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O FUTEBOL FEMININO DESEJA RESPIRAR O LIVRE ARBÍTRIO

por Wendell Pivetta


Uma cancha futebolística é um dos maiores atos de expressão cultural. Desde a construção da jogada até a comemoração do gol, é algo que faltam palavras para expressar o sentimento máximo de celebrar a bola na rede e até a vitória. Porém, há alguns anos, esta celebração era reclusa.

O futebol brasileiro sempre contagiou e fascinou os olhos dos amantes do esporte, tanto que em 1921 foi realizada, em São Paulo, a primeira partida de futebol feminina, onde enfrentaram-se os times das senhoritas catarinenses e tremembeenses. Contudo, em 1941, o Decreto-Lei 3199, do governo de Getúlio Vargas, proibia a prática de esportes incompatíveis com a natureza feminina. Um descaso com o livre-arbítrio e a paralisação do crescimento da prática feminina que iria retornar em atividade apenas 7 anos depois.

Tempo suficiente para desequilibrar a categoria com o futebol masculino, e não contar com o mesmo apoio e leis. Para se ter uma noção, a primeira Copa do Mundo de Futebol Feminino ocorreu apenas em 1991. No Brasil, apesar da influência significativa que o futebol tem na cultura, o Ministério do Esporte e a CBF têm proporcionado recentemente os campeonatos disponíveis ao masculino que seja disputado pelo feminino, porém ainda faltam patrocinadores para o esporte.

Voltado para o Futebol Feminino, o Ministério do Esporte possibilitou a realização de três campeonatos a partir de 2012: Copas Libertadores da América de Futebol Feminino; Copa do Brasil de Futebol Feminino; Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino. Em 2019 todos os 20 participantes da Série A do Brasileiro precisaram, por lei, se enquadrar no Licenciamento de Clubes da Confederação Brasileira de Futebol e, por obrigação, manter um time de futebol feminino sendo adulto e de base.

Mas há muita luta pela busca de igualdade a ser feita, tendo em vista que, no futebol masculino, um time chega a folha salarial de R $17 milhões, e no feminino, uma equipe considerada de alto valor, chega aos R$ 170 mil dentro do Brasil. Sendo mais específico, em média, aproximadamente 85% das jogadoras recebem entre mil e cinco mil reais por mês de salário.

Apesar da dificuldade, leis de incentivo e profissionalização da categoria dentro dos clubes de futebol vêm crescendo, assim como o fomento nas categorias de base. A força do futebol feminino merece tanto destaque e respeito, que, por exemplo, a Ferroviária, time paulista, em 70 anos de atividade conseguiu se tornar campeão da Libertadores da América apenas em 2015, através do elenco feminino.

No Rio Grande do Sul, nas proximidades do redator, o Futsal feminino é destaque em nível estadual, com a parceria entre os times da Associação Grande Boa Parada e a ALF que em seu primeiro ano de união, chegaram entre as cinco melhores equipes do estado, contando com uma atleta na seleção Gaúcha de Futsal.

O MOTORADIO É DO TITA

por Zé Roberto Padilha


Sou do tempo em que os melhores em campo ganhavam um Motoradio. Dava muito orgulho trazer um pra casa. Até hoje existem, fabricados pela Eletrobrás, porque tão precioso o rádio como veículo de comunicação que nenhuma rede social ousou desafiá-lo.

Estão cada vez mais poderosos.

Era uma ótima sacada de Marketing, até que um jogador famoso resolveu torná-lo um objeto de deboche. Ao recebê-lo, declarou aos Apolinhos na saída, ao vivo para todo o país:

– Vou aceitar a moto. Já o radio, tenho em casa o bastante.

E o Motoradio deixou de ser um objeto de cobiça. Só de ironias. E encalhou nas lojas. E desapareceu dos gramados.

Hoje, entregam uma plaquinha simbólica ao considerando o melhor da partida.

Mas no jogo Fluminense x Portuguesa quem mereceu levar o prêmio foi o Tita. Atuando como comentarista, deu um banho de conhecimento durante a transmissão.

O futebol brasileiro estava precisando de um outro Júnior analisando as partidas. Que não tivesse a arrogância do Roger, a confusão das análises táticas do Casagrande e, muito menos, as bravatas do Neto.

Equilibrado, fugiu ao lugar comum de procurar falhas no Fluminense, preferindo exaltar os acertos do adversário. Que foram muitos.

Atento, chamou a atenção da falha do goleiro da Lusa, que socou pra lateral uma bola que poderia tranquilamente segurar em suas mãos.

Criativo, disse que os jogadores tricolores estavam colocando um “laço rosinha no presente”, referindo-se as filigranas de um toquinho a mais quando davam um presente/assistência ao companheiro para marcar.

Após encerrar sua carreira, Tita se dedicou ao Golfe. Dizem que já está entre os melhores do Brasil. Com o taco ou o microfone às mãos tem sido certeiro nas tacadas.

Tita já pode experimentar o terno pro ano que vem. Seu Motoradio de hoje vai credenciá-lo ao primeiro time de comentarista da Globo na Copa do Mundo de 2022.

Palavras de quem jogou ao seu lado. Palavras de quem assistiu o show que deu domingo à tarde.

UM FLUMINENSE TRINTÃO

por Paulo-Roberto Andel


Posso dizer que o último domingo foi um pouco diferente para mim.

Pensando em coisas de tempos atrás, muito tempo, e pesquisando na internet.

Hoje em dia a gente não tem mais os jornais em papel, mas pode navegar pelo Google, pela Hemeroteca da Biblioteca Nacional e achar as coisas mais interessantes em relação tudo que queremos, não é mesmo? Inclusive nossos times, nosso bom e velho futebol.

Num estalo me encontrei com o Fluminense de 30 anos atrás, o de 1991, aquele que tinha dificuldades de grana e conquistas. Passava alguns anos sem ganhar um título, mas reunia uma empolgação, uma beleza que é difícil de descrever, até mesmo de entender. Naquele momento, o Flu tinha acabado de contratar dois jogadores muito importantes: Bobô, que ficou pouco tempo no clube, mas deixou sua marca, e Ézio, um artilheiro que foi galgado à especialíssima condição de super-herói. Enfim, uma figura carismática e fundamental na história do Tricolor.

Abro o velho Jornal dos Sports, que já não é mais cor de rosa na tela do computador, e começo a me deparar com a alegria do Fluminense nas duas primeiras partidas no Campeonato Brasileiro, jogando nas Laranjeiras, fazendo a torcida sorrir e comemorar vitórias sobre Palmeiras e Goiás. Era uma promessa que não se confirmaria, mas que emanava confiança, vontade e prosperidade. O Flu tinha um time humilde, de pouco investimento financeiro e de jogadores em sua maioria desconhecidos, que não seriam campeões, mas queriam disputar títulos.

Aliás, durante todo o tempo em que Ézio passou pelo Fluminense, entre 1991 e 1995, o time disputou títulos. Não deixa de ser irônico que o maior de todos eles tenha sido em seus últimos momentos como jogador do clube, ao dar o primeiro toque no campo adversário, cujo desfecho seria o gol de barriga de Renato Gaúcho.

Ézio era mais do que um grande artilheiro e ídolo do Fluminense. Era um jogador marcado pela simpatia permanente, pela atenção que dedicava a todas as pessoas que lhe procuravam no clube. Não deixava ninguém sem comprimento. Sempre simpático, não deixava alterar o humor. Inclusive no próprio ano de 1995, ele passou por uma má fase, ficou no banco de reservas, mas aceitou sem reclamar. Era um gentleman.

Trinta anos depois, eu lembro de Ézio e da alegria que eu tinha nas Laranjeiras com meu time, mesmo sabendo que eram tempos difíceis tanto para o país quanto para nossa torcida e para mim mesmo. Era difícil, mas bom.

Neste domingo passei por sensações estranhas. Enquanto o Flu perdia o jogo no Campeonato Carioca para a Portuguesa, duas horas depois confirmava sua participação na fase de grupos da Libertadores 2021. Tudo isso sem torcida presente pelo momento em que vivemos, o que é inevitável.

Mas aí pensei tanto naqueles tempos de Laranjeiras, naqueles tempos de torcida unida, de promessa e esperança de quebrar uma situação desagradável que a gente já não conseguia há tempos. Era ilógico para o torcedor do Fluminense ficar anos sem títulos por ser uma situação muito rara, que só acontecera até ali em uma única vez, quando o clube ainda tinha o futebol amador, entre os anos 1920 e 1930.

Bobô era elegância, era sofisticação, um jogador de qualidade refinada misturada com a natural ginga baiana, depois homenageada grandiosamente por Caetano Veloso na canção “Reconvexo”. Deveria ter ficado mais tempo no Fluminense, uma pena.

Ézio logo se deu bem com ele. Era o artilheiro nato, oportunista, vibrante, rápido, que acreditava em todas as chances de gol e não deixava passar nada. Não foi à toa que se transformou num dos maiores artilheiros da história do Fluminense.

Lembro também do meu tempo de garoto. Eu era um jovem universitário Estudava na UERJ. E vivia muito feliz em ver as partidas no Maracanã, bem do lado da minha faculdade, ou em Laranjeiras, geralmente nos finais de semana acompanhando meu clube. Era sempre uma festa aquele lugar, é um barato para se assistir jogos e quem já passou por isso sabe o que eu quero dizer. Laranjeiras tem o gosto da casa dos tricolores.

Trinta anos depois, eu ainda amo bastante futebol, mas bate certa saudade inevitável. Passou rápido demais e tudo está muito vivo em minha memória. Deve ser coisa da elegância sutil de Bobô ou dos gestos precisos de Ézio, o mais humano dos super-heróis.

Nem falei de Válber e Torres, nem do Renato, que na verdade se chama Laércio. Fica para a próxima.

@pauloandel

“TRÍPLICE COROA”?

::::::::: por Paulo Cézar Caju :::::::::


Em minha caminhada pelo Leblon para espairecer testemunho uma cena que retrata exatamente o comportamento de muitos brasileiros. Um rapaz distraído, celular no ouvido, tropeça em um mendigo deitado no chão e segue adiante como se tivesse chutado uma pedra. Nenhum pedido de desculpas, só faltou chamar o gari para retirar aquele entulho do caminho. Alguma diferença da torcida do Palmeiras comemorando, sem máscara, a tal da Tríplice Coroa? Sou do tempo em que só grandes elencos conseguiam tal proeza, mas virou bagunça.

O Campeonato Paulista foi patético, a Libertadores, medonha, e a Copa do Brasil, um fiasco. Mas centenas de palmeirenses, em plena pandemia, com milhares de pessoas morrendo diariamente, resolveram convocar o vírus para a festa e compartilhá-los com suas famílias na volta para a casa. Clubes de outros estados já haviam feito o mesmo. Ninguém se importa mais com o próximo e os próprios políticos seguem com suas farras. Estamos anestesiados, pouco se lixando. O novo normal é um porre. Me dá a impressão que as pessoas estão enlouquecendo.

Como explicar, então, o comportamento de Vagner Mancini após a vitória sobre a Ponte Preta, com um pênalti duvidoso: ‘Esse é o Corinthians que eu quero!”. Meu Deus, estamos fritos! A Ponte está na Segunda Divisão! Péricles Chamusca, treinador do Botafogo, também vibrou com a fantástica vitória de 3×0 sobre o Resende. A Portuguesa lidera o Carioca. Não é surpreendente porque há tempos a zebra pediu as contas, cansou, pendurou as chuteiras. O futebol está nivelado por baixo e, agora, o novo gênio da lâmpada é o português Abel Ferreira, mister do Verdão. Responde as perguntas sempre com rispidez, mas a imprensa é culpada.

Ouvi um comentarista dizendo que ele inovou ao mesclar jogadores jovens com experientes. Peraí, isso faziam antes mesmo de o futebol ter sido inventado! Estamos anestesiados de falta de ideias, sentimentos e critérios. Desde 1994, percebo que resolvemos nos contentar com pouco, mas para muitos a ficha só caiu após os 10×1, sete da Alemanha e três da Holanda. A partir daí, virou banal sermos chacotas, times tradicionais caírem para a Segunda Divisão e acreditarmos que “outro patamar” é sinônimo de extrema qualidade. Viramos bobos, irresponsáveis, alienados. Não precisamos de vacina, mas de um antídoto para eliminar o efeito danoso dessa anestesia.

A PIOR DAS DERROTAS

por Zé Roberto Padilha


Véspera do casamento, me aprontaram uma. A tal despedida de solteiro não autorizada.

Aos 26 anos, virgem etilicamente, desembarquei de Recife, onde defendia o Santa Cruz, na cidade maravilhosa onde almoçaria com minha irmã. No caminho, meu taxi foi interceptado por uma blitz organizada por irmãos, cunhados e amigos.

Passamos toda a tarde fazendo o tour dos botecos. Brindes no Castelinho, chope da Brahma no Caneco 70. Não teve um só bar que não fosse visitado em toda a orla.

Bebia muito pouco porque era obcecado pelo aprimoramento do meu preparo físico. Era ele, nunca tive dúvidas, que me mantinha em cena por 17 temporadas. Graças a tudo que investi treinando forte, dormindo cedo e tomando meu Ovomaltine Crocante do Bobs, poucos treinadores abriam mão do seu formiguinha.

Passava das 19h quando dei entrada no Hospital Miguel Couto. Glicose na veia, nem precisou passar pela triagem. Quando a enfermeira se aproximou para aplicar o soro, meu irmão, notando seu chaveiro rubro-negro, disse a ela:

– Trata com carinho que ele defendeu seu time!

Sua resposta jogou por terra todos os meus cuidados e afundou de vez minha autoestima:

– Agora eu sei porque ele não joga mais!

Inerte, desorientado, tentei me defender mas não tinha mais voz, orgulho, chuteiras, mais nada.

“Agora eu sei porque ele não joga mais!” foi, em toda minha carreira, por não poder sequer marcar os adversários ou dar um chute a gol, a pior das derrotas.