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O HOMEM DE PAPEL QUE DESAFIOU HITLER

por André Luiz Pereira Nunes


A seleção da Áustria não é exatamente uma referência em Copas do Mundo. Seu melhor retrospecto ocorreu em 1954, quando ficou na terceira colocação. Sua participação mais recente foi na Copa da França, em 1998. Mas, mesmo tendo apenas sete presenças em mundiais, o país merece ser lembrado pelo que representou o seu maior astro de todos os tempos, apelidado de “Pelé do Danúbio” e “Homem de Papel”.

Matthias Sindelar, craque da década de 30, era alto, magro e se destacava pela leveza, velocidade e habilidade em campo. Sua presença fora fundamental para que a seleção austríaca ficasse conhecida como “Wunderteam” (time maravilha). Vencedora da Copa Internacional da Europa Central, em 1932, chegava à Copa de 1934 como uma das favoritas, tendo vencido ou empatado 28 das 31 partidas anteriores ao mundial.

Apesar de ter eliminado França e Hungria nas oitavas e quartas de final, respectivamente, os austríacos capitularam diante da anfitriã e futura campeã Itália, na semifinal, cotejo que os especialistas europeus definiram como decisão antecipada. Porém, cabe ressaltar que a seleção italiana era formada por atletas de várias nacionalidades. Além de italianos, contava com quatro argentinos vice-campeões, em 1930, e até um brasileiro: Filó. Benito Mussolini, ditador à época, e anfitrião do torneio, não medira esforços, alguns nem um pouco honestos, diga-se de passagem, para que seu time fosse campeão.

Por ser nascido em 1903, Sindelar provavelmente não teria condições físicas de atuar na Copa de 1938, pois naquela época a carreira de um jogador era extremamente curta. Apesar disso, aos 35 anos, seguira sempre como titular da equipe, sendo imprescindível na campanha do vice-campeonato de seu país nas Olimpíadas de 1936, novamente com derrota para a Itália. 

O próximo desafio seria a Copa de 1938, competição à qual a Áustria havia se classificado. Entretanto, o destino tinha outros desígnios. Em 12 de março, a apenas três meses do início do mundial, Adolf Hitler invadiu a nação para anexá-la à Alemanha nazista. Em um mês a jovem república parlamentarista se transformara em mais uma província do Terceiro Reich. Entre várias das intenções, uma delas era emular Benito Mussolini. Porém, havia uma ressalva. Os alemães não hospedariam a competição, disputada dessa vez na França, e tampouco formavam uma grande seleção. Tendo invadido a Áustria, Hitler pensava em ter resolvido a equação, pois contaria com os austríacos para reforçar a Alemanha. 

Contudo, ao contrário de vários de seus companheiros, Sindelar não só se recusou a ser alemão como ainda rechaçou a ordem do Führer em integrar o time alemão. Provavelmente não existe relato similar no futebol de maior atitude de destemor e fidelidade do que a protagonizada por esse craque, injustamente esquecido nos dias atuais, que pagou com a vida a recusa em cumprir ordens do maior crápula da história da humanidade. 


72 horas após a anexação da Áustria, Hitler solicitara que oito dos principais jogadores da seleção austríaca fossem imediatamente incorporados ao escrete alemão. Ganhar a Copa do Mundo seria uma questão de honra para o fortalecimento do regime nazista, além de igualar o feito protagonizado por Mussolini no mundial anterior. Cabe ressaltar que a Áustria seria candidata favorita ao título máximo, pois vivenciava a sua melhor fase de todos os tempos. Goleara a Alemanha por 5 a 0 e 6 a 0, a Suíça por 6 a 0, a Escócia por 5 a 0, e a grande rival Hungria por 8 a 2, com três gols de Sindelar. A “Escola do Danúbio”parecia mesmo não ter rival à altura. Quiseram todavia os deuses do futebol que a escalada rumo ao topo fosse interrompida ironicamente por um austríaco de nascimento, o qual não costumava se orgulhar de sua origem.

Hitler resolveu então celebrar a incorporação do país vizinho justamente com uma partida de futebol envolvendo a Alemanha nazista e os austríacos, os quais fariam a última partida por sua seleção. Sindelar, não só atuou brilhantemente como ainda comemorou seu gol, o primeiro do jogo, de maneira efusiva e extravagante defronte ao palco das autoridades nazistas numa clara demonstração de deboche e desafio. A derrota por 2 a 0, além da provocação do craque austríaco, foram um verdadeiro acinte para as autoridades invasoras. Sindelar ainda não sabia, mas esta seria a sua última partida oficial. 

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda Nazista, ainda acenou com a proposta de que todo o mal-estar seria devidamente esquecido caso Sindelar defendesse a Alemanha na Copa do Mundo de 1938 e o time fosse campeão. O craque recusou a proposta alegando estar “gravemente machucado”. Ainda avisou estar se aposentando dos gramados oficiais. A negativa selara o seu destino. 

A vaga da Áustria não foi preenchida. A FIFA ainda chegou a convidar a Inglaterra para substituí-la, mas os ingleses não aceitaram a proposta. Mesmo contando com alguns austríacos, a Alemanha acabou eliminada de cara no mata-mata pelos suíços. A vergonha fora tamanha que vários amigos de Sindelar foram perseguidos. O craque resolveu então abrir uma cafeteria, mas os nazistas não lhe davam trégua, arrumando problemas todas as semanas. 

Seis meses mais tarde, em 23 de janeiro de 1939, o corpo de Mattias Sindelar foi encontrado por bombeiros de Viena ao lado de sua companheira, a italiana Camilla Castagnola. Contava com apenas 35 anos. A versão oficial apontou a causa da morte como asfixia por vazamento de monóxido de carbono, um acidente relativamente comum naquele tempo. Apesar disso, não faltou quem suspeitasse que se tratasse de suicídio por conta da pressão exercida pelos alemães, ou mesmo de assassinato cometido pelos nazistas. Anos depois, foi revelado que a Gestapo investigou Sindelar por suspeitas de que ele fosse “”pró-judeu” e “social-democrata”.

Sindelar foi enterrado no mesmo cemitério, na capital, onde repousam os restos mortais de Brahms, Beethoven, Strauss e Schubert. A rua na qual o “Pelé do Danúbio” nasceu foi rebatizada com seu nome. Estima-se que o funeral do craque levou de 15 a 20 mil pessoas ao Cemitério Central de Viena. Em 1998, foi eleito o atleta austríaco do século.

E O PONTA ESQUERDA ERA UM TAL DE BIGODE

por Marcio Aurelio Carneiro


(Foto: Custodio Coimbra)

Fomos convidados, um time amador aqui de Barra Mansa-RJ, um dos muitos que existiam na época, para jogar um torneio em Cabuçu-RJ. Daqueles torneios que era no modelo antigo do um contra um e quem ganhasse levava o troféu.

Dois ônibus lotados com a torcida e nós peladeiros que íamos no bolo. Nosso jogo era o principal da tarde ensolarada de Domingo, jogaríamos contra o time principal da localidade. Chegamos depois de 100km e moídos pelo desconforto do buzú, que pelo preço contratado, foi mesmo o que deu pra arranjar.

Chegamos meio em cima da hora e fomos logo trocar de roupa atrás do gol oferecido, campo precário, muita torcida da casa e um “fumacê” suspeitíssimo. Entramos em campo primeiro, sem a menor saudação dos presentes, normal!! 

Logo em seguida entrou nosso adversário com um reluzente uniforme laranja a lá Holanda. Juizão com um comportamento cambaleante, disse que não iria tolerar violência. Tudo certo pra bola rolar, eu na lateral direita, tipo Orlando Lelé, esbravejava pra tentar intimidar o ponta esquerda que tinha um aspecto estranho.

Antes da bola rolar, constatei que o tal atacante era um sapatão, que atendia pelo apelido de Bigode, e era meio xodó da torcida, pensa! Primeira bola que ele veio de graça, mandei-o pra fora do campo com bola e tudo. Foi o bastante pra levar um cartão e uma cusparada da torcida. Lembro que meu capitão pediu pra eu aliviar que o lugar era perigoso.

Bigode se empolgou e vinha cheio de pedaladas, dei no meio de novo e o tempo fechou…me lembro de corrermos pro ônibus e os dois pneus da frente estarem furados.

Graças a valentia dos PM’s que assistiam o jogo, sobrevivi pra contar.

O BRASILEIRÃO SERÁ ESQUISITO

:::::::: por Paulo Cezar Caju ::::::::


Discussões, debates, análises, esqueçam-se disso tudo quando se trata do amor da torcida pelo seu escudo. O torcedor pode esculhambar o seu clube de coração durante todo o campeonato, reclamar do meio-campo lento e até pedir a demissão do técnico, mas basta o time conquistar o título e a zoação com os adversários é imediata. E isso não pode acabar nunca, mas quando analisamos friamente não temos dúvidas em afirmar que o jogo Palmeiras x Corinthians foi um show de horrores e que o campeonato paulista de 2020 deveria ficar sem campeão. Já elogiei o trabalho de Vanderlei Luxemburgo e Tiago Nunes, mas os dois foram extremamente covardes, retranqueiros e nos proporcionaram o que de pior o futebol pode nos oferecer.

E para piorar o cenário tenebroso, Luxemburgo ainda foi citar o português Jorge Jesus, como se esse título paulista, pífio, magro e feio, o credenciasse para isso. Jorge Jesus realmente não inventou a roda, mas fez a roda girar, remou contra a maré, apostou no jogo ofensivo, uma tradição do futebol brasileiro. Claro que qualquer técnico pode fazer isso, mas qual faz? Jorge Jesus caiu no gosto do torcedor por transmitir emoção. Se era marketing ficar andando de um lado para o outro, gritando e gesticulando enquanto a partida rolava, não importa. O torcedor brasileiro gosta de personagens. Não por acaso Jorge Sampaoli tem a simpatia dos jogadores e da galera. Ambos são eficientes e passam emoção.


O que mais me chamou a atenção no estilo de Domènec Torrent foi seu bloquinho. Já já a torcida vai compará-lo a Joel Santana e sua prancheta! Claro que o Flamengo vai subir de produção, mas não dá para os comentaristas desmerecerem a vitória do Atlético alegando que o rubro-negro estava há 20 dias sem jogar. O time mineiro atua junto há pouquíssimo tempo e o entrosamento deve ser levado em consideração. Mas a grande verdade é que esse Brasileirão vai ser esquisito. Já teve partida suspensa por conta de jogadores contaminados pelo covid-19 e as arquibancadas seguirão com torcedores imaginários.

Buscar inspiração será uma tarefa árdua. Não consigo prever um favorito. Minhas apostas como técnicos não deslancharam e até Roger decepcionou no Bahia, outro torneio que deveria terminar sem vencedor, devido ao baixíssimo nível técnico. A prova disso, sem querer desmerecê-lo, é Magno Alves, do Atlético de Alagoinhas, aos 44 anos, eu falei 44, fez gol na decisão do campeonato baiano. E jogou a partida toda! Futebol é futebol, quem sabe, sabe. Isso é um bom incentivo para Nenê e D´Alessandro, que já já chegam aos 40 anos. Não tem esse papo de futebol moderno, antigo, queremos é um futebol bem jogado, mesmo que seja pela beirinha, jogadores flutuando, marcação alta no último terço do campo, com gol acertando a cara da bola, que vá parar na bochecha da rede, do jeitinho que os comentaristas “modernos” mais desejam.

GANHAR E PERDER

por Paulo Roberto Melo


Aquele Vasco e Flamengo de abril de 1986 tinha todos os ingredientes para ser diferente. Não pelo jogo em si e o que ele representava, a final da Taça Guanabara daquele ano. Gosto de lembrar que até meados da década de 90, ganhar a Taça Guanabara tinha realmente um sabor de título para as torcidas do Rio de Janeiro. Portanto, era mais um jogo em que os rivais históricos decidiriam umtítulo.

A diferença daquele Vasco e Flamengo estava nos personagens. Dentro de campo, dois jovens despontavam como candidatos a ídolos dos dois times, dividindo a paixão de suas torcidas, acostumadas a venerar Roberto Dinamite e Zico. Esses dois jovens eram Romário e Bebeto. Artilheiros cheios de talento, campeões pelas seleções de base e um futuro brilhante, que seria coroado pelos gritos de Galvão Bueno, na Copa dos Estados Unidos: “É tetra! É tetra!”

Fora de campo, os personagens éramos meu irmão mais velho e eu. Por conta de um casamento terminado, meu irmão havia voltado a morar conosco e tentava se adaptar à rotina de ex-casado vivendo na casa dos pais. Parte dessa rotina era voltar a frequentar o Maracanã. Por isso, ficara acertado que iríamos àquela final da Taça Guanabara de 1986, entre Vasco e Flamengo.

O interessante é que naquela semana que antecedeu o jogo, minhas lembranças recuaram nove anos no passado. Eu, com onze anos, era louco para ver no Maracanãzinho um evento chamado Disney on Parade. Era um desfile dos principais personagens da Disney, que povoavam minha imaginação. Pois bem, naquele ano de 1977, meu irmão prometeu me levar ao tão sonhado desfile.

Então, numa noite de quarta-feira, lá fomos nós rumo ao Maracanãzinho, encontrar Mickey, Pateta e cia. Quando chegamos à bilheteria do ginásio, a decepção: os ingressos haviam se esgotado. Meu desapontamento foi grande. Não ver o Disney on Parade naquele ano, significava ter que torcer para que no ano seguinte eles viessem de novo ao país, o que não era uma certeza. Vendo minha tristeza, meu irmão sacou um plano B:

– Vamos ao Maracanã! Estão jogando hoje Flamengo e Internacional!

Criado em sólidas bases vascaínas, estranhei a solução apresentada e exclamei:

– Vamos ver jogo do Flamengo?!

Foi então que ele explicou, tentando me convencer, que muitas vezes ele, meu outro irmão e um grupo de amigos iam ao Maracanã ver jogos do Fluminense, apenas para ver o Rivelino jogar. E veríamos naquela noite, jogadores como Zico, Carpegiani, Júnior, Falcão, Batista e outros. Como o apelo do Maracanã sempre foi muito forte para mim, aceitei, e trocamos os bonecos da Disney, pelo desfile dos craques que jogavam no Brasil. O jogo foi um amistoso e o placar final de 1×1 refletiu o equilíbrio dos dois elencos. Um detalhe foi marcante para mim: pela primeira vez eu vi um gol do Zico!


Voltando a 1986. Aquele Vasco e Flamengo foi tenso, como, afinal, todos o são. Meu irmão e eu estávamos na arquibancada atrás do gol, no local ocupado pela Força Jovem. E víamos um Vasco excessivamente recuado, confiando nos contra ataques puxados por Mauricinho e Romário. O primeiro tempo acabou 0x0, e meu irmão consumiu um maço de cigarros inteiro, tal o nervosismo em que se encontrava.

Logo no começo do segundo tempo, o lateral Paulo Roberto bateu uma falta, cruzando para a área. Muitos jogadores dos dois times disputaram a bola, mas ela sobrou para Romário, que fazendo jus à alcunha de “gênio da grande área”, chutou de bate-pronto e fez 1×0. Festa de três personagens daquele jogo: Romário, meu irmão e eu.

O outro personagem, Bebeto, passou a tentar de tudo buscando o empate. Deslocava-se por todos os lados do campo, chutava de todas as distâncias, dava passes, mas de nada adiantou. Quase no final do jogo, Mazinho deu um chutão pra afastar o perigo da área do Vasco e encontrou o rápido Mauricinho, que puxou o contra ataque e lançou Romário. O craque tocou na saída do goleiro Zé Carlos e decretou  a vitória do Vasco: 2×0! Explosão de alegria na arquibancada! Meu irmão, que já havia devorado outro maço de cigarro, me abraçou e juntos éramos a expressão da felicidade naquele domingo de abril de 1986.

Nove anos separaram os dois episódios que narrei neste texto. Episódios de vitória e derrota. 


Perdi o Disney on Parade, mas ganhei, ao ver grandes craques de Flamengo e Internacional, naquele Maracanã de 1977. No ano seguinte, vi o desfile no Maracanãzinho, levado por uma prima.

Como vascaíno, ganhei um título sobre o Flamengo, naquele Maracanã de 1986. Ganhei, vendo um Romário jovem, imbatível na corrida e mortal nos arremates.

Meu irmão não namorava; casava. Logo, foi um homem de muitos casamentos desfeitos. A cada término acontecia uma volta pra casa. Dessa forma, tenho a sensação de que ele entrou e saiu da minha vida diversas vezes. Era como se eu o ganhasse e o perdesse constantemente. Como a bola que vai e vem numa partidade futebol.

No jogo da vida, eu o perdi em 2014, quando um câncer o levou. Por outro lado, desde então o ganhei para sempre junto a mim, pois ficou comigo seu carinho, sua amizade e uma saudade que às vezes teima em doer.

ROMÁRIO E A COPA DO MUNDO DE 2002

por Luis Filipe Chateaubriand


Passados quase 20 anos, a dúvida ainda persiste: afinal, por que Romário não foi convocado para a Copa do Mundo de 2002? 

A resposta me parece muito mais prosaica do que muitos imaginam: meu xará Luiz Felipe Scolari não contava com Romário para ser titular e, se o colocasse na reserva, temia que o Baixinho tumultuasse o ambiente. 

Parece claro que meu xará queria o trio ofensivo composto por Rivaldo e pelos dois Ronaldos. 

Confiava na recuperação clínica do Fenômeno para tal. 

Não passava pela cabeça do Felipão ter um quarteto ofensivo, formado por Rivaldo, Romário e os dois Ronaldos, no time titular – na visão do treinador, tal quarteto desequilibraria a escalação. 

Então, se convocasse Romário, seu destino seria o banco de reservas. 

E aí, o problema: Scolari temeu que Romário, jogador de forte personalidade, não aceitasse a reserva, criasse conflitos, desunisse o grupo. 

Preferiu não correr esse risco. 

Este signatário acha que seu xará agiu erradamente.

Mas o quê importa? 

Ganhamos o título, e o trio Rivaldo e Ronaldos deu “banho de bola’. 

Valeu, Felipão!

Hoje, você é superado. 

Naquela época, foi muito bem.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!