VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZÉ MÁRIO
Zé Mário foi um artista. Não o confundam com Dustin Hoffman como Paulo Cezar Caju costumava chamá-lo quando o meia chegava a bordo de seu Fusca azul e passava pelos portões do clube rubro-negro para realizar os treinos nas manhãs na Gávea em1972. O camisa 8 do Flamengo e 5 do Fluminense e Vasco, foi muitos num só. Um líder nato. Uma semelhança com Dunga não seria mera coincidência pelo comprometimento e entrega nas quatro linhas, e sobretudo, fora delas, quando foi um atleta marcado pelo respeito e um agregador capaz de tornar os times campeões por onde passou.
Chegado ao mundo pelas mãos de uma parteira na casa de seus avós maternos no bairro do Cachambi, zona norte do Rio, em campo, Zé Mário chamou a atenção como o Stanley, vivido por Marlon Brando (1924-2004) em “Uma Rua Chamada Pecado (1951)”, que ao gritar por atenção para Blanche, interpretada por Vivien Leigh (1913-1967), tornara o clima entre os dois claustrofóbico nesse pequeno ecossistema da periférica Nova Orleans.
Todavia, o ex-aluno do Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, chamado Zé Mário, foi valente no combate aos adversários que enfrentou igual a valentia retratada no filme Taxi Driver (1976), no qual o taxista Travis Bickle, personagem encenado por Robert De Niro, comprou um revólver e olhando-se no espelho numa cena ensaísta buscava proteção das intempéries das ruas perigosas de Nova York.
No entanto, cria do futebol de salão, por onde desfilou sua categoria no Magnatas e na extinta Associação Atlética Vila Isabel, com a bola nos pés, já no futebol de campo, Zé Mário lembrou em cada gota de suor derramada de seu rosto nas partidas em que disputou, a cena icônica na saída do teatro em “O Poderoso Chefão 3 (1990)”, quando o gângster Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, abraça sua filha caída no chão após receber um tiro em que o alvo seria ele.
Logo, com a carreira profissional iniciada no Bonsucesso Futebol Clube, Zé Mário emocionou como o filme “Filadélfia (1993)” em que o advogado homossexual Andrew, interpretado por Tom Hanks, chora em seu apartamento ao som de uma ária da soprano Maria Callas (1923-1977), enquanto, ao fundo, Denzel Washington, comovido, não consegue segurar suas lágrimas com seu sofrimento e percebe que seu cliente foi abandonado no momento mais difícil da vida.
Assim, o filho de “Seu” Mário e de “Dona” Avany foi atencioso como Jack Nicholson em “As Confissões de Schmidt (2003)”, no qual interpretou um viúvo chamado Warren, e lê a carta de agradecimento da ONG por sua contribuição de 73 centavos por dia para um garoto da Tanzânia.
Mas dos futebóis de salão e campo, José Mário Barros herdou a habilidade, a visão de jogo, e apesar da baixa estatura, foi um gigante, um líder na essência mais cristalina da palavra. Combativo e distribuidor de passes poucas vezes visto no mundo da bola, o volante de estilo clássico se notabilizou por onde pisou a planta dos seus pés ou as solas das suas chuteiras.
O Vozes da Bola chega ao seu trigésimo personagem e entrevista Zé Mário, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (SAFERJ), ídolo de clubes como Flamengo, Vasco e Fluminense e um expert em futebol internacional por onde trabalhou em diversos países.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Como foi sua infância no Méier, Zona Norte do Rio?
Inesquecível. Mas vale contar um pouco dessa infância. Uma parteira me trouxe ao mundo na casa de meus avós maternos no Cachambi, bairro de classe média da Zona Norte do Rio, onde a residência ficava bem próxima do lugar onde o bonde da linha Cachambi-Méier fazia a volta. Minha infância e adolescência foram normais como os meninos daquela época. Jogávamos bola na rua, pegávamos frutas nos quintais das casas dos vizinhos, e muitas vezes, sem autorização do dono, tínhamos que pular o muro e sair correndo. A casa do meu avô materno ficava perto do cinema Cachambi que eu ia de vez em quando para assistir alguns filmes. Às vezes, lembro com saudades. Dava vontade de beber o leite na mamadeira, e aí, saia, bebia e voltava para o final do filme. Isso sem contar os vagalumes que pegávamos na rua e eram colocados em caixas de fósforos para ser soltos dentro do cinema. Era uma confusão enorme com os lanterninhas que ficavam loucos e tentavam a todo custo descobrir os autores daquilo (risos). Naquele tempo a pelada na rua era geral e foi dessa forma que passei a jogar. Morei na Rua Guaiaquil em Maria da Graça, e em frente a nossa casa tinha uma praça que era subida. Muitas peladas fizemos ali com jogadores lá em cima e outros embaixo. Era divertido. Eu já sobressaía jogando futebol apesar de ser sempre o menor deles. Dificilmente jogava com meninos da mesma idade. Sempre mais velhos. Até no gol do futebol de salão eu aprendi a agarrar, porque senão não deixavam jogar com os mais velhos. Tinha que ir para o gol e agarrar bem porque senão eles me tiravam. Aí comecei a jogar futebol de salão quando levado por um tio ao Magnatas. Fui aprovado no teste. Devia ter uns nove para dez anos. Meu pai não sabia, pois ele queria que eu fosse direto para o futebol de campo, e depois me deixou competir no Magnatas. Em seguida, mudamos para a Rua Arthur Menezes no Maracanã e ali as peladas foram intensas. Eu estudava e quando chegava em casa era para jogar bola na rua. Tabelinhas com o meio fio, com o muro da vizinhança, com as árvores e tudo mais. Só parávamos quando era carro ou senhoras passando. Fazia parte do crescimento da gente.
Antes de chegar no juvenil do Fluminense em 1965, o senhor jogou futebol de salão no Magnatas, no Associação Atlética Vila Isabel que tinha excelentes times sendo tricampeão brasileiro. Como foi essa época?
Mesmo jogando no Magnatas não deixávamos de ir assistir os jogos do A.A. Vila Isabel onde Gizo, Aécio, Celso e Serginho, meus ídolos, jogavam. Acabava o meu jogo do juvenil e saia correndo com meu pai para ver o primeiro time do Vila Isabel. Era maravilhoso. Em seguida, me transferi para o Vila Isabel, pois jogar lá era meu sonho. Fui campeão juvenil e ingressei no infanto juvenil do Fluminense com o ex-zagueiro e ídolo Pinheiro, em 1965.
O futebol de salão foi uma boa escola na sua vida de atleta e a convivência com os jogadores Aécio, Serginho, Adilson, Celso, Gizo, foi importante. Se Pelé foi o rei do campo podemos dizer que Serginho foi o rei do salão. É verdade que procurava imitá-lo?
Mas o Serginho, para mim, é o maior jogador da bola pesada de todos os tempos. Igual ao Pelé no campo. Num jogo decisivo, Vila Isabel x Imperial de Madureira, o Serginho chegou atrasado e o treinador Fatinho não colocou ele para iniciar o jogo. A torcida foi à loucura. Primeiro tempo terminou Imperial 2 a 0. A torcida queria matar o treinador. Começou o segundo tempo com o Serginho em campo. Resumindo, o Vila Isabel virou o jogo para 11 a 2. O Serginho fez tudo que sabia e o que não sabia. O melhor do mundo para mim. No futebol de salão aprendi muita coisa que depois apliquei no campo e foi importante na carreira. Noção de cobertura, marcação, passe certo, drible curto. Quem não tinha esses fundamentos não poderia ter êxito no futebol de salão. Isso tudo também era muito importante no campo. Já cheguei com isso desenvolvido. Infelizmente, não joguei junto com esses grandes jogadores do Vila, pois eram mais velhos, e quando ia estourar a idade no juvenil e passar a jogar com eles comecei a me dedicar ao futebol de campo. Profissionalizei-me no Bonsucesso e fiquei só no campo.
Como foi seu começo de carreira no Bonsucesso?
Saí do infanto juvenil do Fluminense porque meu pai mandou eu escolher entre o futebol de salão e o de campo. Para eu treinar no Fluminense, eu perdia duas aulas por dia no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, e isso atrapalhava meu desejo de ser engenheiro eletrônico. Terminado aquele ano de 1965, o meu pai me mandou escolher e eu, para poder estudar, escolhi o futebol de salão. Por quê? Me dava a condição de continuar estudando. No ano de 1965, passei de ano perdendo duas aulas por dia, fui campeão pelo time da minha sala no colégio, vice-campeão carioca pelo Fluminense e campeão pelo Vila Isabel. Achei que no ano seguinte, em 1966, se eu continuasse naquela batida eu não ia conseguir estudar. Lembro como se fosse hoje! Quando cheguei no carro depois do último treino do ano no Fluminense e meu pai perguntou se eu tinha decidido, falei que sim e que já tinha me despedido do professor Pinheiro e do Fluminense. Ele ficou uma fera e queria me dar uma surra dentro do carro. Mas ele queria que eu decidisse o que ele queria. Bati o pé. Não abri mão e parei de jogar no campo. Começou 1966 e eu estudava e jogava futebol de salão no Vila Isabel, até que um amigo, Marcos Malisia, me chamou para treinar no Bonsucesso. Como era julho e eu estava de férias, aceitei. Fui e o avisei que seria só durante as férias. Treinei, agradei e o treinador me pediu que ficasse. Expliquei a ele o o motivo pelo qual tinha saído do Fluminense e não seria lógico perder duas aulas por dia e ir jogar no Bonsucesso. Falei que só poderia treinar aos sábados. Dito e feito. Ele aceitou e passei a treinar aos sábados e jogar no domingo pela manhã. E fui indo até que fui pegando o gosto e passei a me dedicar mais ao campo. Aos 18 anos, decidi que não seria mais engenheiro eletrônico e que seguiria a carreira de jogador como meu pai vinha exigindo, e quando parasse, seria treinador. A cada dia me afastava mais do futebol de salão, até que em 1970, quase não fui ao Vila Isabel, mas recebi uma ligação pedindo que fosse jogar as últimas duas partidas decisivas contra o Astória do Rio Comprido. Ponderei que não tinha jogado nenhuma partida naquele ano e não seria legal eu chegar e jogar, enquanto, quem foi o ano inteiro ficaria no banco. Falaram que os próprios jogadores pediram que eu fosse. Fui com a condição de começar no banco e só entrar se houvesse muita necessidade. Entrei ainda no primeiro tempo e na primeira bola joguei um jogador deles, folgadinho, em cima da mesa do cronometrista. Foi tudo pelo chão. Sem violência (risos). Foi só com o que eu já tinha evoluído no campo. Atrasar um pouquinho na jogada e ir no corpo do adversário. Só isso. Ele levantou e veio de encontro a mim e eu peguei no gogó dele e falei que ali o negócio era outro. Não era mais só futebol de salão. Era campo também. Não lembro o resultado desse jogo, mas no segundo jogo na quadra do América, em Campos Sales, demos um sacode neles e fui campeão de aspirantes. Para minha surpresa, dias depois saiu uma convocação para disputar o Campeonato Nacional de futebol de salão, em Porto Alegre. Agradeci e disse que estava assinando contrato profissional com o Bonsucesso e seria registrado no dia seguinte. Ainda assim me pediram para ir na apresentação. Fui, treinei e tentaram me demover e ir para Porto Alegre. Não fui e encerrei a minha passagem pelo futebol de salão naquele momento.
Dentre os treinadores das categorias de base, qual foi o mais marcante?
Nas categorias de base o Pinheiro foi o primeiro com quem trabalhei. Excelente. Me ensinou muita coisa. Ele falava que não ensinaria jogar futebol, e sim, ser um jogador honrando a camisa do Fluminense e honrando o futebol com exemplos positivos. Muita informação para mim que carrego até hoje. Depois peguei o Alfredo Abrão no Bonsucesso. Lembro que quando o ponta ia na linha de fundo ele falava que, o pé na hora de bater na bola, tinha que ser igual a uma foice, ou seja, que a bola é que tinha que ir na cabeça do atacante e não o atacante correr atrás da bola. Teve também o major Murilo de Carvalho, ainda no Bonsucesso. Esse me deu o clique na hora certa. Três bolas que vieram para mim no treino devolvi com um passe certinho e ele deu falta contra nas três vezes. Quando perguntei o por quê, ele disse que eu estava fazendo o óbvio e que mais de três milhões de meninos faziam aquilo, e se eu quisesse ficar para sempre no Bonsucesso, que continuasse a fazer aquilo. Um puxão de orelha. Fiquei olhando para ele e ele finalizou: “Quando a bola estiver com seu amigo você já tem que saber quem está livre lá nas suas costas. Quando a bola chegar, você domina e vira o jogo sem olhar. Isso vai ser o diferente e vai fazer você sair do óbvio”. Ficou a lição para mim. Muita gente me pergunta qual foi o melhor treinador que tive. Respondo sempre a mesma coisa. Todos. E graças a Deus, recebi de todos os treinadores que passaram na minha vida as melhores instruções na hora que mais precisava. Isso é o que importa.
Certa vez você disse: “O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você”. Quem escolheu o José Mário de Almeida Barros para ser jogador de futebol?
E é verdade. O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você. Uma hora é o treinador, outra a diretoria, a imprensa, agora, tem o executivo e o torcedor. Se você escolhesse ser engenheiro ou médico, por exemplo, estaria nas suas mãos todo o período de estudo e depois o de trabalho. Jogador de futebol é muita gente dando opinião que acha que sabe. Como já citei, o meu pai foi quem me escolheu primeiro, mas depois enfrentei todos que citei acima. Não quero tocar no assunto, mas tive dirigente e jornalista querendo me prejudicar só porque tinha amigo na mesma posição que eu jogava.
Sua chegada ao Flamengo não foi difícil, mas se tornar titular foi um problema. Tanto que foi testado como lateral-direito e ponta-esquerda pelo treinador paraguaio Fleitas Solich (1900-1984). Acabou não aproveitado e ficou quatro meses treinando em separado com Tião Mendes, preparador físico. Bastou Zagallo assumir e você se tornar titular no meio-campo. Foi um dos piores momentos da carreira?
Cheguei com passe livre por falta de pagamento pelo Bonsucesso. A falta de pagamento foi só coincidência porque o problema foi com um dirigente. Um jogador chegando no Flamengo, vindo do Bonsucesso e com passe livre nas mãos não era fácil. Cheguei em outubro de 1971 e só assinei contrato em fevereiro de 1972. Eu soube depois que o Flávio Costa foi quem deu força para eu ir para o Flamengo. Muitas vezes cheguei na porta do Flamengo e pensei em voltar para casa e estudar. Ficava dentro do carro pensando se entrava ou não. Acabei entrando. Normalmente, ia treinar na pista com o Sebastião Mendes junto com vários jogadores que não estavam nos planos. Fui ficando. Um dia cheguei e o “Seu” Bria me disse que não poderia mais treinar por ordem da diretoria. Eu e alguns outros. Me mandou falar com o Aristóbulo Mesquita. Fui. Cheguei e o Aristóbulo falou que eu ia continuar treinando e me mandou falar com o Bria. Cheguei no Bria e ele disse que meu nome não estava na lista. A explicação do Aristóbulo foi que meu nome não constava na lista porque eu não tinha vínculo oficial com o Flamengo. Seu Bria me mandou voltar para o Aristóbulo, mas fui embora. Cheguei em casa e minha família no meio da rua preocupada porque o elevado Paulo de Frontin, no Rio Comprido, tinha desabado e era a hora que eu passava lá. Justamente passei poucos minutos antes de desabar. Nasci de novo. Não voltei mais no Flamengo até que o Aristóbulo pediu que voltasse e que o Bria já estava sabendo. Voltei e fiquei treinando na pista de novo. Joguei uns dois amistosos pelo Flamengo sem nenhum vínculo. Terminou o ano e falei para o Aristóbulo que não iria mais. De novo conversou comigo e disse que o treinador seria o Zagallo e que ele iria resolver. Primeiro treino coletivo fiquei o tempo todo sentado à beira do campo e não treinei. Era uma segunda-feira e tinha jogo na quarta. Terminado o treino me dirigi ao Zagallo e perguntei se tinha terminado. Ele falou que sim, mas pediu que eu fosse dar uns chutes a gol para o goleiro. Agradeci e disse que ia embora e expliquei a minha situação e que voltaria a estudar. Ele ponderou que tinha um jogo, mas que na quinta-feira faria um coletivo contra os juniores e me daria uma resposta definitiva. Aceitei e fui dar uns chutes desgostosos para o goleiro. Na quinta-feira entrei no coletivo e fiz três gols. Acabou e ninguém me deu papo. Fui embora e fiquei, de novo, na dúvida se voltaria ou não no dia seguinte. Voltei pensando em ficar até sábado. Cheguei em clima de despedida. Seria o meu último treino. Já ia trocando de roupa quando o Aristóbulo chegou e perguntou se eu tinha dinheiro no bolso. Respondi que sim e ele me mandou comprar pasta e escova de dentes para ir para a concentração convocado pelo Zagallo. Isso me animou. Saí para comprar tudo e falei que precisava de roupa para dormir e o Aristóbulo disse que o Flamengo me daria uniforme para a concentração e um calção para dormir. Aí começou a minha virada. O jogo era contra o Santos de Pelé. Joguei uns 20 minutos e ia fazendo um gol. O goleiro era um argentino chamado Augustín Cejas (campeão paulista em 1973). Ele pulou nas minhas pernas e me derrubou. O juiz não deu pênalti. Coisas da vida. Na terça-feira, fui para Salvador, e em cima da hora do jogo, o Arílson passou mal e o Zagallo me colocou no meio campo e deslocou o Paulo Cezar Caju para a ponta-esquerda, fato que o deixou contrariado. Fui o melhor em campo e ficou acertado que o Flamengo compraria o meu passe. Assim foi o meu começo no Flamengo. Muita coisa eu omiti para preservar nomes e pessoas.
Já titular do Flamengo onde jogou de 1971 a 1974, o senhor ganhou títulos e viu subir ao time profissional craques com Júnior e Zico, expoentes da geração mais vitoriosa do clube. Dá para dimensionar essa sensação?
Em 1972, disputei o Torneio de Verão, o Torneio do Povo, a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e o Brasileiro, este inclusive foi o único campeonato que não conquistamos. No mesmo ano, em outubro ou novembro, machuquei o joelho esquerdo e tive que operá-lo. Só voltei no segundo semestre de 1973, quando o Flamengo já havia conquistado a Taça Guanabara, e no ano seguinte, vários jogadores foram lançados como Cantareli, Jaime, Júnior e Zico. Eles deram sorte que os mais experientes estavam há muito tempo no Flamengo e deram todo o apoio necessário que precisavam. Até hoje quando encontro o Júnior, ele agradece por esse apoio que demos quando estava subindo. Já o Zico vinha jogando no time de cima sempre que surgia oportunidade. É muito legal quando você vê jovens subindo e tendo êxito. Vale frisar que esses jogadores, além de jogarem bem, eram responsáveis, tinham qualidades técnicas e objetivos para seguirem em frente. Isso foi o mais importante para eles, e nós, demos apenas o apoio com a nossa experiência.
Qual momento da carreira você achou que poderia ser convocado para a seleção brasileira, já que a convocação nunca saiu mesmo jogando em clubes como Flamengo, Fluminense e Vasco, onde sagrou-se quatro vezes campeão na década de 1970 entre 1972 e 1977 havendo neste período a Copa do Mundo de 1974?
Eu estava na lista do Zagallo para a Copa da Alemanha em 1974. A seleção ia fazer uma excursão e eu fui avisado que estaria nesse relação de convocados. Infelizmente machuquei o joelho e arranquei os dois meniscos. Naquele tempo era assim. Hoje tira só a parte afetada e o jogador volta a jogar em 30 dias ou menos. Mas lembro que fiquei 6 meses parado e isso acabou me atrapalhando um pouco. Naquela época quando se ficava parado por contusão, aparecia vários outros jogadores do mesmo nível ou melhor do que você. E foi assim que aconteceu comigo.
Como foi ser uma peça da engrenagem da Máquina Tricolor?
Saí do Flamengo porque o presidente disse que eu era mentiroso. Respondi que não jogava mais no clube e fui embora. O George Helal fez de tudo para eu ficar, mas não aceitei. Quando já estava treinando no Fluminense, o presidente do Flamengo pediu ao George Helal para me fazer uma proposta igualando o que eu estava ganhando no Fluminense e eu aceitei. Lembro, perfeitamente, como se fosse hoje. Helal pedindo para eu dar a palavra que eu voltaria ao Flamengo, já que o Fluminense ainda não havia pago. Falei que ele tinha que pedir permissão ao Francisco Horta para eu voltar à Gávea. Falaram com o Horta e ele disse que responderia mais tarde depois de se reunir com a diretoria do Fluminense. Antes de fechar a Federação Carioca, o Fluminense depositou o dinheiro do meu passe e eu fui para a Máquina Tricolor. Dessa vez, mais uma vez jogando no meio de craques do mundo do futebol. Não dá para explicar a sensação de jogar com aqueles jogadores. Aquela equipe era tão boa, mas tão boa, que era só jogar as camisas para o alto no vestiário e sair. Quem entrasse daria conta do recado facilmente. Jogar com Rivellino era a realização de um sonho, já que eu havia jogado com o Paulo Cezar Caju e Zico. Meu Deus, mas jogar com o Rivellino era muita emoção! A nível de curiosidade, há uns meses escrevi uma mensagem para o Rivellino no Whatsapp e ele me respondeu em áudio. Quando ouvi a voz dele não me contive e chorei muito. Mandei mensagem para ele que estava emocionado também. Foram momentos maravilhosos jogando e de amizade que fiz com ele na Máquina Tricolor. Minha saída do Fluminense foi por motivos estranhos, pois joguei umas 70 partidas pelo clube como titular em 1975.
“Quero o Zé Mário aqui”, disse o treinador Paulo Emílio (1936-2016), contratado pelo Vasco. Qual a importância do saudoso treinador na sua carreira?
O professor Paulo Emílio foi importante na minha carreira porque acreditava em mim dentro e fora o campo. Ele sabia que podia contar comigo para cobrar dos meus companheiros. Sempre confiou em mim e eu sempre correspondi. O Paulo Emílio não foi só meu treinador, foi além, era um amigo. Nossas famílias se davam. Ele era muito legal.
Sua chegada ao Vasco foi em algum troca-troca promovido por Francisco Horta?
Em 1976, o Didi era o treinador e me chamou num canto e disse que eu seria lateral-direito a partir daquele dia. Fui para casa, raciocinei, pensei nos pontas habilidosos e rápidos que iria marcar e me neguei. Procurei ele e falei que ficaria na reserva tranquilamente, mas de meio-campo. Ele disse que eu só ficaria nas Laranjeiras se fosse para ser lateral-direito. Me neguei e falei que sairia. O presidente Francisco Horta me procurou e queria aumentar o salário para eu ficar. Respondi que não seria bom nem para mim nem para o clube porque se o Didi me mandasse treinar de lateral-direito eu não iria. Se durante um jogo ele me pedisse para ir de goleiro eu até iria, mas me fixar na lateral, não. Nesse impasse surgiu o troca-troca e o Francisco Horta me incluiu em um troca-troca com o Vasco. Eu, Abel e Marco Antônio fomos para o Vasco e Miguel e Luiz Carlos vieram para o Fluminense.
Por várias vezes o senhor e o zagueiro Orlando Lelé (1949-1999), quase se agrediram. Mas sempre se desculpavam e se abraçavam. Como era sua convivência com ele? Tem alguma história para nos contar?
A primeira partida do Orlando no Vasco foi num amistoso em Londrina. O ponta-esquerda deles se chamava Caldeira, driblador e muito rápido. Toda bola o Orlando queria apoiar e eu tinha que cobrí-lo. Reclamei e ele respondeu que era a minha obrigação cobrir. Retruquei que eu estava jogando praticamente de lateral-direito e essa não era a minha posição. Ele respondeu para eu me virar e argumentei que eu era meio-campo e ninguém da defesa podia jogar na minha frente. Se isso acontecesse eu estaria atrasado. E passei a fazer isso. Cada vez que ele avançava, eu também ia e passava à frente dele e com isso o Abel era que tinha que sair da posição dele. Aí fomos para o vestiário e o treinador Paulo Emilio tentou acalmar os ânimos. Eu continuei dizendo que não era lateral. Nem lembro como terminou essa briga, mas fora do campo éramos amigos e saíamos juntos com nossas famílias. Várias vezes brigamos dentro de campo e no vestiário, mas ficava restrita aos jogos e não era pessoal. Mas o Vasco era uma família e existia muita amizade, carinho e respeito entre a gente.
Quando saiu do Vasco e foi jogar na Portuguesa de Desportos, teve um acontecimento que mudou sua vida envolvendo o uruguaio Daniel Gonzalez (1954-1985). Pode nos contar?
Claro! Quando cheguei na Portuguesa, o Daniel estava de férias. Lembro que eu estava procurando apartamento para morar e, um certo dia, acabou o treino e eu fui encontrar o motorista do clube na Administração para ver um apartamento para morar. O Daniel Gonzalez estava lá. Fomos apresentados e ele me perguntou onde eu iria morar e onde eu estava morando. Falei que estava procurando apartamento e estava com minha mulher num hotel no Centro. Ele falou que ia me levar em um lugar para procurar uma moradia. Chegando na hotel onde a gente estava hospedado, ele estacionou o carro e disse que iria subir. Eu falei que a minha esposa estava no quarto e ele insistiu mesmo assim. Liguei pelo interfone avisando que ia subir com o Daniel e subimos. Chegando lá, ele entrou, cumprimentou a minha esposa e foi pegando nossas coisas e jogando nas malas. Perguntei se ele estava maluco, que eu não o conhecia e nem ele a mim. Ele continuou a jogar minhas coisas dentro da mala e dizia que eu iria para a casa dele. Não entendi nada mas fui. Ao chegar em sua casa conheci a esposa dele, chamada Mabel, que assim como eu e minha esposa, não estava entendendo nada. Fomos nos conhecendo e nós tornamos amigos até a sua morte. Ele está no céu, mas a minha família e a dele se tornaram amigas a ponto de trocar mensagens pelo Whatsapp, e inclusive, conheci o neto dele de nove anos que tem tudo para ser craque como o avô foi. Mas assim é a vida. Um uruguaio que saiu lá de Montevidéu e se encontrou com um carioca recém chegado em São Paulo. Até hoje penso nele e de vez em quando me pego chorando.
Quem foi o melhor companheiro de volância no meio de campo?
O meu melhor companheiro foi o Liminha e nos entendíamos muito bem. Dormimos no mesmo quarto na concentração do Flamengo e nas viagens. Éramos amigos de frequentar a casa um do outro.
A paixão pelo futebol o fez apostar na carreira de técnico. No mesmo ano de sua despedida, em 1982, foi o Botafogo, justamente único time grande do Rio em que o senhor não jogou que lhe deu sua primeira oportunidade. Se decepcionou com Flamengo, Fluminense e Vasco, em virtude disso?
Não me decepcionei com os times que tinha jogado porque na minha cabeça já estava definido que os times em que joguei não me interessavam trabalhar. Depois revi essa decisão, mas ninguém me chamou. Mais tarde um pouco vi o Zanatta dirigindo o Vasco e fui ao Maracanã assistir ao jogo. O Vasco perdeu e a torcida entoou o burro para o Zanata. Estava com o meu pai e chorei copiosamente. Decepção. Um ex-jogador do Vasco, ídolo, ser desmoralizado por uma torcida. Na mesma hora voltei a pensar em nunca trabalhar num time em que eu joguei. Foi melhor assim.
Em 1988, veio a primeira chance de comandar um clube árabe e o senhor acertou por três anos com o Al-Ain e ficou bastante conhecido por lá. Como foi isso?
Fui convidado, primeiro, pelo preparador físico Carlos Alberto Lancetta e depois pelo treinador Jorge Vieira para dirigir a Seleção do Iraque, sub-23, que foi jogar a Copa do Golfo. A seleção principal estava se preparando para a Copa do Mundo, e o presidente da Federação Iraquiana de Futebol, Uday Saddam Hussein, era o filho mais velho de Saddam Hussein. Mas foram por apenas três meses. Foi uma loucura. Lembro que chamei ele de idiota e imbecil dentro de Bagdá. Era só ele levantar a mão e me fuzilar, mas graças a Deus, consegui sair ileso dessa. Fui para o Al-Ain também por indicação do Carlos Alberto Lancetta e fiquei dois anos por lá. Estava entendiado com tanta terra. O Al-Ain ainda não era a potência que é agora. Ainda assim ganhamos a Copa da Federação. Foi muito bom trabalhar por lá porque senti que ajudei muito o futebol daquele país.
Como foi ser campeão dez anos depois, treinando o Kashima Antlers, e ter reencontrado o amigo Zico?
Eu estava na seleção do Qatar quando o Zico me ligou. Queria que eu assumisse o Kashima porque o treinador tinha saído e ele estava na França com a Seleção Brasileira. Falei que não podia largar a seleção do Qatar e ai ele falou. Você é meu amigo ou não? Respondi: Quando eu viajo? E fui (risos). Zico é um caso à parte na minha vida e não gosto nem de falar. Mas há pouco tempo fiz uma declaração de amor para ele, no bom sentido, é claro! O Kashima não estava bem na tabela e começamos a trabalhar. Fomos ganhando, ganhando, ganhando, e fomos campeões. Não sei agora, mas até bem pouco tempo, eu era o recordista de vitorias seguidas da J-League. Além de Zico tínhamos o Jorginho, atualmente treinador, o Bismarck e o Mazinho que jogou no Bragantino e Flamengo. Foi uma experiência magnífica trabalhar no Japão. Eles não são desse planeta. Tudo é perfeito, e às vezes, até é perfeito demais.
Você escreveu um livro sobre futebol, não é mesmo?
Resolvi escrever um livro sobre o que sentia sobre o futebol brasileiro daquela época, em 1991. O título ‘Porque Foi, Porque Não É Mais’. Fui escrevendo críticas para todos os segmentos desse esporte apaixonante chamado futebol. Jogadores, treinadores, torcedores, dirigentes de clubes, da CBF e imprensa. Contei tudo que eu sabia e o que estava acontecendo no mundo esportivo. Os seus colegas da imprensa não aceitaram a crítica e me detonaram. Coloquei uma foto de um campo de futebol cheio de tanques de guerra correspondendo aos dirigentes da CBF e por aí adiante. Hoje, o livro só não está atualizado no Dopping que evoluiu bastante. Sobre as críticas eu absorvi bem na medida do possível, mas afetou minha família e tomei a decisão de comprar o restante dos livros da editora com o dinheiro que tinha. Tenho até alguns exemplares aqui comigo. Mas o livro foi um presságio do que está acontecendo hoje com o nosso futebol.
Como surgiu essa história de ser chamado pelo nome do ator americano Dustin Hoffman?
O apelido de Dustin Hoffman foi do Paulo Cezar Caju. Desde que ele chegou no Flamengo ele me chamou e me chama até hoje assim. Um dia fui ao cinema num filme do Dustin e estava na sala de espera e todo mundo me observava e olhava para o cartaz com foto dele. Certa vez, estava num shopping, em Dubai, e o cara da loja me seguindo Eu já estava grilado. Cheguei perto dele para perguntar porque ele estava me seguindo, mas ele se antecipou e perguntou se eu era o Dustin Hoffman. Sempre falo que a única diferença é a conta bancária (risos).
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social?
Nem fale. Foi o pior para mim. Tive Covid-19 e fiquei internado três dias num quarto do hospital. Nunca pensei em morrer. O que senti mais foi o mal estar de estar sozinho. Medo de passar para os outros. Todos na minha casa tiveram. Até o meu neto de 2 anos. Só a minha sogra de 88 anos não teve ou foi assintomática e ela estava junto com a gente. Agora é que estou melhorando.
Como definiria Zé Mário em uma única palavra?
Prefiro que os outros me definam.
O GATO FÉLIX
por Zé Roberto Padilha
Não tinha treinador de goleiros. Essa profissão surgiu após a Copa de 1974, porque em 70, quem reinava no gol eram autodidatas.
Em outras vidas, trabalharam em circos, tal a plasticidade dos movimentos. Ou foram gatos, de tanta impulsão e elasticidade.
Felix, tricampeão mundial, acabava o treino e pedia para nós chutarmos bolas para ele em uma caixa de areia do atletismo. Ficava igual bife à milanesa de tanto saltar pra lá e pra cá.
Saídas do gol? Era puro instinto. Carlesso, o precursor no treinamento dirigido aos goleiros, surgiu do Leão pra frente. Chegou ao Taffarel e, hoje, tem um exclusivo para eles.
Que saudades, Papel, vi defesas como essas de perto, voos tão lindos como as lembranças que deixou em todos nós, tricolores e tricampeões do mundo.
Obrigado por tudo
O HOMEM DA PRANCHETA
por Valdir Appel
Joel deixou para trás os carrinhos de rolimã, as pipas, as bolas de meia e o juvenil do Olaria, da Rua Bariri. Mudou-se pra Tijuca, como os pais e a irmã, e foi contratado pelo Vasco. Não levou muito tempo pra se adaptar em São Januário. Foi logo botando as manguinhas de fora, impondo-se aos garotos do juvenil, assumindo a faixa de capitão e o comando do time do seu Célio de Souza em campo. Chegou prematuramente aos aspirantes e foi logo colocando faixa de campeão em cima do Flamengo, em 1967.
No ano seguinte, o Vasco contratou Paulo Baltar, preparador físico, para ser auxiliar do técnico Paulinho de Almeida. Baltar introduziu inúmeras inovações nas atividades físicas dos jogadores, até então acostumados apenas aos exercícios calistênicos e corridas de curta e longa duração.
Primeiro trouxe com ele Hélio Viggio, professor de jiu-jitsu, que tentou nos ensinar alguma coisa de defesa pessoal e de como cair sem se machucar. Baltar gostava também de encerrar os treinos com uma série de exercícios abdominais. Munido de um porrete, circulava em volta dos jogadores. Ordenava que cada um deitasse, encolhesse as pernas e retesasse a barriga, depois desferia algumas porradas nos músculos abdominais da rapaziada.
Até hoje não sei dizer se os músculos enrijeciam por causa dos exercícios ou pela visão do objeto de tortura.
Sua suprema criação foi a introdução do bambolê nas atividades.
Amanheceu na Colina, distribuindo pelo gramado vários bambolês, formando figuras que proporcionavam aos atletas a execução dos mais variados exercícios.
Jogo da velha, correr em ziguezague, saltitar com os dois pés, um pé de cada vez…
No fim dos treinamentos, a diversão era garantida com a tentativa de cada jogador fazer o brinquedo girar em volta da cintura.
Nei, cintura de pilão, rebolava feito sambista da Mangueira e não deixava a peteca cair, digo, o bambolê.
Buglê e Moacir ficavam na deles, como bons mineiros: nem tentavam.
Adilson, pernambucano macho, dizia que aquilo não era brinquedo de homem.
Brito, tão duro como sua finesse, só enxergava o artefato no chão, como Joel, que arremessava o arco para cima e com força, sem, contudo, fazê-lo girar em volta dos duros quadris. O brinquedo beijava os seus pés antes do primeiro giro.
Esta prática não deu ao Joel mais mobilidade e traquejo, mas garantiu-lhe instantaneamente o apelido de Vassoura. Apelido este que seria reforçado, com o passar do tempo, por ser comprido, magro, e ter andar empertigado feito o Brito, de quem ainda herdou o hábito de fazer cara feia, dar esporro e meter o cacete em quem se aventurasse pela sua área. Não aliviava nos treinos e muito menos nos jogos. A diferença entre eles, é lógico, era a alta capacidade técnica do zagueiro Brito, que se notabilizaria pouco depois no México, onde sagrou-se tricampeão mundial pelo Brasil e foi eleito o jogador de melhor preparo físico da competição.
Fora de campo, Joel era um dedicado estudante, abstêmio, gostava de samba, de namorar e de automóveis. Com seu primeiro carro, um fusca azul, costumava fazer perigosas curvas nas imediações do Maracanã, fazendo pose de Emerson Fittipaldi ao som das músicas do Tim Maia. Autodenominava-se Joel Gogô, sem explicar porque, referência, talvez, ao som contagiante que tomou conta das rádios e boates do Brasil nos anos 1960. O embalo de Johnny Rivers at the Whiskey a Go Go precedia a febre que os Bee Gees e Os Embalos de Sábado à Noite causariam nas discotecas, praticamente 10 anos depois, pelo mundo afora.
Joel, com seu estilo viril, foi campeão carioca pelo Vasco em 1970 e brasileiro em 1974. Seu último clube foi o América, de Natal, onde conquistou alguns títulos potiguares antes de encerrar a carreira como jogador, formar-se em Educação Física e tornar-se um técnico de prestígio.
Passou a ser conhecido como O Rei do Rio após a conquista do seu quinto título carioca, como técnico.
O HOMEM DE BOA VISTA
por Luis Filipe Chateaubriand
Quando se pensa na quinta força do futebol do Estado do Rio de Janeiro, não estamos nos referindo ao América, nem ao Bangu, nem ao Americano, nem ao Goytacaz, nem ao Volta Redonda.
Nos referimos ao Boavista de Saquarema, clube que ascendeu de forma notável na última década.
E, por trás do sucesso do Boavista, desponta a figura de João Paulo Magalhães Lins.
Membro de uma família milionária, mas absolutamente discreta, JP também se vale da discrição ao gerir o Boavista.
Outro traço da personalidade de JP é o espírito empreendedor – a inovação como diretriz da gestão.
E mais um predicado de JP é a valorização do profissionalismo – cerca-se de profissionais gabaritados para assisti-lo.
E, assim, com visão aguçada, JP faz do Boavista um clube de menor investimento que ruma para ser um clube de maior investimento.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
TIRA O TIME DE NOVO!
por Wilker Bento
O que mais gostava de fazer na infância e adolescência era jogar futebol. Minha igreja tinha uma quadra onde os meninos se reuniam às segundas ou quintas-feiras por volta das 18h para a brincadeira. Num dia bom, mais de trinta garotos apareciam, o que dava para formar seis times.
Como nem todos conseguiam aparecer na hora marcada, os times eram escolhidos assim que havia um número suficiente de jogadores. Aos poucos, os atrasados chegavam da escola ou do trabalho e formavam times na espera. O problema era que poderia acontecer daqueles considerados melhores aparecerem juntos ao mesmo tempo, formando um time mais forte que os outros. Essa equipe com garotos mais velhos e habilidosos nunca mais perdia uma partida e a brincadeira ficava sem graça. Assim que isso era observado, alguém gritava “tira o time de novo!” e todos concordavam em reorganizar os times, com os melhores jogadores sendo distribuidos igualmente entre as equipes e a brincadeira continuava até as 21h, quando fazíamos uma roda de oração e íamos para casa.
O futebol profissional passa por uma fase parecida na atualidade, onde parece ser necessário “tirar o time de novo” para não perder gradualmente seu interesse. Reflexo da desigualdade social que atinge o planeta, o futebol está cada vez mais desequilibrado e sem graça. Na Itália, que já teve o melhor campeonato do mundo nos anos 1980 e 1990, quando times como Napoli, Hellas Verona e Udinese conseguiam disputar títulos e contratar grandes craques, a Juventus foi campeã por nove anos consecutivos sem muito esforço, e só agora vai dando sinais de desgaste. Na Espanha, onde clubes do porte de La Coruña, Valência e Bétis já conseguiram bater de frente com a dupla Real e Barça, os dois gigantes dominam, dando espaço para o Atlético de Madrid conseguir alguma coisa de vez em quando. Na França, as hegemonias são uma tradição, com o Lyon ganhando tudo nos anos 2000 e o PSG dominando atualmente. E a situação é ainda mais grave na Alemanha, onde o Bayern é o clube mais forte há décadas, mas atingiu níveis absurdos recentemente, vencendo onze Bundesligas nos últimos quinze anos. O Gigante da Baviera tem mais que o triplo de títulos do segundo maior campeão, Nürnberg.
Os maiores clubes europeus já reconhecem a perda de valor das ligas nacionais e a chatice que elas se tornaram, mas ao invés de pensarem num jeito de fortalecer as equipes menores, a ideia da moda é a Superliga Europeia, com times definidos a partir de uma panelinha e protegidos do rebaixamento. Uma competição que enfraqueceria ainda mais os clubes médios e pequenos do continente e logo se tornaria igualmente monótona, com apenas a “nata da nata” brigando pelo título.
No Brasil, a situação não é muito diferente. Embora o critério para a divisão das cotas de TV tenha melhorado nos últimos anos, com o modelo 40-30-30 e o fim da “cláusula paraquedas” para os clubes grandes que são rebaixados, eles ainda recebem muito mais que as equipes restantes. Times que mereciam mais dinheiro e atenção da mídia nos últimos anos, como Athletico Paranaense, Chapecoense e Fortaleza, ainda penam para conquistar espaço. Não é raro que equipes caiam no ano seguinte ao acesso à Série A por não conseguirem bater de frente com os já estabelecidos na elite. E a situação é ainda mais grave nos estaduais, com clubes tradicionais do subúrbio e do interior relegados ao esquecimento na maior parte do ano. Um modelo insustentável.
Sim, é utopia pensar em igualdade total. Obviamente, times com maior torcida e desempenho histórico terão mais chances que os outros. Mas é preciso garantir que os clubes menores também tenham chance de crescer. Os norte-americanos já entenderam isso há muito tempo, ao fazerem da competição mais justa o seu negócio. Embora as suas ligas de basquete, hóquei e futebol americano também tenham seus bichos-papões, a distribuição de recursos é mais igualitária, o que possibilita que o troféu saia mais vezes das mãos de franquias dominantes. Há também o sistema de draft, onde as piores equipes têm preferência na contratação de jovens talentos, equilibrando o jogo a longo prazo. E mesmo na liga de beisebol, considerada a mais desigual entre as quatro, há um equilíbrio maior que no futebol atual – o último tricampeonato da World Series ocorreu em 2000. Ironicamente, o centro do capitalismo segue um modelo “socialista” em seus esportes…
Afinal, de que adianta termos os melhores jogadores do mundo concentrados num só lugar? Qual a graça de assistir um campeonato onde já se sabe de antemão quem ficará com a taça? Hoje a tecnologia proporciona chuteiras modernas, gramados impermeáveis, atletas desenvolvidos em plena forma, mas ainda assim os torneios em sua maioria são entediantes. Prefiro assistir um campeonato de bairro equilibrado que uma competição que envolva a elite do esporte bretão mas o mesmo time ganhe todos os anos.
Que os responsáveis pelo futebol mundial abram os olhos e não destruam esse esporte tão amado por conta de uma visão limitada ao dinheiro. Por serem tão gananciosos, podem acabar matando a própria galinha dos ovos de ouro. Por isso, fica o apelo: TIRA O TIME DE NOVO!