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OS NOVOS DONOS

por Idel Halfen

A quantidade de casos de jogadores de futebol adquirindo participação em times da modalidade começa a atingir índices dignos de observação. Nesse movimento podemos citar: David Beckham (Inter Miami), Zlatan Ibrahimovic (Hammarby, clube sueco), Mbappé (SM Caen, da segunda divisão francesa), Kanté (Royal Excelsior Virton, da terceira divisão belga), Fabregas e Henry (Como da Itália) e Piqué (FC Andorra), entre outros.

Não vamos aqui entrar no mérito da participação acionária deles, pois, entendemos que tão ou mais importante do que isso,
é a governança a ser implantada.

Mas o que será que leva ex-jogadores a investirem em clubes de futebol?

A resposta para essa indagação passa inicialmente pelo fato de a carreira de jogador ser relativamente curta, além de facultar para alguns a oportunidade de amealhar uma boa reserva financeira. Esse cenário propicia a possibilidade de se aplicar tais recursos numa atividade que, em tese, dominam, unindo-a com o “prazer” de poder continuar no ambiente que lhes proporcionou sucesso. 

Não são raros os casos de ex-jogadores que, após a aposentadoria, tentam carreiras que lhes permitam se manter, digamos, atuantes. Parte assume cargos em comissões técnicas, parte vira empresário, enquanto outra vai para a imprensa comentar sobre o esporte. Já o número de jogadores que se tornam gestores não é tão grande e o de proprietários de equipes é ainda menor.

Aqui me vejo na obrigação de explicar a razão pela qual utilizei o “em tese” quando me referi ao domínio da atividade. Meu ponto é que não basta ter vivido em uma função para se tornar apto acerca de tudo o que ela envolve, isto é, o fato de ter sido um bom jogador, não transfere automaticamente a capacidade de gerir um clube, da mesma forma que um bom gestor não vai se tornar um bom jogador pelo fato de ter experiência gerindo times de futebol.

Embora tenha citado o futebol, o movimento de ex-atletas que adquirirem participações em equipes ocorre em outras modalidades, como ilustra a aquisição do Charlotte Hornets pelo Michael Jordan em 2010 (vendeu em 2023) e da tenista Serena Williams, que se tornou sócia do Toronto Tempo da WNBA.

A discussão que se faz urgente é sobre a importância em se ter uma boa gestão numa atividade que, apesar de não ser nova, passa por um processo de mudança nos controles acionários e faz com que o desempenho esportivo – cobrado pelos torcedores – fique cada vez mais dependente dos resultados financeiros, os quais, por sua vez, são cobrados por acionistas como forma de renumerar os investimentos alocados.

Na verdade, o mesmo questionamento sobre a capacidade de um ex-atleta gerir um clube, ou mesmo uma confederação, se estende aos neófitos na atividade que acabam entrando nesse mercado por variadas razões, entre as quais, o provável conhecimento esportivo e/ou “popularidade”.

Muitas vezes, parecem ignorar que ter conhecimentos sólidos de administração, finanças, planejamento estratégico, recursos humanos e marketing é fundamental, assim como, evidentemente, da parte esportiva. 

Dessa forma, tendo a concluir que um dos grandes desafios da gestão esportiva é estabelecer uma governança capaz de determinar responsabilidades e objetivos para as organizações que atuam numa indústria com características bastante peculiares e pouca similaridade com qualquer outra. Cumprindo tal etapa, o processo de formação de equipe fica muito mais assertivo.

Infelizmente não é o que temos visto no Brasil.

A VOZ DO CORAÇÃO

por Zé Roberto Padilha

Quem se joga nas profundezas das relações, das que prosperam, das que são recolhidas, sabem do que estou falando. Os que molham só o pezinho, os amantes de superfície não vão alcançar a sua profundidade.

Falo sobre os segredos daquele órgão que vive a desafiar a razão. O mesmo que contraria o senso comum e invade a contramão onde transitam todas as certezas. E estacionam todas as opiniões.

A Arlindo Cruz foi concedida a graça de traduzir, em versos, prosa e samba os segredos do coração. Esse mesmo, o teimoso, que não escuta ninguém e faz da gente zumbis que transitam pela noite de braços dados com a solidão.

Arlindo olhava pra lua é não via o astro que brilhava, ele via a luz que mantinha acesa o que restou do romantismo. Sua sensibilidade foi capaz de nos tornar cúmplices do inusitado. Reféns do imponderável.

Foi nas suas músicas que encontramos as explicações que nos mantinham acolhidos, felizes e agradecidos por saber que não estávamos sozinhos por mais fria que fosse a madrugada.

A arte tem disso, ameniza frustrações, potencializa aspirações e nos leva a deslizar nas pistas escorregadias desta coisa linda, única, conhecida por vida.

E ela acaba de perder um pouco da sua graça, muito da sua ternura quando deixa escapar quem mais a entendia. Quem melhor a traduzia.

Descanse em paz meu ídolo.

AO MESTRE COM CARINHO

por Zé Roberto Padilha

Alguém precisa contar para Carlos Ancelotti o que João Saldanha, treinador da Seleção Brasileira, fez para que o Brasil conquistasse o tricampeonato. Algo inédito e corajoso.

Pela primeira vez um técnico teve a ousadia de levar ao mundial a prática comum de um treinador de peladas. Aqueles que escalam os melhores jogadores e eles mesmo que criem um sistema tático. Não que um sistema tatico se sobreponha, se coloque acima e sacrifique um dos melhores.

Enquanto muitos gostariam de ver a camisa 9 com Dario, artilheiro do Brasil e com o carisma que agradava ao regime militar, João Saldanha não abriu mão de levar a campo os melhores jogadores em atividade no país.

E escalou um ataque com os quatro camisas 10 que reinavam em seus clubes. Jairzinho, do Botafogo, Tostão, do Cruzeiro, Rivelino, do Corinthians e Pelé, do Santos. E disse: “Se virem!:

Jairzinho foi para uma ponta, Rivelino precisou se adaptar a outra, Tostão deu um passo à frente e Pelé…bem, ninguém seria capaz de mexer o seu trono de lugar.

Todos marcaram gols durante a Copa do Mundo e tivemos, graças a sua coragem, o maior ataque de todos os tempos.

Alguém precisa contar essa passagem para Carlos Ancelotti. Quem sabe ele pare de procurar em Richarlison, Igor Jesus e outros valorosos centroavantes, a solução para a camisa 9. E a entregue ao nosso maior craque, Neymar.

Tostão, na ocasião, também não gostou de deixar a 10, da criação, para ser o 9, da finalização. Como todos os 10, precisavam de uma referência à sua frente para criar espaços para desenvolver sua arte. Muito menos, Rivelino, o Garoto do Parque, convidado a ocupar uma ponta. Mas logo se adaptaram porque a arte circulava por todos os pés.

Neymar não pode estar de fora da seleção. E se a seleção não pode contar mais com o Neymar que deixou o Santos, melhor se adaptar ao que voltou ao Santos.

Com menos pernas, para circular, mas com todo o domínio do mundo para ser o maior pivô de todos os tempos.

O nosso camisa 9 da próxima Copa do Mundo já está em campo. Falta apenas contar para o italiano quem foi o jornalista, que se tornou treinador, que teve o bom gosto de não deixar de fora da seleção nenhum craque.

“Se virem!” E eles meteram 4×1 na decisão contra a Itália.

SAMBA RUBRO-NEGRO

por Elso Venâncio

Gigante compositor, Wilson Batista é bastante mencionado por ter integrado a boemia da Lapa e por conta da sua polêmica com Noel Rosa, de quem foi rival na música, na malandragem e em conquistas amorosas. Mas o que vamos evidenciar hoje é a sua paixão pelo Flamengo, clube que homenageou em várias canções. Em uma delas, chamou o parceiro Jorge de Castro para dar ênfase ao bicampeonato carioca de 1953 e 1954, que viraria tri em 1955. Assim nasceu o “Samba Rubro-Negro”:

“Flamengo joga amanhã, eu vou pra lá / 

Vai haver mais um baile no Maracanã! / 

O mais querido tem Rubens, Dequinha e Pavão /

Eu já rezei pra São Jorge, pro Mengo ser campeão”.

O sucesso explodiu no Carnaval de 1955, ano em que o Flamengo sagrou-se o primeiro tricampeão da história do Maracanã. O time, comandado pelo lendário técnico paraguaio Fleitas Solich, chegou ao título vencendo o America por 4 a 1, com quatro gols de Dida na final. Era a consagração do próprio Dida e do também craque Evaristo de Macedo como ídolos eternos do clube de maior torcida do Brasil.

Durante o longo Campeonato Carioca, que começou em agosto de 1955 e só terminou em abril do ano seguinte, o então presidente do Flamengo, Gilberto Cardoso, sofreu um infarto. O fato ocorreu por conta de uma partida decisiva no basquete, em que Guguta fez a cesta da vitória sobre o Sírio e Libanês, no Maracanãzinho, garantindo ao clube da Gávea o pentacampeonato estadual da modalidade. Gilberto ainda chegou a ser atendido em um pronto-socorro, mas não resistiu aos impactos da emoção.

Palco do título rubro-negro com ares de tragédia, o ginásio do Maracanãzinho passou a se chamar Gilberto Cardoso após o ocorrido. Outra homenagem foi feita pela torcida do Flamengo meses mais tarde, quando se confirmou o tricampeonato no futebol. Empolgada, a Nação saiu direto do Maracanã para o Cemitério São João Batista, comemorando o título no túmulo do histórico presidente.

Cantado em bares e cabarés, o “Samba Rubro-Negro” migrou para as arquibancadas. Seu refrão soa forte: “Pode chover, pode o sol me queimar / Que eu vou pra ver a Charanga do Jaime tocar / Flamengo! Flamengo! Tua glória é lutar”, no que o baiano Jayme de Carvalho, pioneiro na criação de torcidas organizadas, completava com um verso do hino oficial: “Flamengo! Flamengo! Campeão de terra e mar”.

Clube brasileiro mais homenageado com músicas, o Flamengo possui dois hinos. O oficial foi composto por Paulo Magalhães, em 1932, enquanto o mais popular, do verso “Uma vez Flamengo, sempre Flamengo”, teve autoria de Lamartine Babo, em 1945. 

Ao longo da história, o “Samba Rubro-Negro” de Wilson Batista teve vários intérpretes, entre eles Gilberto Gil. Também ganhou outras versões, como a de João Nogueira, que caiu no gosto da galera no final dos anos 1970. Para homenagear a equipe liderada por Zico, que em 1981 chegaria ao título mundial, João alterou a letra do samba, trocando os nomes de Rubens, Dequinha e Pavão pelos de Zico, Adílio e Adão. Recentemente, o filho Diogo Nogueira, que herda do pai a paixão pelo Flamengo, fez o mesmo para homenagear o time de 2019. Na sua versão, a letra passou a ter Gabigol, Bruno Henrique e Arão. 

Wilson Batista nasceu em 3 julho de 1913, em Campos dos Goytacazes, mesma cidade de Gilberto Cardoso. É ídolo de Paulinho da Viola, que o considera um dos nomes mais importantes da música brasileira. Faleceu em 1968, aos 55 anos, no Rio de Janeiro, deixando um extenso legado e mais de 550 composições, incluindo o famoso “Samba Rubro-Negro”.

ZÉ SÉRGIO, O ÚLTIMO “ABRIDOR” DE DEFESAS PELAS PONTAS DO FUTEBOL BRASILEIRO

Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Ari Lopes

“Vai estudar, menino! Quero te ver formado em Engenharia ou Medicina na faculdade”, diziam os seus pais Sérgio e Guaraciaba toda vez que viam Zezinho caminhando à procura de um campinho com a bola Rivelino (bola de plástico, chamada dente de leite, fabricado pela Trol nos anos 70) debaixo do braço.

Português, Matemática, Geografia ou História na sala de aula não eram as disciplinas preferidas pelo menino. Ele preferia estudar e treinar os ‘elásticos’, os dribles curtos, e as bombas com o pé-esquerdo que fazia questão de assistir com o professor e primo Rivellino, nas aulas de futebol de salão do Esporte Clube Pinheiros, Zona Oeste de São Paulo.

Atento, Zé Sérgio era um aluno aplicado. Na verdade, desde cedo o que ele queria era imitar o primo famoso e ser no futebol um craque como ele, aplaudido pela multidão que lotava os estádios de São Paulo, principalmente o Morumbi, o Pacaembu e o Parque São Jorge, nas noites de quartas feiras e domingos nos jogos do Corinthians.

“Era fominha. Meu negócio era jogar bola e chegar perto do que o Riva foi”, relembra José Sérgio Presti, conhecido como Zé Sérgio, um dos pontas mais maravilhosos do futebol brasileiro.

Aos 13 anos, o que Zé Sérgio aprendia com o primo do bigode mais famoso do Parque São Jorge, colocava em prática no futebol de salão no Esporte Clube Banespa. Estamos no ano de 1970, quando a Seleção Brasileira, dirigida por Zagallo, e considerado o maior Escrete Canarinho da história, conquistou o tricampeonato da Copa do Mundo, no México.

A história e os números mostram que Zé Sérgio foi um dos mais habilidosos pontas do futebol brasileiro.Gracas a Deus e aos deuses da tecnologia, quem é da geração pós 1980, e não teve o prazer de vê-lo jogar, pode comprovar o que falo nos arquivos do YouTube e outros arquivos de internet. Zé Sérgio foi eleito o melhor jogador do Brasil em 1980, quando craques como Zico, Roberto Dinamite, Reinaldo, Falcão e Cia desfilavam seus talentos pelos gramados do Brasil a fora. Devastador com a bola nos pés e seus dribles sobre os laterais, o camisa 11 do São Paulo abria defesas consideradas inexpugnáveis.

Leandro, ex-lateral do Flamengo e seleção brasileira, agradece a Deus por não tê-lo enfrentado.”Zé Sérgio foi o melhor ponta-esquerda da minha geração. Driblava para dentro e para fora com a mesma intensidade e categoria. Forte, atrevido, não tinha medo de cara feia. O Telê Santana gostava muito dele e se não fosse a contusão séria que teve no braço, certamente estaria conosco na Copa do Mundo de 82. Graças a Deus que não encarei a fera”, brinca.

Já Luís Carlos Winck, ídolo do Internacional, não teve a mesma sorte. O ex-camisa 2 do Beira-Rio relembra os confrontos com o ponteiro. Para ele, que quase jogou no Vasco com Zé Sérgio, era difícil marcá-lo, já que o drible que ele dava podia ser para qualquer lado com a mesma eficiência.

“Zé Sérgio foi um dos grandes pontas do futebol brasileiro. Era rápido e driblava com muita qualidade, tanto para a direita, quanto para a esquerda. Tive o prazer de enfrentá-lo quando jogou pelo São Paulo e era complicado para nós. Era um futebol mais romântico na nossa época e os times, a maioria deles, recheados de craques. Zé foi um ponto fora da curva”, recorda.

Embora tenha surgido no hiato de Paulo Cézar Caju e Dirceu – jogadores que usaram a camisa 11 nas respectivas copas de 74 e 78 – Zé Sérgio merecia atenção especial dos treinadores.

Para Cláudio Coutinho (1939-1981), a célebre frase de Nelson Rodrigues (1912-1980) que diz que “Toda unanimidade é burra”, fazia sentido. Tanto que ele não via Zé Sérgio como titular no escrete canarinho, em 78, na Argentina. Atuar ao lado do primo Rivellino com a Amarelinha, não passou de um sonho, que Coutinho não permitiu.

Por sua vez, Telê Santana (1931-2006) sabia que Zé Sérgio na ponta esquerda, com Junior de lateral, formariam uma dupla respeitável e temida. Titular no lugar de Éder naquele timaço de 82? Só os treinamentos poderiam responder.

No entanto, o certo é que nesse tabuleiro de peças que é o futebol, o ponteiro são-paulino foi convocado.

Desde que surgiu e buscava de certa forma se descolar da fama de ser o primo sai de Rivellino, Zé Sérgio cortou um dobrado. A rotina de treinamentos, exaustivos, o levava ao limite. A má sorte nas contusões que tanto o prejudicaria na carreira, fazia congestionar os olhos com lágrimas. Era preciso ser forte para não sucumbir à depressão.

“Eu lutava com unhas e dentes para me livrar daquele estigma de ser primo do Riva. Tinha que ser mais eu, se quisesse progredir no futebol”, contou ao Museu da Pelada.

Estrela do título do Paulistão de 77 pelo São Paulo, o que Zé Sérgio queria, de verdade, era fechar os olhos, lembrar dos passeios que fazia com o cão Scooby, dos torcedores tricolores levantando das arquibancadas toda vez que recebia a bola partindo para cima dos marcadores e das conversas mantidas com o primo Rivellino. A paz, buscada pelo ex-camisa 11 do São Paulo e do Santos (trocado por Pita), sempre esteve distante nos momentos mais tensos da carreira.