PELOTICÍDIO
por Rubens Lemos
Izabel nem percebeu minha tensão explícita. Dentro de casa e impaciente por um motivo a mais: o pânico de, na seleção brasileira de todos os tempos da Revista Placar, constar o nome do lateral-direito Cafu, que disputou três Copas do Mundo, foi o capitão de 2002 sem apresentar nada que o fizesse diferenciado.
Cafu marcava bem, era voluntarioso, não tremia, apoiava com timidez e cruzava de tornozelo, bola saindo pela linha de fundo antes de chegar à área para o confronto entre artilheiros e beques.
O currículo vitorioso não dá camisa a ninguém quando é para se escalar os melhores, sejam eles em qualquer posição. Anderson Polga, Paulo Sérgio, Baldochi e Dadá Maravilha nada jogaram e foram campeões em Copas.
Cafu perde para pelo menos oito laterais na minha avaliação: Leandro (sobrenatural), Carlos Alberto Torres (modelo de capitão), Djalma Santos (melhor lateral-direito de 1958 tendo jogado apenas a final), Nelinho do Cruzeiro e do Galo, canhão de Minas Gerais, Jorginho do Tetra, Mazinho, que era surreal nas laterais e na meia-cancha e Paulo Roberto, do Grêmio campeão mundial e do Vasco melhor do Vasco: nos anos 1980.
Quase omitia Luiz Carlos Winck, do Inter e do Vasco, seleção profissional e olímpica. Ou seja, oito antes de uma vaga que, nem tenho tanta certeza, seria de Cafu, afinal ainda tivemos Toninho Baiano do Flamengo e Zé Maria, tricampeão mundial em 1970 na reserva de Carlos Alberto e um dos ídolos eternos do Corinthians.
O anarquista Josimar, saltimbanco da Copa de 1986, De Sordi de 1958 e Edevaldo, o Cavalo, reserva de 1982, força e velocidade, características de Cafu. Cruzava divinamente.
Bicampeão mundial de clubes, Cafu foi invenção de meia marcador de Telê Santana e foi descendo até a defesa por falta de talento para ocupar posições que foram de Raí, Palhinha, Juninho Paulista e do bonitinho Leonardo. Foi ficando na lateral-direita e impressionou Zagallo e Parreira pelo empenho, no vigor, na ausência total do medo. Mas melhor de todos os tempos, Não.
Enfim, saiu a lista oficial elaborada por 170 jornalistas escolhidas pela Revista Placar. Tomei um remédio para pressão. De felicidade. Os escolhidos foram Taffarel; Carlos Alberto Torres, Bellini, Aldair e Nilton Santos; Falcão, Didi e Pelé; Garrincha, Ronaldo e Romário. Um aumentativo de time, sensacional.
Com Zagallo de treinador eleito, mandando-os recuar e sendo desobedecido sem puderes: “Cala a boca, mala, deixa a gente fazer o que sabe!”, Romário gritaria sem o menor constrangimento.
Constrangimento, aliás, é um termo que as escolas da Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro e berço do Baixinho, jamais pronunciaram nas aulas dele, que deveria ser o maior gazeteiro do seu tempo.
A seleção é espetacular e ganharia de qualquer esquadrão mundial. Mesmo Cafu na reserva. Ruim a ausência de Leandro. No meu time dos sonhos, com direito a reservas, escalo Taffarel; Leandro, Carlos Alberto Torres, Aldair e Nilton Santos; Gerson, Didi, Pelé e Zico; Garrincha e Romário.
Os reservas seriam Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Orlando e Marinho Chagas; Falcão, Sócrates, Rivelino e Rivaldo; Ronaldinho Gaúcho e Tostão. Não protesto contra a Placar a não ser pela falta de Zico.
Quem viu Zico jogar, canta-o em oração ou o descreve em homilia pelos altares do velho Maracanã das gerais. Zico perdeu Copas, problema delas. É o maior brasileiro com a bola da história dos campeonatos brasileiros, ganhou um Mundial e é um dominador impecável de cada fundamento do futebol.
Pior será a chegada na lista de Casemiro, Fernandinho e Douglas Costa, quando nós formos caquéticos e os meninões de hoje resolverem escolher.
Tempo conspirando contra luminares: Leônidas da Silva, Zizinho, Danilo Alvim, Ademir Menezes. Julinho Botelho. Ademir da Guia, Dirceu Lopes. Perdendo para Roberto Firmino. Que o século dos modernos demore 200 anos. A bola se recusaria a maus tratos. Reagiria, furor feminino, ao peloticídio.
Bom
Maycon Douglas é um finalizador. Quem me agradou no ABC foi Marcos Antônio, camisa 10 com bossa e passes certeiros.
Comparando
Sem gracejo: o Vasco não mostrou mais do que o ABC na estreia.
Wallyson no América
O América do Rio de Janeiro sondou Wallyson. Não deu certo.
Mataram o filme
Tanta expectativa e o filme sobre Pelé na Netflix é ruim. Enredaram o Rei numa teia ideológica onde até a ex-governadora incompetente Benedita da Silva(RJ) aparece a dizer bobagens.
Gols
Golaços e um encontro com remanescentes do Santos evitam a nota zero da produção mais militante do que biográfica.
Juca e Trajano
Juca Kfouri e José Trajano, há anos deixaram o jornalismo para exercer raivoso discurso de esquerda. Parece uma lei em que filme sobre futebol tem que ter os dois, saudosos das verbas do Governo Federal.
Outro fracasso
O documentário se nivela em mediocridade a Isto É Pelé, de 1974, este sob tutela da repressão, do Brasil Grande na mensagem e torturante na vida real.
Pelé Eterno
De Aníbal Massaini, é o filme antológico do Rei.
COMBINADO QUE DEU CALDO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
O esquadrão que vestiu o uniforme do Vitória: Andrada, Carlos Alberto Torres, pintinho, Joãozinho, altivo e Rodrigues Neto. Em baixo, Osni, Rivelino, PC Caju, Fischer e Dirceu ./Reprodução
Ronaldo Fenômeno ou Romário? Figueiroa ou Reyes? Leandro ou Carlos Alberto Torres? Vivo fugindo desses desafios, na verdade nessas tentativas de provocações. Mas o que seria das resenhas se não fossem essas brincadeiras. Ontem, por exemplo, estava trocando ideias com Dr. Rômulo, rubro-negro, a cruzeirense Maria Celinha, conselheira do Juventus, da Mooca, quando recebi pelo zap uma foto, de 1976, de um combinado montado entre Fluminense e Vitória para jogar um amistoso contra uma seleção estrangeira. Vencemos por 3×1. Abri o link, rimos juntos e, claro, surgiu o inevitável questionamento: PC, esse combinado é melhor que a seleção do Brasileirão 2020?
Não lembrava dos eleitos, conferi e apostaria todas as fichas no combinado. O grupo atual é Weverton, Fagner, Cuesta, Gustavo Goméz, Guilherme Arana, Edenílson, Gerson, Claudinho, Vina, Gabigol e Marinho. O combinado era Andrada, Carlos Alberto Torres, Joãozinho, Altivo e Rodrigues Neto, Carlos Alberto Pintinho, Rivellino e Dirceuzinho, Osni, Fischer e eu. Olha, um timaço! Podem chamar de nostalgia, do que for, mas essa foto retrata, de forma incontestável, como o nível do futebol vem despencando ao longo dos anos. Nessa época, a nossa querida Revista Placar montava até três seleções se quisesse.
E é bom deixar claro que no combinado foram escalados jogadores de apenas dois times, sendo um do Nordeste. O Osni, baixinho daquele jeito, seria barrado em todas as peneiras de hoje. Era um excepcional atacante! Não vou comparar jogador por jogador porque não tínhamos posições fixas. Por exemplo, eu, Rivellino e Dirceuzinho podíamos jogar tanto na ponta-esquerda quanto no meio. Imagine esse jogo no campo antigo, com as dimensões maiores!! Os velocistas iam cansar rápido, hein! Mas deixa para lá….me despedi dos amigos, entrei no Uber e abri a foto novamente.
Estava totalmente mergulhado no túnel do tempo quando fui despertado pelo motorista, que me reconheceu: PC, desculpa incomodar, mas no seu time joga Gabigol ou Cláudio Adão? E a resenha continuou, afinal ela é o combustível do torcedor. Para fechar, os estaduais começaram e já ouvi uma pérola do comentarista: “o São Paulo é um time horizontal que tem um estilo de jogo vertical”. Como explicar?
O PAPEL DOS ESTADUAIS NO SÉCULO XXI
por Wilker Bento
Morumbi, 13 de outubro de 1977. O Corinthians vence a Ponte Preta por 1×0, gol de Basílio, e conquista o título paulista após 23 anos de espera.
Maracanã, 22 de junho de 1988. Vasco e Flamengo decidem o título carioca. Cocada entra aos 41 minutos do segundo tempo, marca o gol da vitória aos 44 e é expulso em seguida. O Vasco vence por 1×0 e é bicampeão.
Morumbi, 12 de junho de 1993. Palmeiras vence o Corinthians na prorrogação, com gol de pênalti de Evair, e encerra o jejum de 17 anos no Campeonato Paulista.
Maracanã, 25 de junho de 1995. No Fla-Flu valendo o título estadual, Renato Gaúcho desvia com a barriga o chute de Aílton e o tricolor vence por 3×2, conquistando o Campeonato Carioca no ano do centenário do rival.
Os relatos acima contam histórias sobre títulos estaduais marcantes para os clubes envolvidos. Decisões com estádios lotados, desfechos emocionantes e espaço especial no coração do torcedor. Mas há um outro elemento em comum: todas essas finais ocorreram no século XX. Não conseguiremos lembrar de nenhum título estadual recente com importância parecida, exceção feita ao tri carioca do Flamengo em 2001 – e mesmo assim, lá se vão vinte anos do inesquecível gol de falta de Petkovic contra o Vasco aos 43 do segundo tempo.
Incômodo para os grandes, insuficiente para os pequenos e rentável apenas para as federações, será que está na hora desse tipo de torneio chegar ao fim?
Contexto
Até a metade dos anos 1980, a grande maioria dos clubes de elite do futebol brasileiro tinha em seu calendário apenas o estadual e o Campeonato Brasileiro. A Copa do Brasil ainda não existia e a Libertadores, único torneio de clubes organizado pela CONMEBOL, era restrita a dois times por país. Mesmo o Brasileirão era mal organizado, durando apenas um semestre e com regulamentos que mudavam a cada edição. Assim, ser campeão estadual era mais importante que nos dias de hoje.
Na atualidade, o cenário é diferente. Os clubes grandes têm mais o que fazer além de disputar o título estadual, que fica pequeno diante das outras taças que uma equipe pode conquistar na temporada, não sendo mais uma prioridade. Infelizmente, os organizadores dos estaduais estão demorando a reconhecer isso. Por exemplo: em sua apresentação no São Paulo, o técnico Crespo afirmou que “provar jogadores no Paulistão não parece correto”. Uma declaração compreensível, em tom político, de um treinador estrangeiro que acabou de chegar em um clube que não ganha um título desde 2012. No entanto, a FPF repercutiu a fala como se transformasse o Campeonato Paulista na coisa mais importante do mundo.
Episódio ainda mais lamentável foi a publicação do regulamento do Campeonato Carioca desse ano. No documento, a FERJ prevê multa para o clube que, a partir da terceira rodada da Taça Guanabara, “deixar de utilizar sua equipe considerada principal sem motivo justo”. Uma cláusula completamente subjetiva e que interfere na autonomia dos técnicos em escolher os jogadores que bem entender.
Somente com as federações admitindo sua atual pequenez e cuidando do seu valor histórico é que a tradição dos estaduais jamais se perderá.
Preparação e revelação
Um dos argumentos mais comuns na defesa da manutenção dos estaduais é a revelação de atletas. Boa parte dos craques que o futebol brasileiro teve surgiram nesses torneios. É a oportunidade que jogadores de times menores têm de aparecer na mídia e dar um salto em suas carreiras.
Para os clubes grandes, os estaduais devem ser vistos como um espaço de experiência aos garotos da base, que terão a chance de mostrar serviço e ganhar vaga no time principal. O Athletico-PR entendeu isso e vem há alguns anos disputando o Campeonato Paranaense com a equipe sub-23.
Jogadores veteranos, que custam milhões aos clubes, devem ficar reservados apenas aos clássicos e fases decisivas, e não se desgastando fisicamente e correndo o risco de até mesmo sofrer uma lesão em partidas de pouco valor. O estadual não é o Santo Graal, mas um brinde. Aí entra a parte da colaboração do torcedor, que deve ter paciência. Não adianta reclamar dos estaduais o ano inteiro e pedir a cabeça do técnico após o primeiro empate contra um time pequeno.
Regulamento
O Campeonato Carioca virou piada nos últimos anos por adotar uma fórmula esdrúxula: um time poderia cair e subir no mesmo ano, ou vice-versa; uma seletiva entre os piores da primeira divisão e os melhores da segunda foi inventada; alguns jogos tinham vantagem do empate para quem tivesse a melhor campanha, e outros não; e ganhar os turnos passou a não ter valor nenhum. Uma criança jogando videogame faria melhor. O primeiro passo para que os estaduais sejam minimamente atrativos é a elaboração de regulamentos simples, de fácil entendimento.
O tamanho da competição também precisa ser repensado. O Palmeiras em 2020 venceu a Libertadores após 13 partidas disputadas, mas para ser campeão paulista precisou de 16. É muito tempo gasto em um campeonato pouco importante. O excesso de jogos sem dúvidas pesou no final da temporada, onde o Verdão teve que se desdobrar para disputar Copa do Brasil, Libertadores e Brasileiro de forma competitiva, chegando no Mundial de Clubes em frangalhos. A pandemia contribuiu para essa situação, mas o calendário do futebol nacional já era caótico antes do surgimento do novo coronavírus.
Existem várias soluções possíveis para isso. A mais óbvia delas é a redução dos estaduais para torneios de no máximo 10 datas. Uma competição não necessariamente precisa ser grande para ser atrativa: com menos jogos, a margem de erro diminui e cada partida ganha um peso maior. Um time pequeno pode emendar uma sequência inspirada e brigar pelas primeiras posições; um time grande não pode dar bobeira, sob o risco de ser eliminado na primeira fase ou até mesmo parar na zona de rebaixamento. É nos menores frascos que se encontram os melhores perfumes… Para compensar a redução e não deixar os clubes menores a ver navios, seria necessário um aumento nas datas das copas estaduais.
Outra possibilidade seria manter o número de datas atual, mas espaçando o torneio ao longo da temporada. Atualmente, os estaduais ocupam os quatro primeiros meses, com o Brasileirão ocorrendo nas datas restantes. Seria mais interessante se ao invés disso ambas as competições ocorressem paralelamente, durando o ano inteiro, com uma rodada do estadual ocorrendo a cada duas ou três do Campeonato Brasileiro. Dessa forma, os técnicos administrariam melhor o rodízio do elenco, e os clubes pequenos teriam mais tempo de atividade, deixando de serem “times de aluguel”.
É viável propor até mesmo o aumento para no mínimo 30 datas ao longo do ano. Nesse caso, as equipes que estivessem nas primeiras divisões do Brasileirão disputariam o estadual com times B ou a base do início ao fim.
Mando de campo
Os estaduais existem por causa dos times pequenos, sendo a oportunidade de clubes do subúrbio e do interior enfrentaram os gigantes do futebol nacional. Se o estadual acontece para contemplar os clubes menores, os jogos devem ocorrer na casa deles.
Flamengo x Madureira? Jogo em Conselheiro Galvão. Corinthians x Ferroviária? Jogo em Araraquara. Grêmio x São Luiz? Jogo em Ijuí. Com essa medida, o campeonato fica mais equilibrado, pois os pequenos teriam o fator casa sempre a seu favor.
Além disso, os torcedores que moram em locais mais afastados do estádio do seu time teriam a chance de acompanhar o clube de coração mais de perto. Por exemplo, um vascaíno que more em Bangu tem mais facilidade para se deslocar até Moça Bonita que São Januário; um cruzeirense de Governador Valadares veria um jogo contra o Democrata no Mamudão de maneira mais especial que alguém que mora em Belo Horizonte e pode ir ao Mineirão toda semana.
Outra vantagem seria a redução de custos, sem a necessidade de abrir os grandes estádios para partidas de pouco apelo, com palcos como o Maracanã e o Morumbi reservados para os jogos mais importantes.
Conclusão
A época de ouro dos estaduais, com gênios como Pelé e Garrincha desfilando seu talento, não vai mais voltar. A cena de torcedores invadindo o gramado e parando o trânsito para comemorar o título também não – com exceção de cidades como Campinas, onde Guarani e Ponte Preta esperam pelo troféu estadual há mais de um século.
Ainda assim, existe sobrevida. Unindo tradição e modernidade, charme e organização, os campeonatos estaduais podem se reinventar e render boas histórias por muitos anos
O PORQUÊ DO MEU AMOR PELO VASCO DA GAMA
por Paulo Souto
O que leva uma pessoa torcer incondicionalmente por um clube de futebol e esquecer o mundo. Domingo ao findar o clássico do Maracanã, senti falta de alguém que me contou o que viu em sua existência de torcedor. Falou-me de Jaguaré, Barbosa, Jair da Rosa Pinto, Ipojucan, Danilo Alvim, Lelé, Ademir e outros jogadores do VASCO. Foi aí que descobri meu amor pelo GIGANTE DA COLINA. Era tanto amor do meu pai pelo seu clube do coração, que me inebriei com suas façanhas de ser o primeiro time a ter um elenco só de negros, de ser o maior time do Brasil nos anos 40 e 50, de ser o primeiro campeão sul americano e a base da seleção brasileira de 1950. Esse era meu pai, um apaixonado pelo clube do seu pai.
O meu amor pelo VASCO se fez presente quando ouviu seu grito de campeão, quando se tornou super, super campeão no final dos anos 50 em cima do nosso maior rival e tinha Bellini, Orlando, Vavá e outros craques que fizeram meu VASCO ser o melhor, mesmo que meu pai sonhasse com um novo campeonato, só comemorado 12 anos depois.
Anos de tristezas se foram, esperanças e o ouvido colado no rádio de pilha, curtindo as resenhas comandadas pelo vascaíno ORLANDO BATISTA, que nunca negou sua preferência pelo clube da cruz de malta. Esse era meu pai, que em 1970, gritou e comemorou o campeonato com um gol de Silva, nos devolvendo o orgulho de sermos VASCO DA GAMA. Esse amor teve outros capítulos de conquistas e emoção, como o primeiro Campeonato Brasileiro comemorado cheio de emoção pelo meu ídolo de sempre. Meu pai parecia um menino e não escondia a alegria com esse feito, repetido com outro Campeonato Carioca e de forma invicta. Esse amor aumentou, quando perdemos nosso maior ídolo, que tempo depois retornou e ouvi cinco vezes os gritos do meu pai, comemorando os gols de Dinamite contra o CORINTHIANS nos 5×2 memoráveis no Maracanã, que o amava quando jogava bem e o odiava quando jogava mal.
Assim era meu pai, o maior torcedor do VASCO que conheci e também o maior crítico de quem considerava ruim. Vitórias muitas, campeonatos outros e o mesmo amor que meu velho pai nutria pelo seu time do coração.
Com o passar do tempo, o entusiasmo diminuiu, mas seu amor não. Mais um Brasileiro e finalmente o silêncio de quem amou e vibrou com o CLUBE DE REGATAS VASCO DA GAMA. Morreu meu pai, morreu um pouco de mim, morreu em parte o gostar de escutar os gols do meu time, que nos uniu e separou em comemorações e opiniões. Onde ele chamava o maior ídolo do VASCO de perna de pau. Contraditoriamente ele me ensinou a amar o VASCO, como faço desde os anos 50. Diante de tudo isso, senti uma falta enorme do meu pai e não pude gritar com ele: É CAMPEÃO!
VOZES DA BOLA: ENTREVISTA ZÉ MÁRIO
Zé Mário foi um artista. Não o confundam com Dustin Hoffman como Paulo Cezar Caju costumava chamá-lo quando o meia chegava a bordo de seu Fusca azul e passava pelos portões do clube rubro-negro para realizar os treinos nas manhãs na Gávea em1972. O camisa 8 do Flamengo e 5 do Fluminense e Vasco, foi muitos num só. Um líder nato. Uma semelhança com Dunga não seria mera coincidência pelo comprometimento e entrega nas quatro linhas, e sobretudo, fora delas, quando foi um atleta marcado pelo respeito e um agregador capaz de tornar os times campeões por onde passou.
Chegado ao mundo pelas mãos de uma parteira na casa de seus avós maternos no bairro do Cachambi, zona norte do Rio, em campo, Zé Mário chamou a atenção como o Stanley, vivido por Marlon Brando (1924-2004) em “Uma Rua Chamada Pecado (1951)”, que ao gritar por atenção para Blanche, interpretada por Vivien Leigh (1913-1967), tornara o clima entre os dois claustrofóbico nesse pequeno ecossistema da periférica Nova Orleans.
Todavia, o ex-aluno do Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, chamado Zé Mário, foi valente no combate aos adversários que enfrentou igual a valentia retratada no filme Taxi Driver (1976), no qual o taxista Travis Bickle, personagem encenado por Robert De Niro, comprou um revólver e olhando-se no espelho numa cena ensaísta buscava proteção das intempéries das ruas perigosas de Nova York.
No entanto, cria do futebol de salão, por onde desfilou sua categoria no Magnatas e na extinta Associação Atlética Vila Isabel, com a bola nos pés, já no futebol de campo, Zé Mário lembrou em cada gota de suor derramada de seu rosto nas partidas em que disputou, a cena icônica na saída do teatro em “O Poderoso Chefão 3 (1990)”, quando o gângster Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, abraça sua filha caída no chão após receber um tiro em que o alvo seria ele.
Logo, com a carreira profissional iniciada no Bonsucesso Futebol Clube, Zé Mário emocionou como o filme “Filadélfia (1993)” em que o advogado homossexual Andrew, interpretado por Tom Hanks, chora em seu apartamento ao som de uma ária da soprano Maria Callas (1923-1977), enquanto, ao fundo, Denzel Washington, comovido, não consegue segurar suas lágrimas com seu sofrimento e percebe que seu cliente foi abandonado no momento mais difícil da vida.
Assim, o filho de “Seu” Mário e de “Dona” Avany foi atencioso como Jack Nicholson em “As Confissões de Schmidt (2003)”, no qual interpretou um viúvo chamado Warren, e lê a carta de agradecimento da ONG por sua contribuição de 73 centavos por dia para um garoto da Tanzânia.
Mas dos futebóis de salão e campo, José Mário Barros herdou a habilidade, a visão de jogo, e apesar da baixa estatura, foi um gigante, um líder na essência mais cristalina da palavra. Combativo e distribuidor de passes poucas vezes visto no mundo da bola, o volante de estilo clássico se notabilizou por onde pisou a planta dos seus pés ou as solas das suas chuteiras.
O Vozes da Bola chega ao seu trigésimo personagem e entrevista Zé Mário, presidente do Sindicato dos Atletas de Futebol do Rio de Janeiro (SAFERJ), ídolo de clubes como Flamengo, Vasco e Fluminense e um expert em futebol internacional por onde trabalhou em diversos países.
Por Marcos Vinicius Cabral
Edição: Fabio Lacerda
Como foi sua infância no Méier, Zona Norte do Rio?
Inesquecível. Mas vale contar um pouco dessa infância. Uma parteira me trouxe ao mundo na casa de meus avós maternos no Cachambi, bairro de classe média da Zona Norte do Rio, onde a residência ficava bem próxima do lugar onde o bonde da linha Cachambi-Méier fazia a volta. Minha infância e adolescência foram normais como os meninos daquela época. Jogávamos bola na rua, pegávamos frutas nos quintais das casas dos vizinhos, e muitas vezes, sem autorização do dono, tínhamos que pular o muro e sair correndo. A casa do meu avô materno ficava perto do cinema Cachambi que eu ia de vez em quando para assistir alguns filmes. Às vezes, lembro com saudades. Dava vontade de beber o leite na mamadeira, e aí, saia, bebia e voltava para o final do filme. Isso sem contar os vagalumes que pegávamos na rua e eram colocados em caixas de fósforos para ser soltos dentro do cinema. Era uma confusão enorme com os lanterninhas que ficavam loucos e tentavam a todo custo descobrir os autores daquilo (risos). Naquele tempo a pelada na rua era geral e foi dessa forma que passei a jogar. Morei na Rua Guaiaquil em Maria da Graça, e em frente a nossa casa tinha uma praça que era subida. Muitas peladas fizemos ali com jogadores lá em cima e outros embaixo. Era divertido. Eu já sobressaía jogando futebol apesar de ser sempre o menor deles. Dificilmente jogava com meninos da mesma idade. Sempre mais velhos. Até no gol do futebol de salão eu aprendi a agarrar, porque senão não deixavam jogar com os mais velhos. Tinha que ir para o gol e agarrar bem porque senão eles me tiravam. Aí comecei a jogar futebol de salão quando levado por um tio ao Magnatas. Fui aprovado no teste. Devia ter uns nove para dez anos. Meu pai não sabia, pois ele queria que eu fosse direto para o futebol de campo, e depois me deixou competir no Magnatas. Em seguida, mudamos para a Rua Arthur Menezes no Maracanã e ali as peladas foram intensas. Eu estudava e quando chegava em casa era para jogar bola na rua. Tabelinhas com o meio fio, com o muro da vizinhança, com as árvores e tudo mais. Só parávamos quando era carro ou senhoras passando. Fazia parte do crescimento da gente.
Antes de chegar no juvenil do Fluminense em 1965, o senhor jogou futebol de salão no Magnatas, no Associação Atlética Vila Isabel que tinha excelentes times sendo tricampeão brasileiro. Como foi essa época?
Mesmo jogando no Magnatas não deixávamos de ir assistir os jogos do A.A. Vila Isabel onde Gizo, Aécio, Celso e Serginho, meus ídolos, jogavam. Acabava o meu jogo do juvenil e saia correndo com meu pai para ver o primeiro time do Vila Isabel. Era maravilhoso. Em seguida, me transferi para o Vila Isabel, pois jogar lá era meu sonho. Fui campeão juvenil e ingressei no infanto juvenil do Fluminense com o ex-zagueiro e ídolo Pinheiro, em 1965.
O futebol de salão foi uma boa escola na sua vida de atleta e a convivência com os jogadores Aécio, Serginho, Adilson, Celso, Gizo, foi importante. Se Pelé foi o rei do campo podemos dizer que Serginho foi o rei do salão. É verdade que procurava imitá-lo?
Mas o Serginho, para mim, é o maior jogador da bola pesada de todos os tempos. Igual ao Pelé no campo. Num jogo decisivo, Vila Isabel x Imperial de Madureira, o Serginho chegou atrasado e o treinador Fatinho não colocou ele para iniciar o jogo. A torcida foi à loucura. Primeiro tempo terminou Imperial 2 a 0. A torcida queria matar o treinador. Começou o segundo tempo com o Serginho em campo. Resumindo, o Vila Isabel virou o jogo para 11 a 2. O Serginho fez tudo que sabia e o que não sabia. O melhor do mundo para mim. No futebol de salão aprendi muita coisa que depois apliquei no campo e foi importante na carreira. Noção de cobertura, marcação, passe certo, drible curto. Quem não tinha esses fundamentos não poderia ter êxito no futebol de salão. Isso tudo também era muito importante no campo. Já cheguei com isso desenvolvido. Infelizmente, não joguei junto com esses grandes jogadores do Vila, pois eram mais velhos, e quando ia estourar a idade no juvenil e passar a jogar com eles comecei a me dedicar ao futebol de campo. Profissionalizei-me no Bonsucesso e fiquei só no campo.
Como foi seu começo de carreira no Bonsucesso?
Saí do infanto juvenil do Fluminense porque meu pai mandou eu escolher entre o futebol de salão e o de campo. Para eu treinar no Fluminense, eu perdia duas aulas por dia no Colégio de São Bento do Rio de Janeiro, no Centro, e isso atrapalhava meu desejo de ser engenheiro eletrônico. Terminado aquele ano de 1965, o meu pai me mandou escolher e eu, para poder estudar, escolhi o futebol de salão. Por quê? Me dava a condição de continuar estudando. No ano de 1965, passei de ano perdendo duas aulas por dia, fui campeão pelo time da minha sala no colégio, vice-campeão carioca pelo Fluminense e campeão pelo Vila Isabel. Achei que no ano seguinte, em 1966, se eu continuasse naquela batida eu não ia conseguir estudar. Lembro como se fosse hoje! Quando cheguei no carro depois do último treino do ano no Fluminense e meu pai perguntou se eu tinha decidido, falei que sim e que já tinha me despedido do professor Pinheiro e do Fluminense. Ele ficou uma fera e queria me dar uma surra dentro do carro. Mas ele queria que eu decidisse o que ele queria. Bati o pé. Não abri mão e parei de jogar no campo. Começou 1966 e eu estudava e jogava futebol de salão no Vila Isabel, até que um amigo, Marcos Malisia, me chamou para treinar no Bonsucesso. Como era julho e eu estava de férias, aceitei. Fui e o avisei que seria só durante as férias. Treinei, agradei e o treinador me pediu que ficasse. Expliquei a ele o o motivo pelo qual tinha saído do Fluminense e não seria lógico perder duas aulas por dia e ir jogar no Bonsucesso. Falei que só poderia treinar aos sábados. Dito e feito. Ele aceitou e passei a treinar aos sábados e jogar no domingo pela manhã. E fui indo até que fui pegando o gosto e passei a me dedicar mais ao campo. Aos 18 anos, decidi que não seria mais engenheiro eletrônico e que seguiria a carreira de jogador como meu pai vinha exigindo, e quando parasse, seria treinador. A cada dia me afastava mais do futebol de salão, até que em 1970, quase não fui ao Vila Isabel, mas recebi uma ligação pedindo que fosse jogar as últimas duas partidas decisivas contra o Astória do Rio Comprido. Ponderei que não tinha jogado nenhuma partida naquele ano e não seria legal eu chegar e jogar, enquanto, quem foi o ano inteiro ficaria no banco. Falaram que os próprios jogadores pediram que eu fosse. Fui com a condição de começar no banco e só entrar se houvesse muita necessidade. Entrei ainda no primeiro tempo e na primeira bola joguei um jogador deles, folgadinho, em cima da mesa do cronometrista. Foi tudo pelo chão. Sem violência (risos). Foi só com o que eu já tinha evoluído no campo. Atrasar um pouquinho na jogada e ir no corpo do adversário. Só isso. Ele levantou e veio de encontro a mim e eu peguei no gogó dele e falei que ali o negócio era outro. Não era mais só futebol de salão. Era campo também. Não lembro o resultado desse jogo, mas no segundo jogo na quadra do América, em Campos Sales, demos um sacode neles e fui campeão de aspirantes. Para minha surpresa, dias depois saiu uma convocação para disputar o Campeonato Nacional de futebol de salão, em Porto Alegre. Agradeci e disse que estava assinando contrato profissional com o Bonsucesso e seria registrado no dia seguinte. Ainda assim me pediram para ir na apresentação. Fui, treinei e tentaram me demover e ir para Porto Alegre. Não fui e encerrei a minha passagem pelo futebol de salão naquele momento.
Dentre os treinadores das categorias de base, qual foi o mais marcante?
Nas categorias de base o Pinheiro foi o primeiro com quem trabalhei. Excelente. Me ensinou muita coisa. Ele falava que não ensinaria jogar futebol, e sim, ser um jogador honrando a camisa do Fluminense e honrando o futebol com exemplos positivos. Muita informação para mim que carrego até hoje. Depois peguei o Alfredo Abrão no Bonsucesso. Lembro que quando o ponta ia na linha de fundo ele falava que, o pé na hora de bater na bola, tinha que ser igual a uma foice, ou seja, que a bola é que tinha que ir na cabeça do atacante e não o atacante correr atrás da bola. Teve também o major Murilo de Carvalho, ainda no Bonsucesso. Esse me deu o clique na hora certa. Três bolas que vieram para mim no treino devolvi com um passe certinho e ele deu falta contra nas três vezes. Quando perguntei o por quê, ele disse que eu estava fazendo o óbvio e que mais de três milhões de meninos faziam aquilo, e se eu quisesse ficar para sempre no Bonsucesso, que continuasse a fazer aquilo. Um puxão de orelha. Fiquei olhando para ele e ele finalizou: “Quando a bola estiver com seu amigo você já tem que saber quem está livre lá nas suas costas. Quando a bola chegar, você domina e vira o jogo sem olhar. Isso vai ser o diferente e vai fazer você sair do óbvio”. Ficou a lição para mim. Muita gente me pergunta qual foi o melhor treinador que tive. Respondo sempre a mesma coisa. Todos. E graças a Deus, recebi de todos os treinadores que passaram na minha vida as melhores instruções na hora que mais precisava. Isso é o que importa.
Certa vez você disse: “O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você”. Quem escolheu o José Mário de Almeida Barros para ser jogador de futebol?
E é verdade. O futebol é uma profissão que os outros é que escolhem você. Uma hora é o treinador, outra a diretoria, a imprensa, agora, tem o executivo e o torcedor. Se você escolhesse ser engenheiro ou médico, por exemplo, estaria nas suas mãos todo o período de estudo e depois o de trabalho. Jogador de futebol é muita gente dando opinião que acha que sabe. Como já citei, o meu pai foi quem me escolheu primeiro, mas depois enfrentei todos que citei acima. Não quero tocar no assunto, mas tive dirigente e jornalista querendo me prejudicar só porque tinha amigo na mesma posição que eu jogava.
Sua chegada ao Flamengo não foi difícil, mas se tornar titular foi um problema. Tanto que foi testado como lateral-direito e ponta-esquerda pelo treinador paraguaio Fleitas Solich (1900-1984). Acabou não aproveitado e ficou quatro meses treinando em separado com Tião Mendes, preparador físico. Bastou Zagallo assumir e você se tornar titular no meio-campo. Foi um dos piores momentos da carreira?
Cheguei com passe livre por falta de pagamento pelo Bonsucesso. A falta de pagamento foi só coincidência porque o problema foi com um dirigente. Um jogador chegando no Flamengo, vindo do Bonsucesso e com passe livre nas mãos não era fácil. Cheguei em outubro de 1971 e só assinei contrato em fevereiro de 1972. Eu soube depois que o Flávio Costa foi quem deu força para eu ir para o Flamengo. Muitas vezes cheguei na porta do Flamengo e pensei em voltar para casa e estudar. Ficava dentro do carro pensando se entrava ou não. Acabei entrando. Normalmente, ia treinar na pista com o Sebastião Mendes junto com vários jogadores que não estavam nos planos. Fui ficando. Um dia cheguei e o “Seu” Bria me disse que não poderia mais treinar por ordem da diretoria. Eu e alguns outros. Me mandou falar com o Aristóbulo Mesquita. Fui. Cheguei e o Aristóbulo falou que eu ia continuar treinando e me mandou falar com o Bria. Cheguei no Bria e ele disse que meu nome não estava na lista. A explicação do Aristóbulo foi que meu nome não constava na lista porque eu não tinha vínculo oficial com o Flamengo. Seu Bria me mandou voltar para o Aristóbulo, mas fui embora. Cheguei em casa e minha família no meio da rua preocupada porque o elevado Paulo de Frontin, no Rio Comprido, tinha desabado e era a hora que eu passava lá. Justamente passei poucos minutos antes de desabar. Nasci de novo. Não voltei mais no Flamengo até que o Aristóbulo pediu que voltasse e que o Bria já estava sabendo. Voltei e fiquei treinando na pista de novo. Joguei uns dois amistosos pelo Flamengo sem nenhum vínculo. Terminou o ano e falei para o Aristóbulo que não iria mais. De novo conversou comigo e disse que o treinador seria o Zagallo e que ele iria resolver. Primeiro treino coletivo fiquei o tempo todo sentado à beira do campo e não treinei. Era uma segunda-feira e tinha jogo na quarta. Terminado o treino me dirigi ao Zagallo e perguntei se tinha terminado. Ele falou que sim, mas pediu que eu fosse dar uns chutes a gol para o goleiro. Agradeci e disse que ia embora e expliquei a minha situação e que voltaria a estudar. Ele ponderou que tinha um jogo, mas que na quinta-feira faria um coletivo contra os juniores e me daria uma resposta definitiva. Aceitei e fui dar uns chutes desgostosos para o goleiro. Na quinta-feira entrei no coletivo e fiz três gols. Acabou e ninguém me deu papo. Fui embora e fiquei, de novo, na dúvida se voltaria ou não no dia seguinte. Voltei pensando em ficar até sábado. Cheguei em clima de despedida. Seria o meu último treino. Já ia trocando de roupa quando o Aristóbulo chegou e perguntou se eu tinha dinheiro no bolso. Respondi que sim e ele me mandou comprar pasta e escova de dentes para ir para a concentração convocado pelo Zagallo. Isso me animou. Saí para comprar tudo e falei que precisava de roupa para dormir e o Aristóbulo disse que o Flamengo me daria uniforme para a concentração e um calção para dormir. Aí começou a minha virada. O jogo era contra o Santos de Pelé. Joguei uns 20 minutos e ia fazendo um gol. O goleiro era um argentino chamado Augustín Cejas (campeão paulista em 1973). Ele pulou nas minhas pernas e me derrubou. O juiz não deu pênalti. Coisas da vida. Na terça-feira, fui para Salvador, e em cima da hora do jogo, o Arílson passou mal e o Zagallo me colocou no meio campo e deslocou o Paulo Cezar Caju para a ponta-esquerda, fato que o deixou contrariado. Fui o melhor em campo e ficou acertado que o Flamengo compraria o meu passe. Assim foi o meu começo no Flamengo. Muita coisa eu omiti para preservar nomes e pessoas.
Já titular do Flamengo onde jogou de 1971 a 1974, o senhor ganhou títulos e viu subir ao time profissional craques com Júnior e Zico, expoentes da geração mais vitoriosa do clube. Dá para dimensionar essa sensação?
Em 1972, disputei o Torneio de Verão, o Torneio do Povo, a Taça Guanabara, o Campeonato Carioca e o Brasileiro, este inclusive foi o único campeonato que não conquistamos. No mesmo ano, em outubro ou novembro, machuquei o joelho esquerdo e tive que operá-lo. Só voltei no segundo semestre de 1973, quando o Flamengo já havia conquistado a Taça Guanabara, e no ano seguinte, vários jogadores foram lançados como Cantareli, Jaime, Júnior e Zico. Eles deram sorte que os mais experientes estavam há muito tempo no Flamengo e deram todo o apoio necessário que precisavam. Até hoje quando encontro o Júnior, ele agradece por esse apoio que demos quando estava subindo. Já o Zico vinha jogando no time de cima sempre que surgia oportunidade. É muito legal quando você vê jovens subindo e tendo êxito. Vale frisar que esses jogadores, além de jogarem bem, eram responsáveis, tinham qualidades técnicas e objetivos para seguirem em frente. Isso foi o mais importante para eles, e nós, demos apenas o apoio com a nossa experiência.
Qual momento da carreira você achou que poderia ser convocado para a seleção brasileira, já que a convocação nunca saiu mesmo jogando em clubes como Flamengo, Fluminense e Vasco, onde sagrou-se quatro vezes campeão na década de 1970 entre 1972 e 1977 havendo neste período a Copa do Mundo de 1974?
Eu estava na lista do Zagallo para a Copa da Alemanha em 1974. A seleção ia fazer uma excursão e eu fui avisado que estaria nesse relação de convocados. Infelizmente machuquei o joelho e arranquei os dois meniscos. Naquele tempo era assim. Hoje tira só a parte afetada e o jogador volta a jogar em 30 dias ou menos. Mas lembro que fiquei 6 meses parado e isso acabou me atrapalhando um pouco. Naquela época quando se ficava parado por contusão, aparecia vários outros jogadores do mesmo nível ou melhor do que você. E foi assim que aconteceu comigo.
Como foi ser uma peça da engrenagem da Máquina Tricolor?
Saí do Flamengo porque o presidente disse que eu era mentiroso. Respondi que não jogava mais no clube e fui embora. O George Helal fez de tudo para eu ficar, mas não aceitei. Quando já estava treinando no Fluminense, o presidente do Flamengo pediu ao George Helal para me fazer uma proposta igualando o que eu estava ganhando no Fluminense e eu aceitei. Lembro, perfeitamente, como se fosse hoje. Helal pedindo para eu dar a palavra que eu voltaria ao Flamengo, já que o Fluminense ainda não havia pago. Falei que ele tinha que pedir permissão ao Francisco Horta para eu voltar à Gávea. Falaram com o Horta e ele disse que responderia mais tarde depois de se reunir com a diretoria do Fluminense. Antes de fechar a Federação Carioca, o Fluminense depositou o dinheiro do meu passe e eu fui para a Máquina Tricolor. Dessa vez, mais uma vez jogando no meio de craques do mundo do futebol. Não dá para explicar a sensação de jogar com aqueles jogadores. Aquela equipe era tão boa, mas tão boa, que era só jogar as camisas para o alto no vestiário e sair. Quem entrasse daria conta do recado facilmente. Jogar com Rivellino era a realização de um sonho, já que eu havia jogado com o Paulo Cezar Caju e Zico. Meu Deus, mas jogar com o Rivellino era muita emoção! A nível de curiosidade, há uns meses escrevi uma mensagem para o Rivellino no Whatsapp e ele me respondeu em áudio. Quando ouvi a voz dele não me contive e chorei muito. Mandei mensagem para ele que estava emocionado também. Foram momentos maravilhosos jogando e de amizade que fiz com ele na Máquina Tricolor. Minha saída do Fluminense foi por motivos estranhos, pois joguei umas 70 partidas pelo clube como titular em 1975.
“Quero o Zé Mário aqui”, disse o treinador Paulo Emílio (1936-2016), contratado pelo Vasco. Qual a importância do saudoso treinador na sua carreira?
O professor Paulo Emílio foi importante na minha carreira porque acreditava em mim dentro e fora o campo. Ele sabia que podia contar comigo para cobrar dos meus companheiros. Sempre confiou em mim e eu sempre correspondi. O Paulo Emílio não foi só meu treinador, foi além, era um amigo. Nossas famílias se davam. Ele era muito legal.
Sua chegada ao Vasco foi em algum troca-troca promovido por Francisco Horta?
Em 1976, o Didi era o treinador e me chamou num canto e disse que eu seria lateral-direito a partir daquele dia. Fui para casa, raciocinei, pensei nos pontas habilidosos e rápidos que iria marcar e me neguei. Procurei ele e falei que ficaria na reserva tranquilamente, mas de meio-campo. Ele disse que eu só ficaria nas Laranjeiras se fosse para ser lateral-direito. Me neguei e falei que sairia. O presidente Francisco Horta me procurou e queria aumentar o salário para eu ficar. Respondi que não seria bom nem para mim nem para o clube porque se o Didi me mandasse treinar de lateral-direito eu não iria. Se durante um jogo ele me pedisse para ir de goleiro eu até iria, mas me fixar na lateral, não. Nesse impasse surgiu o troca-troca e o Francisco Horta me incluiu em um troca-troca com o Vasco. Eu, Abel e Marco Antônio fomos para o Vasco e Miguel e Luiz Carlos vieram para o Fluminense.
Por várias vezes o senhor e o zagueiro Orlando Lelé (1949-1999), quase se agrediram. Mas sempre se desculpavam e se abraçavam. Como era sua convivência com ele? Tem alguma história para nos contar?
A primeira partida do Orlando no Vasco foi num amistoso em Londrina. O ponta-esquerda deles se chamava Caldeira, driblador e muito rápido. Toda bola o Orlando queria apoiar e eu tinha que cobrí-lo. Reclamei e ele respondeu que era a minha obrigação cobrir. Retruquei que eu estava jogando praticamente de lateral-direito e essa não era a minha posição. Ele respondeu para eu me virar e argumentei que eu era meio-campo e ninguém da defesa podia jogar na minha frente. Se isso acontecesse eu estaria atrasado. E passei a fazer isso. Cada vez que ele avançava, eu também ia e passava à frente dele e com isso o Abel era que tinha que sair da posição dele. Aí fomos para o vestiário e o treinador Paulo Emilio tentou acalmar os ânimos. Eu continuei dizendo que não era lateral. Nem lembro como terminou essa briga, mas fora do campo éramos amigos e saíamos juntos com nossas famílias. Várias vezes brigamos dentro de campo e no vestiário, mas ficava restrita aos jogos e não era pessoal. Mas o Vasco era uma família e existia muita amizade, carinho e respeito entre a gente.
Quando saiu do Vasco e foi jogar na Portuguesa de Desportos, teve um acontecimento que mudou sua vida envolvendo o uruguaio Daniel Gonzalez (1954-1985). Pode nos contar?
Claro! Quando cheguei na Portuguesa, o Daniel estava de férias. Lembro que eu estava procurando apartamento para morar e, um certo dia, acabou o treino e eu fui encontrar o motorista do clube na Administração para ver um apartamento para morar. O Daniel Gonzalez estava lá. Fomos apresentados e ele me perguntou onde eu iria morar e onde eu estava morando. Falei que estava procurando apartamento e estava com minha mulher num hotel no Centro. Ele falou que ia me levar em um lugar para procurar uma moradia. Chegando na hotel onde a gente estava hospedado, ele estacionou o carro e disse que iria subir. Eu falei que a minha esposa estava no quarto e ele insistiu mesmo assim. Liguei pelo interfone avisando que ia subir com o Daniel e subimos. Chegando lá, ele entrou, cumprimentou a minha esposa e foi pegando nossas coisas e jogando nas malas. Perguntei se ele estava maluco, que eu não o conhecia e nem ele a mim. Ele continuou a jogar minhas coisas dentro da mala e dizia que eu iria para a casa dele. Não entendi nada mas fui. Ao chegar em sua casa conheci a esposa dele, chamada Mabel, que assim como eu e minha esposa, não estava entendendo nada. Fomos nos conhecendo e nós tornamos amigos até a sua morte. Ele está no céu, mas a minha família e a dele se tornaram amigas a ponto de trocar mensagens pelo Whatsapp, e inclusive, conheci o neto dele de nove anos que tem tudo para ser craque como o avô foi. Mas assim é a vida. Um uruguaio que saiu lá de Montevidéu e se encontrou com um carioca recém chegado em São Paulo. Até hoje penso nele e de vez em quando me pego chorando.
Quem foi o melhor companheiro de volância no meio de campo?
O meu melhor companheiro foi o Liminha e nos entendíamos muito bem. Dormimos no mesmo quarto na concentração do Flamengo e nas viagens. Éramos amigos de frequentar a casa um do outro.
A paixão pelo futebol o fez apostar na carreira de técnico. No mesmo ano de sua despedida, em 1982, foi o Botafogo, justamente único time grande do Rio em que o senhor não jogou que lhe deu sua primeira oportunidade. Se decepcionou com Flamengo, Fluminense e Vasco, em virtude disso?
Não me decepcionei com os times que tinha jogado porque na minha cabeça já estava definido que os times em que joguei não me interessavam trabalhar. Depois revi essa decisão, mas ninguém me chamou. Mais tarde um pouco vi o Zanatta dirigindo o Vasco e fui ao Maracanã assistir ao jogo. O Vasco perdeu e a torcida entoou o burro para o Zanata. Estava com o meu pai e chorei copiosamente. Decepção. Um ex-jogador do Vasco, ídolo, ser desmoralizado por uma torcida. Na mesma hora voltei a pensar em nunca trabalhar num time em que eu joguei. Foi melhor assim.
Em 1988, veio a primeira chance de comandar um clube árabe e o senhor acertou por três anos com o Al-Ain e ficou bastante conhecido por lá. Como foi isso?
Fui convidado, primeiro, pelo preparador físico Carlos Alberto Lancetta e depois pelo treinador Jorge Vieira para dirigir a Seleção do Iraque, sub-23, que foi jogar a Copa do Golfo. A seleção principal estava se preparando para a Copa do Mundo, e o presidente da Federação Iraquiana de Futebol, Uday Saddam Hussein, era o filho mais velho de Saddam Hussein. Mas foram por apenas três meses. Foi uma loucura. Lembro que chamei ele de idiota e imbecil dentro de Bagdá. Era só ele levantar a mão e me fuzilar, mas graças a Deus, consegui sair ileso dessa. Fui para o Al-Ain também por indicação do Carlos Alberto Lancetta e fiquei dois anos por lá. Estava entendiado com tanta terra. O Al-Ain ainda não era a potência que é agora. Ainda assim ganhamos a Copa da Federação. Foi muito bom trabalhar por lá porque senti que ajudei muito o futebol daquele país.
Como foi ser campeão dez anos depois, treinando o Kashima Antlers, e ter reencontrado o amigo Zico?
Eu estava na seleção do Qatar quando o Zico me ligou. Queria que eu assumisse o Kashima porque o treinador tinha saído e ele estava na França com a Seleção Brasileira. Falei que não podia largar a seleção do Qatar e ai ele falou. Você é meu amigo ou não? Respondi: Quando eu viajo? E fui (risos). Zico é um caso à parte na minha vida e não gosto nem de falar. Mas há pouco tempo fiz uma declaração de amor para ele, no bom sentido, é claro! O Kashima não estava bem na tabela e começamos a trabalhar. Fomos ganhando, ganhando, ganhando, e fomos campeões. Não sei agora, mas até bem pouco tempo, eu era o recordista de vitorias seguidas da J-League. Além de Zico tínhamos o Jorginho, atualmente treinador, o Bismarck e o Mazinho que jogou no Bragantino e Flamengo. Foi uma experiência magnífica trabalhar no Japão. Eles não são desse planeta. Tudo é perfeito, e às vezes, até é perfeito demais.
Você escreveu um livro sobre futebol, não é mesmo?
Resolvi escrever um livro sobre o que sentia sobre o futebol brasileiro daquela época, em 1991. O título ‘Porque Foi, Porque Não É Mais’. Fui escrevendo críticas para todos os segmentos desse esporte apaixonante chamado futebol. Jogadores, treinadores, torcedores, dirigentes de clubes, da CBF e imprensa. Contei tudo que eu sabia e o que estava acontecendo no mundo esportivo. Os seus colegas da imprensa não aceitaram a crítica e me detonaram. Coloquei uma foto de um campo de futebol cheio de tanques de guerra correspondendo aos dirigentes da CBF e por aí adiante. Hoje, o livro só não está atualizado no Dopping que evoluiu bastante. Sobre as críticas eu absorvi bem na medida do possível, mas afetou minha família e tomei a decisão de comprar o restante dos livros da editora com o dinheiro que tinha. Tenho até alguns exemplares aqui comigo. Mas o livro foi um presságio do que está acontecendo hoje com o nosso futebol.
Como surgiu essa história de ser chamado pelo nome do ator americano Dustin Hoffman?
O apelido de Dustin Hoffman foi do Paulo Cezar Caju. Desde que ele chegou no Flamengo ele me chamou e me chama até hoje assim. Um dia fui ao cinema num filme do Dustin e estava na sala de espera e todo mundo me observava e olhava para o cartaz com foto dele. Certa vez, estava num shopping, em Dubai, e o cara da loja me seguindo Eu já estava grilado. Cheguei perto dele para perguntar porque ele estava me seguindo, mas ele se antecipou e perguntou se eu era o Dustin Hoffman. Sempre falo que a única diferença é a conta bancária (risos).
Como tem enfrentado esses dias de isolamento social?
Nem fale. Foi o pior para mim. Tive Covid-19 e fiquei internado três dias num quarto do hospital. Nunca pensei em morrer. O que senti mais foi o mal estar de estar sozinho. Medo de passar para os outros. Todos na minha casa tiveram. Até o meu neto de 2 anos. Só a minha sogra de 88 anos não teve ou foi assintomática e ela estava junto com a gente. Agora é que estou melhorando.
Como definiria Zé Mário em uma única palavra?
Prefiro que os outros me definam.