a tal proporção que Jorge Vieira é chamado para o seu lugar e assume o time, prometendo mais “pegada”, convocando outros jogadores e realizando “treinos secretos”. Enfiado na concentração de Bonfim Paulista, o Comercial tem uma semana mais tranquila, só que Ferreira, contundido, não joga. Mas Alfredinho, velha raposa, faz mistério sobre isso, enquanto pelo lado tricolor, Eurico já é desfalque certo, conforme furo de reportagem de Wilson Toni.
Chega enfim o grande e decisivo dia! Sol escaldante, sábado, quatro da tarde! Desde as duas, não cabe mais ninguém na arena botafoguense (os portões foram abertos ao meio-dia). O “Santão” treme com a agitação da galera. E lá vem o Pantera, agora repaginado, desta vez sob o comando de Jorge Vieira, debaixo de um foguetório “daqueles”: Doni, Cicinho, Baldochi, Bordon e Carlucci; Paulo Rodrigues, Sócrates e Raí; Zé Mário, Antoninho e Paulo Egídio. Minutos depois, o Leão (também com algumas mudanças) recebe a “salva de vaias” do estádio e vai se confraternizar com sua torcida, em seguida: Leão, Benazzi, Jair Gonçalves, Píter e Toninho; Pedro Omar, Amaury e Jair Bala; Mauricinho, Paulo Bin e Carlos Cézar. A crônica esportiva aprova as modificações, que tornaram as equipes mais ofensivas e modernas. E, apesar da pressão comercialina, Dulcídio Wanderley Boschila foi mantido para arbitrar a segunda partida, que enfim, começa.
Início do jogo, o Fogão toma logo a iniciativa e parte pra cima, com tudo: de Paulo Rodrigues para Raí, daí a Sócrates e… Leããão, para escanteio! O Comercial é de certa forma, surpreendido com tamanho ímpeto inicial do adversário. Das arquibancadas então, vem uma pressão imensa.
Tabelinha Sócrates e Raí e Pedro Omar entra rachando em cima do rapaz. Falta de longe, na meia-esquerda, lá do meio da rua. Não tem problema: pro “canhão” Carlucci não tem distância e a bola chega “oval” no gol de Leão, que não quis barreira: 12 minutos de jogo, Botafogo 1 a 0. O “Santão” estremece. Sócrates é o melhor homem em campo, mesmo acompanhado de perto por Pedro Omar. Antoninho e Piter brigam titanicamente na área. Benazzi não pode descer tanto (como pretendia Alfredinho) para não tomar bola nas costas, com Paulo Egídio. Mesmo problema de Toninho, bastante fustigado por Zé Mário. Mas aos 35 minutos, um fato muda a história do primeiro tempo: numa arrancada de Paulo Bin, Baldochi entra pra matar a jogada. Bin acaba saindo de maca, aplaudido pelos bafudos e é substituído por Guina, enquanto um empurra-empurra se instala no gramado, dando muito trabalho para Dulcídio restabelecer a ordem.
Baldochi acaba expulso de campo e deixa o Bota com dez. O Comercial aproveita a catarse momentânea e empata o jogo, numa bola que Benazzi centra na meia-lua e encontra Carlos Cézar de frente. Ele sai da bola e no corta-luz, deixa-a limpinha pra Jair Bala colocar no cantinho: 38 minutos, 1 a 1. Nas tribunas, João Batista de Campos e Mário Ricci vibram juntos.
Um silêncio toma conta do estádio por alguns minutos, que só reacende quando Sócrates e Raí “invadem a casa comercialina” (como narra Helton Pimenta) numa tabelinha genial e Leão se atira aos pés do adversário, evitando gol certo. Fim de primeiro tempo. Torcedores roendo as unhas por todos os lados.
No intervalo, muita ansiedade. E a torcida do Comercial, comemorando além da conta, começa a ser molestada, a ponto do policiamento ser reforçado nas imediações, conforme informa Luiz Antônio “Espertinho”. Voltam os times pro segundo e derradeiro tempo. Ninguém muda. Apenas Vieira pede que os laterais não desçam e que Paulo Rodrigues recue um pouco, formando mais com a zaga. Atrás, só Bordon e os dois laterais. Sócrates conversa muito com os pontas: quer mais bolas altas na área, para aproveitar sua altura e a do mano Raí. E a partida finalmente recomeça!
Pressão total do tricolor e Jair Bala e Carlos Cézar começam a terem de vir buscar a bola da defesa para o ataque, pois o Leão do Norte não sai mais lá de trás. O “Canhotinha de Ouro” sente uma fisgada na coxa e deixa o campo, para a entrada de Rômulo, na esquerda. E se o dia é de Sócrates – o melhor em campo – Leão se torna o melhor do Bafo. Primeiro, fecha o ângulo em perigoso chute diagonal de Zé Mário. Depois, no reflexo, salva um cabeceio de Raí e quando finalmente é vencido por Paulo Egídio que o havia driblado, é Píter quem salva, em cima da risca.
Mesmo com o Fogão melhor, Jorge Vieira resolve mexer no time, partindo pro tudo ou nada: sai Paulo Rodrigues e entra Tim; sai Paulo Egídio e entra Mário Sérgio. O Pantera aperta, mesmo com quatro meias e dois atacantes, agora. O Bafo se segura como pode.
Então o dono do jogo arrebenta com tudo e numa nova tabelinha com o irmão caçula, deixa-o na cara do gol. Goool de Raí: 2 a 1 Botafogo, aos 30 minutos. Nas cabines de rádio, Wilson Roveri diz que o jogo é todo do Botafogo.
Imediatamente Alfredinho saca Jair Bala e entra com Thadeu Ricci para levar a bola até Mauricinho, Guina e Rômulo lá na frente. Ele não quer que o time recue tanto, sente o cheiro do perigo no ar. Orienta Amaury e Pedro Omar para não darem trégua ao ataque adversário e homem místico que é, reza no banco de reservas.
José Agnelli e seu chapéu estão agora na tribuna, ao lado do prefeito Costábile Romano, outro botafoguense doente. Nos minutos que se sucedem, a tática e a mandinga de Alfredinho dão certo e o jogo, de fato, fica lá e cá. Ricci joga o fino e Mauricinho inferniza Carlucci, que já é advertido verbalmente pelo juiz. Então Jorge Vieira joga suas últimas fichas: saca Raí e coloca Geraldão, deixando o time agora com dois goleadores natos. Em três minutos, o Fogão cria duas chances claras e o tosco Geraldão se incumbe de perdê-las.
Até que na terceira, ele Geraldão, recebe um centro rasteiro surpreendente de Mário Sérgio (que olha para um lado e cruza para o outro), atrapalha Antoninho e erra o chute, já na marca da cal, com Leão caído no meio de um bolo de jogadores. A bola triscada, vai saindo pela linha de fundo, mas Sócrates, o mais próximo, corre e a alcança, junto à trave. Desesperado, Jair Gonçalves empurra o “Doutor”, que mesmo desequilibrado, toca genialmente de calcanhar, às suas costas, antes que Dulcídio possa dar o pênalti.
A bola dramaticamente cruza a linha de gol na diagonal, antes que Píter possa alcançá-la, num carrinho em que leva grama e terra para o fundo das redes: são 41 minutos, Botafogo 3 a 1. Renê Andrade, atrás do gol, diz que o “juizão meteu a mão no Leão, tinha que dar o pênalti, pô!”. Agnelli joga seu chapéu para o alto. Costábile perde a compostura e salta abraçado, às lágrimas, feito um menino, junto do técnico portenho. Está tudo empatado e faltam só quatro minutos… haverá tempo, ainda?
Afinal, o Pantera sempre teve a sorte a seu favor, enquanto que o Comercial… Alfredinho grita para Ricci e Rômulo recuarem, pede para Guina ficar sozinho como meia e manda Mauricinho brigar lá na área . Já Vieira insiste para que o time desça todo para o ataque. O Botafogo luta, com todas as suas forças. O Comercial não se entrega.
Geraldão se joga na área, a torcida quer o pênalti, Boschila não vai na onda. Mas é o Comercial que aos 45, assusta: contra ataque com Guina, que se livra de Tim e aproxima-se velozmente da área, atrai a marcação de Bordon e serve Mauricinho, já no desespero. Mesmo desequilibrado, ele bate forte, da meia lua. E é a vez de Doni, salvar, com a ponta dos dedos, colocando para escanteio.
O simpático Salim, da “TUC”, torcedor-símbolo do alvinegro, leva as mãos à cabeça. Do outro lado do estádio, à frente da “Dragões”, é o robusto Pidão, chefe da torcida tricolor, quem arranca os cabelos e diz que “mais uma dessas e eu infarto aqui mesmo”. Felizmente não há tempo pra isso acontecer. Pois assim que Mauricinho apanha a bola para cobrar o escanteio, Dulcídio encerra a partida. Os comercialinos protestam: querem a cobrança, já que teria de haver acréscimos. O árbitro não lhes dá ouvidos e os comercialinos dizem que sempre são perseguidos pela FPF e que irão recorrer. Cria-se novo tumulto no gramado.
Por sorte, uma inesperada invasão mista de torcedores, logo debelada parcialmente pela polícia, acaba por ajudar a arbitragem a deixar o campo, enquanto o prefeito, os presidentes dos clubes e demais autoridades chegam ao gramado e entregam o troféu… para os dois capitães!
Isso porque, como não havia previsão de desempate estabelecido no regulamento, não poderá haver cobranças de penalidade e ambos os clubes são declarados “campeões eternos”. O Botafogo apanha o troféu e sai para dar a volta olímpica junto à sua torcida, que é maioria em seu estádio. O Comercial protesta, alegando que por ter marcado um gol na casa do adversário, esse valeria dobrado e o título teria que ser seu.
E diz que vai recorrer.