UM JOGO ENTRE AMÉRICAS DISPUTADO NO ANDARAÍ
por André Luiz Pereira Nunes
America e América de Três Rios protagonizaram, em 2013, no Giulite Coutinho, uma partida na qual 2 a 2 foi o resultado. Uma contenda que não era disputada desde 7 de março de 1993, quando ambos integraram a elite do futebol do Rio de Janeiro.
Na tarde daquele domingo, em Três Rios, o placar foi 0 a 0, em jogo válido pela Taça Guanabara. No tempo em que o futebol fluminense era comandado com mãos de ferro por Eduardo Viana, o Caixa d’água, não é de se estranhar que havia um inusitado acesso e descenso ao fim de cada de turno. Portanto, o mesmo confronto não ocorreria pela Taça Rio, haja vista que o time rubro trirriense acabaria rebaixado e, assim, dado adeus pela última vez à Série A.
Por coincidência, o ano de 1993 foi o único em que os rivais citadinos América e Entrerriense integraram a primeira divisão.
Todavia, vale relembrar o ano anterior no qual o America e o seu genérico do interior se enfrentaram no saudoso estádio Wolney Braune, o antigo campo do Andaraí, cujo terreno é atualmente ocupado por um shopping center.
Era uma quente tarde a de 8 de novembro. A partida era válida pelo segundo turno do Campeonato Estadual, a Taça Rio. Nas proximidades da praça esportiva, justamente na rua Teodoro da Silva, era perceptível um ônibus cujos integrantes faziam grande alarido, o qual chamava a atenção de todos os circunstantes. Seus integrantes gritavam “sangue!!!”, um grito de guerra muito conhecido naquela região.
Já naquela época a maior parte da torcida do America era formada por pessoas de meia idade e idosos. Por isso, a intensa manifestação daqueles eufóricos jovens era mesmo algo bastante incomum.
Porém, foi descoberto logo que faziam parte da claque rival. Eram numerosos e provocadores. Durante a disputa da Taça Rio os trirrienses surpreendiam pela ousada campanha. Haviam derrotado em seu campo o Bangu, empatado no Caio Martins em 1 a 1 com o Botafogo e vencido o Americano, em Campos, algo raro nos tempos em que Eduardo Viana era seu ferrenho torcedor e patrono.
Já o America não vinha bem. Havia sofrido uma derrota de 4 a 2 para o Vasco, o futuro campeão daquele ano e dos dois seguintes. Tudo levava a crer que o primo-pobre do interior faria mais uma mais uma vítima em campo adversário, daí a extrema desconfiança que reinava entre os torcedores locais presentes. Entretanto, a torcida visitante rival gritava, mas encontrava reação em resposta.
A escalação americana não trazia grandes nomes. Em nível nacional o time já se encontrava alijado das três divisões do Campeonato Brasileiro. No Estadual, apenas lutava arduamente contra o rebaixamento. O zagueiro Paulo Sérgio, oriundo do Campo Grande, era uma das atrações daquele limitado plantel. O xerife era tão querido que tinha direito a uma faixa em sua homenagem afixada no alambrado vizinho ao morro. Outro destaque daquele time era o ponta Edenílson Pateta. Era canhoto e veloz. Formava a linha de ataque com Álvaro e Serginho.
Apesar do maciço apoio de sua torcida, o América de Três Rios sairia do Andaraí derrotado por 2 a 0. Serginho e Edenílson Pateta assinalaram o marcador favorável. A superioridade mandante foi inquestionável.
O America atuou com Fábio, Dedé, Paulo Sérgio, Cláudio e Marquinhos; Jorge Luís (Marcelo Lopes), Tiquinho e Márcio Ramos (Márcio Luís); Serginho, Álvaro e Edenílson. O treinador era Ernesto Paulo.
No cômputo geral o América de Três Rios conseguiu um surpreendente quinto lugar, enquanto o America ficaria apenas na nona posição. O time trirriense continuaria o seu histórico de ousadias. A vítima posterior foi o Fluminense, batido no Odair Gama por 3 a 2. Mas no Andaraí a história foi bem diferente. A supremacia foi mesmo total do time da casa, afinal respeito nunca é demais!
O FUTEBOL E A NEOCOLONIZAÇÃO
por Ivan Gomes
O futebol brasileiro e sul-americano apresenta uma decadência técnica visível há muitos anos, basta puxar a lista de clubes campeões do mundo a partir do início do século 21 e, também, acompanhar as seleções que conquistaram as últimas edições das Copas do Mundo. De 2000 para cá, foram disputadas cinco edições da Copa, apenas em 2002 um sul-americano foi campeão, o Brasil, quando venceu a Copa Japão-Coréia do Sul, ao bater a Alemanha na decisão. Fora isso, nem nas finais nossas seleções conseguiram chegar, exceto a Argentina, que foi derrotada pela Alemanha na decisão da Copa de 2014, disputada no Brasil. Esta foi a primeira vez que uma seleção europeia venceu uma competição em nosso continente. Sem citar que os alemães aplicaram a maior goleada sofrida pelo esquete brasileiro, o famigerado 7 a 1.
Nas Copas de 2006, 2010 e 2018, só ocorreram finais europeias: França e Itália, 2006, Holanda e Espanha em 2010 e França e Croácia em 2018. Importante destacar que, na última Copa, os sul-americanos nem nas semifinais conseguiram chegar. O Brasil, após ser atropelado pela Alemanha em 2014, conseguiu ser eliminado por uma seleção belga, nas quartas de final, que não apresentava um futebol que enchia os olhos, era somente um time organizado em campo.
Quando comparamos a disputa no mundial de clubes, disputado desde 1960, aí a distância do início deste século para cá mostra uma ascendência europeia exacerbada e nosso futebol em frangalhos. Até meados dos anos 90 do século passado, a disputa Europa/América, especificamente América do Sul, mostrava certo equilíbrio, mas com ligeira vantagem para nós, os periféricos. Mas de 2001 para cá, quando houve a virada do século, os europeus encostaram, empataram e abriram vantagem considerável.
Neste século, apenas quatro clubes sul-americanos foram campeões do mundo. Boca Juniors, da Argentina, (2003) e os brasileiros São Paulo (2005), Internacional (2006) e Corinthians (2012). Em 2010, 2013 e 2018, o futebol sul-americano não teve nem representantes na decisão. Com o Mundial de Clubes sendo organizado pela Fifa desde 2005, clubes dos outros continentes também participam. Times como o Internacional, Atlético/MG e River Plate, conseguiram a proeza de perder para clubes de países considerados inexpressivos na história.
Após essas pontuações brevíssimas, fica a pergunta: como chegamos neste ponto? Afinal, Brasil, Argentina e Uruguai, as três maiores potências futebolísticas em nosso continente, juntas venceram nove Copas, só o Brasil cinco. Em termos de mundiais de clubes, essas três potências venceram 26 vezes, se somarmos uma conquista do Olímpia do Paraguai, o número da América do Sul chega a 27.
E é em nossa querida América do Sul que nasceram os maiores nomes. Aqui nós temos Pelé, Maradona, Garrincha, Di Stéfano, entre uma infinidade de outros craques. Podemos dizer que nosso continente é um celeiro de jogadores excepcionais. Aqui os pés de obra nasciam em cada esquina, raios caem a todo momento. Mas por qual motivo, atualmente, com tanta riqueza técnica, vemos um futebol sofrível, campeonatos fracos e clubes endividados?
Uma das respostas pode ser a “neocolonização”. Se à época da invasão europeia, a partir do século 15, os “colonizadores” levavam nosso ouro, prata e árvores, atualmente eles levam nossos craques. E isso não tem sido algo recente, basta fazer uma pesquisa e veremos que sempre houve uma saída ou outra de grandes jogadores, mas após abertura do mercado europeu, em meados dos anos 1990, e a “glamorização” do futebol, com seus belos uniformes, estádios padrões e todo ritual comercial, foi aí que a situação ficou difícil para nós.
Com uma moeda mais valorizada, com as promessas de enriquecimento, milhões gastos em publicidade e clubes que se tornaram empresas e com seus respectivos donos, fomos ultrapassados em tudo e hoje podemos dizer que existe uma exploração de pés de obra em nosso continente. E um grande exemplo desta questão é o argentino Lionel Messi, que foi levado criança para Espanha e até o momento somente jogou no Barcelona. Apesar de ser tido como ídolo em seu país, Messi nunca jogou contra os grandes clubes argentinos e sul-americanos, nunca disputou uma Taça Libertadores.
De alguns anos para cá, jogadores brasileiros, argentinos, uruguaios, sem citar promessas dos outros países, são levados ainda muito jovens e não conseguem desenvolver uma carreira em seus respectivos países e não criam qualquer tipo de vínculo com a torcida local. Isso de alguma maneira afeta o desempenho desses atletas quando defendem suas respectivas seleções. Volto ao exemplo de Messi, que nunca venceu um título com a Argentina.
EXCLUÍDOS
Mas o problema da decadência de nosso futebol não ocorre somente pela escassez de nossas principais estrelas, ocorre também ao padrão imposto pelo colonizador. Eles levam nossas joias e as lapidam à sua maneira. O jogador ágil e autêntico dá espaço para um atleta muito forte fisicamente e com total obediência tática. Ao que é apresentado atualmente, é possível dizer que jogadores com a incrível capacidade de improviso não têm espaço neste futebol de glamour, de aparências e nada mais.
Além deste fato, outro problema é a padronização europeia sobre esquemas táticos, comportamento físico e o pior de todos, a questão das “arenas”. Saudade do tempo em que falávamos Vila Belmiro, Rua Javari, Pacaembu, Olímpico… Atualmente é arena isso, aquilo. Mas o pior é a exclusão social que o padrão europeu trouxe às “arenas”. É incrível como em poucos anos, o torcedor com menos dinheiro, fanático, que ocupava as arquibancadas e fazia de um simples jogo, algo especial para o seu dia e se produzia para o evento, cedeu espaço (ou foi tirado?) para pessoas bem vestidas, com suas camisetas que modelam o corpo e acompanham a disputa em um local sentado.
Se você é jovem e pensa que exagerei, puxe nas plataformas de vídeos e faça você mesmo a comparação. Veja como era o Maracanã, quando existia a geral, e veja como é hoje. Compare o sorriso de parte da torcida atual com os de algumas décadas atrás. Compare o tom de pele… A exclusão social com o fim das “gerais” nos estádios e o padrão Fifa, que não passa de padrão europeu, acabou com toda a alegria das arquibancadas. Hoje é tudo muito bonitinho e arrumadinho para aparecer no vídeo. Onde estão os caras que roíam as unhas e tinham um dos ouvidos colado em seus rádios de pilha?
E para a América do Sul mostrar-se cada vez mais subserviente e afinada com o colonizador, como se isso fosse algo positivo, os dirigentes sul-americanos conseguiram acabar com a alegria da principal competição que temos em nosso continente, que é a Libertadores da América. Para seguir o padrão europeu, a decisão deste campeonato desde 2019 é realizada em apenas um jogo, em campo neutro. Novamente o torcedor foi excluído, afinal, não são todos que têm condições de comprar uma passagem de avião para ver seu time do coração em uma decisão de Libertadores.
Os colonizadores levam nossos craques, impõem padrão de jogo, de forma física, de estádio e contribuem para que os jovens saibam mais sobre seus “pequenos” clubes endinheirados, do que os grandes times de nosso país e continente. É muito triste conversar com um jovem que acha bacana chamar Cristiano Ronaldo de robô, ou que diz que Chelsea, da Inglaterra, ou PSG, da França, são grandes clubes. Sim, os colonizadores nos enfiam isso goela abaixo e nós, os periféricos, achamos bonito o padrão que vem do centro.
Saudade dos terrões e das ruas, traves feitas de blocos, chinelas nas mãos com se fossem luvas. Nesse período, as crianças diziam que o sonho seria um dia jogar no Santos, São Paulo, Corinthians, Flamengo… Mas todos sabiam que para isso você precisava se destacar nos clubes do interior. Hoje, a maior parte diz que o “sonho” é ser atleta do PSG, “Barça”, Real, Chelsea. Onde ficam o Timão nesta história, o Porco, o Tricolor?
O garimpo de pés de obra tem dado muito certo para os clubes europeus que enriquecem cada vez mais, enquanto nossos clubes, com administrações ruins e amadoras acham bonito revelar jogadores para desfilarem nas arenas europeias. Enquanto isso, nós que fiquemos com o resto em nossos estádios, pois nas poucas arenas, não temos condições de ir, afinal, o preço que se paga é caro.
Às vezes bate aquela saudade de quando tínhamos ouro por aqui e sabíamos. Saudade de um tempo no qual havia jogadores e não atletas. Devolvam nosso futebol!
A MORTE E A MORTE DE MARADONA
por Paulo Roberto Melo
Quantas vezes se morre em uma vida? E quantas vezes, mediante essas mortes, se consegue ressuscitar? Quantas vezes, até o descanso definitivo dos olhos, uma pessoa busca a reinvenção, a volta, o renascimento?
Diego Armando Maradona morreu aos 24 anos, quando experimentou a primeira carreira de cocaína de sua vida. Estava no Barcelona, um dos maiores clubes do mundo e a cobrança por ter sido a maior transação da história do futebol até então, pressionava o craque. Para piorar, depois de uma entrada criminosa, fraturou o maléolo fibular do tornozelo esquerdo e o ligamento colateral. Três meses e meio longe dos gramados.
Diego Armando Maradona ressuscitou em 1984, quando chegou à cidade de Nápoles, para transformar o modesto Napoli em um clube vencedor de Copa da Itália, Copa da Uefa e campeonato italiano. Fez gols de falta, de cabeça, por cobertura e encantou uma cidade, um país e o mundo.
Diego Armando Maradona morreu, no estádio de Sarriá, durante a Copa da Espanha em 1982. Defendendo uma seleção argentina envelhecida, desencontrada e mal treinada, foi expulso ao dar uma solada em Batista, jogador da seleção brasileira. O placar de 3×1 para a seleção canarinho enterrava de vez uma geração que havia sido campeã mundial quatro anos antes em gramados argentinos.
Diego Armando Maradona ressuscitou, driblando ingleses, belgas, alemães e a arbitragem, durante a Copa do México, em 1986. Foi o melhor da bicampeã Argentina, o melhor da Copa, o melhor do mundo.
Diego Armando Maradona morreu ao ser pego em um exame de dopping, em 1991, quando ainda defendia o Napoli. A pena rendeu 15 meses de suspensão ao craque. Depois, durante a Copa dos Estados Unidos, em 1994, saiu de mãos dadas do campo, com uma enfermeira, direto para outro exame de dopping que daria positivo e o tiraria da Copa.
Diego Armando Maradona ressuscitou em La Bombonera lotada, ao se despedir do povo argentino e da torcida do Boca, seu amor no futebol. Em meio às lágrimas, agradeceu, falou dos seus equívocos e deixou uma mensagem para todas as gerações de futebolistas após ele: “A bola não se mancha”.
Diego Armando Maradona morreu no dia 25 de novembro de 2020, aos 60 anos de idade. Seu coração parou de bater, seu cérebro parou de emitir mensagens para sua genial perna esquerda e suas posições firmes, seja de ordem política ou social se calaram. Seus olhos se cerraram e nunca a expressão “descansou” foi tão bem aplicada a uma pessoa.
Diego Armando Maradona ressuscitou um segundo após ter morrido. Ele está vivo nos documentários, nos jogos, nos textos, nas resenhas, nas homenagens. Diego Armando Maradona não foi o melhor que eu vi. Mas com certeza, o mundo sem ele está mais pobre.
Quantas vezes se morre em uma vida? E quantas vezes, mediante essas mortes, se consegue ressuscitar?
AS MÁQUINAS E O CASAL
texto: Marcello Pires | fotos: Ricardo Beliel
A Máquina Tricolor montada por Francisco Horta e recheada de craques como Rivellino, Paulo Cesar Caju, Carlos Alberto Torres, Edinho, Dirceu, Gil, Doval, entre tantos outros, é daqueles times que encantaram e foram eternizados na memória de todo apaixonado por futebol, seja ele torcedor do Fluminense ou não. Foi assim com o Santos, de Pelé; o Botafogo, de Garrincha; a Academia, de Ademir da Guia; o Internacional, de Falcão, tricampeão brasileiro; o Cruzeiro, de Tostão; e o Flamengo de Zico. Isso para citar os mais marcantes. Mas, nas Laranjeiras, há quem acredite que a verdadeira máquina a vestir as cores verde, branco e grená foi outra: o time tricampeão carioca e campeão brasileiro na década de 80.
A discussão gera polêmica, para alguns tricolores chega a ser inaceitável, mas o fato é que se levarmos em conta apenas os números e estatísticas, fatores preponderantes nos dias de hoje, a comparação não é nenhum exagero. Se, por um lado, os timaços que encheram os olhos entre 1975 e 1976 contavam com quatro tricampeões do mundo – Félix, Carlos Alberto Torres, Paulo Cesar Caju e Rivellino -, o escrete que começou a ser montado por Cláudio Garcia em 1983, passou pelas mãos de Carbone e Carlos Alberto Torres e teve os retoques finais de Carlos Alberto Parreira e Nelsinho marcou história pelos títulos, pela supremacia absoluta nos clássicos regionais e por uma das duplas mais carismáticas do futebol brasileiro, eternizada na sede das Laranjeiras em 2015, com dois bustos feitos em bronze, através de um crowdefunding (vaquinha virtual) que conseguiu levantar um valor total de R$ 197.572,00.
Pelé e Garrincha nunca perderam com a camisa da seleção, Pelé e Coutinho são considerados inigualáveis na época dourada do Santos e Romário e Bebeto talvez tenha sido a dupla mais badalada aos longo dos anos. Mas nenhuma outra foi tão marcante dentro e fora de campo quanto Assis e Washington, que assim que estrearam pelo Fluminense foram apelidados de Casal 20, seriado de TV da época, que tinha como personagens centrais Johathan e Jennifer Hart, protagonizados pelos atores Robert Wagner e Stefanie Powers.
Se na ficção a dupla investigava crimes pelo mundo e fazia o papel do mocinho, na vida real os atacantes do Fluminense não perdoavam as defesas e se tornaram os vilões mais indesejados pelos adversários. A ligação entre eles era quase sobrenatural e transcendeu as quatro linhas. É impossível descrever a trajetória de um sem lembrar dos feitos do outro. Se nas cerimônias de casamento nos acostumamos com a frase “até que a morte os separe”, no compromisso selado entre Assis e Washington essa promessa perdurou até o fim.
Nascido em 3 de janeiro de 1960, na cidade de Valença, no litoral sul da Bahia, Washington César Santos lutava contra uma doença degenerativa, a esclerose lateral amiotrófica (ELA), e morreu dia 25 de maio de 2014, em sua casa, em Curitiba. Fiel escudeiro de Washington em tantas batalhas ao longo da carreira, Assis sentiu o golpe e perdeu a fala durante o enterro do eterno amigo. “Desculpe, me desculpe, mas hoje não dá. Outro dia eu falo, mas hoje não consigo”. E, infelizmente, nunca conseguiu.
Internado dias depois, com problemas renais, Benedito de Assis da Silva não resistiu à falta do parceiro e deixou o torcedor tricolor órfão de vez da sua mais famosa dupla, no dia 6 de junho do mesmo ano, apenas 42 dias após o adeus do inseparável amigo. Autor dos gols contra o Flamengo que deram ao Fluminense os títulos estaduais de 1983 e 1984, o camisa 10 mais emblemático das Laranjeiras na década de 80 se eternizou como o carrasco rubro-negro e ganhou até uma música que a torcida tricolor canta até hoje nos Fla-Flus: “Recordar é viver, Assis acabou com você”.
A parceria, que começou timidamente no Internacional, em 1981, se apresentou para o cenário nacional no Athletico-PR entre 1982 e 1983, e se eternizou com a camisa do Fluminense, pode até ter se despedido desse plano no longevo 6 de junho de 2014, mas seguirá viva para sempre na memória e no coração de todo torcedor tricolor. Assim como as lembranças do toque sutil por debaixo do goleiro Raul e da cabeçada mortal que fez o argentino Fillol, campeão do mundo em 1978, brincar de estátua nas finais de 83 e 84, respectivamente, imortalizando Assis como o carrasco dos Fla-Flus, ou dos gols antológicos de Washington contra o Vasco, na vitória por 2 a 0, no estadual de 1987, quando colocou a defesa vascaína para dançar antes de balançar as redes do Maracanã, e diante do Flamengo, de voleio, dois anos antes, no empate em 1 a 1.
O legado deixado pela dupla, no entanto, vai muito além dessas doces lembranças contra os dois principais rivais. Além das nove taças que conquistaram entre 1983 e 1987, nas 160 vezes que pisaram juntos num gramado vestindo a camisa tricolor, foram 83 vitórias, 51 empates e apenas 26 derrotas. Um retrospecto respeitável para uma dupla que desembarcou no Rio de Janeiro numa fase de vacas magras apenas como uma aposta.
Assis se despediu do Fluminense em 1987, quando voltou ao Athletico-PR após cinco temporadas, 177 partidas e 54 gols. Já o camisa 9, que teve que se acostumar a escutar o famoso coro de “ão, ão, ão, na cabeça do Negão” sem seu fiel escudeiro, permaneceu por mais dois anos nas Laranjeiras antes de se transferir para o Guarani, após 301 jogos e 118 gols, que até hoje lhe mantém entre os 10 maiores artilheiros do Fluminense – Washington é o oitavo da lista.
Com tantos títulos conquistados, tantos craques marcantes e tantas histórias importantes, sinceramente o que menos importa nesta centenária jornada verde, branco e grená é qual é a verdadeira Máquina Tricolor. Sorte do torcedor que veste as cores do Fluminense de ter tido o privilégio de assistir a esses timaços em ação e de ter uma dupla eternizada no futebol pentacampeão mundial para chamar de sua.
TREINADORES TEÓRICOS?
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Semana passada, o técnico português José Mourinho disse orgulhar-se de ter quebrado a barreira de que apenas ex-jogadores poderiam ser bons treinadores. Hoje, segundo ele, qualquer jovem que tenha conhecimento científico, mesmo sem carreira no futebol, pode vencer na profissão. Disso, não tenho a menor dúvida, afinal esse mercado está repleto de professores de Educação Física e de gente que nunca chutou uma bola. Mas também não tenho dúvida que desde que essa turma do conhecimento científico assumiu o poder o nível do futebol despencou, a nível mundial, inclusive.
Mas essa briga é antiga e, em 70, Parreira já começava a surgir no cenário futebolístico. Já cansei de dizer que acho a preparação física importante para o atleta. Se eu não tivesse condicionamento não conseguiria dar dribles longos, me desmarcar, fugir das pancadas. Mas a conversa é outra. Preparador ensina o jogador a correr, mas nunca ensinará a chutar, driblar, cabecear. E o que vejo hoje, rodada após rodada, é o desconhecimento total de fundamentos primários nessa garotada. Por isso, louvo a paciência que Fernando Diniz está tendo com seu time, inclusive com os que não são mais garotos e que só agora estão aprendendo a tabelar, se deslocar, essas coisas. É um trabalho de formiguinha que levará tempo para ser consertado.
Existem comissões técnicas inteiras sem um ex-jogador. Isso é gravíssimo. Muitos jovens talentosos estão perdendo o bonde porque não existem profissionais para lapidá-los. Vejo a torcida crucificando jogadores sem dó nem piedade. E tem que criticar mesmo, afinal o produto tem que ser de qualidade. Não seria importante jogadores, como Roberto Dinamite, Adílio, Andrade, Leandro, Aldair, Mauro Galvão, Geovani, Moreno e sei lá mais quem fazerem oficinas com esses meninos? É importante que eles assistam vídeos exaustivamente desses jogadores. Muitos estão fora do mercado.
Mas eles só não podem ser engolidos pelo sistema, como vem acontecendo com os ex-jogadores comentaristas, que só querem saber do último terço do campo. O que vem acontecendo no futebol é mais ou menos como o estudante que chega ao ensino universitário sem saber escrever direito. Base fraca, futuro incerto. Ou resolvam logo, contratem professores de verdade, ou concluirão que no futebol só teoria tem data de validade. Por falar em teoria e prática, a diretoria do Flamengo tem envergonhado os torcedores com essa história da indenização dos meninos que morreram naquele trágico acidente! Apesar do discurso bonito, acabaram de reduzir pela metade o valor da pensão para as famílias.