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VOZES DA BOLA: ENTREVISTA GEOVANI


Muitos apaixonados por futebol dizem que ninguém no futebol brasileiro foi capaz de lançar como Gérson, o Canhotinha de Ouro.

E vão além corroborando com a declaração dada pelo tricampeão mundial em 1970, em um canal de televisão: “A medalhinha que o negão (Pelé) carregava no pescoço nos gramados mexicanos, ficava marcada em seu peito. E o responsável por aquela marca fui eu”, diz referindo-se aos milimétricos lançamentos que fazia para o peito do camisa 10 daquela seleção fantástica.

Mas se algum jogador chegou perto nesse quesito entre tantos craques surgidos nos anos de 1980, um deles, pequeno em estatura, exímio cobrador de faltas e pênaltis, habilidoso e dono de uma visão privilegiada dentro das quatro linhas, merece que se estenda um tapete vermelho para que os passos de Geovani Faria da Silva, atualmente com 56 anos, continuem eternizados.

Capixaba, o garoto de 16 anos se destacou tanto no Desportiva Ferroviária-ES que acabou se tornando ídolo da Tiva.

Chegado ao Rio de Janeiro em 1982, viveu os melhores momentos da carreira com a Cruz de Malta no peito e com ela, conseguiu realizar seu maior sonho: vestir a amarelinha da seleção brasileira, onde foi campeão mundial de juniores, em 1983, no Estádio Azteca, no México, e medalha de prata nas Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul cinco anos depois.

Conhecido carinhosamente como ‘Pequeno Príncipe’, apelido dado pela finada Dulce Rosalina em 1983, ao desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim, foi bicampeão carioca em 1987/88, antes de arrumar as malas e buscar a independência financeira no Bologna/ITA e Karlsruher/ALE.

Pequeno, genioso e talentoso com a bola nos pés, sem ela, se transformava a ponto de se agigantar e explodir como fez com experiente zagueiro Edinho, na Copa União em 1987, quando desferiu-lhe socos fazendo com que o eterno ídolo tricolor passasse à noite no hospital e não em casa.

Episódio isolado que não apagaria a brilhante carreira que teve e cheia – com exceção da não ida à Copa do Mundo de 1990 na Itália – de alegrias.

Respeitado e vencedor dentro das quatro linhas, fora delas se tornou exemplo ao vencer a polineuropatia – doença que ataca os nervos e músculos das pernas – em 2012, após ter convivido com a doença por seis anos.

O Museu da Pelada traz como personagem da semana no Vozes da Bola, Geovani, um dos maiores camisa 8 do futebol brasileiro.

por Fabio Lacerda e Marcos Vinicius Cabral

Como começou a carreira?

Eu despontei para o futebol jogando no Desportiva Ferroviária-ES em 1980, onde conquistei ao lado de meus companheiros o bicampeonato capixaba. Graças a Deus, com muito trabalho, fui um dos destaques da equipe e vencemos no mesmo ano os estaduais das categorias juvenil, júnior e profissional. Ainda em 1980, realizamos a melhor participação da história de um clube do Espírito Santo no campeonato brasileiro, ficando entre os 16 melhores times da competição. Após esse ano maravilhoso, menos de dois anos depois, cheguei ao Clube de Regatas Vasco da Gama, quando eu estava com 18 anos. Foi aí que começou a minha história no futebol.

Quem foi a inspiração no futebol para o menino Geovani Faria da Silva?

A grande inspiração que eu tive quando menino foi vendo o futebol capixaba. Foi ali que passei a querer ser jogador de futebol e mais tarde vendo jogos da seleção brasileira na televisão. No entanto, a inspiração me ajudou a ser jogador de futebol profissional, jogador do Vasco e da seleção. Fui movido por essa inspiração e comecei vendo alguns craques jogando, mas foi o Eli, que jogou no Rio Branco-AC, a primeira grande inspiração que tive. Depois, veio a inspiração em querer jogar na seleção brasileira, que era o meu objetivo. Sinceramente falando, eu não tinha nem o desejo de ser jogador em um clube, mas em um dia poder vestir da seleção brasileira, sei que talvez possa parecer muita pretensão falar isso, mas vestir a amarelinha sempre foi o meu objetivo.

Como você encarou a barração do Antônio Lopes para o jogo decisivo contra o Flamengo na final do Campeonato Carioca quando o técnico modificou 50% do time e sagrou-se campeão? Como analisaria a atuação do Ernane no seu lugar?

Ficar chateado a gente fica com a barração, pois eu era titular. O problema é que nós jogamos um jogo contra o Flamengo que não valia nada e o Lopes aproveitou isso e mudou o time quase todo. Eu lembro que o Vasco estava se preparando para a final do campeonato carioca de 82 e eu e vários outros jogadores estávamos como titular. Só que ele (Antônio Lopes) botou um time misto e descansou vários jogador, inclusive eu. O jogo contra o Flamengo seria a fase final que havia ainda o América, e o Lopes colocou um outro time, no qual os caras entraram e jogaram para caramba, inclusive o Ernani por exemplo, entrou e fez gol, jogou uma partidaça e se não estiver enganado foi 3 a 0 ou 3 a 1o resultado dessa partida contra o Flamengo. Então assim, o Lopes não acreditou na atuação daquele time misto entre parênteses, e ia fazer o quê? Acho que ali o nosso treinador usou o bom senso, onde os caras foram bem, se apresentaram bem, jogaram bem, e o Lopes manteve aquele time e ajustou uma peça aqui, outra ali e continuou aquele time para o restante da competição, onde o Vasco acabou sagrando-se campeão. Chateado eu fiquei muito, confesso, mas o time sendo campeão ali, apagou a chateação e ficou tudo bem. Mas que a gente fica chateado em ser barrado, a gente fica, mas não foi o fim do mundo. O Vasco ganhando título era o mais importante.

De onde vem o apelido Pequeno Príncipe?

Vem da vascaína Dulce Rosalina, falecida em 2004, que foi presidente da Torcida Organizada Vascaíno (TOV) e da Pequenos Vascaínos, que ao me ver desembarcar no aeroporto do Rio, lotado de torcedores e da imprensa que aguardavam os campeões mundiais de 83, ela me abraçou, me parabenizou pelos meus seis gols marcados na competição e por ter sido escolhido o melhor jogador, e a Dulce, na euforia, me chamou de ‘Meu Pequeno Príncipe’, na frente de todo mundo. Eu sorri, agradeci o carinho, abracei a causa e gostei, pois pequeno eu sei que sou, agora príncipe foi ela que me intitulou.

O Museu da Pelada gostaria de saber: quem foi seu melhor treinador?

Museu da Pelada, então, vou responder: eu não tive o melhor, eu tive os melhores, como Antônio Lopes que me lançou no profissional do Vasco, o professor Alcir Rodrigues, o Beto Pret que me lançou no profissional na Desportiva Ferroviária-ES, seu Otto Glória e Sebastião Lazaroni, ambos no Vasco também, enfim… o Carlos Alberto Silva na seleção, então, não existe o melhor. Um exemplo é o seu Otto Glória, que me ensinou muito, assim como todos os outros me ensinaram. Mas agora se você perguntasse o treinador que mais pegou no meu pé na carreira, eu te responderia de imediato: o Antônio Lopes! (Risos). Mas ele me ajudou muito, me deu muita força e me fez aprimorar em algumas coisas que eu precisava para me destacar no futebol brasileiro.

No último 19 de julho foi comemorado o Dia Nacional do Futebol. O que ele representou para o Geovani?

Representou muita coisa, ou seja, tudo na minha vida. Se não fosse o futebol ter sido inventado, talvez hoje eu não seria um cara feliz por ter sido jogador.


Você, em 1986, sentiu que poderia ter ido à Copa depois de ser o craque do Mundial de Juniores em 1983 e ter feito uma grande temporada em 1984 com o Vasco no Brasileiro? E na Copa de 90, poderia ter jogado uma vez que estava na Itália pelo Bologna?

Eu acho que eu fiquei fora da Copa do Mundo do México, em 1986, mais por relaxamento. É aquele caso que todo jogador de futebol passa, a famosa mosca azul e quando ela pica, você acha que é o melhor jogador do mundo, aí você acaba treinando pouco, se dedicando menos, achando que sabe demais e coisas do tipo. O futebol é a única profissão no mundo onde você não pode se achar e quando isso ocorre é sinal que você já se perdeu e aí é que você cai do cavalo, erra tudo, até debaixo do gol você chuta para fora ou por cima do travessão. No futebol isso é normal de acontecer e é tido como a tradicional marra, onde você se torna um jogador mascarado. Eu acho que nesse caso específico da Copa do México, a culpa foi totalmente minha de não ter seguido na seleção. O curioso é que fui convocado em 85, onde poderia ter seguido e disputado a Copa do Mundo de 1986, mas eu relaxei muito, tanto que depois desse meu start inicial pós Copa de 86, eu comecei a subir de produção e voltei a vestir a amarelinha de novo. Só não disputei a Copa de 1990, que foi outro caso, mas aí depois de 86 em que eu fiquei de fora da Copa, pode ver que 87 foi um ano brilhante, assim como foram os anos de 88 e 89, quando fui jogar na Itália.

Até hoje, pouco se sabe o que aconteceu naquele Flamengo e Vasco, na Copa União de 1987, onde você desferiu socos no rosto do zagueiro Edinho. O Museu da Pelada quer saber de fato o que aconteceu?

O que aconteceu no episódio de 87 com o Edinho, foi que ele me deu várias cotoveladas sem eu fazer nada com ele. Lembro perfeitamente do lance como se fosse hoje, eu fiquei atrás dele dando o combate, ele protegeu a bola e me desferiu uma cotovelada que acabou quebrando dois dentes. Naquela época quebrar dois dentes na raiz era complicado e eu ia ficar sem dente, né? E aí acabou o primeiro tempo, nervoso, eu fui para o vestiário e na saída do campo numa entrevista com Deni Menezes, da Rádio Globo, eu falei que o Edinho havia quebrado dois dentes meus e que pegaria ele no segundo tempo. Aí o Deni, que era um repórter esportivo maravilhoso, repercutiu isso na transmissão do jogo e voltamos para o segundo tempo, já com a cabeça fria, ânimos controlados, havia conversado com Sebastião Lazaroni, nosso treinador à época, e até esquecido da agressão sofrida. No primeiro lance que nos encontramos, ele me deu outra cotovelada, lá pelos 20 minutos de jogo, aí o sangue subiu e não resisti. Mas é bom afirmar, pois não tive até hoje a oportunidade de explicar o lance, já que você mesmo ressaltou na pergunta que se passaram 33 anos desse episódio, onde eu não dei vários socos, eu dei um soco só, porque ele havia me dado uma cotovelada no primeiro tempo que arrebentou meus dentes e no segundo deu outra cotovelada, aí, confesso que fiquei nervoso e revidei. No lance, ninguém havia visto, só um repórter da (extinta) Rede Manchete que viu e falou para o bandeirinha e ele sem ver, levantou a bandeira, chamou o árbitro e este se prevalecendo de sua autoridade me expulsou. Lamento que ele (Edinho) tenha saído com afundamento de maxilar, mas poxa, eu não ia agredir um cara se ele não tivesse feito algo. Desde o começo do jogo até o segundo tempo eu vinha sofrendo com o jogo duro dos jogadores do Flamengo e foi a maneira que encontrei para me defender.

Passados 33 anos, vocês fizeram as pazes? Já se reencontraram alguma vez depois disso?

Sim, nos reencontramos algumas vezes. Já tive com o Edinho depois disso, conversamos, falei para ele que eu errei e ele sabe que também errou e por isso está tudo tranquilo entre a gente. Mas nesse episódio o que mais me irritou nem foi os dentes quebrados, mas sim o fato de saber que o Edinho não precisava fazer aquilo, pois ele está, na minha opinião, incluído entre os melhores zagueiros do mundo e não apenas do Brasil. Mas foi isso, ele não precisava usar da violência para me intimidar naquele jogo, e isso me deixou triste. Mas graças a Deus, hoje não tem nada e está tudo tranquilo entre a gente.


Sua ausência na final das Olimpíadas de 1988 é sinalizada como um fator determinante para a derrota para a antiga URSS. O que o Brasil deveria ter feito em Seul para ter conquistado a medalha de ouro que veio acontecer 28 anos depois no Rio?

Eu estava numa fase muito boa e era até capitão da seleção brasileira, e fiquei fora da final porque tomei um cartão amarelo contra Alemanha. Eu acho que a gente fica chateado por não ter jogado essa final, mas a gente estava em um time incerto, tipo: “Ah, foi porque eu não joguei mas o Ademir, que era bom jogador, também não jogou, entende?”. O time mudou muito, praticamente quase toda sua estrutura e aí quando muda a estrutura, queira ou não queira, tem uma queda e infelizmente essa queda ocorreu na final. Eu lembro que acabei ficando de fora e o Brasil perdeu, mas eu acho que se tivesse em campo jogando poderia ter perdido também. Isso é muito relativo. Mas isso a gente sabe, né? Mas te confesso que fiquei muito triste em não ter jogado a final da Olimpíada, onde ficamos com a medalha de prata.

Você acha que poderia ter tido mais oportunidades na seleção brasileira?

Eu acho até que joguei bastante na seleção, não sei o número exato, mas eu participei de vários jogos. O que faltou de fato foi ter jogado a Copa do Mundo de 1990, a de 1986, eu também poderia ter ido se tivesse me dedicado um pouco mais, mas tive um relaxamento, e eu poderia ter disputado, pois vários jogadores que foram, eram da minha faixa etária. Mas com exceção de 1990, não faltou não, foi o suficiente.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Estou encarando esse desafio como todos os outros já enfrentados na vida. Esse vírus nos mostra que ninguém é melhor do que ninguém e todos estão sujeitos a pegá-lo. Portanto, mais uma vez a humanidade está aprendendo a se reeducar, tornar-se mais humilde e esquecer um pouco a arrogância em se achar o máximo porque tem um pouco mais do que o outro. Nessas horas, ou melhor, nesse momento que enfrentamos o covid-19, não tem quem tem mais ou quem tem menos, ou seja, todo mundo tá sujeito a ser infectado. Por isso, espero que todos se cuidem e redobrem o álcool em gel, o uso das máscaras, e os itens necessários de acordo com que nos é recomendado pelos órgãos de saúde do país.

Geovani, você se notabilizou pela habilidade, técnica, e pelas cobranças de pênaltis. Como era ser o cobrador oficial do time quando seus companheiros eram exímios craques e ótimos cobradores também?

Eu já havia jogado no profissional em 82 no Vasco, onde fui campeão carioca e em 83, no Mundial de juniores no México, nós conquistamos o título que veio a ser inédito até então. Inclusive nessa competição, eu posso afirmar sem arrogância alguma, joguei muita bola, tanto que fui eleito o melhor jogador, marquei seis gols, coisa que eu não era muito de fazer e acabei me tornando cobrador de pênaltis em virtude do Gilmar Popoca não ter jogado contra os Países Baixos (atual Holanda), de Van Basten. Me tornei cobrador do time e tive a felicidade de ir batendo e marcando os gols. Mas na minha visão, não existe isso do craque do time ter que ser o cobrador de pênaltis, e sim o que treina melhor, às vezes o cara é craque numa coisa e não treina algum fundamento do futebol, com faltas e pênaltis, por exemplo. Eu tive a felicidade de jogar com grandes jogadores, que Inclusive eram excelentes cobradores de falta e pênaltis, mas não tinham a tranquilidade para cobrar. Eu treinei muito para ser cobrador de pênalti e falta, eu treinava demais. O que eu quero dizer é que nesses dois fundamentos, eu era muito bem trabalhado. Por isso, te digo com muita tranquilidade e serenidade que não existe ser o melhor ou o pior, mas sim o que treina mais e o treinador está vendo isso no dia a dia do clube. Já vi jogadores menos habilidosos baterem pênaltis melhor do que os que tinham mais habilidade, que eram os mais famosos do time ou eram os melhores.


Sua saída para o Bologna-ITA não permitiu que você ficasse no plantel que disputou o Campeonato Brasileiro de 1989. Se pudesse voltar no tempo, você deixaria de ir para a Itália para ser campeão Brasileiro em 1989?

Eu saí no momento que acabou a Copa América e as eliminatórias. Eu já havia sido vendido, então, tinha que ir, mas se você olhar e ver o que que o Vasco fez com o dinheiro da minha venda? Não é bom nem falar de dinheiro sobre isso pois o Vasco me vendeu muito caro na época. Depois disso, o clube contratou vários jogadores e se não me engano a contratação do Bebeto tá incluído na minha venda para Itália. Eu acredito que alguma coisa sobrou para contratar jogador, e não tinha como eu não ir, pois atravessava uma grande fase e estava indo jogar na Itália, que era o mercador em ascensão e todo mundo indo para lá, a ponto de ter dois estrangeiros e depois abriu para três em cada time, onde cheguei como o segundo estrangeiro. Depois disso, todos os times conseguiram contratar três estrangeiros, pois o futebol italiano era tão valorizado que todo jogador queria ir para lá e para você ter uma ideia de como era o negócio, a TV passava um jogo para cada final de semana, esse era o futebol italiano que todo mundo queria jogar. Eu tive propostas até da Espanha, mas o objetivo era jogar na Itália. Atualmente, o campeonato inglês e o espanhol cresceram muito, mas naquela época o campeonato italiano era o principal. É uma pena ter saído no ano do título do Vasco, mas a proposta era irrecusável.

Como foi a experiência na Alemanha em 1991, quando jogou com Oliver Kahn, no Karlsruher-ALE?

Quando fala do Karlsruher-ALE que eu joguei e que jogava o Oliver Kahn, as pessoas pensam que era um time pequeno. Mas afirmo: não era! O Karlsruher-ALE era um time fortíssimo e, para vocês do Museu da Pelada terem noção, o Oliver Kahn era reserva nesse time. Se você olhar na história do futebol alemão, procure saber quem é Mehmet Scholl, que era Karlsruher-ALE e foi comprado pelo Bayern de Munique-ALE, porque a maioria dos jogadores que era do Karlsruher-ALE ia parar no Bayern de Munique. O meu objetivo era esse, conhecer o futebol alemão e a minha saída do Bologna-ITA foi por não ter chances de jogar, pois o treinador que chegou ia trazer outros estrangeiros. No Bologna-ITA, fomos à Copa dos Campeões. Percebi que havia chegado um novo treinador e com a chegada de outros estrangeiros, o nosso técnico acabou indo para o Juventus-ITA e levou vários jogadores. Em virtude disso, ou seja, da saída do nosso treinador, com a chegada de um outro e com vários estrangeiros, não restou outra coisa fazer. Aí, fui jogar na Alemanha, onde o grande Oliver Kahn era reserva.

Do que você sente mais saudades quando era jogador?

Todo jogador sente falta de alguma coisa depois que para de jogar profissionalmente. Mas o que mais eu sinto saudades, seja no futebol profissional ou amador, são aquelas conversas antes no jogo, a resenha de chegar no vestiário depois do jogo ganhando ou perdendo, dá saudades. Eu confesso, que sinto uma falta enorme disso, das conversas, das brincadeiras, da relação com meus companheiros de time, esse é o ambiente que me dá um enorme saudade.

Em 1994, você saiu do Vasco e deixou de fazer parte do histórico time Tricampeão Carioca. O que houve à época para sua saída já que vinha de um bicampeonato, assim como foi em 1987/88?

A saída foi porque eu tinha 50% do meu passe e o lado financeiro falou alto nessa hora. Verdade, eu poderia ter sido tricampeão, pois eu estava nesse time e aí acabei indo jogar no Tigres-MEX, mas fiz um bom contrato, no qual eu passei a ter direito do valor dos 15% também na minha venda. Neste caso, nessa transação toda, fui jogar no time mexicano e admito que valeu muito a pena, não só pelo lado financeiro mas também pela experiência de jogar em um país maravilhoso como o México.

Geovani, como todo craque, há sempre uma frustração na carreira. Qual foi a sua?

Tive poucas tristezas na carreira, mas frustração mesmo, só a de não ter ido à Copa do Mundo da Itália, em 1990, pois era o meu grande momento na carreira. Se eu falar para você que não, estaria mentindo se faltou alguma coisa na minha carreira, eu posso dizer para você que não, mas de repente no meu íntimo não vou achar isso. Eu achei, e não é apenas o Geovani que acha isso, mas vários jornalistas, treinadores, que eu poderia muito bem jogar a Copa de 90. Seria titular? Não sei. Mas sei que poderia ter ido, sem dúvida, esse é a única coisa que eu acho que eu poderia ter participado. Mas de qualquer forma, mesmo assim agradeço a Deus, eu fui além do que eu até merecia, não sei, mas Deus sabe de todas as coisas.

Defina Geovani em uma única palavra?

Abençoado por Deus. Mas se você me permite eu vou me alongar e explicar o porquê sou abençoado. Na infância, eu tive um problema nas pernas e me recuperei, por isso já é um milagre. Costumo dizer que sou abençoado, pois eu nasci com as pernas muito tortas, andava de maneira bem arcada e com os dois joelhos para fora, foi aí que tiveram que quebrar minhas pernas com alguns meses de vida, quase um aninho de idade, e engessar com uma bota para eu poder andar novamente. O pediatra falou para os meus pais que se eu andasse já estaria bom. Aí você volta andar, tem uma vida normal, não tem mais problema algum e chega a jogar futebol em um grande clube como o Vasco da Gama, e chega à seleção brasileira, que é o sonho de todo jogador, então, já é um milagre de Deus. Por isso, sou abençoado.

RÁDIO JOVEM OLARIA ESTÁ DE VOLTA

por André Luiz Pereira Nunes


Uma web rádio é uma rádio digital ou online, como muitos conhecem, que é transmitida em tempo real por streaming pela internet. A grande sacada é que elas funcionam de forma simples, utilizando um servidor que emite programas ao vivo ou gravados.

Pioneira em transmissões de jogos via internet, a Web Rádio Jovem Olaria, fundada a 18 de setembro de 2010, está de volta à cobertura das partidas do Olaria Atlético Clube. Criada sem fins lucrativos por Clécio Vianna, a equipe conta com Luiz Cláudio Colão, Bruno Soares, Arthur Neto e o intrépido Paulo Roberto Rodrigues, este último, o maior especialista em cobertura de categorias de base e divisões menores do Rio de Janeiro. O idealizador da rádio, o professor Clécio Vianna, agora cuida da parte técnica.

Meu amigo de mais de três décadas, Arthur Neto, torcedor e sócio da equipe da Rua Bariri me informou que a reativação da rádio para voltar a veicular jogos custou uma quantia considerável. Mas o resultado trará inúmeros benefícios. Pois, além de divulgar a tradicional agremiação leopoldinense, hoje partícipe da modesta Série B1 do Rio de Janeiro, aproxima sócios, torcida, comércio e amantes do futebol em torno da cobertura do Campeonato Estadual da Segunda Divisão, infelizmente tão carente de recursos e de notícias. Em tempo de isolamento social, a função prestada por esse e outros veículos ganha enorme envergadura.

– Sempre fizemos esse trabalho com muito carinho. A imprensa esportiva, em geral, trata infelizmente os clubes de menor investimento com tremendo descaso. Fora a internet, não lemos nem ouvimos notícias sobre São Cristóvão, Olaria, Bonsucesso, Campo Grande e tampouco Bangu e America. O futebol se elitizou de tal maneira que essas tradicionais agremiações se tornaram invisíveis aos olhos do público. A Federação se resume apenas a cobrar taxas, multar e penalizar os que não cumprem as cada vez mais pesadas e difíceis regulamentações. No entanto, se esquecem que os times menores são verdadeiros celeiros de craques, formadores de novos talentos. Pelo Olaria já passaram inúmeros atletas que depois se consagrariam em grandes centros. Sem contar, o papel social que o futebol desempenha, pois retira o jovem da ociosidade, do crime. Daí a importância e a grandeza do nosso trabalho, inclusive pioneiro na transmissão de jogos da Segunda Divisão! – reitera.

Sobre o atual Olaria, Arthur Neto é realista. 


– O time não vem fazendo boas campanhas nos últimos anos. Não lembra de nem de longe a equipe campeã brasileira da Taça de Bronze, em 1981, a qual contava com nomes como Lulinha e Chiquinho, que posteriormente atuaria no Flamengo e ainda foi vice-campeão brasileiro, em 1986, pelo Guarani. O Olaria, antes presença obrigatória no Campeonato Estadual da Série A do Rio, assim como o Bonsucesso, atualmente patina para se manter na mesma divisão e não contrair tantas dívidas. Afinal de contas, não tem apoio de prefeitura como os demais do interior. É uma agremiação de bairro. Mas sempre temos que manter a esperança em dias melhores. Por isso a Web Rádio Olaria voltou com força total às transmissões esportivas.

O maior reforço para a cobertura é, sem dúvida, o repórter Paulo Roberto Rodrigues. Natural de Santo Antônio de Pádua e torcedor do Flamengo e e Paduano, é conhecido entre os amigos como Paulão. Trata-se de um guerreiro, além de profundo conhecedor do futebol do Rio de Janeiro. Membro do mais antigo site em funcionamento que promove a cobertura das divisões menores do futebol do Rio, o Papo Esportivo, fundado pelo decano e companheiro de inúmeras jornadas, Jota Carvalho, Paulo Roberto acumula décadas na árdua missão de trazer novidades de times da capital e do interior por intermédio da imprensa falada e escrita.

Esse ano, possivelmente, o Olaria pode não estar entre os mais cotados para voltar à elite do futebol fluminense, mas em relação à divulgação, o público não ficará mesmo na mão. 

CHULAPA É REDE

por Luis Filipe Chateaubriand


Sérgio Bernardino, o Serginho Chulapa, era uma máquina de fazer gols!

Revelado pelo Marília, rapidamente se transferiu ao São Paulo, em 1973. Jogou quase dez anos no tricolor paulista. Posteriormente, esteve no Santos, teve breve passagem pelo Corínthians, voltou ao Santos, saiu para Portugal. Em seus périplos dos anos seguintes, sempre teve no Peixe seu porto seguro, voltando à Vila Belmiro, como filho pródigo.

É difícil, assim, afirmar se sua maior identificação é com o alvinegro praiano, onde teve várias passagens inclusive na carreira pós jogador, ou no tricolor paulista, onde é o maior artilheiro da história até hoje.

Canhoto, tinha uma relativa habilidade, mas fazia do seu corpo avantajado um instrumento para ter vantagem no embate com os zagueiros. Era goleador nato. Também fazia com maestria o trabalho de pivô, preparando jogadas para companheiros de ataque.

Na Seleção Brasileira, teve passagem contestada, não rendendo o mesmo que acontecia em clubes. O certo é que, em clubes, sempre correspondeu ao que se esperava dele, com exceção da curta passagem pelo Corínthians.

Temperamento explosivo, colecionava confusões na mesma proporção que fazia gols.

Fato é que a facilidade para fazer gols era impressionante. Isso faz de Serginho Chulapa um jogador que será eternamente lembrado, apesar de sua apagada performance na Seleção Brasileira, especialmente na Copa do Mundo de 1982.

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada

O EXAME

por Claudio Lovato


– Toma o seu protetor auricular, pra enfrentar essa música bonita que você vai ouvir daqui a pouco.

O enfermeiro era um cara de meia-idade, muito falante, e tentava criar um clima de bom humor.

– Valeu! – disse o craque, que já havia usado em outras ocasiões aquelas duas pequenas “rolhas” (era o que sempre lhe vinha à cabeça) cor de laranja ligadas por um cordão da mesma cor. 

O enfermeiro disse que ele já podia se deitar. O jogador já sabia o que tinha de fazer. Não era a primeira vez que passava por um exame desse tipo, mas agora era uma situação diferente, muito diferente. 

Enquanto ele se acomodava na máquina, o técnico responsável pela condução do exame, que era mais jovem e bem maior que o enfermeiro, entrou na sala.

– Qualquer coisa é só apertar aqui, que paramos o examena mesma hora! – ele disse, enquanto acomodava na palma da mão esquerda do paciente o que parecia ser uma bola de borracha.

– O mais importante é não se mexer! – ele acrescentou antes de voltar para a salinha anexa, onde ficava o computador que era sua ferramenta de trabalho.  

Então começou.

Primeiro uma sirene, depois um bate-estaca, em seguida leves movimentos da maca para frente e para trás, e por fim o silêncio, até recomeçar a barulheira, e assim por diante. 

A ressonância magnética diria o tamanho do estrago que havia sido feito no seu joelho. 

Ele rezou. Dentro daquele túnel ruidoso, ele rezou pais-nossos e aves-marias e, no meio das orações, veio-lhe à mente, venenosa que só ela, a pergunta “por que isso foi acontecer comigo, por que comigo?”. Lidava com essa interrogação bandida ao mesmo tempo em que via o rosto da mãe e do pai e dos outros que ele amparava; sim, pensou neles, mas era o rosto da mulher e da filha pequena, a filhota linda, que fazia seu coração bater aospulos, e de novo “por que comigo, por que essa porra foi acontecer comigo?”, e ele ficou com receio de acabar fazendo algum movimento brusco por causa do tumulto na sua cabeça e dos saltos que seu coração dava.

Num certo momento, as orações e a preocupação e o amor infinito e o inconformismo se combinaram de uma forma tão intensa que acabaram resultando numa explosão em forma de lágrima solitária, que escorreu do canto do olho direito, e só no que ele conseguiu pensar nessa hora é que sua vida não podia se encerrar ali, fosse qual fosse o resultado do exame, e foi então que ele sentiu o rastro quente de outra lágrima, essa no olho esquerdo, e sua cabeça de repente invadida, completamente invadida, todos os cantos e recantos dela, por uma nova pergunta: “O que eu vou fazer se não puder mais jogar?”, e diante dessa indagação gigantesca e brutal, completamente solitário perante essa questão assassina, a única resposta que ele conseguiu arranjar foi um suspiro fundo e alto, um gemido, talvez tenha até falado, e de repente tudo foi interrompido pela voz do técnico no alto-falante: 

– Estamos finalizando seu exame. Só mais um instante.

E então acabou. 

Ele agradeceu ao enfermeiro e ao técnico, que lhe responderam com votos de boa sorte e entusiasmadas confissões de que eram seus fãs. 


Havia uma tristeza profunda que vinha lá do fundo do peito e que tirava a graça de qualquer coisa, uma tristeza que era enfrentada apenas por uma persistente fé com base naquilo que ele não conseguia explicar nem em palavras nem em pensamento, um sentimento, ou uma sensação, ou apenas um desejo – sim, talvez apenas isto, desejo – de que a tragédia fosse evitada. 

Foi somente horas mais tarde, horas longas e difíceis, que ele conseguiu se livrar desse campo minado de emoções potentes e paradoxais. Isso ocorreu no exato momento em que seu médico, o médico do clube, entrou no quarto e, sem dizer uma palavra, sorriu e levantou os dois braços numa simulação de comemoração de gol.

Sob o olhar atento da mulher e de um de seus irmãos, ele apenas conseguiu fechar os olhos e pensar que é preciso passar por algumas coisas nesta vida, simplesmente isso, é preciso passar, e que o futebol e a vida são lindos, mas são duros, e só não foi adiante em seus pensamentos porque nesse momento sentiu o toque de uma mãozinha macia e quente em seu rosto e ouviu a vozinha fina da dona daquela mãozinha, e então, como nunca antes, tudo fez completo sentido para ele, completo e perfeito sentido. 

FOI UMA VEZ OS ANOS 70 DE NOVO

por Marcelo Mendez


Era uma noite de Outubro de 2020, eu sei.

Mas ecos de um tempo sombrio bateu fortemente na minha memória enquanto esperava por um jogo de futebol e diga-se; esperava única e tão somente por dever de ofício. Longe daquele menino torcedor que assistia os jogos da Seleção Brasileira com ávido interesse.

Há muito tempo deixei de ser menino, trocando o encanto do verso, a luz do lúdico, pelo pragmatismo óbvio da vida adulta.

Sou Jornalista e como tal, tenho o fato diante da minha frente; Caros leitores, tivemos ontem uma noite “Pra Frente Brasil” na vida futeboleira Brasileira. E isso, pelo pior que se possa imaginar.

O icônico tema musical da seleção de 1970 virou trilha sonora para os maiores 11 homens que já pisaram a Terra para jogar futebol. O maior time de todos os tempos pisou o estádio de Guadalajara para provar que a perfeição era possível, que o sonho era viável, que a poesia plena vestia chuteira e camisa a amarelinha. Mas não, leitor, não teve nada disso. Como falei, a reminiscência da memória foi a pior possível.

Em 1970, o Brasil vivia o chumbo pesado da Ditadura Militar e do AI-5 o artigo que caçou todas as liberdades individuais dos Brasileiros arrochando ainda mais a repressão. Nesse contexto a seleção de futebol foi usada escancaradamente como uma propaganda de um Brasil legal, maneiro, dando uma passada de pano nessa realidade. O Presidente Médici tinha lá a imagem do Velhinho boleiro de frente a tv vendo futebol e tudo parecia muito bem. Bem…

Passaram-se 50 anos. Não temos mais os porões de tortura institucionalizados, temos liberdade para se expressar (por enquanto…) como faço agora, mas algumas práticas novamente nos assola.

O Brasil jogou ontem. A partida aconteceu em Lima e a tv aberta que cobria esse time desde muito tempo não o transmitiria. O povo Brasileiro que vem sendo afastado sistematicamente dos estádios, agora também será afastado do direito de ver a Seleção na tv. Ou paga ou vê A Fazenda na tv do bispo. Mas eis que os anos 70 batem à porta!

A Tv Brasil chegou em baixa definição, com muita bajulação, insistindo em efusivos abraços ao Presidente da República ao longo dos 90 minutos que a peleja durou. Um histriônico narrador e um antigo bom comentarista a todo instante faziam questão de lembrar do mandatário nacional.

Não tem Problema nisso.

O Jornalista, assim como todo cidadão tem direito adquirido de ter o seu lado político, sua preferência ideológica assegurado pela decência da sociedade em respeitar essa escolha. Concordar, discordar, faz parte dela. Mas respeitar acima de tudo.

Todavia a questão que se coloca aqui é a forma de como isso se dá. Vocês que assistiram a peleja ontem, acham mesmo que o que houve ontem durante aquela transmissão era necessário? Tudo que foi dito foi por convicção ideológica e profissão de fé? Qual foi o sentido de toda aquela bajulação?

Também não me importo de ter que pensar essas questões. Mas me preocupa muito a repetição dessas perguntas que em algum momento da sociedade brasileira, já foram feitas ali por volta de 1975/76.

O que me assusta mesmo é saber que as respostas são as mesmas daquela época…