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ROMEIRO, O SPUTNIK BRASILEIRO

por Antonio Carlos Meninéa


Vestindo o manto sagrado do América/RJ

Céu de brigadeiro em Sampa com o astro rei expelindo um calor ardente por onde tocava. Resolvi visitar uma dessas escolinhas de futebol. Um terrão com mato aqui e ali. Longe, avistei no meio de campo um senhor de cabelos bem grisalhos capinando debaixo daquele sol escaldante. 

Após o treino da garotada, fui apresentado aquele senhor que capinava o terrão, seu nome era de bom agouro, José, ou melhor, José Romeiro Cardoso. Muito humilde e simpático, Romeiro, como gostava de ser chamado, conversou comigo por quase duas horas. Passei a visitar a escolinha e a ouvir as histórias sobre futebol que aquele capinador de terrão contava.

Tempos depois, descobri que meu novo amigo foi profissional vice-campeão carioca pelo América em 1955, e campeão pelo clube do Parque Antártica em 1959, fazendo o gol do título sobre o todo poderoso Santos de Pelé.

O homem que assinalou o gol do Supercampeonato Paulista de 1959 ainda foi campeão da Taça Brasil de 1960, e foi bicampeão pelo Millonários da Colômbia. 

Seus causos eram incríveis e recordo muito bem de um deles, disse ele: “Rezei muito na decisão contra o Santos em 10 de janeiro de 1960, para que o jogo terminasse 2×1 com o meu gol do título”. E bolas na trave para cá e para lá não alteraram o placar, desejo atendido e realizado.

No América carioca jogou com craques como Pompéia, Rubens e Édson, Ivan, Osvaldinho e Hélio, Canário, Leônidas, Alarcon e Ferreira.

No Palmeiras, com: Valdir de Moraes, Djalma Santos e Waldemar Carabina, Geraldo, Zequinha e Aldemar, Julinho Botelho, Nardo, Américo e Chinesinho.


Romeiro no Palmeiras com a faixa de campeão

Jogou ainda no Santa Cruz, no América/MG, na Ponte Preta, Deportivo Cáli e Atlético Jr Barranquilla. Atuou na era de ouro do futebol brasileiro ao lado e contra os maiores craques dos anos 50/60.


Romeiro contemplativo

Ao retornar ao Brasil, como técnico, foi campeão da Taça São Paulo de Juvenis pelo Nacional Atlético Clube e campeão paulista juvenil pelo Palmeiras. Se afastou do futebol de forma direta ou indireta em 1986, após ser auxiliar no Palmeiras do técnico Carbone.

Depois de muita relutância por parte de Romeiro, que não acreditava ter história para isso, tive a honra de escrever e lançar em 2004 o livro “Romeiro o Sputnik brasileiro”.

Pela potência de seus chutes, que muitas vezes vinha acompanhado de muito efeito bailando pelo ar, foi carinhosamente apelidado pelos palmeirenses de Sputnik, satélite lançado pela União Soviética em 1957.

Em 2008, Romeiro foi chamado para atuar nos campos celestiais com outros craques que já haviam sido requisitados, mas seu legado ficou para sempre registrado na história do futebol brasileiro.


O goleiro Laércio, do Santos,  só observou o chute que registrou Romeiro na história do Palmeiras.

SAUDADES DO BATE BOLA

por Luis Filipe Chateuabriand


Na apresentação, João Carlos Albuquerque, o Canalha – um exemplo de simpatia, gentileza e bom humor para introduzir os assuntos.

Nos comentários, de São Paulo, Paulo Vinícius Coelho, o PVC, um colosso de informação, de dados, de estatísticas, de estudos táticos, de seriedade profissional e de inteligência aplicada ao jogo.

Ainda nos comentários, de São Paulo, Mauro Cezar Pereira, com sua capacidade de análise crítica impressionante, clarividência sobre as questões estruturais de futebol, caminhos a serem apontados.

E, dos estúdios do Rio de Janeiro, Lúcio de Castro, com toda a sua irreverência, a visão do futebol como instrumento de integração social, a vontade de ver o jogo como espelho da vida, algo lúdico, simples, prazeroso.

E estava pronto o quarteto, para ser assistido, e aplaudido, na hora do almoço, de segunda a sexta.

Como brinde, um programa especial: quando o Canalha pediu a reapresentação da reportagem sobre a contratação, pelo Flamengo, do técnico Waldemar de Lemos – irmão do outro técnico, mais famoso, Oswaldo Oliveira.

A torcida do Flamengo, irada, começou a reclamar, aos palavrões, perante um atônito assessor de imprensa do clube, que comunicou quem era o novo técnico.

E daí, veio o coro de torcedores, absolutamente genial: “Ah, ah, ah! Fora Waldemar!”.

Waldemar nem tinha assumido, e já pediam sua saída.

Um clássico de nosso futebol!

Por essas e outras, o Bate Bola é inesquecível!

E sempre será!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

O CRAQUE DO BRASIL EM 1984

por Luis Filipe Chateaubriand


Julio Cesar Romero, o Romerito, chegava ao Fluminense em 1984, vindo diretamente de Nova York, onde jogara anteriormente no Cosmos.

O jovem craque paraguaio viria ao tricolor para fazer a diferença.

Técnico, tratava a bola muito bem, de seus pés saíam passes preciosos, chutes arrebatadores, jogadas absolutamente inventivas.

Dotado de garra, estava constantemente disputando bolas divididas, liderava, apontava caminhos para os companheiros dentro do campo.

Com um preparo físico invejável, era onipresente em campo, se deslocava com extrema facilidade, movimentos ágeis, rápidos, inteligentes.

Tal conjunto de virtudes fez o gringo ser premiado ao fazer o gol do título, no primeiro jogo da final contra o Vasco da Gama, em que chutou, o goleiro Roberto Costa espalmou e a, bola, de volta, caiu novamente nos pés de “Don Romero”, dali saindo para o gol.

O cara veio, viu e venceu!

E ficou para sempre na memória do torcedor tricolor carioca!

Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!

NEM TUDO ESTÁ PERDIDO

por Zé Roberto Padilha


Na quarta, em meio a um equilibrado Campeonato Carioca, em que Botafogo e Vasco estão mostrando que terão dificuldades em subir, e o Fluminense tentará se manter, caso não invista, eis que surge o desequilíbrio.

O outro patamar.

Se apresenta um time de futebol diferenciado. Capaz de nos lembrar da Máquina Tricolor, da Academia do Palmeiras, do Expresso Cruzmaltino, do Botafogo e Santos que eram a base das nossas maiores seleções.

Se apresenta aquele que vai buscar o título maior do futebol brasileiro e mundial.

O que o Flamengo mostrou, quarta à noite, contra o bom time do Madureira, há muito não assistíamos. Uma exibição de almanaque, onde a técnica apurada, os deslocamentos incessantes, a vontade de jogar bola aliado a um enorme entrosamento não nos deixou sequer levantar para ir a geladeira buscar uma latinha.

Bola e jogadores, apaixonados, pareciam saudosos uma dos outros e se entregaram, de corpo e alma, a 90 minutos de puro êxtase.

Mais que uma exibição, foi um sopro de esperança no desacreditado futebol brasileiro.

Espero que o Tite tenha assistido a partida. Se colocar o Daniel Alves na lateral, o Neymar no lugar do Diego e naturalizar o Arrascaeta, o maestro, basta trocar as vestes rubro-negras pela amarelinha.

Deixe, por favor, aqueles Firminos, Fernandinhos, até mesmo Jesus quietos por lá. Há muito não estão identificados com a gente. Mal falam português, não jogam ao nosso lado como Gabigol, Everton Ribeiro e Bruno Henrique.

Daí não teremos apenas uma grande seleção de volta. Daquelas que dá vontade de ir a Teresópolis assistir ao treino, colecionar figurinhas, até voltar a pedir autógrafos.

Mais do que favorita para buscar outro título mundial, teremos novamente o orgulho de ser o país que pratica, forma e exporta o melhor futebol do mundo.

Parabéns, Flamengo.

GEOVANI E O TEMPO

por Rubens Lemos


Geovani nasceu em 1964. Nasceu tarde demais. Seu estilo refinado é natureza pura dos anos 1950/60, faixa dos craques de nenhuma correria e inteligência superlativa. Práticos da lei máxima de que no campo corre a bola e aos craques era facultado o direito ao prazer de saber movimentá-la, com sutileza e brilho.

Eram os tempos de Didi, Gerson, Dirceu Lopes, Ademir da Guia, Mengálvio. Suavam pouco, alegravam multidões na toques clássicos. Na morosidade de arapuca. Homens de raciocínio superior, de ocupação de espaços pela diminuição do campo no compasso dos passes que aproximavam a bola dos artilheiros. Geovani foi desse naipe, da tal categoria.

Na cronologia correta, teria disputado Copa do Mundo. Ou brilhado ainda mais do que luziu com seu jogo faceiro e delicioso, entorpecente de criatividade, de invenções em segundos de eternidade, de imortalidade genial guardada em jogadas absurdas, de tão belas.

Depois de Roberto Dinamite, o artilheiro do sorriso triste e impiedoso com zagueiros e goleiros, Geovani é o maior ídolo contemporâneo do Vasco.

Se nasceu depois da hora, Geovani veio subverter a era de um Vasco freguês caloteiro do Flamengo, início da década de 1980, Zico liderando a tropa que ganhava campeonatos com a naturalidade de um casal de adolescentes tomando sorvete ao primeiro dos namoros. O Vasco tinha Dinamite de Dom Quixote. E um monte de esforçados e brutamontes.

Em 1982, um garoto baixinho e gordinho, nascido no Espírito Santo, chegou e Impôs uma qualidade absoluta, ritmo acadêmico de veterano, visão periférica de uma partida, imperador do meio-campo em dribles de minifúndio e lançamentos longos como se houvesse um novo Gerson, ambidestro. Geovani tomou conta da cátedra de melhor meia-armador de minha geração de torcedores.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols.

A história, exemplar em seus castigos, mostra em seus replays que faltou Geovani para o Brasil estilizar beleza e improvisação. Geovani é o jogador (ele e Dinamite) com mais títulos cariocas conquistados pelo Vasco. Foram cinco, três deles sobre o Flamengo de Zico.

Foi chamado de lento e exagerado perfeccionista. Tratava a bola com carinho e carícia de namorado. Exatamente o traço da casta nobre dos idos do futebol acadêmico, categórico e intelectual. Sem força. Na ginga e no jeito.

Sem ele na seleção brasileira, perderam-se duas Copa do Mundo sintomáticas pela falta de um cérebro na criação da meia-cancha: em 1986, viajaram Elzo e Alemão.

Em 1990, Dunga e o tal Alemão, bom maratonista, obscuro criativo. Sebastião Lazaroni, especialmente, o técnico medíocre do Mundial da Itália, será praguejado pela memória nacional por não ter convocado Geovani e levado seu compadre Tita. Ou cinco zagueiros.

Geovani arquitetava, organizava e compunha. Roberto Dinamite e Romário concluíam a obra de engenharia, executavam o projeto e verbalizavam a cantoria de gols.

A Geovani, Romário deve muitos dos seus gols, recebendo livre na área lançamentos de 40 metros, fita métrica na chuteira do Pequeno Príncipe, assim batizado o regente cruzmaltino. Tenho que dizer aos meninos de hoje. Se vocês tivessem visto Geovani, glorificar Firmino, Fernandinho e Jô, seria castigo implacável da proibição do videogame ou da exaltação da mediocridade.

Geovani, guerreiro suave, conquistou o maior campeonato da vida: superou um câncer e fez transplante de medula. Com a força extraordinária da fé e a luz radiosa dos homens escolhidos para gerar felicidade em milhões. Geovani veio depois e fez sua hora, impondo o batuque das rodas de samba em tardes vascaínas que liderou na solidão da maestria. Dos precursores de Maracanã com 100 mil pessoas.