VOZES DA BOLA: ENTREVISTA CLÁUDIO ADÃO
Nenhum outro jogador vestiu mais camisas de clubes de futebol que Cláudio Adalberto Adão, atualmente com 65 anos.
Ninguém encantou mais os torcedores e extraiu de suas gargantas o grito expandido de goooooooool no ar ao desencantar as redes adversárias mais do que o filho de dona Ilma e seu Paulo, nos vinte e sete clubes pelos quais passou.
Cláudio Adão respirou e transpirou por cada um deles, foi profissional, foi atleta e o melhor de tudo: foi goleador!
Poucos, bem poucos, a ponto de contar nos dedos de uma das mãos, deram tantas alegrias a uma gente tão sofrida como são esses seres apaixonados que estacionam suas nádegas nas arquibancadas, fazem o coração bater mais forte e recebem a alcunha de torcedor de futebol.
Nascido na ‘Cidade do Aço’, como é conhecida Volta Redonda, naquele 2 de julho de 1955, quis o destino (alguns dizem que essa providência divina pelas leis naturais têm nome e se chama Oliveira, primo que o convidara para passar férias escolares em sua casa, em Cubatão), que num teste despretensioso na Portuguesa Santista, fosse aprovado com sobras.
Megalômano, logo em sua primeira experiência com a bola em um torneio amistoso com as participações das equipes do Santos e do Jabaquara, fez 8 gols, dois a menos que o 10 de sua camisa.
Convidado a treinar no time pelo qual Pelé se notabilizou, acabou sendo autorizado pelo pai a morar no alojamento do Estádio Urbano Caldeira e pelo treinador Chico Formiga a trocar o 10 de meio campo pela 9 de centroavante.
Adâmico naquele paraíso de terreno plano e verde, conheceu e se apaixonou por sua ‘Eva’, simbolizada na figura redonda de uma bola, mas não ouviu a voz do ‘Deus’ Pelé para não entrar em divididas.
No entanto, caiu na tentação e mesmo mordendo a maçã do pecado por amor a sua ‘Eva’, vestiu literalmente a camisa do Santos numa partida vadia no ‘Caldeirão do Diabo’, como era conhecido o Estádio Mário Alves de Mendonça (demolido anos depois para a construção de um grande supermercado), fraturou a patela e os ligamentos do joelho num choque involuntário com Luís Antônio, goleiro do América de São José do Rio Preto.
Na contusão, o vermelho do sangue de sua perna se misturaria ao preto de sua pele, e naquele 2 de maio de 1976, o pedido de sua mãe Ilma – para não entrar em campo – às vésperas do fatídico jogo, varreria à mente e se manifestaria de forma intensa na sua vida: o Flamengo seria sua redenção.
E foi.
Após presenciar o choro incontido dos seus pés com saudades da bola nesses 418 dias em que passou por um rígido tratamento de recuperação, seja na Escola de Educação Física do Exército no Rio de Janeiro, ou nas atividades físicas individuais, tão importante quanto foram o incentivo e o enxugamento de cada gota de suor de seu rosto, feito à época pela noiva Paula (com quem é casado há 43 anos).
Dois Fla-Flus foram o suficiente para ele dizer ao futebol: ESTOU CURADO!
Um em 1977, na vitória por 2 a 1, dois gols de Tita, que marcaria sua estreia de forma modesta pelo Flamengo e um outro no mesmo ano, no qual o camisa 9 marcou dois gols – sendo o segundo um golaço no ângulo – na vitória contra o Tricolor por 2 a 0.
Ali, naqueles 90 minutos, Cláudio Adão choraria em introspecção e mataria dos seus pés a saudade que estavam da bola.
Mas Adão estava curado e pôde desfrutar das coisas boas que o futebol lhe proporcionaria dali por diante, como a energia da torcida em cada gol marcado, independente das vinte e sete camisas que vestiu nesses vinte e poucos anos como jogador profissional.
Sim, pôde buscar pelas vitórias e títulos conquistados ao lado de Zico & Cia. no time da Gávea.
Sem dúvida, pôde jogar partidas gloriosas pelo Glorioso com o número 6 de Nilton Santos de cabeça para baixo às costas.
Definitivamente, tabelaria com Robertinho e Zezé no ataque Tricolor, clube paixão mor do dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).
E jogou, venceu e nunca perdeu ao lado de Roberto Dinamite, jogando em São Januário com a Cruz de Malta no peito.
Segundo seus próprios cálculos, 862 gols foram marcados, para outras fontes, 591 tentos, mas isso pouco importa.
Na verdade, trata-se certamente de ser um digno representante de qualquer lista dos maiores goleadores da história do futebol brasileiro e que infelizmente, não vestiu uma única vez a camisa da seleção brasileira, para sua maior (e porquê não dizer nossa também) tristeza.
Conviveu com a difícil missão de ser goleador por onde passou, enfrentou uma grave contusão e o racismo quando era auxiliar de Evaristo de Macedo no Flamengo, mas jura de pés juntos, ter tirado de letra.
Não bastasse tanto, ainda foi herói ao salvar a vida do irreverente ponta-direita Marinho (1957-2020), que se afogou ao tentar tirar ‘onda’ surfando numa madeira nas ondas revoltas na Praia da Barra, em 1985, quando foram companheiros no Bangu.
O Museu da Pelada conversou com Cláudio Adão, o nômade do futebol brasileiro para a série Vozes da Bola desta semana.
Por Marcos Vinicius Cabral
O que levou um menino de 13 anos, viajar 380,7 km de Volta Redonda a Cubatão, jogar na equipe amadora do Unidos do Parque Fernando Jorge, passar pelos juvenis da Portuguesa Santista e chegar no Santos, onde começou a carreira, em 1972?
Um sonho. Eu tinha um primo chamado Oliveira, que morava em Cubatão e meu desejo era jogar no Santos de Pelé. No entanto, para chegar lá, passei pelo Unidos do Parque Fernando Jorge e depois pela Portuguesa Santista, onde depois de um torneio contra o Santos e o Jabaquara, joguei muito bem. Foi aí que o seu Olavo, das divisões de base do clube, me convidou para fazer um teste no Peixe. Fiz, passei e iniciei minha vida no futebol.
É verdade, que você era meio campista e por sugestão do treinador, passou a ser centroavante, chegando a marcar 80 gols pelas equipes de base?
Verdade. Eu realmente comecei como camisa 10, e quem me orientou para virar centroavante foi o próprio seu Olavo e o Chico Formiga, ambos treinadores das categorias de base que diziam que eu teria mais oportunidade de subir para o time profissional como 9, porque o 10 era do Pelé.
Em seu primeiro ano de profissional no Santos, em 1972, você chegou a jogar com Pelé, antes dele ir para os EUA. Como foi jogar com o ‘Atleta do Século’ e conviver um pouco com ele?
Foi a realização do meu sonho de menino. Ele me dava muitos conselhos, mas ao mesmo tempo metia medo nos mais jovens. Mas foi o (ponta) Edu, que conversou bastante comigo e me aconselhou demais sobre como me comportar dentro e fora de campo. Aprendi muito com os conselhos do Edu e observando os movimentos e a colocação em campo do Rei Pelé.
Foi em um Santos x América, em São José do Rio Preto, no Estádio Mário Alves de Mendonça, que você fraturou a tíbia e o perônio. A contusão foi tão séria que o médico do clube, Dr. Daló Salerno, viu a fratura exposta e achou que você não jogaria mais. O que de fato aconteceu, isso atrapalhou sua carreira e como se recuperou?
Na verdade o médico que me operou e me acompanhou todo o tempo foi o Dr. Ítalo Consentino. Mas realmente, as fraturas foram muito graves, fiquei parado quase dois anos e com muita dedicação consegui voltar. Tive que me adaptar a uma nova maneira de jogar, porque perdi muita velocidade. É claro que esse acontecimento atrapalhou muito a minha carreira, pois logo de cara, perdi a Olimpíada de Montreal, da qual eu era capitão e maior nome da seleção na época.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?
Acordo todos os dias, faço meus exercícios com minha mulher, estou aproveitando para ler muitos livros e passo muito tempo com meus netos Flora e Joaquim, com os quais estou em quarentena desde março.
O Flamengo acreditou em você quando ficou dois anos parado, sendo inclusive peça-chave na conquista do tricampeonato carioca, em 1978 e 1979 e 1979 (especial). O sucesso foi tanto que virou até música, na voz de João Nogueira, que adaptou um samba de Wilson Batista: “O Mais Querido/Tem Zico, Adílio e Adão/Eu já rezei pra São Jorge/Pro Mengo ser campeão”. Por que resolveu sair e jogar no Botafogo?
Meu contrato venceu e a oferta do Flamengo não me valorizava como eu esperava. Aí, o Botafogo me fez uma proposta muito melhor.
A imprensa afirmou na época, que no Botafogo, seu salário era três vezes maior do que no Flamengo. Nada mal para quem na juventude, crescera idolatrando Didi, Garrincha, Zagallo e Nilton Santos. Por que ficou pouco tempo nessa sua primeira (de três) passagem pelo Glorioso?
Fiquei pouco tempo porque recebi uma proposta do Áustria Viena irrecusável, muito boa financeiramente falando, que acabou não dando certo por causa de exames médicos, que identificaram no meu coração uma onda T invertida.
E mesmo tendo sido identificado problemas no coração, continuou jogando sem problemas?
Na verdade, só tive conhecimento dessa onda T invertida nos exames médicos lá na Àustria. Lembro que liguei de lá mesmo para o cardiologista do Flamengo, Dr. Serafim, que me tranquilizou imediatamente e me disse que isso não representava nenhum perigo para a continuidade da minha carreira como jogador profissional de futebol.
Reprovado na Áustria por problemas médicos voltou ao Brasil para jogar em que clube?
No Fluminense, em 1980.
Falando em Fluminense, o tetracampeonato carioca pelo tricolor foi uma façanha para não ser esquecida. Mas é verdade, que você chegava a se arrepiar quando entrava em campo e ouvia os tricolores cantarem a música feita para o papa João Paulo II. “A benção, João de Deus…”.?
Olha, fui muito feliz no Fluminense e sou o recordista de gols do campeonato carioca até hoje pelo clube. E olha que passaram por lá, grande atacantes como: Romerito, Assis, Whashington, Ézio, Romário, Fred e tantos outros. Como sou católico, a música do João de Deus, realmente me emocionava e motivava muito.
No Vasco, mais uma vez campeão carioca, você carregou consigo uma história vencedora na principal casa de um clube de futebol, que é São Januário. Jogando no místico estádio, com a Cruz de Malta no peito, você não perdeu uma única partida sequer, não é mesmo?
Essa sempre foi uma característica minha como jogador ao longo de toda carreira. Depois dessa contusão grave no Santos, raramente, eu voltei a me machucar. Por todos os clubes que passei, sempre fui o jogador que mais atuava e no Vasco, não podia ser diferente. Sempre me cuidei muito e sempre gostei de treinar muito.
Entre tantos zagueiros que enfrentou, qual foi na sua opinião, o mais difícil? Por quê?
Os mais difíceis sempre foram os zagueiros que jogavam limpo, e desses, eu posso citar dois: o Amaral e o Luiz Pereira.
Quem foi o seu melhor treinador?
Vou citar alguns: seu Chico Formiga e seu Olavo na base do Santos, Zizinho na base da seleção brasileira, Didi no Botafogo, Tim e Pepe, ambos no Santos, e Cláudio Coutinho no Flamengo.
Por mais de duas décadas, você mostrou faro de gols apurado com as 27 camisas que vestiu, marcando 862 vezes. No entanto, não ter jogado uma Copa do Mundo, certamente deve ter te desapontado. Mas na verdade, foi Cláudio Coutinho, que não te levou em 1978 ou Telê Santana em 1982, o responsável da maior tristeza do jogador Cláudio Adão?
A maior tristeza foi eu não ter jogado pelo menos um jogo na seleção brasileira, nem sequer em amistosos. Cláudio Coutinho não me levou em 1978, mesmo sendo meu treinador no Flamengo e levou o Reinaldo machucado, algo surreal. Depois em 1987, eu jogando pelo Cruzeiro e o Telê, como técnico do Atlético Mineiro, me ligou e me confessou que me convocou em 1982, mas que a CBF pressionou e o obrigou a chamar Roberto Dinamite para o lugar do Careca, que havia se machucado. Acreditei nele, porque o Tele não escalou o Roberto para o banco de reservas em nenhuma partida nessa Copa do Mundo.
Sobre o Roberto ter ido por imposição da CBF em 1982, na Copa do Mundo da Espanha em seu lugar, o que será que o Roberto acha disso?
Nunca conversei com ele a esse respeito.
Nunca?
Não, nunca. Imagino que ele ficaria muito constrangido e seria uma situação desnecessária, já que não podemos voltar no tempo.
No dia 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que o futebol representou para o Cláudio Adão?
O futebol representa tudo na minha vida. As maiores alegrias, as maiores tristezas, o encontro com minha mulher, com quem estou casado há 43 anos, enfim, a realização de todos os meus sonhos, eu devo ao futebol.
Certa vez, você falou que pelas suas contas, ficou faltando apenas 138 gols para o milésimo gol. Se não tivesse ficado 418 dias sem jogar em virtude da grave contusão que teve antes de se transferir para o Flamengo, acha que chegaria lá?
Mole, mole, modéstia à parte. Hoje em dia, um atacante fica meses e até anos sem fazer um gol, coisa surreal. Muito diferente da minha época, no qual não podíamos ficar sem fazer gols por duas partidas.
Em 1989, pelo Corinthians, você marcou um gol de calcanhar contra o Palmeiras no Campeonato Brasileiro daquele ano. Por ter jogado nos maiores clubes do Brasil, qual foi, na sua opinião, o clássico que você disputou que é a maior rivalidade do futebol nacional?
Eu tive a felicidade de jogar praticamente todos os clássicos que representam as maiores rivalidades do futebol brasileiro: Fla-Flu, Flamengo x Vasco, Corinthians x Palmeiras, Cruzeiro x Atlético Mineiro, Ba-Vi, Ceará x Fortaleza, Santa Cruz x Sport e Santa Cruz X Náutico. De todos esses que eu joguei, acho que a maior rivalidade é Corinthians e Palmeiras.
Em entrevista ao UOL Esporte ano passado, você disse aos repórteres Diego Salgado e Vanderlei Lima, que o racismo atrapalhou seus planos em se tornar técnico de futebol. Como jogador ou cidadão comum, sofreu algum tipo de preconceito? O que pensa sobre o racismo?
Sofri vários episódios de racismo como jogador, como ser humano e como técnico. O racismo é inaceitável numa sociedade justa. Mas enquanto os brancos não saírem do seu lugar privilegiado e pararem de dizer que não são racistas e passarem a ser antirracistas, essa situação não mudará. Infelizmente.
Você disse que sofreu episódios de racismo, e qual foi o que mais te deixou magoado?
Foi quando eu era assistente do Evaristo de Macedo, no Flamengo, em 2002. Uma vez, chegando ao treino, escutei uma pessoa dizer numa roda de diretores, que conversavam sobre uma possível saída do Evaristo, que negro só servia para jogar, e não para comandar. Na época, fiquei super decepcionado, porque essa pessoa era meu amigo e o neto dele estudava com meu filho e os dois eram os melhores amigos. Fiquei decepcionado e nunca imaginei que ele era racista.
Dos clubes que você jogou no exterior, qual deles você enriqueceu mais, culturalmente falando?
Sem dúvida nenhuma no Al Ain, nos Emirados Árabes, em 1982. Foi a oportunidade de conhecer mais a cultura muçulmana e entender as diferenças gigantes entre a nossa cultura e a deles. Até hoje, conservo a amizade com companheiros e alguns sheiks com quem convivi nessa época.
Se Nilton Santos foi a ‘Enciclopédia do Futebol’ para os laterais, podemos dizer que você foi um livro de ‘Auto-Ajuda’ para os centroavantes?
Deixando a modéstia de lado, acho que sim. Penso que hoje faz muita falta para os atacantes ter a presença de ex-jogadores de futebol nas comissões técnicas, passando seus conhecimentos e experiências próprias.
Você tinha uma maneira de cobrar pênalti inigualável, se posicionando ao lado da bola e sem tomar distância. Como criou esse cobrança e depois de você, não vimos mais jogadores te imitando. Por quê?
Eu comecei a analisar que, quando eu caminhava para bater o penalti, eu me deslocava e às vezes, dava uma pequena vantagem ao goleiro. Foi dai que comecei a treinar batendo parado e me adaptei bem. Quando joguei no Sport Boys do Peru, formaram uma comissão de árbitros que analisaram a minha maneira de bater parado para ver se era ou não uma paradinha, à época proibida pela FIFA. Mas é lógico que concluiram que se eu já estava parado ao lado da bola, não podia estar efetuando a paradinha. Sobre outros jogadores baterem igual, não sei porque nenhum tentou cobrar dessa forma, mas ao mesmo tempo, considero que essa forma de cobrar pênaltis é bem difícil e requer mais força e precisão do que em uma cobrança normal.
Defina Cláudio Adão em uma única palavra?
Humildade.
Você é conhecido no futebol carioca por ter sido um dos poucos jogadores que defendeu os quatro grandes clubes do Rio de Janeiro. Afinal de contas, o Museu da Pelada quer saber: qual é o seu time de coração?
Santos (risos).
NÓS VOAMOS CONTIGO
por Claudio Lovato Filho
Aquele gol.
Aquele gol!
Eu tinha 12 anos, mas me lembro de tudo como se fosse hoje. E como esquecer?
O corta-luz de Tadeu Ricci para Iúra, a enfiada de bola de Iúra para André, o facão pelo lado esquerdo de ataque, o chute de direita, pé trocado, a bola no ângulo de Benítez, a torcida azul-preta-e-branca enlouquecida num Estádio Olímpico completamente lotado…
(“Dominei com a perna direita e com a perna direita mesmo foi, de três dedos”.)
… e então a comemoração do gol, a cambalhota no ar que não se completaria por causa de uma fisgada na virilha…
(“Bem na hora senti o rasgão”.)
… e lá está ele, flutuando, pairando no ar, e o fotógrafo Armênio Abascal Meireles no lugar certo e na hora certa, atento e a postos, produzindo uma das imagens mais representativas de comemoração de gol do futebol brasileiro em todos os tempos, um registro clássico.
Aquele gol. Aquele time. Aquele título.
André foi o último a chegar, e com a chegada dele ficava completo aquilo que para os gremistas não é apenas uma escalação, é um poema épico: Corbo, Eurico, Ancheta, Oberdan e Ladinho; Victor Hugo, Tadeu e Iúra; Tarciso, André e Éder.
André veio por insistência de Telê, dono de abençoada teimosia, e por decisão de Hélio Dourado, um dos maiores presidentes que o Grêmio já teve.
Em 13 de julho de 1977, ele chegava a Porto Alegre. No Aeroporto Salgado Filho, ao desembarcar, afirmou ao jornal “Folha da Tarde”, como relembra Daniel SperbRubin em seu magnífico livro “Heróis de 77”: “Preciso ser campeão aqui pelo Grêmio. Sei que o time não é campeão há oito anos, mas venho para fazer força e conseguir esse título”.
Quis o destino, ou quiseram os deuses do futebol, ou simplesmente quis a vida, ou como se queira nomear, que apenas três meses depois de seu desembarque, André fizesse o gol de um dos títulos mais importantes da história do Grêmio, aquele que abriu caminho para a conquista do país, do continente e do mundo.
Entre o aeroporto e o gol de pé trocado no Gre-Nal235, em 25 de setembro de 1977, André ganhou do locutor Haroldo de Souza o apelido de Catimba. Por quê? Porque nenhuma zaga tinha vida fácil com ele, porque ele era ruim de ser marcado, porque não tinha medo de porrada, porque apanhava, mas dava o troco, porque sabia fazer o tempo passar lá na bandeira de escanteio, se fosse preciso. E sempre estufando as redes, artilheiro habilidoso e inteligente que era.
Sempre foi assim, desde os tempos do Ypiranga, seu primeiro clube. No Vitória, para onde foi depois de passar pelo Galícia, formou um trio de ataque histórico com Osni e Mário Sérgio. No Bugre foi o antecessor de Careca. Chegou ao Grêmio já experiente, com 30 anos, para assumir o comando do ataque em lugar do veterano Alcindo, o maior artilheiro da história do clube, que havia retornado ao Olímpico, mas enfrentava frequentes problemas de lesão.
André jogou no Olímpico até 1979, quando conquistou outro Gauchão. Fez no total 67 gols com a camisa tricolor.
Nascido em Salvador em 30 de outubro de 1946, Carlos André Avelino de Lima, o eterno André Catimba, está completando 74 anos nesta sexta-feira. Feliz aniversário, centroavante! A nação tricolor te saúda. Comemoramos contigo esta data – tu aí na tua amada Salvador; nós, espalhados pelo Rio Grande, o Brasil e o mundo.
Nós te vimos pairar no ar, enquanto nossa história mudava.
A HORA DO ADEUS
por Sergio Pugliese
(Foto: Daniel Planel)
Ninguém nunca se atreveu a encostar na coleção de camisas de futebol de Pedro. Era uma senhora coleção, que tinha desde a do Íbis, pior time do mundo, até a recém lançada do Manchester City. Nunca foram lavadas para não correr o risco de desbotarem. Além disso, algumas eram autografadas, verdadeiras preciosidades. Imagine a assinatura de Túlio, de seu Fogão do coração, desaparecer após uma lavada? Nem é bom pensar. E não era uma simples camisa, mas a oficial, do título, usada pelo artilheiro, na final do Brasileirão, de 95, contra o Santos, e adquirida em um leilão. Faltavam cinco para atingir a marca de 600 camisas. Todas eram catalogadas e protegidas por um plástico, como nas lavanderias. Toda empregada que chegava era logo informada por Camila, a mulher, para ficar longe delas, bem longe. Mas a verdade é que Camila achava aquela coleção um estorvo. Na última mudança, Pedro não deixou as camisas serem transportadas no caminhão, com os móveis e as outras tralhas. Foi necessário um gasto extra e ele fretou uma Kombi. Levou todas nos cabideiros, da forma que estavam, para não saírem da ordem alfabética. Ele mesmo carregou tudo e o motorista só teve o trabalho de abrir e fechar a porta do carro. Pior. Pedro encantou-se com a camisa usada por ele, lindíssima, do Treze da Paraíba, e fez uma oferta durante o trajeto. Negócio fechado. Camila esperava os dois, em frente ao prédio, para entregar as chaves do apartamento e ir para o trabalho. Não entendeu nada quando viu aquele motorista, gordinho e peludo, sem camisa, sorrisão e cofrinho à mostra, abrindo a porta da Kombi.
– Seu Pedro, fiquei feliz com o negócio, estava precisando mesmo….
Camila percebeu uma camisa pendurada no ombro de Pedro e o fuzilou com os olhos. Estava claro que ele havia comprado do motorista.
– Tenho uma linda do Afogados, também….
Camila entregou as chaves e foi embora, danada da vida. Renato sabia que à noite discutiriam o relacionamento, com certeza. No almoço, Camila desabafou com as amigas, reclamou da irresponsabilidade do marido, da crise financeira que passavam _ por isso, a mudança _de sua falta de atitude e da cegueira em não perceber a situação negra atual. Camila chorou muito. No fim do almoço, sentiu-se enjoada.
– É gravidez, hein! – apostou Lúcia.
– Nem brinca! – desconversou Camila.
Mas após um teste na farmácia a gravidez foi confirmada! Marina chorou mais e mais, em um misto de felicidade e desespero, de tensão e alegria pelos anjos terem atendido seu pedido. Camila preferiu contar a surpresa em casa. Ao abrir a porta, as caixas de papelão ainda estavam amontoadas, móveis de cabeça para baixo, cenário de guerra, totalmente oposto ao quartinho, onde Pedro já arrumara os cabideiros, milimetricamente ordenados e combinando com os quadros do lendário Botafogo, da década de 60, chão brilhando e cheirando a produto de limpeza. O quartinho que não seria mais dele. Em pé, na porta, Camila olhou chorando para o amor de sua vida, seu primeiro e único namorado, o homem que a levou para assistir jogos em Conselheiro Galvão, Madureira, e em Ítalo del Cima, Campo Grande, o homem com quem tomou porres inesquecíveis, o menino que amava intensamente. Sentado no chão, lustrava um troféu, que ganhara em um torneio de futebol, no ginásio, e guardava, orgulhoso, para um dia mostrar ao filho. Não falou nada. Olhou para Camila com a certeza que suas promessas haviam sido atendidas. Choraram deitados no minúsculo quartinho. E naquele momento, Pedrão entendeu que precisava se desfazer da coleção, fazer uma grana e abrir espaço para a cria. Interessados não faltavam e na manhã seguinte, iniciou as ligações. Nunca chorou tanto, ainda mais quando Marquinhos, colecionador faminto, fez uma oferta irrecusável por todas, era pegar ou largar. Dava para montar todo o quarto e comprar um bocado de fraldas. Camila entendeu sua dor e os dois choraram mais, muito mais. Negócio fechado. No sábado, Marquinhos chegou no horário marcado. Morava em Macaé e havia pedido dica de frete. Pedro sugeriu o mesmo que levara tudo para o seu apê. Os dois chegaram juntos, Marquinhos esfregando as mãos de felicidade e o motorista, gordinho e peludo, com a camisa do Afogados, com a maldita camisa do Afogados.
O GALINHO DE QUINTINO
por Serginho 5Bocas
Hoje vou escrever sobre o ídolo da minha vida. O cara que me fez virar Flamengo, isso mesmo, meu saudoso pai, seu Domingos, me uniformizava de Fluminense e eu pensava ser tricolor, mas aquilo era puro amor, coisa de pai para filho e de filho para pai.
Mas ai veio a final do Carioca de 1977 e apesar da derrota nos pênaltis para o Vasco, virei fã do Galinho e nascia mais um coração Flamenguista por tabela. Meu pai, educado, inteligente e com muito bom senso, soube entender os apelos de um garoto dominado pelo imenso talento de um gênio do futebol e de uma torcida magnética e vibrante, não poderia realmente fazer nada para conter, já havia sangue rubro-negro correndo nas veias.
Voltando ao Rei Artur, vou me esforçar para não virar lugar comum e então vou tentar falar de Zico sem ser igual ao que já foi dito e pra isso escolhi duas vertentes: na primeira parte falo do desprezo e pouco caso que sofreu dentro do Brasil e, na parte final, sobre sua sina ou quem sabe falta de sorte com a camisa da seleção do Brasil.
Zico entrou na seleção tarde para os padrões de gênios, só debutou pela seleção canarinho em 1976, prestes a completar 23 anos. Talvez a concorrência fosse enorme, pois ainda vivíamos a época de ouro do futebol brasileiro. Há bem pouco tempo havíamos nos sagrados tricampeões do mundo no México sob a batuta de Pelé e ainda jogavam várias feras daquela época, sem contar os novos talentos trazidos por sucessivas “fornadas” de uma renovação constante de talentos do futebol brasileiro. Enfim, o caminho era difícil.
Apesar de ter sido considerado, pela revista PLACAR em 1974, o melhor jogador do Campeonato Brasileiro daquele ano, seus críticos chamavam Zico de craque de laboratório, um insulto, uma alcunha maldosa, por ele ter ganho massa muscular através de um trabalho de reforço muscular, inédito para os padrões da época. A ideia era ganhar corpo rapidamente para poder enfrentar os zagueiros que eram muito maiores. Mas na mente dos desafetos, plantavam a falsa história de que era uma forma desonesta de melhorar rendimento, como se fosse um doping. A ignorância era monstruosa, bem como covarde em relação a Zico, jogador do Rio de Janeiro e do Flamengo, um clube de massa mesmo antes de vencer tudo que venceu.
Outros o chamavam de craque de Maracanã, pois diziam que ele só jogava bem no maior estádio do mundo, que era medroso e pipoqueiro e que ao sair do seu galinheiro, o maior do mundo, tremia e não rendia o mesmo futebol, como se ser o rei do Maracanã fosse uma ofensa para alguém. Só mesmo de cabeças mesquinhas poderia brotar uma ideia nesse nível e tudo era obstáculo a ser superado.
Para se ter uma ideia das barbaridades que Zico sofria por conta de um bairrismo arraigado, certa vez em 1979, a seleção brasileira enfrentava o Ajax da Holanda em São Paulo e Zico fez um gol que o placar eletrônico não registrou, “congelando” o placar da partida no número anterior, só voltando a atualizar, um bom tempo depois.
No inicio de 1983, logo após o tri brasileiro do Flamengo sobre o Santos no Maracanã, foi anunciada a sua venda para a Udinese. Pelé não hesitou em dizer que ele não daria certo na Itália, num misto de ignorância, arrogância e falta de respeito com um grande craque e colega de profissão. O tempo mais uma vez se encarregou de contradizer o Rei do futebol e Zico mais uma vez teve que matar um leão para se impor.
Nada disso foi suficiente para desconstruir o Galinho, muito pelo contrário, ele sempre soube separar o joio do trigo e a não guardar rancor dessa parte podre da imprensa e da torcida contra. Zico deixou o tempo se encarregar de mostrar aos críticos que estavam errados.
Zico também teve sérios problemas quando se tratava de jogar pela seleção Brasileira. Apesar de ter jogado 93 partidas e marcado 68 gols (média de 0,73), de ter feito 11 gols em eliminatórias, de ter feito 5 gols em uma partida (amistosa) e de ter no currículo apenas 4 derrotas com a camisa canarinho, sendo apenas uma em tempo regulamentar de Copas do Mundo, Zico até hoje é visto por muita gente no Brasil, como um perdedor e um cara que não jogava bem com a amarelinha. Brincadeira, né?
Ele já começou com uma grande decepção pela seleção do BRASIL, ao ser cortado do grupo que iria a Olimpíada de 1972 em Munique, tendo em vista que ele ajudou a classificar o País, marcando o gol da classificação contra a Argentina. Foi um duro golpe aplicado pelo treinador Afonsinho e por forças ocultas.
Depois em 1978, chegou na Copa como uma grande esperança e logo de cara, no jogo de estreia, apesar do Brasil ter jogado uma partida fraca, ele fez um gol de cabeça no último minuto do jogo, após escorar um escanteio batido por Nelinho, mas o juiz anulou dizendo que encerrou a partida antes da bola entrar. No videoteipe, no entanto, é possível ver que ele não apitou o final da partida com a bola no alto, somente depois que viu a bola entrar é que indicou o final da partida. Mais uma vez o Galinho dava prosseguimento a sua sina.
Depois de ser barrado do time titular por pressão dos militares no terceiro jogo contra a Áustria, Zico foi voltando aos poucos ao time e já primeiro jogo da segunda fase contra o Peru, entrou no segundo tempo e marcou um gol de pênalti. No jogo seguinte, contra a Argentina, entrou bem novamente no segundo tempo, deu um passe maravilhoso para Roberto marcar, mas não aconteceu porque Fillol impediu com ótima defesa. Na terceira partida, contra a Polônia, em que ele já tinha recuperado a vaga de titular, com 2 minutos de jogo, foi cruzar uma bola na linha de fundo e abafado por Boniek, sofreu uma distensão muscular que o tirou da Copa e dos campos por um bom tempo.
Importante abrir um capitulo nesta Copa de vários equívocos, pois deixamos no Brasil Falcão, Paulo Cézar Caju, Marinho Bruxa, Carpegiani, Júnior, entre outros. Além disso, Rivelino, o nosso camisa 10, se machucou no inicio da competição e foi uma tremenda baixa, que impôs muita pressão nos ombros de uma geração nova que vinha pedindo passagem, mas que nunca tinham jogado um mundial: Zico, Cerezo, Edinho, Reinaldo, Oscar, Amaral, Jorge Mendonça, Batista, Roberto e Gil. Tudo marinheiro de primeira viagem que tiveram de resolver a parada sozinhos, sem um apoio dos mais experientes para uma leve transição, como deveria acontecer.
Depois veio a Copa América de 1979, única que ele jogou, e que estava “voando” baixo e decidindo os jogos, até sofrer nova distensão que o afastou das partidas decisivas contra o Paraguai. Sua ausência foi muito sentida e o Brasil perdeu o título.
Em 1982 na Copa da Espanha, quando finalmente Zico fazia uma grande Copa, perdeu para a Itália, num dos jogos mais dramáticos de todas as Copas, a chance de sua vida. Apesar de ter saído aplaudido e lembrado até hoje no mundo todo, a falta deste título é muito sentida por todos. Zico fez 4 gols e deu outras 4 assistências em 5 jogos, tendo participado de mais da metade dos 15 gols da equipe.
Em 1985, Zico sofre a pior contusão de sua vida por conta de uma entrada covarde e seus planos para a Copa de 1986 vão por água abaixo. Zico chega ao México sem as condições físicas ideais e ainda com muita dor em virtude do ligamento do joelho em frangalhos. Vai entrando no time aos poucos e no jogo contra a França ele perde o pênalti que marcaria definitivamente sua carreira. O Brasil ainda perdeu inúmeras chances de matar o jogo na prorrogação e foi vendo a vitória escorrer pelas mãos ou pés, até culminar com a derrota na disputa de pênaltis.
Ali todos já sentiam que a derrota se aproximava, pela velha máxima “que quem não faz leva” e levamos. Levamos uma ducha de água fria e mais uma derrota na conta de Zico que apesar de ter convertido sua cobrança, viu sua última chance de vencer a Copa do Mundo indo para bem longe, mantendo sua terrível sina com a camisa amarelinha.
Apesar de tudo isso, Zico tem lugar de destaque no mundo do futebol, é idolatrado por idosos, homens de meia idade, jovens, adolescentes e crianças que nem viram ele jogar, foi Deus para torcida do Flamengo, ídolo na Itália e Mito no Japão. Por onde passou deixou seu rastro de qualidade, humildade, talento e profissionalismo. Virou estátua no Japão e no Brasil, mas uma coisa Zico não vai mudar, a tristeza de seus fãs por ele não ter ganho a Copa de Mundo.
Do fundo do meu coração, abriria mão de todos os títulos, glórias e alegrias que ele me proporcionou pelo Flamengo por uma Copa do Mundo para ele, só para ver seu imenso talento e grandeza ser reconhecido na totalidade e estar em seu devido lugar e tamanho na história.
Encerro a crônica de hoje sobre o ídolo da minha vida com uma frase que adoro repetir:
“Nunca fui tão feliz antes nem depois de Zico”
O GUARDIÃO DO REI
por Zé Roberto Padilha
Sempre bom lembrar, no embalo do aniversário de um Rei, que recebeu seu cetro no México onde se tornou o primeiro atleta tricampeão mundial, daquele que bravamente protegeu seu Castelo.
Felix Miélli Venerando. O último goleiro da fase romântica do nosso futebol. Não tinham treinadores, o deles era o de todo mundo, e como aparelho de aprimorar fundamentos de última geração, apenas um tanque de areia para se jogar pra lá e pra cá.
E viviam a suplicar que nós, os “jogadores de linha”, chutássemos contra eles, após os treinos, bolas pra cá e pra lá.
Mesmo assim, quando um inglês entrou armado com uma bola sozinho em sua grande área, pronto a derrubar todo esse reinado, Felix se atirou aos seus pés com a cara e a coragem.
Uma defesa tão extraordinária que são incapazes de mostrar para a posteridade.
Reprisam a bola do Rei que não entrou, seu passe para o Capitão decretar a conquista, o tiro certeiro do arqueiro Rivelino contra as fronteiras uruguaias. Sua defesa, não.
Félix sabia que poucos lembrariam do seu gesto patriótico. Que ousadia, não Papel, defender com as mãos, e ser condecorado, e ser reconhecido, quem sabe lembrado, uma nação que apenas exalta aqueles que a defendem com os pés.