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DANILO, 100 ANOS: ENSAIO PARA UM ÉPICO DO FUTEBOL BRASILEIRO

“A classe e a habilidade de Danilo no trato com a bola eram algo de anormal. Eu me lembro muito dele quando vejo jogo em campo pesado. Era na lama, no gramado escorregadio, que ele mais demonstrava seu talento. Era o dono do jogo alto. No campo pesado, o adversário o respeitava mais ainda, pois tinha medo de ser desmoralizado por aqueles dribles e cortes que o homem criava não sei como.” — Ademir Marques de Menezes, o Queixada, maior ídolo da história do Vasco, em depoimento à revista Placar[i], em novembro de 1971.

[i] A.D.. “O drama do príncipe de 50”. Placar/Ed.Abril: São Paulo, 26 de novembro de 1971, pp.26-7.

por André Felipe de Lima


América (Sport Illustrado)

Setembro de 1940. Em um dia daquele longínquo ano, o repórter saiu da redação para cumprir mais uma pauta corriqueira de sua jornada diária cobrindo o futebol carioca. Teria de ir à Tijuca entrevistar um rapaz de 19 anos que diziam jogar muita bola, um jovem que, e isso também comentaram com ele na redação, sempre desejou ser jogador profissional de futebol desde as peladas disputadas nos asfaltos das ruas do Rocha, bairro em que nascera, e depois nos da própria Tijuca, onde foi morar com os pais nos primeiros momentos da adolescência. Não havia erro para o repórter, que lera o papel várias vezes para certificar-se de que a pauta era realmente mais uma do dia a dia do futebol na cidade. Clubes, cartolas, jogadores, torcedores, peladeiros, enfim, era um cotidiano com o qual se acostumara. Nada, mas nada mesmo o surpreenderia mais no futebol. Estava convicto disso. Nada soaria como novidade no futebol. Convencera-se de que tudo o que podia ter visto, realmente presenciara. Mas o resignado e não menos entediado repórter rumou a mais tijucana de todas as ruas da Tijuca: a Campos Sales. Chegando ao local e na hora combinados com o rapaz que entrevistaria, o periodista mirou-o, desconfiado, e questionou-se a si mesmo, em voz baixa para não constranger o menino: “Será que tudo o que ouvi dele é verdade? Não é possível? Vendo-o de perto parece tratar-se de um personagem de opereta do que uma figura de atleta”. O espanto do jornalista não era de um todo infundado. Estava diante de um garoto sem músculos, franzino demais, de caminhar vagaroso e de poucas palavras. Monossilabicamente tímido. Impossível que fosse a mesma pessoa da pauta determinada pelo editor. “Você gosta de futebol, menino?”, indagou o desconfiado repórter imaginando àquela altura tratar-se de uma pauta perdida ou mesmo de uma brincadeira de mau gosto do colega editor. “Sim, gosto”, respondeu a figura acanhada como se soletrasse cada palavra. Surgindo como se fosse um anjo da guarda, ou algo do gênero, um camarada interveio em defesa do retraído garoto. Interrompeu a entrevista sem a menor parcimônia ou pudor. Poderíamos compará-lo a um senador romano no parlatório da Cidade Eterna e naqueles dias de oratória afiada contra os que desafiassem os direitos dos plebeus. Sem temor, o “advogado do rapaz emendou: “Mas será craque e viverá muito!”. O convicto em questão não estava definitivamente incorporado por uma entidade da Roma Antiga ou algo que o valha. Estava em sua plena e sã consciência dos que enxergam o futuro como se dele fosse o irmão mais velho. Um conselheiro. Um oráculo de carne e osso. O cidadão uruguaio Ricardo Diez era, sem dúvida, pródigo em vaticínios. O cético repórter acreditava nele e não acreditava em Deus. Conversara outras vezes com Diez. Ele e outros jornalistas também. Fonte com novidades no futebol como ele eram poucas. Diez falava das coisas da bola, mas, em especial, dos bons fatos do América, e um deles era aquele menino sereno, porém magrelo, que conhecera semanas antes daquela entrevista. Ao olhá-lo pela primeira vez com uma bola nos pés estava certo de que naquele instante mágico a realeza personificara-se no tranquilo garoto, regido por uma calma e técnica que o determinariam, sim, o craque que se avizinhava, o craque do profético Diez, que sob uma leitura subjetiva, quase ontologicamente filosófica, tentou convencer o incrédulo repórter do que verdadeiramente significava aquele introspectivo garoto para o futuro do futebol brasileiro: “O dinamismo é uma personalidade; a calma é uma virtude inquebrantável. Um footballer pode perder o dinamismo pelo desespero, mas o jogador sereno jamais. A serenidade só admite uma expansão: é a reação para o absolutismo, para o desdobramento de suas forças. Consegue-as quando deseja. Eis aí porque acredito nele, porque vejo nele a pinta do craque, porque não o troco por ninguém.”[1]


Canto do Rio. Botinha e Alcebíades (Sport Illustrado)

Danilo Faria Alvim. Assim foi batizado aquele garoto aparentemente macambúzio, mas de uma eloquência futebolística fora de série e nunca contrito. Um clássico por natureza, como o descreveu Diez. Clássico para encantar um deus grego ou inspirar um Mozart, um Liszt para que compusessem a ópera das óperas. Danilo ensaiava os primeiros passos para se tornar uma celebridade da bola. Dizia naqueles primeiros momentos de fama que nunca trocaria o clube que o revelara, o América, e que por ele seria um dia campeão, exatamente como foi Oswaldinho, ídolo do clube, duas décadas antes. Para Oswaldinho, que era carinhosamente chamado de “Príncipe” por torcedores e jornalistas, Danilo era indiscutivelmente seu herdeiro. “Parece-se comigo. É o único que joga como eu costumava jogar”. Mas era pilhéria de Oswaldinho. Não havia dúvida de que o rapaz diante dele, do repórter e de Diez estava um grau acima, muito acima, por sinal, de qualquer outro craque de sua época. “Eu estava brincando. Imaginem vocês se eu tivesse começado assim! Naturalmente que teria sido um craque”. Oswaldinho disse aquilo sob uma devastadora humildade. Foi ele craque também, obviamente, mas tanto ele quanto Diez sabiam que diante de ambos estava um menino que entraria para a história do futebol brasileiro, com direito a bola, cetro e coroa de ouro, indefectíveis apetrechos dignos de um… príncipe!

QUANDO O DESTINO ENGANA A MORTE

A história de Danilo Alvim encontrava-se entre dois “principados” do futebol carioca. O de Oswaldinho, ídolo do América, na década de 1920, e o do propalado por Nelson Rodrigues em torno de Didi, o “Príncipe Etíope de rancho” rodrigueano. Três “príncipes” da pelota. Quanto ao Danilo, ele foi indiscutivelmente o melhor centromédio [hoje volante] do futebol brasileiro dos anos de 1940 e 50. Para compreender com mais exatidão quem foi este exímio jogador, ele representou para sua época o mesmo que Zito e Falcão significaram para os anos de 1960 e 70, respectivamente. Embora, ressalta-se, o estilo de Falcão é o que mais lembrou a desenvoltura do magro e alto Danilo, um craque que só jogava com a cabeça erguida e matava a bola na coxa ou no peito, fosse a mesma oriunda de um petardo. Com Danilo, ela se acalmava.

É deste assombro de jogador a singular história — com certeza uma das mais impressionantes — de “volta por cima” e amor ao futebol.

Nascido[2] e criado na rua Conde de Porto Alegre, número 64, no Rocha, bairro da zona norte carioca, no dia 3 de dezembro de 1920, bem perto da estação de trem da Central do Brasil, Danilo cresceu torcendo pelo América, paixão da qual nunca se desfez, e jogando muitas peladas pelas ruas próximas de casa. Seu primeiro clube foi o Ana Néri, também no Rocha. Teve uma infância feliz, que se tornou ainda mais alegre quando o pai Alcídio Alvim contou a ele que toda a família se mudaria para um apartamento alugado na esquina da rua Campos Sales com a praça Afonso Pena, quase enfrente ao campo tijucano do América. O sonho de garoto começava a se tornar realidade, para isso bastava atravessar a rua, e foi o que passou a fazer diariamente, mas, em 1940, deparou-se com o [quase] fim do sonho de um dia tornar-se um dos melhores jogadores do Brasil, como profetizara o técnico Ricardo Diez. Um atropelamento quebrou-lhe as duas pernas, somando 39 fraturas e a tíbia exposta na direita. O motorista que o atropelou acelerou o carro e fugiu. Quando o acidente aconteceu, Danilo já era um senhor jogador. O “Olívia Palito”[3], como os amigos o chamavam por causa da silhueta. Magro vara-pau, mas craque dos bons. Na época, o América estava sob o comando de Diez e Danilo transitava entre o time de aspirantes e o profissional. “O América está fazendo o maior center-half do Brasil”. Diez inflava o peito com indisfarçável orgulho para falar do jovem talento[4].


Kim e Amaro (Sport Illustrado)

O acidente foi assim: o jovem meio-campista, que ambicionava ser centroavante, voltava da comemoração com amigos na zona boêmia da Lapa, no Rio. Festejavam o convite que Danilo recebera de Flávio Costa para integrar-se à seleção carioca[5]. O fato é que, na Praça da Bandeira, bem em frente ao Corpo de Bombeiros, Danilo tentou pegar um bonde em movimento e foi atingido por um automóvel. Na verdade, foi tanta dor que ele nem se lembrava da pancada que levara. “Desci do ônibus e fui correndo para pegar o Malvino Reis [um bonde que passava na porta do América], quando senti a pancada e a vista escureceu. Ao dar por mim, vi a perna partida, virada para trás. Mas enquanto me curava aproveitei para por a cuca no lugar. No fim, até que a fratura me fez um bem danado.”[6]

Quando acordou[7] após o violento baque, Danilo estava cercado de um sem número de curiosos e preocupados. A maioria, como sempre, curiosos. Não sentia dor, apenas dormência nas pernas. Desmaiou novamente e quando acordou já estava no hospital, ouvindo a conversa velada dos médicos de que, provavelmente, nem andar poderia mais. Restou-lhe o choro calado. Contido, mas com esperança sutil.

Foram 18 meses com as duas pernas engessadas, muita reeducação muscular, o apoio das muletas e o carinho dos pais Alcídio e Edith Alvim, que sempre cercaram o filho de cuidados. As irmãs mais novas, Délia e Dalva [que se tornaria nadadora do América na mesma época], estavam sempre por perto. Nada faltou para que Danilo tivesse a garantia de que voltaria a andar e, inclusive, ao futebol. E voltou mesmo. Em 1940. Após uma recuperação espantosa para os parâmetros médicos da época. Na rua Campos Sales, no campo do seu América, retomou o contato com a bola. No início, tímidas embaixadas, um chute ali outro lá. Precisava, contudo, correr. Arriscou um pique e percebeu que a perna direita não dobrava como antes.

O médico do clube querendo saber de Danilo se tudo estava bem. Danilo respondendo que sim. Mas ele sabia que não. E sempre escondeu o problema. Não queria deixar o América, time do coração dele e do pai. Esforçava-se, portanto, para evitar que se desfizessem dele. Não corria tanto, mas aprimorou o estilo. Mais paradão, mais técnico. Cerebral. Exatamente como o Brasil o conheceu e, sobretudo, reverenciou. Mais se parecia com um príncipe. Talvez fosse mesmo, em vida pregressa, em encarnação anterior, quem sabe.

TIMIDEZ QUASE PAROU O JOVEM ‘PRÍNCIPE’


Antes do acidente (O Globo Sportivo 1940)

Quando garoto Danilo jogava bola [feita de meia] com a molecada num terreno baldio ao lado da estação de trem do Rocha. Estudava no Ginásio Vinte e Oito de Setembro [onde hoje há um centro politécnico do Senac], na avenida 24 de maio, número 543, para onde levava livros, lápis e, claro, a inseparável bolinha de meia. Com 15 anos, trocou a improvisada pelota por uma de couro e também calçou chuteiras para jogar no antigo campo do Garnier. Acreditava piamente ser um centroavante “fora de série”[8]. E ai de Sebinho, ex-técnico do São Cristóvão e dirigindo o Garnier, discordar do garoto. Mas ele não discordou. Constatou que o magrinho e longilíneo Danilo, com dribles desconcertantes, daria mesmo para a coisa.

O pai de Danilo, corretor de imóveis, levou a família para a Tijuca, mais precisamente para um sobrado em cima de um bar na esquina da rua Campos Sales com a praça Afonso Pena. Danilo instigou-o a levar a família para bem perto do América. Defronte ao clube seria melhor. Alcídio fez a vontade do filho na esperança de vê-lo craque do Alvirrubro, mas nada de Danilo ingressar no América. Estava, segundo João Máximo[9], sem confiança. Afinal, o América foi campeão da categoria em 1938, com um elenco que dava de dez a zero no simulacro de time do Garnier. O pai de Danilo não estava satisfeito. Fez um grande sacrifício e tanto, mais pelo filho que pelo restante da família. E Danilo preferia, contudo, as peladas na rua a bater na porta do América.


Danilo, Biguá e Jayme

Mas a timidez de Danilo tinha de ter fim. Um amigo o convidou para jogar como centromédio do time de uma fábrica de calçados da rua Mariz e Barros. Só havia peladeiro como ele. Aceitou o convite meio contrariado. Achava-se “o centroavante”. De centromédio aparecia pouco ou quase nada. Danilo era tímido, mas vaidoso. Sabia que era bom de bola. Acima da média. Terminada a pelada, Armando Coelho Antunes, o “Coelhão”, técnico do América, abordou Danilo e o intimou a trocar o asfalto pelo gramado. Mas o garoto teimou. Batia a mesma tecla: “Sou centroavante e não quero jogar como médio”. Coelhão foi paciente e sempre que o via, alertava. “Me dou por satisfeito com você de center-half, garoto. Largue estas peladas”. O pai ajudava a convencê-lo, os amigos da rua, idem. Uma hora ou outra se daria por vencido.

Não demorou. No finzinho de 1939, Danilo já era titular do time juvenil do América. No ano seguinte, foi campeão do carioca de amadores. Mal começou 1941, assistindo a um treino da seleção carioca no campo do América, Danilo acabou sendo surpreendido com um convite de Flávio Costa para que descesse da arquibancada, calçasse as chuteiras e participasse do treino do escrete do Rio. Rui Campos, centromédio titular, machucou-se e o técnico havia colocado Zarzur em seu lugar. Para completar o time reserva, Costa aproveitou Danilo, que agradou e foi convocado pelo entusiasmado técnico.

Festa dos Alvim, mas não mais no sobrado da Campos Sales. Alcídio mudou-se com todos para Niterói. Apenas a mãe do futuro craque estava receosa. Afinal, futebol profissional tem lá suas mazelas. Entram para valer. E Danilo, aos olhos de dona Edite, era ainda um garoto magrinho, “indefeso”, “imaturo” para cumprir jornada tão ousada. De Campos Sales à Niterói era mesmo uma jornada e tanto. Ônibus até a Praça Quinze e depois a travessia de barca pela Baía de Guanabara.


Danilo (Sport Illustrado)

Foi na então capital fluminense que Danilo serviu ao Exército com outro craque de primeira grandeza que viria a ser seu grande amigo fora das quatro linhas: Zizinho, que já era considerado genial e também fazia parte do escrete de Flávio Costa. Como o treinador da seleção carioca queria a contraprova do futebol de Danilo, testou-o mais uma vez. Marcaria justamente o amigo Zizinho. Não se intimidou com o jogo sensacional de Ziza e saiu de campo para comemorar. Flávio Costa estava convencido de que Danilo também era um fora de série. Que geração aquela…

Costa fez, porém, uma ressalva: “Quero você mais tarde na concentração da seleção”. Danilo respondeu um “sim senhor” e foi para a farra na Lapa com os amigos. Já pensou, dividir o mesmo espaço com Tim, Domingos da Guia? Mas veio o acidente na Praça da Bandeira e acabou com o sonho do garoto Danilo.

Todo mundo o visitava no hospital Gaffrée Guinle, na rua Mariz e Barros, ali mesmo na Tijuca. No dia seguinte ao atropelamento, o próprio Flávio Costa foi consolá-lo junto ao leito. Dizia para que não desistisse, mas Danilo, que tanto custou para entrar no América devido à timidez e insegurança, convenceu-se de que era o fim. Ricardo Diez, que o viu brotar em Campos Sales, também o visitava e comentava com jornalistas que Danilo seria o “maior centromédio desta terra”. Mas nenhum estímulo, palavra amiga mudava sua desesperançada opinião. Implicava até com o sobrenome: “Ao ‘Faria’ eu renuncio: só serve para gozação, já que é, também, um verbo fantasiado de substantivo”, respondeu aos médicos, que ouviam a lamúria do Danilo e, num átimo respondiam aos parentes e amigos do jovem um diagnóstico desesperançado: “Se esse rapaz tornar a jogar é bem possível que estejamos diante de algum milagre”. Eles não estavam errados. Danilo quebrara as duas pernas, e em várias partes, ou seja, em 39 lugares. Foi o primeiro grande desafio de sua vida, como contou ao repórter Geraldo Romualdo da Silva[10], em uma série de reportagens biográficas, em 1974: “Aquele calor de esperança que me afagava, havia desaparecido. E não era para menos. Afinal, quem poderia adivinhar que jogador de perna quebrada em muitos lugares, numa época em que menisco costumava destruir carreiras fascinantes como a de Adolfo Milman, o grande Russo, do Fluminense, tivesse sorte e tutano para dobrar tanto azar?”


Acervo Pessoal

João Máximo[11] o biografou melhor que qualquer outro jornalista ou pesquisador e pinçou minúcias da luta de Danilo, do América e dos médicos para recuperar a saúde do jovem jogador: “O tratamento a que Danilo se submeteu, orientado pelo Dr. Caio do Amaral, compreendia, após a retirada do gesso, uma série de exercícios especiais, massagens e radioterapia. O América pôs todos os recursos do seu modesto Departamento Médico à disposição do centromédio que queria ver recuperado, talvez para jogar ao lado de Oscar e Laxixa no time titular. No princípio, seu Alcídio saía de casa com Danilo, todas as manhãs, e ia ao clube acompanhar de perto o tratamento. Depois, viu que nova mudança seria melhor para todos, e a família voltou para a Tijuca, desta vez indo morar na Travessa São Vicente, bem atrás do campo do América.”

Gentil Cardoso acabara de assumir o comando técnico do América no lugar de Ricardo Diez e precisava diminuir os gastos do clube. Danilo estava na lista de dispensas. No topo dela, assinala-se. Mas nada a ver com o fato de estar aquém do que poderia fazer antes do acidente, quando se achava um “grande” centroavante. Gentil não descobriu o “segredo” de Danilo. Sequer referiu-se à perna direita dele, o motivo do “segredo”. O caixa do clube estava vazio mesmo e a limpa no elenco era inevitável. Danilo tentara ingressar no Fluminense, mas corria um boato de que sofria do pulmão. O fato é que as portas do estádio das Laranjeiras foram fechadas para ele.


Acidente com Délia e Dalva (O Globo Sportivo)

Martim Silveira[12], ex-craque do Botafogo e capitão da seleção nas Copas de 34 e 38, treinava o Canto do Rio quando decidiu convidar Danilo para jogar pelo clube de Niterói. Já corria o ano de 1942. Final do ano, mais precisamente. O garoto estava deprimido, mas tentou a volta por cima. Aliás, Martim intercedeu junto a Gentil e aos cartolas do América para que o liberassem o quanto antes. Um ano de empréstimo estava de bom tamanho. Martim fez um trato com Danilo. Deu três meses para que recuperasse a boa forma que tanto impressionou torcedores, dirigentes e jogadores do América antes do trágico acidente da Praça da Bandeira. Não haveria contrato assinado, mas o rapaz receberia um salário de 300 mil réis. Caso se recuperasse, antecipara Martim a Danilo, a prioridade de registro na Federação de Futebol seria do Canto do Rio. Danilo, obviamente, topou. Na manhã seguinte atravessou a Baía de Guanabara rumo a Niterói, convicto de que venceria todos os obstáculos físicos e, talvez os mais difíceis de superar, os da alma. A paixão pelo futebol era tudo. Era onde podia se agarrar para vencer. “Era uma alucinação. No fundo, é isso aí, foi o toque que me conduziu ao ponto mais alto da minha felicidade”. O América até tentaria emperrar a ida de Danilo, em 1943. Tinha o passe dele. Desdenhara o garoto, que mal se livrara dos gessos e talas em ambas as pernas. Não venderam o passe de Danilo, mas o emprestaram ao Canto do Rio, que já não tinha mais como treinador Martim e sim Orlando Fantoni. “Emprestado pelo América, tive de enfrentá-lo. Me senti mal antes do jogo e pedi ao técnico, Fantoni, que era também centroavante, que não me escalasse. Mandou-me trocar de roupa e empurrou-me para dentro do campo [do estádio Caio Martins, em Niterói]. Fiquei 15 minutos sem ver a bola. No final, vencemos de 2 a 1.”[13]

Pelo Canto do Rio, Danilo não ganhava jogos do campeonato carioca de 1943 — a equipe de Niterói terminaria em penúltimo lugar na tabela —, mas se destacava no time. A mais pura verdade. Caso contrário, Flávio Costa não o chamaria novamente para compor uma linha média na seleção carioca com Ivã e o bastião rubro-negro Jaime de Almeida. Era, enfim, a tão desejada e não menos surpreendente volta por cima. Ao lado dos companheiros da linha média, de Zizinho, o amigo e compadre de Niterói, de Heleno de Freitas e de Ademir de Menezes, Danilo Alvim sagrou-se campeão brasileiro pelo Rio de Janeiro. O destino lhe reservava, porém, o retorno ao time da rua Campos Sales, levado pelo mesmo Gentil Cardoso, arrependido e, evidentemente, constrangido.


Acidente com Ricardo Diez (O Globo Sportivo 1941)

O América figurou mal na tabela do campeonato de 1944. No ano seguinte, outro papelão. Até conquistou um torneio início, mas era pouco. Muito pouco para a grandeza do América e também para Danilo, que já demonstrava impaciência. Chegou ao ponto de trocar pontapés com Zizinho, logo o Ziza, seu grande amigo, durante um clássico contra o Flamengo. O pai o repreendeu. Disse que futebol não era simplesmente jogo para macho. Era muito mais. Era para ser praticado por craque. E craque, todos sabem, tem de ser sábio, nunca um cabeça-de-bagre. Alcídio não admitia os dois amigos se engalfinhado nos gramados. Eram craques genuínos e muito amigos mesmo. Disputavam peladas juntos em Niterói quando Danilo serviu o Exército na cidade. Aproximaram-se naquele momento e não se desgrudaram mais. Tanto que, anos depois, tornar-se-iam compadres. Talvez, naquela metade da década de 1940, os dois estavam na seletíssima lista dos melhores do momento no futebol brasileiro. E como disse Ricardo Diez ao Danilo e ao repórter que o entrevistara quatro anos atrás, para ser craque era preciso calma, serenidade, leveza. Danilo nunca poderia se desfazer dessa qualidade. Ainda mais em um arranca-rabo com um amigo do peito como Zizinho.

Os dias de Danilo no América estavam contados. Quem muito lamentaria era um menino filho de um conselheiro do clube e ardoroso fã do centromédio. O nome do garoto ficaria imortalizado na história do futebol alguns anos depois, mas ninguém poderia imaginar isso naquele instante, nem mesmo o próprio menino Mário Jorge Lobo Zagallo, que desejava somente que o seu ídolo permanecesse em Campos Salles.

***

Na terceira reportagem da série DANILO, 100 ANOS, a chegada triunfal ao Vasco do jovem ex-craque do América e, após muitas conquistas e notoriedade, uma amarga despedida de São Januário.

 

[1] A.D.. “Danilo, a promessa real do football brasileiro”. O Globo Sportivo: Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1940, p.9.

[2] Nota do autor: como consta em sua ficha cadastral no Vasco da Gama. Porém Danilo, em várias entrevistas, sempre afirmara ter nascido em 1921.

[3] SILVA PINTO, José Luiz da. Campeão da magreza e da técnica. Reportagem publicada pela revista O Globo Sportivo, em 14 de julho de 1951, p. 15.

[4] SILVA, Geraldo Romualdo da. “Existe um crack perfeito? Danilo é um milagre da natureza”. O Globo Sportivo: Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1948, pp.8-9.

[5] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 231.

[6] ANDRADE, Aristélio. “O príncipe perfeito”. Placar/ Ed.Abril: São Paulo, 26 de janeiro de 1979, pp.30-3.

[7] SILVA PINTO, José Luiz da. “Campeão da magreza e da técnica”. Reportagem publicada pela revista O Globo Sportivo, em 14 de julho de 1951, p. 15.

[8] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 232.

[9] Idem, p. 233.

[10] SILVA, Geraldo Romualdo da. “O príncipe Danilo [I]: Jogou futebol-arte, agora ensina futebol total”. Jornal dos Sports: Rio de Janeiro, 25 de setembro de 1974, p.12.

[11] CASTRO, Marcos de, e MÁXIMO, João. Gigantes do futebol brasileiro. Editora Lidador, Rio: 1965, p. 237.

[12] SILVA PINTO, José Luiz da. “Campeão da magreza e da técnica”. Reportagem publicada pela revista O Globo Esportivo, em 14 de julho de 1951, p. 16.

[13] A.D.. “Dos cães aos craques, o paraíso do incrível”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1986, p.46.

FLUMINENSE 1980, COM A BENÇÃO DE JOÃO DE DEUS

por Paulo-Roberto Andel


Quarenta anos depois, o Fluminense de 1980 desperta saudades dos cinquentões em diante. E neste 30 de novembro, é o aniversário de um inesquecível time tricolor, campeão diante de adversários fortíssimos. 

Naquele tempo o Flu vivia uma crise. Não tinha dinheiro e vinha de três anos sem conquistas, algo até então raro na trajetória tricolor. Para piorar, fez uma péssima Taça Guanabara (naquele ano, uma competição separada do campeonato carioca). Por fim, perdeu seu treinador, Zagallo, que foi para o Vasco dizendo que queria ser campeão. 

Ao Tricolor, restou a reconstrução. Um time com vários jogadores jovens, todos formados nas divisões de base do clube, somados a dois reforços: Gilberto, excelente meio campista que veio do Atlético Goianiense mas tinha começado no Botafogo, e Cláudio Adão, um craque mas de futuro incerto depois de praticamente ter sido enxotado de Botafogo e Flamengo. Para liderar a equipe, ficou Edinho, craque de Seleção.

Paulo Goulart, Edevaldo, Tadeu, Edinho e Rubens Galaxe; Deley, Gilberto e Mário; Robertinho, Cláudio Adão e Zezé. O treinador, Nelsinho – uma fera de Madureira e Flamengo nos anos 1960. Mas é justo falar de Mário Jorge, jovem ponta-direita que jogou boa parte do campeonato no lugar do contundido Robertinho.

O Fluminense começou sua campanha longe das manchetes do favoritismo, mas a garotada foi ganhando espaço. Um ponto marcante da jornada foi a goleada por 4 a 0 sobre o Botafogo, devolvendo o placar do ano anterior e com uma atuação de gala de Cláudio Adão, autor de dois golaços. Depois o Flu empatou com o poderoso Flamengo campeão brasileiro (1 a 1) e virou em cima do não menos poderoso Vasco de Roberto, Guina, Paulo Cezar Caju e Pintinho (2 a 1). O Tricolor e o Cruz-maltino terminaram empatados no turno e foi preciso um jogo extra para a decisão do turno. Deu Flu na disputa de pênaltis, 4 a 1 com o brilho do goleiro Paulo Goulart nas cobranças, garantindo o time na final do campeonato.

No segundo turno, a equipe tricolor fez uma campanha irregular. Mesmo assim, não perdeu para os chamados três grandes, empatando com Flamengo e Botafogo em 2 a 2, mais o Vasco em 3 a 3. O Flamengo sonhava com a final mas o Serrano de Anapolina lhe impôs uma vitória histórica e o Vasco faturou o segundo turno. No final das contas, o Flu engoliu a seco mesmo foi diante do America, que o derrotou nos dois turnos. 

A partida final foi disputada numa tarde de chuva no Maracanã. A torcida do Fluminense repetiu o canto de João de Deus, cantado em boa parte da competição – era o tema de homenagem ao Papa João Paulo II, que veio ao Brasil naquele ano. O Vasco tinha um timaço mas era difícil encarar a garotada tricolor. Aos 22 minutos do segundo tempo, Edinho marcou de falta o gol que garantiu o título que quebrou a sequência rubro-negra no futebol carioca. O outrora desacreditado Cláudio Adão foi o artilheiro do campeonato, e Edinho foi o craque do começo ao fim, mas o Fluminense tinha muitos recursos: Mário e Zezé eram rápidos, com suas canhotas mortais e bons chutadores; Robertinho e Gilberto eram extremamente habilidosos e, para completar, o Brasil via um craque de grandes passes e lançamentos surgir no pedaço – Deley, fera! Foi o último campeonato de Cleber, tetracampeão carioca pelo Fluminense. 


Eram tempos de Maracanã lotado, clássicos para mais de cem mil torcedores, a monumental nuvem de pó de arroz e um maravilhoso time que encarou seus grandes rivais olhando de cima. O Canal 100 mostrava tudo antes das sessões de cinema. João Saldanha comentava, Jorge Curi e Waldyr Amaral narravam, as bancas de jornais ficavam alinhadas às segundas-feiras – cheias de gente espiando as manchetes do futebol carioca. E a decisão de 1980 também foi marcada pela despedida de dois ícones tricolores, que também são admirados por todo mundo até hoje: Cartola, a maior expressão da história do samba, que morreu no dia do título tricolor, e Nelson Rodrigues, cuja última crônica (ditada para seu filho, o jornalista Nelsinho Rodrigues) foi a da celebração da conquista – o maior dramaturgo da história do país morreria 21 dias depois da volta olímpica tricolor. 

Quarenta anos depois, o jovem e desacreditado Flu de 1980 é uma página eterna da história do clube. Uma equipe de enorme talento individual, muito empenho coletivo e um jovem craque de 25 anos que liderava o time de ponta a ponta, desarmando, marcando, arrancando para o ataque e fazendo gols: Edinho. Ele foi uma grande herança da imortal Máquina Tricolor e um dos maiores zagueiros da história, não só do Fluminense mas também de todo o futebol brasileiro.

Dos campeões de 40 anos atrás, há muitas imagens, mas a mais significativa é a do treinador Nelsinho à beira do campo no dia do título. Sereno, protegido da chuva por um capuz plástico no banco de reservas, ele mostrou ali a mesma categoria que desfilou antes nos gramados cariocas. Simples e tímido, mas de uma competência enorme. 

@pauloandel

VOZES DA BOLA: ENTREVISTA PAULO SÉRGIO


Santa Teresa é um bairro situado no topo de uma colina com uma atmosfera encantadora, ruas íngremes e sinuosas, ladeadas de mansões antigas e elegantes, muitas com hotéis, bares e restaurantes com vista para a baía.

Mas o bairro de tantas belezas naturais e arquitetônicas escondia um menino, então, com 14 anos, que era goleiro do Capri e destaque nos campeonatos promovidos pelo Jornal dos Sports, no Aterro do Flamengo.

Numa dessas partidas, Paulinho – que apesar de ser chamado no diminutivo, se agigantava – chamou a atenção de um senhor conhecido como Farias, à època, técnico do dente de leite do Fluminense.

Era 1968, quando colocou as ‘mãos’ pela primeira vez nas Laranjeiras, e anos depois, conduzido por Pinheiro (1932-2011), ex-zagueiro e ídolo Tricolor, passou a conviver com Félix, Carlos Alberto Torres, Edinho, Rodrigues Neto, Marco Antônio, Marinho Chagas, Dirceu, Zé Mario, Pintinho, Rivellino, Paulo Cezar Caju, Gil e outras peças que eram consideradas a engrenagem de uma máquina de jogar futebol na década de 1970. 

Era um plantel que havia 16 jogadores com passagens pela Seleção.

No entanto, a idade, felicidade, vontade, identidade, plasticidade, elasticidade e a eletricidade demonstradas pelo camisa 1 embaixo das traves nos campos do Aterro não foram suficientes para fazê-lo assumir a titularidade: era o quarto goleiro, atrás de Félix, Roberto e Nielsen.

Sua estreia coincide com a de Rivellino na goleada por 4 a 1 sobre o Corinthians quando o Fluminense mandou abrir alas que a ‘Máquina Tricolor’ estava colocando seu bloco na rua no dia 8 de fevereiro de 1975.

Paulo Sérgio substitituiu Roberto na etapa complementar do clássico que marcava a chegada de Rivellino ao Rio de Janeiro como uma das transações mais fenomenais da história do futebol brasileiro.

Era sua redenção?

De forma alguma! Acabou preterido do clube onde deu suas primeiras espalmadas numa bola.

Foi em busca de novos caminhos e chegou em Maceió para defender o CSA e na volta ao Rio de Janeiro, jogou pelo Volta Redonda, Americano, Botafogo.

Saiu para o Planalto Central para fechar o gol no Goiás, e voltar à sua cidade natal para jogar no América e Vasco da Gama.

No Glorioso, – clube que o levou à Copa do Mundo da Espanha em 1982, sendo reserva de Waldir Peres – viveu a melhor fase na carreira e deixou sua superstição aflorada quando entrava no ônibus do clube e sempre sentava na poltrona 21, onde não abria mão de jeito nenhum em dias de jogos.

Econômico em títulos nos 16 anos que passou no futebol de campo – apenas conquistou a Taça Guanabara em 1986 com o Vasco – não lhe restou outra profissão a escolher antes de ser hexacampeão no Beach Soccer de 1994 a 2000: virou economista, formado pela Faculdade Cândido Mendes, em 1987!

Paulo Sérgio de Oliveira Lima não foi o ‘Anjo Irônico’ com 1,85 metro de altura, pernas arqueadas, cabelos vermelhos encaracolados e que jogou no Bayern Munique-ALE em toda carreira chamado Seep Maier.

Também não foi o sempre bem colocado e de defesas incríveis que viveu o apogeu no Vasco da Gama, clube que lhe proporcionou título e prêmios pessoais de nome Andrada (1939-2019), goleiro argentino mais conhecido por ‘El Gato’, e que por um triz não pegou a cobrança de Pelé que originou o milésimo gol do Atleta do Século XX.

Não, não foi de forma alguma Seep Maier – a quem considera o maior goleiro – e Andrada – seu ídolo.

No entanto, fez história como um dos maiores goleiros do futebol brasileiro.

O Museu da Pelada bateu uma bola com o dono da poltrona 21 do ônibus do Botafogo de Futebol e Regatas, e que coincidentemente, foi o número de anos que o Alvinegro de General Severiano ficou sem levantar um troféu de campeão.

Superstições à parte, o goleiro Paulo Sérgio é o nosso vigésimo personagem do Vozes da Bola desta semana.

Por Marcos Vinicius Cabral

Edição: Fabio Lacerda

Como foi o início de carreira?

O início da carreira, como a maioria dos garotos, era no time do bairro. Era o Capri, de Santa Teresa. A gente disputava os tradicionais campeonatos no Aterro do Flamengo promovido pelo Jornal dos Sports. Numa dessas partidas, um senhor chamado Farias, que era o técnico do dente de leite do Fluminense, me viu jogando e me levou para as Laranjeiras. E foi dessa forma que dei início a minha carreira. Das pelas peladas no Aterro do Flamengo para o Fluminense.

Você começou no Fluminense em 1972, mas teve o talento ofuscado por Félix, goleiro tricampeão mundial na Copa do Mundo de 1970. Como encarou ser reserva dele e como era a relação entre vocês?


Comecei no Fluminense em 1972, apesar de ter iniciado no dente de leite em 1968, passando em seguida para o futebol de salão. O senhor Farias me colocou para jogar futebol de salão para que eu não saísse das Laranjeiras. Quando deu minha idade para o juvenil, o Pinheiro, ex-zagueiro do Fluminense, que era o técnico, me levou para os profissionais. Da pelada de campo no Aterro fui convocado por um dos maiores nomes da história do clube para integrar a equipe do futebol profissional. Joguei todos os campeonatos juvenis com a camisa Tricolor e quando estourei a idade passei para o time profissional. Fui reserva do Félix, tricampeão do mundo em 1970. Vale ressaltar que quando cheguei às Laranjeiras, era o quarto goleiro – Félix, Roberto, Nielsen, e eu. Tive a honra de jogar na Máquina Tricolor de 1975. Neste momento ganhei muita experiência. Tinha ao meu lado craques como Rivellino, Gil, Pintinho, Paulo Cezar Caju, Edinho, Carlos Alberto Torres e outros grandes jogadores. Mas a minha relação com os outros goleiros era ótima. O Félix era um professor. Foi primordial para minha evolução.

Seu pai Osmar foi seu grande incentivador?

Sem dúvida. Ele quem me levava para os jogos no início da minha carreira no juvenil, e quando cheguei no profissional, eu não deixava ele assistir mais meus jogos porque ele ficava muito nervoso (risos). E me transmitia nervosismo também. Meu pai foi minha fonte de motivação.

Qual o motivo de ter saído do Fluminense em 1976 para jogar no CSA?

Eu saí do Fluminense em 1976 e fui emprestado para o CSA. O Pinheiro, que havia sido meu treinador no juvenil, falou que por ser o quarto goleiro, seria muito difícil eu vestir a camisa número 1 do Fluminense. Naquele momento, uma saída para mim seria bom para eu pegar experiência, jogar em um outro time, disputar outros campeonatos, conhecer um outro universo no futebol. E de fato esse empréstimo me ajudou. Fez um ter maios oportunidades e ter uma vida pessoal sozinha, por exemplo. Eu tinha que me virar! Em tudo na vida eu sempre tive esse lado que eu considero positivo: extrair sempre algo bom das oportunidades e foi assim no CSA, em 1976. Quando eu voltei, o Fluminense acabou me dando passe livre e num primeiro momento fiquei completamente desnorteado. Era garoto ainda, tinha grandes aspirações no futebol e queria ser um grande goleiro e vencer nesse esporte. Lembro foi uma barra. Eu cursava o terceiro grau à época fazendo Arquitetura e passei para Economia. Aí eu pensei: “Poxa vida, o Fluminense me mandou embora, acho que eu não vou ter mais chances. O que vou fazer?”, perguntei para mim mesmo. Fui no clube e pedi para me deixarem ficar treinando para eu ter um condicionamento físico até aparecer um clube interessado em minha contratação. Foi isso.

Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao coronavírus?

Desde março que estamos trabalhando home office e na TV, tenho feito meus comentários de casa. É utilizando o distanciamento, máscara para todos os lugar quando eu tenho que sair, e me exercitando na medida do possível. No início do ano deixei de ir para academia, aluguei uma bicicleta ergométrica da academia e faço meus treinamentos em casa. Mas de vez em quando, monto um circuito e faço meu treinamento em um campo de futebol que tem perto de casa e fico sozinho fazendo. Essa foi a forma que encontrei para enfrentar o isolamento e o distanciamento social. A vida profissional segue tendo todos esses cuidados e a vida social em casa assistindo TV, lendo livros e estudando.

Antes de chegar no Botafogo, você passou primeiro pelo Volta Redonda e depois no Americano, até ser contratado em definitivo pelo Glorioso no início de 1980. Como foi jogar em dois clubes considerados de menores investimentos, embora cidades importantes para a Economia do Estado? Já que cursou Economia!? (risos)?

Foi o Félix. Ele apareceu mais uma vez na minha vida e falou: “Paulinho, o Volta Redonda tá querendo me contratar e eu não vou, mas vou te indicar. Você quer?”, perguntou-me. Aceitei de imediato. Fui para o Volta Redonda e até hoje não esqueço que quando cheguei no clube para acertar o contrato o presidente disse: “A gente queria o Félix, mas ele indicou você, e a gente realmente tá precisando de um terceiro goleiro” (risos). Caramba! Terceiro goleiro do Volta Redonda, foi o que pensei! Mas tudo bem! Vou tentar mais esse ano. Foi em 1977. Eu vou tentar, se der continuidade na carreira, ok! Caso contrário, continuo dando seqüência aos estudos. E graças a Deus, deu tudo certo, eu passei pelo Volta Redonda, depois pelo Americano, e vale um registro. Esses dois clubes foram muito importantes na minha carreira profissional. Além de me dar visibilidade, porque eu jogando diretamente no Campeonato Carioca, e enfrentando os grandes clubes, é óbvio que você é muito atacado e estando bem fisicamente, você acaba se destacando. E foi exatamente isso o que aconteceu, fiz grandes partidas no Volta Redonda e no Americano e chamei a atenção de muitos clubes que começaram a ver no goleiro Paulo Sérgio um grande goleiro. Já o interesse do Botafogo surgiu após eu fechar o gol numa no Maracanã. Sabe aqueles dias em que tudo dá certo? Pega até pensamento? Foi desse jeito. Estávamos dentro do vestiário comemorando a vitória e tomando banho. De repente, veio Sebastião Leônidas (um dos maiores zagueiros da história do Botafogo que foi contratato junto ao América, campeão de 1960, para substituir o Nílton Santos) que havia sido meu treinador no Volta Redonda e ele era auxiliar técnico do Botafogo. Aí ele falou: “Paulinho, o pessoal do Botafogo tá querendo conversar com você, está querendo te contratar”, disse. Fiquei feliz, mas como estava com o contrato até dezembro com o Americano, mas nada que impeça de conversarmos. E foi o que ocorreu. Numa folga minha fui conversar com o Rogério Corrêa, que era o vice-presidente do Botafogo. Fui em sua casa e acertamos o contrato. Isso era em setembro, meu contrato com o Americano foi cumprido até o fim de ano, religiosamente, e em janeiro de 1980, me apresentei ao Botafogo para retornar a um grande clube do país. 

É verdade que quando o Botafogo vencia, você repetia o mesmo uniforme para o próximo jogo, e no ônibus do time, fazia questão de ocupar sempre a mesma poltrona, a de número? Você era supersticioso mesmo?

Sou supersticioso sim e fiquei muito mais quando cheguei no Botafogo! Gostava de cuidar do meu uniforme todo. Trazia para casa e a minha mãe que lavava. Repetia o uniforme quando eu atuava bem na última partida. Eu era tinhoso! Fazia tudo da mesma forma (risos): as mesmas luvas, o mesmo calção, a mesma camisa, os mesmos meiões, e era tudo certinho. Já o lance da poltrona 21 é a mais pura verdade, já era cadeira cativa. E tinha uma outra superstição que você não abordou na sua pergunta e que eu era sempre o último a sair do ônibus. E aí todo mundo brincava comigo. Teve uma vez que foram me pregar uma peça, e o pessoal se escondeu lá atrás no ônibus. Olhei, já tinha todo mundo saído. E ao descer do ônibus o pessoal começou a me zoar e por coincidência o time acabou perdendo. Só sei que eles nunca mais fizeram isso e deixaram eu e as minhas superstições da poltrona 21 e sair por último em paz (risos).

O Maracanã soprou 70 velhinhas. Quais são as suas primeiras lembranças como jogador no estádio?

Poxa vida, foi no Maracanã onde eu tive as melhores atuações e o privilégio de jogar com 180, 190 mil pessoas! Impossível hoje em dia em função da redução de sua capacidade. Mas foram bons tempos. As arquibancadas estavam lotadas e podia, inclusive, conversar com alguns torcedores que ficavam nas gerais e os repórteres atrás do gol. Que saudades, cara!

Qual foi o maior goleiro que você viu no futebol?


Foi o Sepp Maier da Alemanha. Eu olhava e o achava um goleiro excepcional, apesar de meu ídolo na posição ter sido o goleiro Andrada do Vasco. Eu achava ele com o biotipo muito parecido com o meu, um goleiro baixo e muito ágil. Lembro das vezes que fui ao Maracanã só para vê-lo jogar. Ficava atrás do gol olhando seu posicionamento e como ele jogava. Como ídolo foi o Andrada, no entanto, o maior de todos foi o Seep Maier.

Em 1981, com a camisa 1 da seleção brasileira, você enfrentou a França, no Estádio Parc des Princes, em Paris. Quais as lembranças daquela partida?

Foi a minha estreia na Seleção Brasileira contra a França na excursão pela Europa. Convocado pelo saudoso Telê Santana. Além da vitória contra a França, que no ano seguinte foi à semifinal da Copa do Mundo da Espanha, ganhamos da Inglaterra,, em Wembley, e da Alemanha, em Stuttgart. Para mim foi especial. Primeiro que nesse mesmo jogo, o Zico marcou seu gol de número 500, e antes da partida, o Pelé recebeu o troféu de ‘Atleta do Século’. Lembro que ele passou perto de mim e até brincou comigo quando estava aquecendo: “O menino, não vai tremer não, né?”, perguntou sabendo que era minha estreia. Imagina, um garoto que estava até pouco tempo atrás no Volta Redonda e no Americano e tendo a chance na Seleção Brasileira. E o nosso Rei vira e fala isso para você? Mas foi uma estreia muito boa, marcante e a vitória por 3 a 1 contra uma grande equipe da França que tinha Platini, Gérard, Tigana, Trésor e Didier Six. Mas a nosso time era muito bom também.

Em grande fase, convocado, você foi reserva de Waldir Peres na Copa do Mundo da Espanha, em 1982. Foi uma injustiça aquele time não ganhar o título pelo futebol que jogou?

Sim, foi injusto, apesar de achar que não existe justiça no futebol. Foi um dia em que não fomos felizes e acabamos sendo derrotado pela Itália, que tinha um time muito bom, mas o nosso time era bem superior. Acredito, inclusive, que em condições normais, e sem cometer erros como aconteceu nesta partida, acho que nós seríamos merecedores da vitória, e consequentemente, do título, pois o nosso time era muito bom.

“Depois do nosso primeiro compromisso na Copa do Mundo de 1982, passei um dia inteiro tentando convencer o Waldir Peres de que ele não tinha falhado no gol da União Soviética”, disse você à Placar de 20 de agosto de 1982. Como era a relação sua com o nosso camisa 1 e titular do Brasil naquela Copa do Mundo?

Ótima. Nossa relação era ótima. Depois do primeiro jogo na Copa do Mundo de 1982, em que o Waldir Peres falhou no jogo contra a União Soviética, todo mundo ficou ventilando que eu ia jogar, que eu ia entrar e que ele falhou. É lógico que a minha vontade era de jogar, claro, eu queria ser titular, mas quando você trabalha, com senso coletivo bem desenvolvido, sinceramente, seria injusto da minha parte assumir a posição por causa de uma infelicidade do companheiro. Jamsia apunhalaria o Waldir Peres ou outro goleiro para tentar sobrepor-me diante de uma falha que acontece com todo o goleiro. E revelo para vocês, do Museu da Pelada: eu dei força para ele no nosso reservado e para os outros eu falei que ele não havia falhado, mas obviamente, que ele falhou. No chute, tecnicamente falando, ele fez uma entrada errada na bola, e a gente conversou internamente sobre isso. Lembro que eu falei para ele: “Waldir Peres, eu e o Carlos estamos aqui para te dar força, mas se o Telê me chamar para jogar é lógico que eu vou, mas estamos aqui para te apoiar e dizer que estamos contigo”. 

A última sobre 1982: você pode nos contar como era fazer parte daquele grupo? Como era o ambiente? Todos ali se davam bem de verdade? Telê realmente era muito fechado?

O grupo de 1982 era brincadeira (gíria carioca para designar algo único, que designa alto nível de pessoas)! Depois da Seleção Brasileira de 1970 foi o grande grupo de uma Seleção Brasileira de todas as que participaram de Copas do Mundo. A Seleção de 1970 era grande, e a de 1982 também. Eu só tenho que agradecer pelo privilégio em ter jogado junto com eles. Para ter uma ideia, a gente era, não uma Seleção, mas um grupo de amigos em primeiro lugar. Companheirismo de verdade. Após a classificação para a Copa do Mundo de 1982, a seleção fazia um amistoso por mês. A reunião estava garantida, porque o plantel só tinha dois que jogavam no exterior: o saudoso Dirceu e o Falcão. Os demais atuavam no Brasil. Então, nós tínhamos uma afinidade muito grande. Era de extrema relevância esse encontro com grandes jogadores, cada um estrela no seu time, mas na Seleção era em prol de um grupo. Foi uma pena a gente não ter ganhado, mas que ficou na lembrança de todos. Essa grande Seleção ficou.

É verdade que o ‘seu” Graciano Espíndola, seu sogro, comprou seu próprio passe e o alugou para o Goiás em 1985?

Essa história foi muito interessante, pois era final de 1984 e eu estava no Botafogo. Ocorreu que meu sogro, um empresário no mercado de Comércio Exterior, falou que tinha a possibilidade de dois clubes me contratarem. Achei legal, mas falei para ele que achava muito difícil o Botafogo me vender, e caso me vendesse, ia querer um preço enorme, já que eu era um jogador valorizado e de Seleção. O que a gente fez: como eu tinha algumas luvas atrasadas a receber do clube, fizemos um acordo e o meu sogro comprou o meu passe. A ideia era logo em seguida me vender para não ficarmos com o passe na mão. Mas acabou não dando certo. Apareceu o Goiás querendo que eu disputasse o Campeonato Brasileiro, e a gente achou uma oportunidade de ter a reciprocidade do retorno que a gente havia empenhado junto ao Botafogo. Foi isso que a gente fez. Alugamos o meu passe para o Goiás e acabamos de certa forma tirando um pouquinho do prejuízo.

No verão de 1985, você pensou em abandonar os gramados. Na época, cursava o último ano do curso de Economia da Faculdade Cândido Mendes. Porque resolver enveredar para uma outra área?

Quando voltei do Goiás, realmente, eu pensei em abandonar a carreira. Já estava me formando em Economia e tinha essa proposta de trabalhar nessa empresa de comércio exterior, onde estou atualmente. Mas como estava no Goiás, clube que fiquei apenas três meses, e quando voltei, fiquei dois meses sem contrato e só treinando. Aí apareceu na história o Lancetta que tinha sido meu preparador físico no Botafogo. Ele estava no América e me convidou para jogar. Movido a desafios, resolvi ir para dar continuidade na carreira. Retomei a carreira e passei pelo Vasco em 1986, clube em que me sagrei campeão da Taça Guanabara. Depois disso, já campeão e com uma boa passagem pelo Vasco, voltei ao América, que começou a atrasar salários. Mas como já tinha uma vida para cuidar, filho e tudo mais, resolvi dar seguimento a minha vida em outro setor e parei de jogar. Mas é bom deixar claro que eu parei de jogar em função dos salários atrasados e porque eu tinha contas a pagar e não podia ficar vivendo de sonhos. No entanto, depois disso, veio a seleção de Master do Luciano do Valle que me convidou para fazer parte daquele time sensacional. Reencontrei o Rivellino. Lembra que eu disse ter sido do plantel da Maquina Tricolor há 45 anos?  Foi um momento mágico também. Jogávamos todo os domingos. Foi organizado Mundialito. Foi um sucesso. Pendurei minhas luvas em 2000 no futebol de areia. 

Qual foi o melhor treinador com quem você trabalhou?

Telê Santana na Seleção Brasileira e Paulinho de Almeida no Botafogo.


E o treinador de goleiros?

Muitos treinadores de goleiros foram importantes na minha carreira, como Raul Carlesso, que foi o meu primeiro treinador no Fluminense, onde foi o começo de tudo. Depois tive o prazer de ter o Sebastião Leônidas no Botafogo, no qual reputo como um excelente treinador. Mas o Nielsen foi o melhor com quem eu trabalhei.

Novamente no Rio de Janeiro, você firmou seu compromisso com o América e na temporada de 1986, alugou seu passe ao Vasco da Gama. Como foi essa passagem pelo clube?

Aliás, esse time do Vasco foi campeão da Taça Guanabara e era treinado por Antônio Lopes. Sobre a minha passagem? Basta dizer que esse time tinha Romário, recém lançado aos profissionais, Roberto Dinamite e Mauricinho. Tá respondido?

Em campo, seu último time foi o América, no entanto, na areia, você jogou por mais doze anos. Que balanço você faz da carreira?

Foi legal. Agradeço tudo que eu passei. Minhas vitórias, derrotas, demissões, no caso quando eu fui mandado embora e recebi passe livre do Fluminense, e tudo na vida (risos)! O que vale é a experiência. A carreira de jogador profissional, além de ter me dado muita coisa financeiramente falando, produziu uma imagem positiva e de profissionalismo.

Qual era o segredo para ter uma ótima impulsão, já que você tinha apenas 1,78 metro de altura?

Eu sou oriundo da areia, apesar de ter nascido em Santa Teresa. Mas você já nasce com a musculatura preparada para isso e desde muito cedo que eu treinava no Aterro do Flamengo. Inclusive, sempre joguei nos campeonatos de praia e depois fui morar em Botafogo, e continuei jogando minhas peladas. Então foi assim. Fui crescendo na areia, e por meio dela, que consegui uma impulsão muito grande. No entanto, o grande segredo não era só a impulsão, mas a colocação, que foi isso que aprendi com o Andrada. Ele tinha uma ótima impulsão, mas a colocação dele era muito boa. A colocação do argentino dava condições de antever a jogada para um salto ou melhor posicionamento para fazer a defesa de um chute. Lógico que quando a bola ia muito longe você tinha que usar sua impulsão, sua elasticidade, mas o grande segredo foi que eu nasci com musculatura propícia para isso e aperfeiçoei na areia.

Defina Paulo Sérgio em uma única palavra?

Batalhador.

DANILO, 100 ANOS: UM PRÍNCIPE PATRIMÔNIO HISTÓRICO DA BOLA

por André Felipe de Lima


O Cruzeiro 1953

“Gênova, Itália. Meu amor. Este é o porto aonde vamos tomar o navio que me levará aos teus braços para tornar a te beijar muito e me fazer o homem mais feliz dos homens, minha vida. Dê muitos beijos no Beléto, que o papai está com muitas saudades. Para você, meu grande amor, um milhão de beijos nesta boquinha e neste corpinho todo, do teu marido, que te ama acima de tudo neste mundo. Danilo”. Um amor assim é indizível. Sente-se. Vive-se em cada linha escrita pelo casal, em cada beijo, carinho ou presentes que dão um ao outro. Danilo Faria Alvim e Zelinda Tojal Alvim viveram intensamente uma história de amor, mas também de superação. Depararam-se com a resistência dos pais de Danilo e com o preconceituoso deboche da imprensa quando decidiram se casar no final dos anos de 1940. A história de Danilo e Zelinda é exemplar. A de Danilo, particularmente, é memorável, gloriosa. Digna. No dia 3 de dezembro, ele completaria 100 anos. Ary Barrozoo descrevia da seguinte forma: “A técnica de Danilo lembra Chopin, manso, doce, inspirado.”

A trajetória do magistral jogador merece registro. Aliás, muitos e imprescindíveis registros de diversas fontes são necessários para contar quem foi essa inesquecível personagem do futebol brasileiro, um dos melhores jogadores em todos os tempos. Sua vida dentro e fora dos gramados pode ser resumida em uma única palavra, e sem pieguismo: amor. Amava o futebol. Amava o seu América, clube para o qual torceu a vida toda. Danilo amava o seu Vasco, com o qual se consagrou ao conquistar inúmeros títulos de campeão, principalmente o do primeiro campeonato sul-americano de clubes, em 1948. O “Príncipe”, como todos o chamavam, amava a seleção brasileira, que o permitiu tornar-se mundialmente conhecido, independentemente do maracanazo de 1950. Mas, acima de tudo ou qualquer fato, Danilo amava sua família. Amava Zelinda e Carlos Alberto, seus dois indissolúveis e mais genuínos amores.

“Ele falava muito da esposa, que ela era dançarina, que conheceu ela dançando. Era o amor da vida dele mesmo. Nas fotos dela, ele escrevia ‘Zelinda, eu te amo!’. Não cheguei a conhecer a Zelinda. Quando conheci ele e o Carlos Alberto, a esposa dele já tinha falecido”, diz Maria Conceição da Silveira, ex-esposa do Carlos Alberto Alvim, com quem casou-se e teve duas filhas, Mariane, 27 anos, e Carine, 21 anos. Quando Danilo morreu no dia 16 de maio de 1996, a neta Mariane era muito pequena. Carine sequer teve contato com o avô.

DESABAFO DO AMIGO DOMINGOS DA GUIA


Com Zelinda e Carlos (O Globo Sportivo)

A partir desta reportagem, o Museu da Pelada recuperará a grandiosa história de Danilo Alvim, um jogador memorável e inesquecível que conquistou mais que amigos por onde passou. Conquistou respeito e colheu admiração, além de muitos títulos de campeão, claro. Impossível haver alguém que não tenha gostado do Danilo. Esse carinho persistiu inclusive nos momentos derradeiros do grande craque e ídolo vividos na clínica de repouso Chalé da Vovó, bem embaixo do viaduto Paulo de Frontin, no Rio Comprido, zona central do Rio. Era lá onde recebia visitas de outros ídolos do Vasco. Ademir de Menezes foi um deles. Danilo e Queixada sempre foram grandes parceiros. Mas também compareciam ao asilo ex-jogadores do América treinados por Danilo nos anos de 1970 e ídolos históricos de clubes rivais, como, por exemplo, Domingos da Guia, o maior zagueiro do Flamengo em todos os tempos.

“Quem também foi visitá-lo foi o Domingos da Guia. Fui até eu que o atendi. Só lembro mesmo é do Domingos da Guia. Ele dizia que o ‘Príncipe’ foi um profissional muito bom, uma pessoa muito correta, e que ele ficava triste por ver a que ponto ele chegou, praticamente sozinho, esquecido dos amigos. Só tinha o filho por ele”, afirma Maria Aparecida Pereira de Moura, 57 anos, torcedora do Fluminense e aposentada há três anos. Aparecida era a administradora do Chalé da Vovó na época em que Danilo esteveinternado lá. “Eu era secretária, na época. Mas lembro de que ele já chegou lá naquela fase da esclerose. Era um cara calmo, tranquilo, não era agitado. Ele não lembrava mais da vida dele. Vivia naquele mundinho mesmo. Danilo ficou no Chalé da Vovó cerca de um ano e meio, dois anos, acho. Quem procurava falar mais de futebol com ele eram os funcionários. A gente ficava tentando perguntar, mas ele não lembrava, não conseguia responder.”


Acervo Família

Acervo Família

Danilo não se recordava do passado de glóriasque honradamente construiu. Apenas na memória do Príncipe restavam as imagens do filho Carlos Alberto e da amada Zelinda, que partira antes deDanilo, em 1985. Nossa reportagem encontroupersonagens tão caras à história de Danilo graças à Emanuelly, que trabalha, atualmente, na secretaria do Chalé da Vovó. 

Emanuelly, que não conhecia a história de Danilo, sensibilizou-se com o que descrevemos para esta reportagem do Museu da Pelada. Com esmero e paciência, ela, após três semanas de intensa procura, resgatou a ficha de Danilo em um antigo arquivo do asilo. Nela, há antigos númerostelefônicos de Carlos Alberto e do casal Cesar e Arminda, pais de Conceição, e o número da própria ex-esposa de Carlos Alberto. Todos os telefones não existem mais. Somente um deles, em nome do Carlos Alberto, completa a chamada, mas ninguém atende. Perdi a conta das vezes que liguei para o número do Carlos Alberto. Não me conformei e decidi ir à rua do Riachuelo, Centro do Rio, no endereço que consta na ficha encontrada por Emanuelly no Chalé da Vovó.

PÉRIPLO DE UM REPÓRTER


Foto: Marco Antonio Cavalcani (Placar 1989)

Foto: Marco Antonio Cavalcani (Placar 1989)

Dormi pouco naquela madrugada de 28 de outubro de 2020. Na minha agenda da manhã, uma pauta que me recusava definir comoinexequível, ou seja, precisava e iria descobrir o paradeiro de Carlos Alberto Alvim. Convicto disso, levantei-me com a esperança de encontrá-lo, talvez o único que poderia falar mais pessoalmente da trajetória do Danilo. Embarquei em um carro e cheguei ao prédio. Recebeu-me um jovem porteiro, o Flávio, que, após minha descrição de quem foi Danilo e o motivo para minha reportagem, respondeu que era “novo no edifício” e que “não tinha como ajudar”. Ponderei se havia algum funcionário mais antigo para informar detalhes do Danilo. Para minha sorte, havia. O seu Tião, que falou comigo pelo interfone. 

Ele imediatamente lembrou-se do Danilo e do filho. Disse que Carlos Alberto e a esposa haviam se mudado anos depois da morte do Príncipe. Indaguei: “Esposa?”. O velho zelador respondeu: “Sim, esposa, a Conceição”. Imediatamente veio à minha memória a ficha mostrada por Emanuelly, onde constavam os nomes das pessoas ligadas ao Danilo. Até ali o repórter não sabia ser Conceição a nora do Danilo. Retruquei, então: “Mas o nome da esposa do Danilo era Zelinda, e ela morreu anos antes do Danilo partir”. Seu Tião corrigiu-me. “A Conceição, meu filho, era esposa do Carlos Alberto. Via sempre ele passar por aqui depois que se mudaram. Há muito tempo que não o vejo mais. Mas vejo sempre a Conceição. O Carlos Alberto deve ter morrido. Acho que sim. Ele trabalhava, me lembro bem, no [órgão públicodo] estado”. Insisti, porém, se saberia informar para onde teriam ido o filho do Danilo e a Conceição. Ele respondeu: “Aqui pertinho, na [rua] André Cavalcanti. Não sei o número, mas não há erro. Fica quase enfrente ao IBGE. Pega [sic] à direita que você consegue.”

Localizei o prédio do IBGE descrito por seu Tião. Estava convicto de que encontraria a ex-nora do Danilo. Toquei o interfone de vários edifícios, como ele recomendou, e perguntei por Conceição aos porteiros e alguns moradores que, gentilmente, atenderam-me. Mas em alguns prédios não obtive resposta. Pressenti, entretanto, que estava prestes a encontrá-la. Prostrei-me uns quinze minutos embaixo das janelas de alguns destes pequenos edifícios onde ninguém atendia e, presumivelmente, não havia porteiro: “É agora! Conceição vai pintar em uma destas janelas”, pensei, para, em seguida, gritar. E,incansavelmente, gritei, sei lá, uns quinze minutos.

Minha ida à rua André Cavalcanti naquela manhã foi, em tese, infrutífera. Mas obtive a importante informação de que havia uma Conceição que ajudou a cuidar do Danilo Alvim na reta final do ídolo e que tinha sido esposa do filho dele. Voltei ao edifício da rua do Riachuelo e informei meus contatos ao seu Tião, que garantiuque os passaria à Conceição logo que a encontrasse casualmente pelas ruas do bairro de Fátima.

FARO VERSUS SORTE OU QUEM PROCURA ACHA


Nilton Santos e Zizinho (Manchete Esportiva 1957)

Nilton Santos e Zizinho (Manchete Esportiva 1957)

O passado do Danilo parecia arredio e insistia-se em perder-se. Mas esse passado parece render-se à obstinação do repórter. Dois dias depois da investida pela rua do Riachuelo, o resultado foi mais que positivo. Foi excepcional. Conceição ligou. Seu Tião a encontrou e avisou que havia um jornalista a procura dela para entrevistá-la. No mesmo dia, ela telefonou para o repórter. 

A história de Danilo Faria Alvim começara, enfim, a ser definitivamente recuperada. No breve telefonema, a nora do ídolo da seleção brasileira recordou o momento em que conviveu com Danilo e imediatamente se prontificou a nos conceder uma entrevista. Mas e o Carlos AlbertoAlvim? Qual, afinal, seu paradeiro? Igualmente à Emanuelly, do Chalé da Vovó, Conceição tornou-se peça imprescindível para ouvirmos o filho do Príncipe Danilo, que é (ou deveria ser) a principal fonte da ampla série de reportagens do Museu da Pelada sobre o pai dele.

Conceição conheceu Carlos Alberto em 1991. Iniciaram um namoro e logo foi apresentada ao Danilo. No ano seguinte, casaram-se e foram morar em um pequeno apartamento na rua do Riachuelo. Pouco tempo depois, mudaram-se todos, inclusive Danilo, para outro edifício na mesma rua, o mesmo onde trabalhara seu Tião. “Dali é que ele foi viver na clínica geriátrica, no Chalé da Vovó. Quando eu conheci o Danilo, ele já estava começando a apresentar problemas de depressão, não se lembrava de muitas coisas. De algumas pessoas ele já não se lembrava mais, mas do filho ele lembrava sim. Era uma luta para sair, até mesmo para ir ao banco receber um pagamento. Ir ao médico. Ele só gostava de ver televisão, ver jogos na televisão, dormia muito. Eu me lembro que ele falava que tinha calos e que se um jogador descobrisse que ele tinha aquele problema no pé, atacava ele. Ele gostava muito de criança. Era alegre, porém depressivo. Falava que quando jogava era o ‘Príncipe Danilo’ e que as crianças cortavam o cabelo com aquele tipo dele, sabe? Ele gostava muito de doce. Não era diabético. Clinicamente, ele não tinha nenhum problema. Não era hipertenso, não era diabético. Era só mesmo a demência que ele tinha”, descreve Conceição, em entrevista ao Museu da Pelada.

SAUDADE DA “ZÉLIA” FOI DEMAIS PARA DANILO


Danilo com a neta Mariane (Acervo Família)

Danilo com a neta Mariane (Acervo Família)

Danilo sofreu com a perda de Zelinda. O impacto da morte dela em 1985 foi muito forte para ele. Perdera o amor de sua vida. Daquele dia em diante, a vida ficou sem luz para o grande ídolo do futebol. Sem a sua “Zélia”, como carinhosamente a chamava, nada mais faria sentido. O filho foi seu grande amigo, seu incondicional companheiro ao longo da vida e, fundamentalmente, nos últimos momentos dela. Danilo e Carlos eram inseparáveis. “A única coisa que recordo é o seguinte: não ia parente lá visitá-lo. Só o filho. O Carlos Alberto, que na época morava ali no bairro de Fátima, na rua do Riachuelo. Era só esse filho que o visitava. Dizia que era filho único. Ele trabalhava e não tinha como ficar com o pai em casa. Não tinha alguém para cuidar do pai. Eu via ele lá, geralmente, uma vez por semana”, recorda a ex-secretária administrativa do Chalé da Vovó, a aposentada Aparecida. Testemunha daqueles últimos anos de Danilo, Conceição confirma a extrema dedicação do filho com o pai: “Carlos Alberto pagou tudo e ficou ao lado do pai o tempo todo.”

“Lembro que uma vez, ouvindo uma rádio, um locutor, que já faleceu, falou do Danilo, que ele estava internado na clínica Chalé da Vovó, deu até o número errado, aí eu entrei em contato para ele dar o número certo para quem quisesse ir lá visitá-lo, mas não consegui. Esse locutor foi quem deu a notícia de que ele estava internado no Chalé da Vovó, no Paulo de Frontin, para quem quisesse — amigos ou parentes — irem lá visitá-lo”, recorda Aparecida, referindo-se ao radialista Afonso Soares (1923-2007), que ganhou notoriedade pelos inúmeros bordões que criou para suas transmissões de rádio. E a mensagem do Afonso Soares realmente deu certo. Domingos, Ademir de Menezes e outros craques e também ídolos do passado foram visitar o Príncipe. Menos um: Pelé.


Foto: Gazeta Esportiva

Foto: Gazeta Esportiva

O Rei, que se diz vascaíno desde criança e que certamente teve Danilo como um de seus ídolos de infância, infelizmente, não visitou o Príncipe. Teve oportunidade para isso. Conceição garante que Pelé teria escrito uma carta para Danilo, exaltando-o. A própria Conceição confundiu-se ao dizer que achava tê-la em sua casa. Mas essa suposta carta parece ter se perdido ou sequer existido.

Independentemente da existência ou não desta carta, outra situação envolvendo Pelé e Danilo foi descrita por Aparecida. Uma senhora parente de uma das internas no Chalé da Vovó teria ido a um evento no Maracanã em que Pelé estaria presente. A tal senhora — enfatiza Aparecida — queria entregar uma carta sobre Danilo, mas Pelé a teria ignorado, o que a enfureceu. “Ela ficou revoltada, porque ninguém falava do Príncipe Danilo e ninguém procurou fazer uma homenagem para ele”, conta Aparecida, lembrando que a senhora tinha praticamente a mesma idade do Príncipe e dizia ter acompanhado, pelos jornais e revistas, toda a carreira do ex-jogador.

Carlos Alberto Alvim entrou em contato com a reportagem do Museu da Pelada. Após a primeira e breve conversa por telefone, agendamos com ele uma entrevista, porém, um dia antes da data marcada, o filho de Danilo recuou. Em mensagem por WhatsApp, laconicamente escreveu: “Peço desculpas, mas não farei qualquer depoimento. Agradeço por lembrar do mesmo”. Respeitamos a decisão do Carlos Alberto, mas o Museu da Pelada não desistiu de resgatar a maravilhosa história de um dos mais gigantescos ídolos da história do futebol brasileiro: Danilo Alvim, patrimônio histórico da bola.

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Na próxima reportagem, a segunda da série DANILO, 100 ANOS, em homenagem a um dos mais brilhantes craques da história do futebol, você conhecerá detalhes do começo da carreira do ídolo e de como um trágico acidente quase o fez abandonar precocemente a carreira de jogador.

NASSER, David, e MANZON, Jean. “Em ritmo de samba”. Revista O Cruzeiro: Rio de Janeiro, 22 de julho de 1950, p.24.

O ÚLTIMO TANGO

por Serginho 5Bocas


Se tem um jogador que proporcionava emoções viscerais, esse era o cara. O que tinha de futebol nos pés, continha na mesma dose o drama. Sua carreira foi uma verdadeira montanha russa, sua vida tinha aqueles rompantes de alegria e logo em seguida, descia vertiginosamente para uma amargura, uma tristeza que podia dançar, feito um tango. Mas não há como ficar indiferente a tudo o que ele fez.

Início prematuro de um prodígio idolatrado, aos 15 anos já jogava nos profissionais do Argentino Juniors. Nome quase certo para a Copa do Mundo de 1978, Menoti brecou equivocadamente, uma pena. Em 1979 conduziu a Argentina ao título do mundial de juniores em companhia de Ramon Dias e já era titular absoluto da seleção argentina dos profissionais. Lembro de um jogo no Maracanã em 1979 pela Copa América, quando o Brasil venceu por 2×1, Maradona ainda muito jovem, prestes a fazer 19 anos, comandava as ações da seleção, carimbando todas as bolas e parecendo um veterano, já sabia tudo de bola e mais um pouco, Leão que o diga. Tudo parecia dar certo, a sua vida estava em alta.

Veio a Copa de 1982 e nela toda a expectativa de ver a sua genialidade se confirmar facilmente em um time de craques e com ele voando baixo, mas não aconteceu. Estava em excelente companhia, na equipe campeã do mundo, ao lado de gente como Ardilles, Bertoni, Passarela, Kempes, Fillol e Ramon Dias, mas fez apenas uma bela partida contra a Hungria na primeira fase e ficou devendo no resto da competição, apesar de ter sido duramente marcado, às vezes até violentamente. Saiu por baixo, ao se despedir com uma entrada desleal na barriga de Batista do Brasil, que o levou a ser expulso.

Foi para o Barcelona e sofreu uma de suas piores contusões, ficando fora dos campos por muito tempo. Jogou pouco tempo por lá e não teve um time a sua altura para conquistar títulos e buscou outros rumos, pois não estava num bom momento. Acabou indo para o eldorado italiano, por uma montanha de dinheiro, foi parar onde se jogava o melhor campeonato da terra naquele momento, no Napoli, mas voltamos às Copas.

Mesmo com Maradona, durante as Eliminatórias da Copa de 1986, a Argentina passou um sufoco danado para se classificar diante da seleção do Peru, em dois jogos cascudos. Em Lima, vitória do Peru e na Argentina, um empate suado e conquistado no finzinho da partida, que classificou os hermanos para o México. Foi no limite, quase ficam de fora, quem poderia imaginar que eles seriam campeões?


Veio a Copa de 1986 e a Argentina bem abaixo de suas tradições em termos de qualidade técnica. Um time de operários com um baita mestre de obras. Comando de uma eminência parda, que não convocou o ex-parceiro Ramon Diaz, barrou Passarela e só faltou escalar os onze. Maradona fez de tudo naquela Copa, foi o seu apogeu. Fez jogadas de almanaque e uma jogada que seus fãs perdoam e lembram com a maior cara de pau, mas que não tem nada de esportivo ou de belo: o gol de mão contra os desafetos ingleses. A campanha em si não foi brilhante e nem tivemos um futebol vistoso, exceto por ele, que brindou a todos, com um futebol espantoso, decisivo, arrebatador e raras vezes visto nos campos em tão curto espaço de tempo. Ali, nos campos mexicanos, ele levantou defunto da tumba e tocou o topo do mundo, estava no mais alto nível que um jogador de futebol poderia atingir, um “nirvana” que nem ele mesmo conseguiria atingir de novo.

A Copa passou, Diego pediu reforços ao Napoli e chegaram Careca, Alemão, Bagni, Mauro, Di Napole e Carnevale. No comando das picapes o maior jogador do mundo e na retaguarda um povo sofrido, carente e apaixonado, quanta simbiose! Quanta sinergia! Para um clube que não ganhava nada, Maradona deu musculatura de sobra e os caras venceram o campeonato italiano, a Copa Itália e a Copa Uefa. Estava sobrando na turma, a gangorra estava favorável, era um semi Deus naquele momento para aquele povo.

Veio a Copa de 1990 e tudo levava a crer que Maradona ia carimbar outra estrela na camisa, mas foi uma viagem insólita, cheia de altos e baixos, pra variar. No grupo da primeira fase foi sofrível, perderam na estreia para Camarões e na vitória contra a União Soviética, Maradona fez um pênalti, colocando a mão na bola, quando o jogo ainda estava 0x0. Se fosse marcado a penalidade, poderiam nem se classificar na repescagem como um dos melhores terceiros lugares, como ocorreu. A gangorra estava em baixa.

Veio as oitavas e cruzaram com os brasileiros por conta da má campanha inicial. Tomaram um vareio de bola na única partida em que o Brasil de Lazaroni jogou bem, mas os argentinos foram agraciados com uma bola de gênio de Maradona, que após se livrar com sua habilidade de vários defensores brasileiros, lançou nos pés de Caniggia e daí pro gol, improvável e desolador, coisa de Dom Diego, toca o enterro aos trancos e barrancos.


Veio as quartas e contra a Iugoslávia, após o empate no tempo regulamentar, Maradona perdeu um pênalti mal batido, mas Goicocheia salvou o dia, defendendo dois, o gênio era iluminado e tinha anjo da gurda. Na semifinal contra a Itália, arrancaram um empate suado e nos pênaltis novamente a estrela de Goicocheia resolveu, pegando mais dois pênaltis. Tava difícil convencer na bola, mas a Argentina ia chegando na final. Um cai não cai intermitente e trôpego. 

Veio a final contra a Alemanha, em um dos jogos mais feios desta pobre Copa e desta vez o pênalti, batido por Brehme, ajudou o lado alemão. Saldo final: Maradona medalha de prata e um choro no pódio que comoveu a todos pela sinceridade. O gênio era humano.

A boa fase do Napoli acabou com a explosão de um caso de doping nem 1991. Maradona não era nem sombra daquela fera que todos se acostumaram a ver, sumiu do mapa, mas aí veio um chamado urgenge, ele fez um regime “turbo” e em tempo recorde, lá estava Dieguito de novo, fininho e voando prontinho para a Copa de 1994.

Veio a Copa e logo na estreia contra a Grécia, Diego fez um gol e parecia se divertir de novo. A gente voltou a ver a qualidade dele sobressaindo sem esforço, como de costume, mas aí veio a Nigéria e um “sorteio” meio maroto, pronto! Lá estava ele novamente, envolvido em outro caso de doping. El Pibe, fez uso de efedrina, um remédio para emagrecer, que não faz ninguém ficar genial ou dar um drible, mas é substância proibida e o sonho acabou ali. Brigar com a FIFA nunca vai dar bom resultado. Aquele foi o último suspiro de genialidade do menino das favelas, do gênio da esquerda imortal, da canhota perfeita. 


Maradona adorava o Brasil e os brasileiros, fã declarado e escancarado de Rivelino, amigo de fé de Careca, atendia com prontidão todos os convites das “peladas” de Zico. Na derrota de 3×1 para o Brasil na Copa América de 1989, humildemente pediu a camisa de Bebeto após ver o baianinho dar aquele sem pulo de cinema. Aquela Copa América em que ele quase fez o gol que Pelé não fez do meio de campo, impedido por uma trave. Na Copa de 1990, trocou de camisa na única vez que nos venceu na vida e desfilou com a camisa canarinho feliz da vida. Contra o Brasil não costumava se dar bem e só fez um gol em 1981, no empate de 1×1, durante o Mundialito no Uruguai. 

Maradona não foi rei como Pelé, passava longe da perfeição da realeza, mas tinha a altivez de um líder carismático, conhecia e dominava a sua força brutal, os caminhos da vitória e sabia que a sorte também estava ao seu lado. Lutava como nunca e se fosse preciso se matava em campo e por isso, a torcida o adorava. Diferente de Messi, não se abatia com infortúnios, erguia a cabeça e voltava mais possesso ainda para alcançar a glória eterna e por isso virou Deus na Argentina.

Não foi o maior artilheiro, nem o cara que venceu mais bolas de ouro ou que colecionou mais títulos relevantes, mas sempre esteve nos corações dos torcedores. Dom Diego fez o que quis nos gramados com a sua canhota genial e infernal, nunca seguiu regras, para o bem e para o mal. Este foi o seu legado e a sua sina, partiu fugaz e deixou uma legião de fãs como num melancólico tango.