BARBOSA E GARRINCHA
por Leymir Moraes
Os clichês podem apontar Barbosa e Garrincha como personagens antagônicos, um exemplifica o êxtase e a expressão máxima do fundamento mais divertido do jogo, o drible. Garrincha é o maior encantador da história do futebol, sem nunca ter sido um atleta na concepção do termo.
O outro é o atleta dedicado, o multicampeão obscurecido pela nefasta e determinante tarde de 16 de julho de 1950. Sua carreira enfrentou a maior injustiça do futebol mundial, um surto coletivo de frustrações nacionais direcionados a si de forma impiedosa.
Os mais inocentes vivem inúmeros carnavais sem nunca perceber seu quinhão de tristeza, o carnaval como o futebol tem um pé na ilusão e na magia, e outro no drama e na aspereza. Barbosa e Garrincha são personagens emblemáticos que compõem esse ciclo.
Garrincha é um Rei Momo esbelto que posterga a devolução das chaves por 10 anos, de 53 a 63 ele mistura os limites entre fantasia e jogo. Garrincha é um bailarino, Garrincha é um jogador, Garrincha é um redentor? Garrincha é tudo isso, e ninguém poderia com justiça maior ser reconhecido como Alegria do Povo.
Mané é o Rei despojado, alma de criança, sorriso de moleque, é o Rei por direito divino e acaso. O soberano perfeito que nunca percebeu seu reinado.
Barbosa é um rei diferente, majestoso em cada detalhe, das muitas personagens do futebol ninguém teve sua elegância e fidalguia. Barbosa é ao mesmo tempo a lei áurea, a abolição e a justiça racial no gol da seleção brasileira.
O Homem de Borracha, o antigo ponta esquerda do Comercial de SP, o maior goleiro entre todos do seu amado Vasco da Gama, e um dos maiores da seleção em seus gigantescos 1,70 m de altura, sofre em(por?) sua pele um rosário de pesadas injustiças.
Se Garrincha reina despercebido, Barbosa carregou durante a vida o peso de sua coroa de espinhos. Barbosa é o Rei necessário, o que ensina com seus feitos e suas injustas chagas.
Barbosa teve paz, alegria e suporte fora de campo, aquele que uma nação tentou em vão destruir teve em sua querida Clotilde uma intransponível muralha. SClotilde a companheira de toda uma vida, Tereza Borba a quem amou como filha e foi amado como pai, junto a torcida Vascaína, foram seus apoios para que vivesse bem e partisse sereno. O majestoso Barbosa teve o maior prêmio que um homem pode ter, foi amado de perto até seu último minuto nesse mundo.
Garrincha que ao lado de Pelé é o maior de todos que já chutaram uma bola, teve um percurso diferente de Barbosa. Do mundo do futebol ele teve tudo e mesmo com suas pernas arqueadas sustentou “sozinho” o peso de uma Copa do Mundo, ninguém em mundial algum jogou como Garrincha em 62.
Mané, o resumo perfeito da alegria no campo de jogo, teve um final conturbado frente ao único adversário capaz de pará-lo, as perplexidades da vida e seu fardo.
Não lhe faltou o amor da família, não lhe faltou o reconhecimento do povo e nunca faltou a devoção da torcida do Botafogo, ainda assim Garrincha, a alegria do povo, parte cedo e amargurado aos 49 anos de idade.
Um carregou o rosário de expiações dentro de campo e outro fora dele. Parece completamente inverossímil, mas mesmo os melhores jogadores de futebol são compostos de carne, osso e alma, e nesse particular igual a todos nós meros mortais. É injusto, pode ser? Mas é como é a vida.
Garrincha nunca foi só alegria, como Barbosa não foi só tristeza, o carnaval e o futebol são assim um pé na ilusão e na magia, e outro no drama e na aspereza.
Dois homens eternos, dois dos arquitetos do amor do povo brasileiro pelo esporte que explica e expõe no seu melhor e no seu pior, parte da identidade nacional.
Os queridos e eternos Barbosa e Garrincha são o ciclo perfeito de dor e alegria que representa o palco iluminado e o bastidor solitário do futebol.
Dois gigantes que descansam sob seus imensos legados, Manoel Francisco dos Santos e Moacir Barbosa Nascimento, a quem sou profundamente grato de nascer após a eles e ser sabedor de suas fantásticas histórias!
Títulos Barbosa:
Vasco da Gama
Campeonato Sul-Americano de Campeões: 1948
Campeonato Carioca: 1945, 1947, 1949, 1950, 1952 e 1958
Torneio Início do Campeonato Carioca: 1948
Torneio Rio-São Paulo: 1958
Torneio Municipal de Futebol do Rio de Janeiro: 1947, 1948
Torneio Quadrangular do Rio: 1953
Torneio de Santiago do Chile: 1953
Torneio Octogonal Rivadavia Corrêa Meyer: 1953
Santa Cruz
Torneio Início de Pernambuco: 1956
Seleção Brasileira
Copa Roca: 1945
Copa Rio Branco: 1947, 1950
Copa América: 1949
Individual
Terceiro Melhor Goleiro Brasileiro do Século XX
Títulos Garrincha:
Torneio Quadrangular Interestadual: 1954
Taça Brasil-Colômbia: 1954
Torneio Internacional da Costa Rica: 1961
Torneio Pentagonal do México: 1962
Copa Ibero-Americana: 1964
Torneio Rio-São Paulo: 1962, 1964
Taça dos Campeões Estaduais Rio-São Paulo: 1961
Campeonato Carioca: 1957, 1961, 1962
Torneio Início: 1961, 1962, 1963
Corinthians
Torneio Rio-São Paulo: 1966
Copa Cidade de Turim: 1966
Seleção Brasileira
Copa do Mundo FIFA: 1958, 1962
Taça Bernardo O’Higgins: 1955, 1959 e 1961
Taça Oswaldo Cruz: 1958, 1961 e 1962
Superclássico das Américas: 1960
Prêmios individuais
Melhor jogador da decisão da Copa Interstadual de Clubes: 1962
Melhor jogador do Campeonato Carioca: 1957, 1961 e 1962
Bola de Ouro da Copa do Mundo da FIFA: 1962
Equipa das estrelas da Copa do Mundo da FIFA: 1958, 1962
Segundo Maior jogador Brasileiro do Século XX IFFHS (1999)
Quarto Maior jogador Sul-americano do Século XX IFFHS (1999)
Oitavo Maior jogador do Mundo do Século XX IFFHS 1999
Décimo Terceiro Maior jogador do século XX pela revista – France football: 1999
Vigésimo Maior jogador do século XX pela revista Inglesa World Soccer: 2000
Sétimo Maior Jogador do Século XX pelo Grande Júri FIFA (2000)
Seleção de Futebol do Século XX
Bola de Ouro Dream Team: Melhor Ponta Direito da História – segundo esquadrão
SOBRE TRAUMAS, SERRAS E TRAGÉDIAS
por Zé Roberto Padilha
De vez em quando, acordo de madrugada com aquele barulho. Deve ser o mesmo que minha gata, a Liz, levanta suas orelhas quando chove muito. Ela, outra sobrevivente, foi resgatada daquela tragédia na Serra de Itaipava em 2010.
No caso dela, choveu tanto que as encostas foram cedendo e saíram cobrindo de lama casas, resorts, animais e moradores. No meu, foi durante a inauguração do Estádio Serra Dourada, entre Fluminense x Goiás. Por lá, uma patada atômica desferiu uma bomba para cima de mim.
Pelo tamanho, ficava no primeiro pau para desviar a bola, mas o corner batido pelo Gil foi bem alto. A zaga rebateu e Rivelino, que ficava fora da área esperando um rebote, pegou de primeira.
O míssil veio na velocidade da luz, passou a 2 cm da minha cabeça, explodiu na trave e voltou quase na intermediária. Não deu tempo nem de desviar, muito menos sair do lugar.
As pernas travaram, só ouvia as súplicas do Zé Mário diante do contra ataque do time da casa: “Volta, Zé!!”. Certas noites, quatro décadas depois, elas mal reagem para sair da cama, quanto mais voltar no dia para marcar.
Até hoje, geólogos e marceneiros estudam as causas das tragédias. Da Serra de Itaipava, cujas encostas ruíram, no Serra Dourada, onde a trave balança até hoje. Enquanto picólogos tentam explicar a minha e a Liz continua apenas recebendo, durante os temporais, afagos e carinho, quando levanto elevo as mãos para os céus e agradeço muito.
Porque foi apenas por 2 cm que escapei.
O FUTURO É O VAR
:::::::: por Ricardo Dias ::::::::
Meu querido Arnaldo Cesar Coelho que me perdoe, mas o futuro é o VAR. Um VAR melhor, evidentemente, mais rápido e sem camisa de time nenhum, com profissionais especializados, treinados para isso. Afinal, se o cara é ruim no campo, o será em qualquer lugar. E vejo a tragédia que é sua falta no Campeonato Carioca. Não assisto a muitos jogos, me detenho mais no meu Fluminense, mas a quantidade de erros básicos é assustadora. E nem chamo de roubo, não, é incompetência mesmo.
Antes de chegar à minha tese, gostaria de uma reflexão sobre juízes e técnicos. O sujeito rala, e muito para chegar a uma Série A. Chega no campo, como juiz, e fica olhando para ontem, perdendo jogadas óbvias. Se técnico, faz um gol e recua o time. Os erros são muito maiores, mas simbolizo nessas duas características. Um dia volto ao tema.
Voltando às minhas ponderações sobre o VAR, vemos que algumas de suas limitações estatutárias não fazem sentido. Por exemplo: o VAR pode chamar o juiz no caso de achar que um atleta mereça ser expulso, mas não para um cartão amarelo. Porém, se o jogador faz algo que mereça um SEGUNDO amarelo, e consequentemente, a expulsão, o VAR nada pode fazer…
Algumas pessoas, cujo raciocínio não alcanço, dizem gostar dos erros de arbitragem, pois dariam “sabor” ao jogo. Imagino que torçam para algum hipotético time que, ano após ano, receba ajuda da arbitragem. De minha parte, quero que o resultado seja sempre cristalino.
Outro uso para o VAR é ouvir o que é dito no campo. Alguns juízes, portadores de enormes tuberosidades isquiáticas (também conhecidos como “bundões”) aceitam tudo que lhes é dito, e não fazem nada para proteger os auxiliares, os “bandeirinhas”. Simples: o VAR, ouvindo ofensas, aplica o cartão devido, no mínimo o amarelo.
-Mas Ricardo, isso tira a autoridade do juiz de campo!
-QUE autoridade? Se o cara não toma nenhuma atitude, alguém tem que tomar. E vale para qualquer erro flagrante do juiz, em que não caiba interpretação.
Também poderia caber ao VAR corrigir marcações erradas, como corneres ao invés de tiro de meta e vice-versa, ou laterais invertidos. Não demanda tempo, viu, marcou, acabou o assunto. Outra coisa que facilitaria a arbitragem seria acabar de vez com o carrinho. O jogador pode até deslizar para pegar a bola, mas se em qualquer momento atingir o adversário, falta. Sola, idem, é falta e sem interpretação. Isso tudo protege o craque (supondo que ainda tenhamos algum jogando por aqui), e deixa o jogo mais limpo. Cera, também, caberia a um cronometrador na cabine, incluindo os sempre ignorados 6 segundos que o goleiro tem para repor a bola. Também poderiam manter os 5 minutos de parada técnica em todos os jogos. É sempre importante dar chances ao técnico de fazer bobagem!
Profissionais poderão ponderar, porém, pontuando a pouca possibilidade de percepção de problemas presencialmente, que pode a peleja passar a pobre em pelintragens. Alguns acham que malandragem é bom. Já foi, é de uma outra época, quando piadas com pretos e gays não eram problema, quando o machismo imperava – ok, ainda impera – e os dinossauros dominavam a Terra. Precisamos de um esporte limpo, bonito, que valorize a arte e proteja o craque. E os erros vão continuar acontecendo, para os doidos que gostam deles; nada é perfeito.
Alguém aí tem o zap do International Board para eu enviar essa crônica para eles? E estão todos convidados para a solenidade em que eu serei reconhecido como o salvador do futebol. Vou só precisar de um fraque emprestado.
O CRAQUE DO BRASIL EM 1985
por Luis Filipe Chateaubriand
O ano de 1985 se mostrou de difícil prognóstico, no que diz respeito à escolha do melhor jogador do Brasil do ano.
Isto porque dois grandes jogadores estavam no páreo para “abocanhar” a honra.
Um deles era Marinho, ponta direita do Bangu.
Ágil, serelepe, intenso, era um jogador que fazia a diferença para o clube da Zona Oeste carioca, tendo sido o principal artífice da presença do alvi rubro nas decisões de Campeonato Brasileiro e Campeonato Carioca do ano.
O outro deles era Careca, centroavante do São Paulo.
Visão de jogo privilegiada, noção de onde o gol estava bastante acurada, drible de alta capacidade, jogo vertical, domínio de bola virtuoso, era o homem gol que todos aplaudiam em terras tupiniquins, tendo conquistado o Paulistão do ano.
Sendo ambos jogadores bastante capacitados, Careca foi artilheiro e campeão, Marinho não.
Assim, o melhor jogador do Brasil em 1985 foi Careca, com louvor!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
FUTEBOL RAIZ
::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
A novidade da vez são os 12 clubes da Europa criando a Super Liga das Campeãs com uma premiação estratosférica. Podiam batizar essa Liga de Cube do Riquinho. Acreditem, nessa briga não tem mocinho. FIFA e UEFA abriram a caixa de ferramentas e ameaçaram até chamar o Japonês da Federal caso os rebeldes insistam em seguir em frente com a ideia. Mas eles que se resolvam por lá. A verdade é que o futebol mundial há muitos anos, me perdoem a expressão, é uma zona e esse movimento só está acontecendo por conta dessas guerras políticas e de patrocinadores.
Aqui não é diferente, vejam o histórico de confusões da Conmebol. Esse mundial de clubes serve apenas para iludir torcedores e os clubes europeus estão pouco se lixando. Já foi Copa Toyota, depois Santander, passou para Bridgestone e, agora, Conmebol. É bom lembrar que movimentos como esse da Super Liga são totalmente elitistas e lembram o Clube dos 13. Depois não sabem como alguns clubes tradicionais desapareceram do mapa. Por isso, sou fã incondicional dos regionais, muito mais democráticos. Adoro a Copa da França, inglesa e a nossa. Gosto de ver uma Portuguesa jogando bem contra o Flamengo, Boavista encarando o Vasco.
Esse é o verdadeiro papel das federações, não deixar que clubes como Portuguesa Santista e América, por exemplo, quebrem. Mas isso acontece em todas as áreas. Comecei no futebol de salão e volta e meia aparece uma nova federação querendo derrubar a outra. Será que realmente estão preocupadas com a modalidade. Mudam regras, criam regulamentos esdrúxulos e afastam as torcidas. Na minha época, existiam vários clubes de bairro, Magnatas, São Cristóvão Imperial, Grajaú Tênis Clube, Imperial, Minerva, Carioca, Vila Isabel e as quadras viviam lotadas. Aí chega um esperto, um executivo e monta uma federação para caçar níquel, mexer em time que está ganhando.
O que houve com as competições regionais de futebol de salão? Nunca mais surgiram Vevés, Tambas e Sergio Sapos e clubes com uma história riquíssima, como o Vila Isabel, estão sendo demolidos. O mesmo aconteceu com o futebol de praia. Recebi essa foto pelo zap e, confesso, chorei. Foi impactante para mim porque me remeteu a um tempo maravilhoso, carregado de pureza e alegria. É o time do Columbia, o verde e preto do Leblon. Nessa foto, talvez eu já tivesse até sido campeão, não lembro. Pouco importa, seria logo depois.
Nosso campo era entre a Rua Rainha Guilhermina e o final do Leblon. Tínhamos dois técnicos, Aurélio e Seu Edu, e os jogos eram diários, entre nós mesmos, sempre às cinco da tarde. Com um pedaço de carvão, Aurélio escalava titulares e reservas na escada de acesso à areia. As competições atraiam milhares, e eram milhares mesmo, de torcedores. Tinha o Juventus, Real Constant, Maravilha, o Lá Vai Bola, o Lagoa, o Dínamo, Grêmio do Leblon, Copaleme, Radar, Tatuís e tantos outros.
Aí virou beach soccer, a tevê se meteu no meio, criaram uma infinidade de regras, surgiram federações e seus “especialistas” querendo comandar o show e deu no que deu, enterraram todo o encanto. Nessa foto, em pé da esquerda para a direita estão meu irmão Fred, Gilo, que funcionava como goleiro e centroavante, Manoel, habilidade pura, meu primo Ronaldo Luiz, e o lateral Reinaldo, muito veloz e que dificilmente era driblado. Agachados, o centroavante Roberto, o volante Léo Júnior, que chegou a jogar no Flamengo e Vitória, Lauro, cracaço que tentei levar para o Botafogo, Julinho Capenga, que esbanjava categoria, e eu. Caminho sempre pelo Leblon e nunca mais vi times treinando. Com alguns desses craques mantenho contato, mas Julinho Capenga nunca mais vi.
Outro dia me sentei em um banco do calçadão e olhei para o chão. Hoje, os gigantes, os dirigentes glutões, brigam por cotas milionárias e megas patrocinadores, mas não tem verba para ajudar as escolinhas das favelas, cuidar dos campos esburacados dos clubes de menor poder aquisitivo. Saudade de Aurélio e sua pedra de carvão, do futebol de onde vim.