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ZARANI – O IMORTAL

por Rico

Foto: Marcelo Tabach

Senhores, levantem-se. É noite de gala no velho salão. As luzes amarelas tremeluzem como lamparinas, o rádio chiando ao fundo toca Waldir Calmon, e lá vem ele… Zarani, de camisa para dentro e a alma para fora, pronto pra dançar com a bola no compasso da paixão. Em 1951, tempo de calçadas largas e bondes tagarelas, de moças de vestido florido e rapazes de gomalina no cabelo. O América era mais que um clube – era bandeira pendurada na janela nos domingos de sol, era lágrima e sorriso no mesmo apito final. ZARANI era América. De corpo fechado e coração aberto. Queria jogar no campo do clube do coração, mas o portão estava trancado ao sonho dos meninos. Que fez ele? Rasgou a proibição com dribles e poesia. No estacionamento, entre pedras e carros de chapa brilhando ao sol, a bola rolava como se o mundo dependesse dela. Cordine, o carrão vaidoso da época, virou poste, driblado com malícia e respeito. Mas o chão machucava. E como todo gênio simples, ZARANI viu além: “ Vamos pro salão de festas. “ e o que era improviso virou invenção. Assim nasceu o Futebol de Salão. Num espaço de encontros, gargalhadas e passos apressados, a bola ganhou nova cadência, e os pés, novas histórias. Foi então que ele virou mais que jogador. Foi professor sem diploma, cronista sem jornal, poeta dos passos curtos, arquiteto das jogadas impossíveis. Fundaram a Federação – mas quem fundou o espírito foi ele. Com sua voz mansa, sua paixão eterna, ZARANI desenhou com os pés e as mãos o mapa da nossa saudade. No dia 11 de Maio de 2020, o tempo, esse árbitro severo, apitou sua saída. Mas quem conhece o jogo sabe: os IMORTAIS não deixam o campo, eles viram lenda. Hoje em cada quadra de madeira gasta, em cada criança que sonha com a bola leve, há um pedaço de ZARANI. Há um aplauso em silêncio. Há uma reverência sem fim. A ele os sinos do passado dobram. A ele, o AMÉRICA chora e sorri. A ele, o salão se curva em respeito e ternura. Esse é ZARANI. Esse é IMORTAL.

TOSTÃO DERROTA O REI

por Elso Venâncio

O fantástico Cruzeiro de Tostão mudou a cultura do futebol brasileiro. Antes do Esquadrão que brilhou na decisão da Taça Brasil de 1966, só eram convocados para a Seleção Brasileira jogadores do eixo Rio-São Paulo

O Cruzeiro de Tostão, Piazza e Dirceu Lopes foi um dos maiores esquadrões do mundo da bola. Brilhou na década de 1960, mudando a cultura do nosso futebol, que antes se resumia às forças dos times cariocas e paulistas. Tostão tornou-se o primeiro atleta de Minas Gerais a ser convocado para um Mundial jogando por um clube mineiro. Ele não só disputou, como era um dos principais jogadores do Brasil na Copa do Mundo de 1966, na Inglaterra.

A Seleção Brasileira que conquistou o tricampeonato mundial no México, em 1970, tinha dois titulares do Cruzeiro. Tostão e Piazza foram escalados em novas funções. Eleito pelos ingleses “o

maior jogador da Copa”, Tostão era meia e, por ser da mesma posição de Pelé, jogou adiantado, como precursor do falso centroavante. Já Piazza, titular no meio-campo com João Saldanha nas Eliminatórias, passou a formar a zaga de área com Brito quando Zagallo assumiu, a menos de três meses do

Mundial. O técnico surpreendeu ao cortar Dirceu Lopes, posteriormente conhecido como “o craque que não jogou Copa”.

Raul; Pedro Paulo, Willian, Procópio e Neco; Piazza e Dirceu Lopes; Natal, Evaldo, Tostão e Hilton Oliveira. Foi com essa formação que o Cruzeiro começou a decidir a Taça Brasil de 1966, equivalente ao Campeonato Brasileiro de hoje, e chocou o país do futebol ao golear o Santos, o maior time

do mundo na época, por 6 a 2. Um jogo histórico, disputado no dia 30 de novembro, no Mineirão. Dirceu Lopes foi o destaque, marcando três gols.

Na partida de volta, no Pacaembu, o Santos venceu o primeiro tempo por 2 a 0, gols de Pelé e Toninho Guerreiro. No intervalo, o folclórico Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista, e o presidente do Santos, Athiê Jorge Coury, procuraram Felício Brandi sugerindo o terceiro jogo (tira-teima) no Maracanã. Irritado, o presidente do Cruzeiro foi para o vestiário e, aos gritos, contou o ocorrido e motivou seus jogadores. A medida funcionou, pois no segundo tempo os mineiros reagiram, dominaram os adversários e viraram de forma espetacular, com gols de Tostão, Dirceu Lopes e Natal. Desta forma, a Raposa desbancou a hegemonia do Santos e conquistou o seu primeiro título nacional.

No vestiário, após a conquista, o craque Tostão lembrava emocionado que, antes da Copa na Inglaterra, seu pai queria realizar o sonho de conhecer Pelé e foi a Caxambu, no sul de Minas, onde a Seleção treinava. Ao ser apresentado pelo filho ao Rei do Futebol, Seu Oswaldo chorou como criança. Agora, Tostão tinha derrotado o ídolo do pai. A repercussão foi tão grande que a imprensa passou a discutir sobre qual era o grande time do planeta: o Santos, de Pelé; o Real Madrid, de Di Stefano; ou o fantástico Cruzeiro, de Tostão.

Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, deixou os gramados aos 26 anos, em 1973, menos de um ano após ser comprado pelo Vasco. O motivo foi uma  inflamação na retina, que o incomodava desde a conquista do tricampeonato pelo Brasil. Revelado pelo América Mineiro, o maior jogador da história do Cruzeiro formou-se em medicina. Atualmente, Tostão está com 78 anos e mora em Belo Horizonte.

SÓ A HISTÓRIA LHE FARÁ JUSTIÇA

por Zé Roberto Padilha

Seja bem-vindo ao futebol, Fernando Diniz. Um técnico além do seu tempo, que, como todos que inovaram, pagaram caro sua ousadia e vão ter que esperar a História.

Esta sim, justa, implacável, com pergaminhos e desenhos nas cavernas, a deixar rastros, fazer justiça aos seus experimentos sempre tardiamente reconhecidos.

Em meio a uma mesmice tática, de um zagueiro tocar para o outro, e voltar a bola, e depois atrasar para o goleiro, Fernando Diniz procurou atrair seus adversários, destreinados, a marcar sua saída de bola, mais do que treinada. E aí saía em contra-ataque diante dos espaços que criou perante à desarrumação que provocou.

Precisava de tempo. E do André, que escondia a bola, e do Nino, que tinha coragem de conduzi-la a abrir caminhos.

Depois de ganhar tudo, o Fluminense vendeu os dois. E todos os Limas e Martinellis ali experimentados não foram capazes de manter o padrão. Entrosamento não vem com compras, vem com treinos.

Os resultados desapareceram, e mesmo ganhando a Libertadores, foi demitido. E a inovação deu lugar ao conservadorismo, de Mano Menezes, do alto-astral que Renato transmiste ao elenco, mas…, se fosse depender deles, os conservadores, a roda nunca seria inventada.

Mesmo punido por sua ousadia, pela falta de tempo que precisa para afixar a roda no lugar, já dá para ver o Rossi brilhantemente ter o passe que tanto sonhou para o Fábio .

A Liberdade que concedeu ao Ganso nunca mais foi perdida. Fora a briga para manter o Samuel Xavier como titular.

Enfim, boa sorte na carreira. Como Santos Dumont, você deu a partida. E os céus, e os gramados, daqui a pouco vão ser alcançados pelos asas que você concedeu aos John Arias.

A CREDIBILIDADE QUE FALTA AO NOSSO FUTEBOL

por Zé Roberto Padilha

Em meio aos seguidos escândalos da CBF, as denúncias de atletas envolvidos com venda de resultados, o desapontamento de todo brasileiro que viu desaparecer quem honrasse a camisa 10 da nossa seleção, abria as páginas do meu jornal à procura de um bom exemplo. Uma boa notícia.

E nada.

Aí eu lembrei deste cidadão aí da foto: Carlos Alberto Parreira. Uma das pessoas mais estudiosas, educadas e corretas que conheci. Quem trabalhou no futebol, treinado ou preparado por ele, sabe do que estou falando.

Impossível esquecê-lo porque foi o único treinador que nos deu um livro de presente. O nome ” O milagre da Rua 43″. Em meio aos churrascos que nos convidavam às segundas, o chope do domingo após as partidas, que ninguém é de ferro, quem pensaria em nos presentear com um livro?

Parreira sabia que, depois da aposentadoria, todos nós precisaríamos de um outro ofício. Se assinamos o primeiro contrato aos 20 anos, e o último com 35 anos, temos que buscar no mercado mais 20 anos para ter direito à aposentadoria. E foram poucos os avisos perante o fascínio da profissão.

Alguns, bem relacionados, viraram comentaristas. Outros, tentam a carreira de treinador. Mas a maioria vai precisar correr atrás de emprego. E passar por uma entrevista. E como alcancar esse cargo graduados em churrascos e pós doutorados em Chope da Brahma?

Moro na Rua 14 de Dezembro, onde milagres não ocorrem, mas as lições vindo das páginas de uma outra rua, a 43, foram preciosas e definitivas na minha vida.

Mesmo porque para ser um escritor você precisa se abastecer com livros. Eles, sim, é que vão abrir novas avenidas na vida da gente.

Seremos sempre gratos a ele.

ELE NÃO ERA DESSE MUNDO

por Zé Roberto Padilha

Fica difícil explicar para a IFFHS – essa sigla tão confusa quanto suas conclusões -, que acaba de eleger Messi o melhor jogador de todos os tempos, que Pelé jamais poderia estar em segundo lugar.

Porque Pelé não era desse mundo. Messi, sim.

Pelé chutava forte com as duas pernas, cabeceava bem, e tinha uma força muscular que só décadas mais tarde, com o desembarque das máquinas Nautilus e Apolo, foram alcançadas pelos simples mortais que calçavam chuteiras.

Somada a sua inteligência, era capaz de, mesmo estando atrás da linha do meio campo, encobrir o goleiro adversário com a simplicidade de movimentos de quem deu um passe. Ninguém nesse mundo foi capaz de alcançar tais super poderes.

Pelé fez mais de 1200 gols, ganhou três Copas do Mundo e fez com que duas nações africanas, em guerra, dessem uma trégua apenas para vê-lo jogar. Pelé inventou a paradinha para cobrar uma penalidade máxima e a tabelinha, que combinou com o Coutinho.

Pelé reinventou o futebol.

E foi coroado o seu Rei pela mais importante fonte esportiva do mundo, a Revista France Football. Ele chegou, encantou e colocou um país descoberto, pouco conhecido, para a admiração do mundo.

Pois se Cabral nos viu primeiro, o Rei Gustavo, da Suécia, se espantou, como todos que amam o esporte, com o futebol-arte que, em 1958, foi apresentado ao mundo.

Após seu país perder em casa a final, e de goleada para o Brasil, desceu a tribuna para entregar a Taça Jules Rimet, com uma pergunta que os terráqueos faziam para si mesmo.

– De que planeta veio esse tal de Pelé?