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DIEGO, O CAVALEIRO DA GUARDA DO RISO E DO SONHO

por Marcelo Mendez


Era uma tarde de 1986 quando o Pai me chamou para assistir Argentina x Inglaterra pelas quartas de final da Copa do Mundo. E o que aconteceu no Estádio Azteca naquele domingo elevou o que era pra ser apenas futebol a algo épico, imortal.

Vestido com uma camisa 10 azul, um pequeno homem vindo de uma favela de Lanús carregava em seus ombros todo o peso de ser esperança de um País dilacerado por uma guerra imbecil nas Malvinas, dilacerado por uma ditadura sangrenta, à margem da miséria por conta de uma inflação absurda. A única chance daquela nação sorrir era ter naquele camisa 10 algum tipo de esperança. Sempre foi isso.

Maradona era o triunfo dos desfavorecidos. Era o riso surgindo na cara dos pobres que só conheciam a dor. Não foi diferente naquela tarde.

Com a mão, socou a razão para dentro do gol dos ingleses e para que não restasse a dúvida, munido de apenas a bola rente ao seu pé esquerdo, driblou um punhado de ingleses deixando a bola onde ela gostaria de estar, fazendo um gol que entrou para história do futebol e das vidas de muito gente como a minha. Ali se fez uma premissa de vida; Maradona jamais frustrou só que o amavam.

Nunca foi um peso para ele ter todos nós, ávidos por encanto em seus ombros. Sempre encarou com maior prazer a responsabilidade de ser o Cavaleiro da Guarda do Sonho e do Riso. Viveu sua vida para isso, para nos fazer ver que o sonho era possível, que a vida dura seria um pouco mais suportável com ele a defender em campo as causas que acreditava, a guardar pelo riso dos Napolitanos, aos torcedores Argentinos e a todos nós que o saudavam. Tudo isso foi muito rápido.

Como narrou Vitor Hugo Moráles, Maradona foi um “Barrilete Cósmico, vindo de um planeta incerto e distante da nossa compreensão de mortais. Na narração, Vitor diz “Quero Llorar…”, como faço agora. A lágrima grossa que escorre da minha barba para o teclado, me impede que eu revise essa crônica, a emoção não me permite. Sabe, dias atrás eu pedi pra você “Fica Diego, por favor” e você não ficou. Tudo bem. Em sua vida você nunca fez o que os outros quiseram, não iria mudar agora. Você foi Diego…

Você foi o melhor sonho da minha vida.

Gracias Diez

EL PIBE

por Paulo-Roberto Andel


Maradona acabou de falecer. 

Com ele, também morre uma era. 

Polêmico, instigante, admirável, ferino, libertário, gênio, craque. Craque demais. Não pode ser resumido em adjetivos. 

Poucos personagens puderam encarnar tão bem a mistura de garra, poesia e tragédia tão típicas do imaginário portenho. 

Nele, o mais poderoso estava em sua condição humana. Ídolo de milhões de pessoas pelo mundo afora, mito de verdade, semideus em sua terra, ele nunca abdicou de sua condição humana, tanto por alguns erros quanto por incontáveis acertos. Seu discurso era genuíno: vivia o que acreditava.

Sinceramente, por mais que fosse previsível, eu não esperava por esse dia. A imagem que tenho de Maradona é a do jovem no Maracanã fazendo Leão, o poderoso goleiro da Seleção Brasileira, se esticar todo para evitar um gol em 1979. Dez anos depois, um chutaço do meio de campo explodindo no travessão.

Por mais que ele mesmo provocasse, e a imprensa adorasse, não precisou ser maior do que Pelé no campo para ser gigantesco, eterno, senhor supremo e absoluto. Também não foi Garrincha, mas assim como o craque brasileiro conduziu o Brasil no Mundial do Chile, Maradona o fez na segunda Copa do México. 

Em sua história há de tudo um pouco: tango, papel picado, jogadas espetaculares, uma Copa do Mundo nas mãos, a Máfia, as drogas, os prazeres, a sinceridade, o amor, a empatia, o carisma e um talento para o futebol que atravessou continentes e memórias.

À essa altura, em algum lugar nosso Fernando Vanucci está narrando uma jogada fantástica de Maradona num Globo Esporte. Jorge Curi, narrando um golaço-aço-açooooo. João Saldanha comentando e aplaudindo da cabine de rádio.

Ou talvez tudo seja apenas o último capítulo, silencioso, de um filme impecável: a história de um garoto que ganhou a Terra com a bola nos pés.

Maradona, nosso ídolo e algoz, herói do povo argentino e mosca na sopa dos moralistas.

Nós, simples mortais, lamentamos. Ele, não: já estava condenado à eternidade desde sempre. 

@pauloandel

CRAQUE NA BOLA E NA TELINHA: HELENO DE FREITAS

por André Luiz Pereira Nunes


Expoente de uma época em que o futebol ainda não se transformara em um mercado altamente lucrativo, na qual o jogador se identificava com as cores de seu clube, Heleno de Freitas foi um dos grandes nomes do futebol sul-americano dos anos 40. Contudo, a exemplo de seus companheiros de geração, não se tornaria milionário como qualquer atleta de nível médio dos tempos de hoje.

Ao contrário do que se poderia prever, a produção cinematográfica dirigida por José Henrique Fonseca, de 2012, não deve ser resumida a uma temática futebolística, mas sim um drama. Não haveria outra maneira de se narrar a triste trajetória do polêmico ídolo amado pela torcida botafoguense e precursor de uma série de “bad boys” do futebol brasileiro. Quem acompanhou as trajetórias de Edmundo, Ronaldinho, Adriano e outros atletas, talvez nem imagine que tiveram um célebre antecessor.

Referencial do Botafogo, na era pré-Garrincha, foi apelidado pela torcida adversária de Gilda, personagem estrelada por Rita Hayworth, no papel da mulher tão bela quanto complicada. O ídolo marcaria sua trajetória pelo time de General Severiano com 209 gols, em 235 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história da agremiação alvinegra. Em 1948, fora vendido ao Boca Juniors, até então a maior transação do futebol brasileiro. De volta ao Rio de Janeiro, atuou pelo Vasco da Gama, conquistando o título de campeão carioca de 1949, coadjuvado pelos companheiros do inesquecível “Expresso da Vitória”. No Júnior de Barranquilla, da Colômbia, marcou 14 gols em 47 jogos. Entre 1950 e 51, ainda defenderia as cores do Santos ao assinalar a incrível marca de 18 gols em 20 jogos. Encerrou melancolicamente a carreira no America ao jogar somente uma partida, a sua única no estádio recentemente inaugurado do Maracanã. Acabaria expulso aos 35 minutos ao atingir violentamente um zagueiro rival. Faria ainda 18 partidas pela Seleção brasileira, marcando 19 gols. Sagrou-se artilheiro do Campeonato Sul-Americano, em 1945, com 6 gols.


Espetacularmente interpretado pelo galã Rodrigo Santoro e encenado de maneira realística em preto e branco, correm em paralelo a imagem do ídolo em pleno sucesso e do doente magro e louco internado em um manicômio em Barbacena, conseqüência da vida desregrada e do avanço da sífilis, doença a qual se negara a tratar, apesar dos insistentes protestos de médicos e dirigentes. 

Para interpretar o personagem, Santoro foi obrigado a perder 12 quilos. As duas horas de projeção relembram a memorável, entretanto decadente, trajetória de um personagem que pensava que sua fama se estenderia por toda a eternidade. Ele, de certo modo, estava certo.

APELIDO DE ANÃO, FUTEBOL DE GIGANTE

por Luis Filipe Chateaubriand 


Carlos Caetano Bledorn Verri, o Dunga, bem ao contrário do que muitos dizem, não era um jogador de futebol limitado, um pereba, uma baranga. Embora não fosse nenhuma virtuose técnica, o cara sabia jogar bola. 

Sucede que, tendo alguma capacidade para jogar, preferia priorizar a raça, a garra, a luta, enfim, a vontade de vencer. Assim, fazia como muitos de nós que, aos querermos vencer na vida, nos valemos de um pouquinho de talento, mas, principalmente, de sangue, suor e lágrimas, para chegar onde queremos. 

Começou no Internacional de Porto Alegre, em seguida teve passagens por Corinthians e Santos. Mas, no futebol brasileiro, foi a curta passagem pelo Vasco da Gama que determinou seu êxito. 

Seguiram-se as idas a clubes italianos, alemães e japoneses. 

Na Seleção Brasileira, foram mais de dez anos de presença. Nem sempre foi uma unanimidade, como na Copa do Mundo de 1990, onde alcunharam de “A Era Dunga” o fracasso verde e amarelo – uma grande injustiça. Mas o que prevaleceu, na maior parte do tempo, foi a presença de um líder, um comandante, que levou sua equipe a grandes conquistas.

Algumas vezes, Dunga se excedeu na vontade de vencer, como em uma desnecessária cabeçada que deu em Bebeto em jogo da Copa do Mundo de 1998. E, decerto, o técnico Dunga está bem aquém do que foi o jogador. 

Mas, irrefutavelmente, no futebol e na vida, querer vencer é imprescindível, e Dunga nos ensinou o caminho.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!    

SUPER ÉZIO

por Marcello Pires


“Eeee o gol. Super! Super Ézio! Super-herói é para essas coisas”. Era assim que o lendário Januário de Oliveira, criador do apelido que o marcou para a eternidade no coração do torcedor tricolor, narrava seus gols. E após o último pelo Fluminense, dia 27 de maio de 1995, aos 36 minutos do segundo tempo, na suada vitória por 1 a 0 sobre o Bangu, pela terceira rodada do returno do octogonal decisivo do Campeonato Estadual daquele ano, se encerrava um importante capítulo da centenária história do Tricolor das Laranjeiras. 

Naquele sábado, diante de 12.356 pagantes, o décimo-primeiro maior artilheiro do Fluminense balançava as redes pela última vez com as cores verde, branca e grená. Cores que o consagraram em campo e o eternizaram como um super-herói de carne e osso para uma legião de torcedores nascida nos anos 80. Geração essa que não viu a Máquina Tricolor nem tampouco o time tricampeão carioca e campeão brasileiro, comandado pelo eterno casal 20, e vivia o incômodo jejum de títulos encerrado justamente naquele ano, graças à barriga de Renato Gaúcho.

Época de vacas magras, do velho bom, bonito e barato, de pouco dinheiro, dívidas e uma coleção de ações trabalhistas na justiça. Craques que é bom, só nas fotos e pôsteres espalhados pela sala de troféu da deslumbrante sede da Rua Álvaro Chaves, número 41, cercada pelos famosos vitrais franceses e situada no bairro das Laranjeiras. Por falta do brilhantismo de outrora dentro de campo, Januário de Oliveira ouviu de um colega que para marcar gol naquele time do Fluminense só mesmo sendo um Super-Herói, e então decidiu adotar o camisa 9 tricolor, um dos únicos responsáveis por tirar o torcedor tricolor de casa e lhe dar um pouco de alegria, como um daqueles salvadores da pátria das histórias em quadrinho.

Dizer hoje, após sua precoce morte em razão de um câncer no pâncreas, que completou nove anos no último dia 9, que Ézio era meu ídolo seria, no mínimo, oportunista. Assim com seria leviano afirmar que aquele super-herói imaginário vestindo verde, branco e grená e que fez tanta gente feliz era apenas um jogador comum. Isso jamais. Quem é capaz de mexer com as emoções de uma geração inteira de torcedores sempre vai merecer um espaço reservado na galeria de notáveis.

Ézio pode não ter sido o gênio da grande área como Romário, não ter tido os números de Waldo, a força de um Doval ou a ginga do eterno Washington, mas deixava tudo em campo, jogava com o coração e sabia fazer gols. E como sabia. Principalmente contra o Flamengo. Dos seus 118 em 236 jogos com a camisa tricolor, 12 foram contra os rubro-negros. E se tem uma coisa que credencia qualquer artilheiro à condição de ídolo nas Laranjeiras é “maltratar” seu principal rival. E Ézio cansou de fazer isso, se tornando o sétimo maior artilheiro da história do clássico. De cabeça, de pênalti, de pé direito e até por cobertura em final de campeonato.

A identificação e o amor pelo Fluminense eram tão grandes que o jogador nunca criou empecilhos na hora de renovar com o clube e chegou a revelar mais de uma vez que assinava os contratos em branco e só depois discutia os valores com a diretoria. Foi assim durante as cinco temporadas que defendeu o Fluminense.

Mas não foram só aquele 27 de maio ou o inesquecível 25 de junho de 1995, quando além de levantar a mais importante de suas três taças pelo Flu, Ézio fez seu último jogo pelo clube, que o eternizaram na história tricolor. Dois anos antes, em pleno domingo de páscoa, o artilheiro foi decisivo ao marcar o gol solitário que selou a vitória sobre o Volta Redonda e deu ao Tricolor o título da Taça Guanabara daquele ano. O Campeonato Carioca, que à época “ainda valia” e muito, não veio e ficou com o Vasco, mas aquele 11 de abril se tornou inesquecível. Não só por ter sido o último título conquistado pelo Fluminense nas Laranjeiras, mas por Ézio ter sido abraçado pelos torcedores e saber que a primeira casa da seleção brasileira também seria sua casa para sempre.