O NÚMERO 2, DO ANCHETA, COSTURADO TORTO
por Cláudio Lovato Filho
Era 1974, e o grande zagueiro central Atilio Genaro Ancheta usava a camiseta número 2. O lateral direito, Cláudio Radar, vestia a 4 (Everaldo jogou várias vezes na direita naquele ano, o último de sua carreira); o quarto-zagueiro, Beto Fuscão, a 3, e o lateral esquerdo, Jorge Tabajara, a 6. Naquele 1974, minha camisa era a 2, do Ancheta. Eram tempos em que o número era costurado na camisa,e o número da minha camisa tinha sido costurado de forma errada: o pé do 2 ficou torto, enviesado para baixo. Aquilo foi motivo de gozação por parte dos meus parceiros de bola na calçada, claro.
Quem costurou o número – uma pessoa muito querida, uma pessoa que estava em nossas vidas já havia muito tempo – não sabia ler nem escrever, nunca tivera a chance de se alfabetizar lá na periferia da cidade de interior (também minha cidade natal) na qual nascera e fora criada. Mas ela costurou o número, porque foi um pedido meu, porque percebeu o quanto aquilo era importante para mim. Tentou do seu jeito. Fez o que podia. E eu fiquei feliz, embora soubesse que, bom, o pé do 2poderia ter ficado mais reto.
Aquele foi o ano da minha primeira Copa do Mundo acompanhada de fio a pavio, o ano de conhecer Johan Cruyff, o ano de pelear mais uma vez com o propósito de voltar a levantar a taça do Campeonato Gaúcho. Era mais um ano de militares no poder e de ver cada vez mais muros no Bom Fim, no Centro e em todos os outros bairros da cidade pichados assim: “Abaixo a Ditadura”.
Eu tinha 9 anos e estudava no à época chamado “Grupo Escolar” Othelo Rosa, na Avenida Independência quase esquina com a Rua Fernandes Vieira, um pequeno colégio público com o retrato de Ernesto Geisel na parede dos corredores, o presidente-general admirado pela diretora, e as fotos estavam com certeza em lugares demais, como se nos vigiando, como se nos dizendo: “Estou de olho em ti”.
Morávamos na Fernandes Vieira, num prediozinhoverde de três andares na quadra entre a Henrique Dias e a Oswaldo Aranha. Era um edifício sem encantos, típica moradia da classe média residente na região central de Porto Alegre, mas havia na entrada um pátio murado, de piso de concreto, e quantas vezes aquele pequeno retângulo tão urbano, tão do Bom Fim, tão porto-alegrense, virou um campo de jogo, um estádio, o meu Olímpico particular. Quantos sonhos vividos ali.
Não foram tempos fáceis – nem em termos familiares nem nacionais -, mas o quanto isso realmente importava para um menino de 9 anos que andava pelas ruas do Bom Fim com a camisa 2, do Ancheta?
Pensando em retrospectiva, me lembrando daquele tempo, sou levado a crer que uma das poucas coisas que estavam certas, irretocavelmente certas, era aquele número 2, do Ancheta, costurado torto na minha camisa. Torto e sinuoso como é o caminho de cada um de nós, porque a vida não é exata. “Navegar é preciso, viver não é preciso”.
INSÓLITAS HISTÓRIAS DE UM REPÓRTER ESPORTIVO (PARTE 2)
por André Luiz Pereira Nunes
Corria o ano de 2010. Estávamos eu e o saudoso ex-árbitro e dirigente Walquir Pimentel, de carro, a caminho do CFZ, percorrendo a Avenida das Américas, no Recreio do Bandeirantes. Eu ia cobrir a final de um torneio, a Copa Yasmin Verão, da categoria juvenil, promovida pelo então recém-criado Clube Esportivo Yasmin, que posteriormente passaria a se chamar Clube Atlético da Barra da Tijuca. Atualmente integra a terceira divisão do Rio de Janeiro.
Chegando próximo ao nosso destino, Walquir me alertou para que ficasse atento. A próxima rua à direita possivelmente seria a que deveríamos virar. Era a rua do estádio, segundo ele.
– Preste atenção, André! É a próxima. Não podemos perder. Me avise.
Fiquei bastante atento esperando que a rua chegasse. Estava muito ansioso, pois nunca havia estado no clube do Zico. Quem sabe o encontraria por lá. Também faria contato pela primeira vez com o Yasmin, clube então estreante no profissionalismo. Seria uma ótima oportunidade para fazer umas matérias e também boas fotos.
De repente, surge uma rua. De imediato avisei ao Walquir.
– Olha, é aquela lá. Vamos entrar.
Viramos. A rua era simplesmente a entrada de um supermercado que estava em construção. Fomos parar dentro do estabelecimento. ___________________________________________
Outra história envolvendo meu saudoso amigo Walquir Pimentel. Tínhamos acabado de sair de um arbitral na Federação de Futebol do Rio. Para quem não sabe, trata-se de uma reunião em que se decidem tabela, regulamento e participantes, antecedendo ao campeonato. Vínhamos conversando, até que ele me perguntou se eu queria carona. Respondi que sim. Morávamos relativamente perto. Eu, em frente ao Colégio Militar, na Tijuca, e ele na Rua Carlos de Vasconcelos, próximo à Praça Saens Pena.
Quando já estávamos no carro, de repente o telefone dele tocou. Era o seu aspone favorito, Orlando Penteado. Foi aí que rolou um dos diálogos mais engraçados que já presenciei na minha vida de repórter esportivo.
– Olá, Orlando, tudo bem? Acabei de sair do arbitral. Você não sabe quem eu encontrei. O Lancetta.
Lancetta, Orlando!!! Lan-cet-ta!!! LAN-CET-TA!!! Tá surdo, Orlando???? Que buceta? Eu falei buceta, Orlando???? Lancetta!!! ____________________________________
Uma terceira história envolvendo meu saudoso amigo Walquir Pimentel. Dessa vez tínhamos como destino o Clube de Regatas do Flamengo. Haveria por lá algum evento esportivo, o qual já não me lembro. Entramos com o carro e estacionamos na garagem do clube.
Assim que descemos, Walquir me relatou que estava muito apertado. Precisava urinar. Eu, por acaso, também. Foi aí que avistamos um banheiro ainda na garagem da agremiação. Walquir entrou primeiro e começou a se aliviar. O interior estava escuro, não sei se por que não havia luz ou se meu amigo não havia achado o interruptor. Imaginei que o toilette de um clube como o Flamengo, mesmo situado na garagem, deveria ser enorme, daqueles que cabem 10 ou mais pessoas.
Para minha surpresa era apenas um banheirinho. Quando entrei, achando que se tratava de um grande compartimento, vi o Walquir muito irritado, no escuro, tentando mirar o alvo e, ao me ver, ainda reclamou comigo.
– Espera aí, André. Deixa eu mijar em paz. Aqui não dá pra dividir. Se não dá pra esperar, então, mija aí no chão mesmo. _________________________________________
Caio Júnior, quando era treinador do Flamengo, certa vez proferiu uma declaração que causou uma reação solitária e inusitada. Ele disse, após um período de derrotas que levou a sua permanência no clube a ser muito questionada, “que todo mundo no Flamengo dava palpite, até o diretor da bocha.”
Foi exatamente nessa ocasião que estive no Flamengo para fazer uma matéria, não sobre o Caio, mas sobre a bocha, e lá encontrei o tal diretor, puto da vida, dizendo que gostava do técnico, mas que não dava pitaco no futebol e exigia, portanto, respeito. Porém, ninguém o convencia de que o treinador apenas generalizara a imensa quantidade de corneteiros do clube, o que, cá entre nós, é uma realidade!
Dias depois conversei com o Caio e lhe relatei a indignação do tal diretor. Ele ao ouvir, riu e me falou: – Ah, você está de sacanagem!!! ________________________________________
Mário Sérgio me contou uma vez que a maior emoção de sua vida foi ter sido aplaudido por um estádio inteiro com torcidas rivais, do Inter e Grêmio.
Era o jogo das faixas do Grêmio, então campeão do mundo em 1983, e ele que jogara no elenco vencedor, acabara de se transferir justo para o Inter. Achou que ia ser vaiado. Acabou aplaudido.
AVALIAÇÃO DE TREINADORES
por Idel Halfen
A todo o momento estamos tomando decisões em nossas vidas. Se pararmos para pensar, já acordamos diante de duas opções: levantamos imediatamente ou ficamos na cama um pouco mais, sendo que até o “pouco mais” carece de decisão.
No caso de um gestor, esse tipo de situação é mais frequente, pois, além das que precisa tomar no âmbito pessoal, ainda há as que lhe são impostas pelo cargo que exerce e, que muitas vezes, envolvem situações bastante delicadas como, por exemplo, a de desligar algum colaborador em função do desempenho.
E como avaliar o desempenho? Nas empresas mais estruturadas, a situação é um pouco menos complexa, pois se costumam estabelecer indicadores e acompanhá-los. Evidentemente que há falhas, visto beirar o impossível expurgar fidedignamente os fatores exógenos à operação, tais como os aspectos macroeconômicos, a agressividade da concorrência, os índices de confiança na economia, entre outros. Além disso, existem as variáveis mais subjetivas que, por mais que se busquem ferramentas de avaliação, são difíceis de apurar de forma que venham a ser determinante em decisões da magnitude de um desligamento, aqui listamos: o relacionamento com pares, superiores e equipe, potencial de desenvolvimento, motivação, etc.
Agora passemos para o esporte, mais especificamente o futebol, onde há uma grande incidência de desligamentos de treinadores ao longo da temporada, o que permite provocar algum tipo de analogia com o ambiente corporativo, o qual, pela maior atenção aos aspectos de gestão de recursos humanos, poderia servir de referencial para a modalidade.
Claro que a pressão externa sofrida pelos gestores corporativos é infinitamente menos agressiva do que a dos esportivos, que têm a torcida como uma espécie de conselho de administração muitas vezes violento acompanhando e cobrando resultados. Mas, independentemente dessas e de algumas outras diferenças, vale buscar a reflexão sobre o processo de avaliação de treinadores.
Estabelecer um percentual de desempenho a ser cumprido, o que já foi até tentado, poderia ser uma solução, contudo, há a influência da sequência de jogos se o período for curto, isto é, dependendo do nível dos adversários a métrica fica comprometida.
Haveria, sem dúvida, mais justiça, se uma meta fosse acertada entre as partes, e essa contemplasse um período maior, porém, dessa forma, as eventuais medidas corretivas estariam sendo relegadas, o que poderia levar a um desfecho irremediável.
Além do desempenho, existem os fatores relacionados ao que no meio chamam de “vestiário”, que nada mais é do que o clima organizacional, o qual acaba tendo também relação com o desempenho.
Devemos ainda incluir a visão de longo prazo, mais ligada à integração entre a base e o elenco principal. No mundo corporativo, seria algo na linha do planejamento de carreira e sucessões.
Tomar decisões sobre a continuidade ou não de um profissional é realmente bastante difícil, porém, a elaboração de um processo de avaliação – mesmo que não seja garantia de assertividade – ajuda a minimizar os problemas.
Auxilia a decisão, um cuidado maior com as contratações, pois, assim como os desligamentos, essas ficam mais propositivas se levarem em conta as competências que se buscam para aquele profissional.
Por fim, resta acrescentar que processos de rescisões mais criteriosos contribuem para deixar as empresas e os clubes “mais desejados” por potenciais candidatos, além de proporcionar aos que lá estão uma maior segurança, o que é também um fator que influencia a retenção de bons profissionais.
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA PITA
Algumas palavras são fáceis de serem encontradas no dicionário e basta uma procura despretensiosa para conhecer a sua etimologia. Pita é, segundo o seu significado, um pão achatado, arredondado, com uma massa muito fina e leve, geralmente, dobrado em envelope e servido com recheio.
Pita foi um meia com uma massa de 81 quilos muito fina, com 1,76 metro de altura de pura leveza. Seu futebol dobrado em dois tempos de 45 minutos cada, servidos com recheio de jogadas plásticas e gols antológicos.
Camisa 10, jogador de cabeça erguida que arquitetava lances mirabolantes como se fossem projetos pessoais inacabados que resultavam em gols.
Arquiteto dos bons e de belos gols, e põe belos gols nisso! Como aquele tento marcado no Campeonato Brasileiro contra o Palmeiras, em 16 de março de 1985, no empate de 4 a 4. Neste dia, Pita fez um gol de placa quando driblou toda a defesa do Alviverde, inclusive, o goleiro Leão e só não entrou com bola e tudo porque teve humildade.
Quando lhe perguntavam como foi o gol a resposta era um sorriso tímido. Sua categoria fez com que Ailton Lira, ao voltar ao time alvinegro praiano depois de uma longa suspensão, dissesse ao técnico Formiga: “Dê a camisa 10 para o garoto. Ele merece”.
Mas o nilopolitano Pita nasceu Edivaldo Oliveira Chaves, em um 4 de agosto de 1958, e passou a maior parte da infância vendendo siris às margens da rodovia Anchieta. Morou em Cubatão, uma das cidades mais poluídas do mundo à época, mas a categoria cristalina da perna esquerda o levou ao juvenil do Santos. Uma de suas inspirações era o ponta-esquerda Edu que formava aquele ataque mortal do Santos com Pelé e Coutinho.
O ‘último romântico’, como era chamado pelo ex-treinador Cilinho (1939-2019), no São Paulo, foi o primeiro jogador a vestir com maestria a camisa 10 do Santos, após o Rei do futebol encerrar sua carreira pelo Peixe, em 1977.
O Museu da Pelada tem a honra de entrevistar para a série Vozes da Bola, o craque Pita, que chegou a ser comparado ao francês Michel Platini, quando vestiu a camisa do Racing Strasbourg e foi representante da primeira geração dos ‘Meninos da Vila’.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Você teve uma infância muito difícil em Nilópolis, região metropolitana do Rio de Janeiro onde nasceu, e em Jardim Casqueiro, bairro pertencente a cidade de Cubatão, em São Paulo, onde morou. É verdade que você chegou a vender siris? Gostaria que nos contasse um pouco sobre isso.
Eu só nasci em Nilópolis, na Baixada Fluminense, e cheguei no Jardim Casqueiro, em Cubatão, com um ano de idade. Na verdade, eu vendia siri para brincar com meus amigos, já que era um garoto e essa brincadeira era comum entre nós. Não foi por necessidade. Nada disso! Meu pai trabalhava na Petrobras, e apesar de termos uma vida simples, era uma vida sem luxo mas tranquila financeiramente falando.
Aos 13 anos de idade, você foi convidado a disputar um campeonato de futebol na praia e se destacou. Como foi isso?
Sim. Fui destaque a ponto de ser convidado por um observador da Portuguesa Santista, onde dei meus primeiros chutes numa bola de futebol. Eu joguei um ano pela Portuguesa Santista, no campeonato de praia, em Santos, onde me destaquei, e quando menos esperava, surgiu o Olavo Martins, treinador do juvenil do Santos e me faz o convite para treinar na Vila Belmiro. Graças a Deus fui bem recepcionado por todos os garotos de lá, pelo próprio treinador, e não senti nada.
Muito antes de surgirem os ‘Meninos da Vila’ com Diego e Robinho, em 2002, ou com Neymar e Paulo Henrique Ganso, em 2010, existia jovens talentosos como você, Juary, João Paulo e Nílton Batata, que em 1978, também eram considerados ‘Meninos da Vila’. Na sua opinião, o Santos sempre foi um clube revelador de talentos? E como foi ser revelado por lá?
É do DNA do clube, revelar bons jogadores. Eu acho que ficando nas categorias de base do clube por três anos surgiu a primeira geração de ‘Meninos da Vila’, que teve eu, Juary, Gilberto Costa, Célio de Oliveira, Zé Carlos e outros craques. Formamos a primeira geração que recebeu a alcunha de ‘Meninos da Vila’. Depois, vieram esses que você citou na pergunta que foram excepcionais também. Mas o Santos vai sempre estar revelando jogadores para o futebol brasileiro. Faz parte de seu DNA e isso não se pode mudar.
No Santos, você esteve de 1978 a 1984, ou seja, seis anos e com um título apenas conquistado, o Paulista de 1978. Não acha que foi pouco pelo jogador que você foi?
Eu joguei de 1978 a 1984, e acho que foram seis anos de muitas conquistas. Conseguimos ser campeões Paulista em 1978, e logo após, houve muita mudança de jogadores, que acabaram deixando o clube. Mesmo assim, fomos vice-campeões Paulista em 1980 e vice-campeão Brasileiro em 1983. Acho que chegamos em três decisões, e naquela época, logo que surgiram os meninos no Santos, houve vendas. Mas acredito que em seis anos, foram três decisões em que joguei e que ganhei apenas uma. Mas foram seis anos maravilhosos no Santos.
Você chegou no São Paulo em 1984, conquistou o campeonato paulista de 1985 e o segundo título nacional do Tricolor Paulista, em 1986. Apesar das conquistas, quase deixou o Morumbi por problema de relacionamento com o técnico Cilinho. O que aconteceu naquele episódio que a diretoria teve que bancar sua permanência no clube?
Eu fui vendido para o São Paulo em 1984, e acho que era o momento adequado de sair do Santos. Estive um bom tempo no Peixe, vivi uma fase extraordinária no clube e chegando no São Paulo encontrei grandes jogadores, como Oscar, Darío Pereyra, Careca e Renato “Pé Murcho”. Depois, mais tarde surgiram grandes talentos como Muller, Silas, Sidney, Nelsinho, então, formou aquele grande time que ficou conhecido como os ‘Menudos do Morumbi’. Fomos campeões Paulista em 1985 e 1987, Brasileiro em 1986. Em 1985, na verdade, não foi um desentendimento com Cilinho. Nada disso! Na decisão do Paulista de 1985, ele preferiu colocar o Falcão e me sacar do time. Achei que a minha barração naquele momento foi injusta. Vivia um excelente fase, tanto fisica, como tecnicamente. Foi isso. Admito que eu já pensava em sair do São Paulo, mas aí, o presidente Carlos Miguel Aidar e o Juvenal Juvêncio, me chamaram para conversar e acertamos nossa permanência. Tanto que fiquei no clube, voltei a jogar, conquistamos títulos juntos e acabou sendo uma coisa boa para mim e para o São Paulo.
Em 1987, mais um Campeonato Paulista para o currículo e o reconhecimento como craque pela exigente torcida tricolor. Como foi para você ser ídolo nesta imensa galeria de tantos outros nomes marcantes na história do São Paulo Futebol Clube?
Sem dúvida! Eu acho que esses anos no São Paulo, onde conquistei títulos, o carinho e o reconhecimento da torcida, foram inesquecíveis. Em 1987 foi muito especial. Foi um ano tão marcante, que minhas atuações levaram-me à Seleção Brasileira para disputar o Pan-Americano. É um orgulho, uma satisfação, fazer parte dessa história de grandes jogadores que passaram aqui no Morumbi e escreveram seus nomes na história do São Paulo Futebol Clube.
Ainda sobre o São Paulo, em 2012, você foi contratado como observador do clube. No entanto, acabou demitido em janeiro de 2016. Passados quatro anos, já te disseram o motivo da demissão? Ainda guarda mágoa do clube?
Não. Isso é passado. Entrei no São Paulo em 1996, fiquei até 2000, e depois sai e voltei algumas vezes. Em 2012, com o Juvenal Juvêncio, sendo observador técnico dele. Em sua saída, houve essa mudança e sem ser avisado fui parar no RH e demitido. Mas eu tenho muita gratidão pelo São Paulo e nenhuma mágoa. Apenas achei uma falta de consideração a maneira como foi feita a coisa e não por eu ser o Pita. Acho que faltou um pouco de respeito! Mas tenho uma imensa gratidão pelo clube. Para ter uma idéia, eu já retornei ao clube e zero de mágoa nesse episódio. Aproveito essa oportunidade por meio dessa entrevista para vocês, do Museu da Pelada, para agradecer a todos que me deram essa oportunidade. Então, depois que eu parei de jogar futebol, iniciei uma carreira dentro da base, que é um clube revelador de talentos para o futebol brasileiro e internacional. Quero deixar registrado minha gratidão ao clube.
Você jogou no futebol francês, no Racing Strasbourg, e ficou lá por três temporadas. Como foi viver essa experiência e é verdade que a imprensa local chegou a compará-lo a Michael Platini?
Em 1988, eu fui vendido para o Racing Strasbourg, que era uma equipe recém promovida à primeira divisão. Foi uma mudança que senti muito, pois aqui no Brasil eu jogava para disputar títulos e lá comecei a jogar para não cair para segunda divisão. Vale ressaltar que foi muito boa a experiência, joguei lá durante dois anos, e os primeiros seis meses foram os mais difíceis por causa da adaptação devido ao frio intenso e o idioma. Comecei a sofrer com as contusões que aqui no Brasil era raro eu ter, mas depois que comecei ter uma sequência de jogos, eu realmente vivi grande fase no clube e cheguei a ser comparado ao Platini. Mas acredito ter deixado uma boa impressão nessa minha passagem pelo clube francês e ser comparadomaqior jogador francês da época.
Como surgiu o apelido Pita?
O apelido Pita vem de infância. No meu nascimento, meu pai queria colocar meu nome de Pitácio, em homenagem ao meu avô, e como minha mãe não quis, e me deu o nome de Edivaldo. Esse Pita foi desde minha época de criança e acabou pegando. Hoje, graças a Deus, onde eu vou, os amantes do futebol conhecem o Pita e não o Edivaldo.
Na Seleção você se sagrou campeão Pan-Americano de 87, mas por que jogou apenas sete partidas com a Amarelinha?
Na Seleção, eu estive em 1980, convocado por Telê Santana, e em 1982. Joguei a partida amistosa contra o Uruguai, vencemos por 1 a 0, no Castelão, em Fortaleza, fui muito bem e acabei não jogando mais por causa daquela grande Seleção que tinha. Sinceramente, eu acho que merecia ir para a Copa do Mundo na Espanha, mas acabei não indo. No ano seguinte, voltei a vestir a camisa da Seleção Brasileira com o Carlos Alberto Parreira jogando algumas partidas. Em 1986, mesmo vivendo grande fase, não fui chamado, e entendo que talvez o Telê Santana não gostasse do meu futebol, ou eu não me enquadrava dentro do esquema tático que ele quis implantar nos campos mexicanos. Mas em 1987, um ano maravilhoso que eu tive no São Paulo, voltei à Seleção, disputei o Pan-Americano de Indianápolis e fui campeão. Mas analisando minha passagens defendendo o país, acho que foi com o Carlos Alberto Silva que conquistei, ao lado de meus companheiros, a medalha de ouro.
Podemos dizer que o gol que você marcou contra o Palmeiras, em 1985, no empate por 4 a 4, no Pacaembu, quando você fez uma fila de palmeirenses, entre eles os volantes Paulinho e Rocha, driblou o goleiro Emerson Leão e empurrou para as redes, é o mais bonito da sua carreira?
Esse gol contra o Palmeiras foi um dos mais bonitos da minha carreira. Eu era um meia com muita facilidade em driblar e tem inclusive outros gols que fiz parecidos com este citado por você. Mas esse tem sua relevância, já que foi num clássico pelo Campeonato Brasileiro e no Pacaembu. A recordação que tenho é que o gol foi uma jogada iniciada no meio de campo em que driblei o Paulinho e o Rocha, depois o Vagner Bacharel e o Toninho. Por fim, o Leão, antes de tocar para o fundo das redes. Sem dúvidas que foi o gol mais bonito da minha carreira.
O que o futebol representou para o Pita?
Representou muita coisa na minha vida, e modéstia à parte, acho que eu representei muito para para os clubes do futebol brasileiro. No Santos, sinto muita gratidão e muito orgulhoso em fazer parte dessa história do clube, ser mais um nessa constelação de craques do passado. Já no São Paulo, meus mais sinceros agradecimentos, pois só tenho boas recordações do clube do Morumbi. Acho que honrei as camisas que vesti e representei a essência do futebol arte, jogado com alegria, prazer, técnica e com habilidade. Por isso, acredito que os jovens se espelhavam no Pita dentro de campo. Mas o futebol representou muita coisa para mim e eu pude retribuir, contribuindo para os mais jovens nesses dois grandes clubes do país em que passei.
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social devido ao Coronavírus?
Eu tenho ficado, desde o começo da pandemia, a maior parte do meu tempo no meu sítio em São João da Boa Vista. Como as coisas começaram a melhorar, fui morar em Cotia, na Região Metropolitana da cidade, entre a capital e o interior. Depois de um certo tempo, eu vim trabalhar no São Paulo, onde sou o coordenador de captação. Mas realmente foi um momento muito ruim para todos, e nós aqui do clube, esperamos que surja a vacina. Esperamos que isso volte a se normalizar o mais rápido possível no mundo.
Quem foi seu melhor treinador?
Tive grandes treinadores que fizeram parte da minha vida. No Santos eu trabalhei com o Formiga entre 1978 e 1983, o Pepe e Cilinho no São Paulo. Os três foram os mais marcantes para mim, mas o Cilinho foi um treinador mais moderno com uma metodologia de trabalho diferente e foi um pouco mais especial. Por isso, coloco o Cilinho numa prateleira acima dos outros citados e como o melhor treinador com quem eu trabalhei.
Você jogou numa época em que cada clube tinha um camisa 10 que causava medo. Na sua opinião, por que esse número está em extinção nos clubes?
Verdade. Havia nos grandes clubes um grande camisa 10. Eu no São Paulo, Mário Sérgio no Palmeiras, Zenon no Corinthians, Dicá na Ponte Preta, Aílton Lira no Guarani, Assis no Fluminense, Roberto Dinamite no Vasco, Zico no Flamengo, Mendonça no Botafogo, e tantos outros camisas 10 que realmente causavam medo. Era necessário marcá-los em cima. Hoje, eu não sei o que aconteceu no futebol, que surgiram poucos como o Alex, o Djalminha, o Ricardinho, e outros jogadores. Eu acho que o importante é incentivar esses garotos que chegam na base a desenvolver as qualidades necessárias para serem um camisa 10. Vale frisar que quando surge um garoto com essas qualidades de saber chegar na área, lançar, cobrar faltas, ter boa visão de jogo e decidir partidas, é importante incentivá-lo e treiná-lo. Sinceramente, eu acho que é a grande dificuldade encontrar este talento nas cateforias de base.
Quem foi seu ídolo no futebol?
Jonas Eduardo Américo, ou Edu, como queiram, ponta-esquerda do Santos. Eu lembro que quando eu jogava na base e fazia a preliminar, ficava assistindo ele jogar. Gostava tanto, mas tanto do seu futebol, que mudava de lado na arquibancada para ver de perto ele jogar. Para mim, foi um dos grandes jogadores que tive a felicidade de ver atuar. Edu era gênio!
Você ainda defendeu o Guarani, de 89 a 90, e depois foi jogar no Nagoya Grampus, do Japão, onde ficou de 90 a 93, para encerrar a carreira na Internacional de Limeira em 94. Qual o balanço que você faz da sua carreira como jogador de futebol?
De forma positiva. Posso dizer que foi uma trajetória no futebol vencedora. Comecei no Santos, o clube que eu torcia em virtude dos grandes times que vi jogar, e me alegra muito saber que marquei época no clube. Depois no São Paulo, um clube maravilhoso que eu tenho um carinho enorme e que marquei época também, pude chegar à Seleção Brasileira vestindo a camisa Tricolor. É lógico que nem tudo é do jeito que a gente espera, pois não disputei uma Copa do Mundo, que é o objetivo de todo atleta, porém, consegui conquistar uma medalha de ouro no Pan-Americano de Indianápolis em 1987, nos Estados Unidos. Já a minha passagem na Europa foi boa, pois na França consegui jogar um bom futebol. No Guarani, fiz parte de um time que fez uma grande campanha, mesmo não tendo conquistado o título. Eu costumo dizer que quando o clube é campeão você sempre marca, mas mesmo sem o título foi uma boa passagem lá em Campinas. Nos meus três anos de Japão, país em que fui bem recebido e tenho muita gratidão, foi uma experiência fantástica. Em 1994, surgiu a oportunidade de ir para a Inter de Limeira, fiz um contrato curto para ver se ainda existia dentro de mim aquele amor em jogar futebol. Mas como não senti isso, de disputar jogos, de concentrar, acabei achando melhor parar. Mas tenho muita gratidão a Deus por tudo que Ele me proporcionou na carreira e pela rica experiência em ter passado pelos lugares em que passei. No meu modo de pensar, foi uma carreira vencedora.
Defina Pita em uma única palavra?
Família.
A CRIATIVIDADE DAS TORCIDAS DO VASCO E DO FLAMENGO
por Luis Filipe Chateaubriand
Um dos aspectos mágicos do futebol é a criatividade das torcidas. As manifestações do conjunto de torcedores dão um colorido especial ao futebol.
Um exemplo é a torcida do Vasco da Gama. Certa vez, para ironizar a torcida do Flamengo, os vascaínos começaram a cantar uma paródia da música de um comercial da Varig (“550 quilômetros, 550 quilômetros, pare um pouquinho, descanse um pouquinho, 550 quilômetros”), debochando do ataque rubro negro: “Pior ataque do Mundo, pior ataque do Mundo, pare um pouquinho, descanse um pouquinho, Sávio, Romário, Edmundo”.
Também foi muito legal, quando Edmundo voltou ao Vasco da Gama, que pediu para o coro “Au, au, au, Edmundo é animal!”, fosse extinto. “Eu peço à torcida que invente algo novo, pois esse coro não me traz boas lembranças… sei que a torcida inventará algo bem bacana, bem legal”, afirmou o craque. No dia seguinte, no jogo de reestreia, a torcida entoava o cântico “Au, au, au, Edmundo é bacalhau!”. Muito legal!
Por sua vez, a torcida rubro-negra também cria coisas engraçadíssimas. A célebre paródia de música do regime militar, “Oh, meu Mengão, eu gosto de você, quero cantar ao mundo inteiro, a alegria de ser rubro-negro, cante comigo Mengão, acima de tudo rubro negro” é de arrepiar para os adeptos do “Mais Querido”.
E, certa vez, ao saber que o novo técnico do clube era Waldemar Lemos, entre xingamentos e impropérios, a torcida rubro-negra criou o grito de guerra: “Ah, ah, ah! Fora Waldemar!”. O técnico sequer tinha assumido o cargo e a torcida já pedia sua saída. Hilário!
Os cânticos, os gritos de guerra, as músicas e as provocações das torcidas são muito do que o futebol tem de melhor. Que as torcidas sejam sempre objeto de todo respeito no futebol é algo que se tem que cultivar.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!