VESTIR A CAMISA DO AMÉRICA, O SONHO DE UM RUBRO-NEGRO QUE NUNCA SE REALIZOU
por Victor Kingma
Meus maiores ídolos no futebol sempre foram Almir, o Pernambuquinho, e Zico. Fato já relatados em alguns textos e até em um de meus livros.
Entretanto, em relação à camisa dos clubes, sempre tive um fascínio pela camisa do América. Desde quando a vi pela primeira vez na capa da Revista do Esporte, que trazia os meios campistas Amaro e João Carlos, lá no início dos anos 60.
Mais tarde, como meia-direita de boa técnica no time do São Mateus, que tinha o mesmo nome do bairro onde eu morava, em Juiz de Fora, sonhava um dia vestir aquela camisa vermelha cor de sangue. Isso embora a minha paixão rubro-negra jamais deixou de existir.
O sonho nunca se realizou. Não por falta de talento, mas devido ao abismo que havia naqueles tempos entre o futebol do interior e os grandes times da capital.
Joguei em vários times amadores de Minas Gerais, mas nenhum deles tinha a camisa vermelha, para, pelo menos, satisfazer aquele meu desejo de boleiro.
Bem, mas de repente surgiu a oportunidade: um novo clube foi fundado no vizinho bairro do Altos dos Passos. O nome: América Futebol Clube. Logo veio o convite para eu mudar de ares.
Não hesitei, aceitei na hora. Finalmente ia realizar o meu sonho de vestir a camisa encarnada.
Fiz apenas uma exigência: queria usar a número 10, do grande ídolo Edu, irmão do menino Zico, que começava a despontar como ídolo na Gávea.
Só que no dia da estreia, veio a surpresa quando o técnico distribuiu as camisas verde e preta do América Mineiro, paixão do fundador do time.
Fiz a estreia, até marcando um gol com o número da camisa de Jair Bala, craque do time mineiro. Mas ficou uma certa frustração.
Anos depois, já como meio campo do time do Guarany, de Mantiqueira, onde eu era o craque e capitão do time, veio outra oportunidade de vestir a camisa vermelha.
As cores do nosso time combinavam o vermelho e o branco, mas, naquele ano, a diretoria resolveu inovar. Mandou confeccionar um uniforme com camisas totalmente vermelhas, idênticas às do América. Acho que até por influência minha, pois eu vivia falando da beleza da camisa americana.
Entretanto, no dia da estreia, nova frustração: já estávamos no aquecimento, eu com a reluzente camisa 10, do astro Edu Coimbra, quando chega a notícia: o uniforme do time visitante também era vermelho e eles não tinham camisas reservas.
Como anfitriões, tivemos que trocar de camisas e entramos em campo com a camisa branca com listras vermelhas.
Foi, acredito, a minha última partida oficial como jogador de futebol.
Pouco tempo depois, comecei a minha a vida profissional em Volta Redonda.
E a minha jornada dentro do campo ficou para trás.
Para matar a saudade dos gramados restaram os rachas com os inesquecíveis amigos de trabalho na CSN.
O futebol sempre será a minha paixão, agora como torcedor e escriba.
Dos tempos de jogador, além das belas lembranças, ficou a frustração por jamais ter disputado uma partida sequer com a cor da camisa que acho a mais bonita.
Depois da rubro-negra, é claro!
DECADENTES
por Rubens Lemos
Olhávamos para as caras amarradas e o passado atestado na barba imensa. Éramos meninos, eles na faixa entre 30 e 40 anos. Lá estavam os sofredores do Botafogo. Viviam a psicose dos 21 anos sem títulos. Se recusavam a pronunciar a escalação medonha, exceto o craque Mendonça, falecido em 2019.
Os torcedores de outrora repetiam:
– Há coisas que só acontecem ao Botafogo!
Estavam certos. O Botafogo que eles tragavam com prazer acabara em 1968 com Cao, Moreira, Zé Carlos, Sebastião Leônidas e Valtencir; Carlos Roberto e Gerson; Rogério, Jairzinho, Roberto Miranda e Paulo César Caju. Um timaço que não tinha medo do Santos de Pelé. Do Corinthians de Rivelino. Nem do Cruzeiro de Dirceu Lopes e Tostão, muito menos do Flamengo de Silva Batuta.
O Botafogo vendeu Gerson ao São Paulo, Paulo César ao Flamengo, Jairzinho ao futebol francês e, tempos depois, em 1972, passou a contar com a solitária maravilha do potiguar Marinho Chagas.
O Botafogo achava normal empatar com o Olaria, ganhar de 1×0 do São Cristóvão e perder de 3×1 do Bonsucesso, times pequenos e tragados pelos ventos secos da mediocridade.
Nós, os mais novos, ouvíamos histórias contadas nas emoções detalhistas. A final de 1968 (4×0 no Vasco), a busca frenética pelos lançamentos de Gerson, as arrancadas de Jairzinho, o biquinho abusado do estilista Paulo César Caju.
Quando as lendas eram esmiuçadas, o Botafogo era um pobre time montado e envergonhado em doses etílicas. Sua camisa sacra vestia Wecsley, Gaúcho Lima, Tiquinho, Ademir Vicente, namorado da cantora Vanusa, Té, Ataíde, Mirandinha e Lupercínio. Faltava um violão para as canções melosas de Orlando Silva, um dos reis da dor de cotovelo.
Nós, os piedosos com os botafoguenses, variávamos dos 10 aos 15 anos. Parecíamos vascaínos felizes, ainda que apanhássemos do Flamengo de Zico e das arbitragens desavergonhadas.
O Vasco escalava bons times liderados por Roberto Dinamite. Havia Acácio, começando debaixo das traves, Orlando Lelé e suas chuteiras homicídas.
Tínhamos Guina, um meia de quem lembramos pouco, Wilsinho, Zé Mário, senhor volante e reforços pontuais: Jorge Mendonça, meio-campista artilheiro, Paulo César Caju, Elói, estupendo criador, o artilheiro Arthurzinho e um jovem armador que, em torno de si, criou uma época: o Vasco de Geovani.
Envelhecemos empanturrados de troféus: uma Libertadores, quatro Brasileiros, seis Cariocas e presença constante em decisões. Esse era o Vasco quando fomos meninos parecidos com os do Botafogo.
Estamos fartos de mediocridade. Temos Thales Magno, Marrony, Vinícius, Parede, Gustavo Torres, Catatau, Felipe Bastos e um Jardim Zoólogico de leões medrosos, tigres sem dentadura e jacarés preguiçosos. Somos, agora, o que os botafoguenses na faixa dos 60 anos, foram para nós: homens tristes e revoltados.
O Botafogo está na Segunda Divisão. Humilhado, despedaçado, entristecendo o paraíso de Garrincha, Didi e Nilton Santos. O Vasco caiu com seu timeco. Para tristeza eterna de Bellini, Orlando Peçanha e Vasco.
Os três mencionados do Botafogo e o trio do Vasco foram campeões do mundo, titulares da seleção brasileira de 1958. Hoje, rebaixados para a Série B do Brasileirão, Vasco e Botafogo erguem a Taça dos Miseráveis, apogeu da decadência.
O SOTAQUE DE LUIS PEREIRA
por Joel Prado
Revendo a resenha do Museu da Pelada, sobre o grande Luis Pereira, lembrei quando ele pegava a bola na defesa do Palmeiras e seguia em linha reta, trocando passes, passadas largas, em direção ao gol adversário, pela mesma avenida usada habitualmente pelo maestro Ademir da Guia. Nasceu com o talento de ótimo defensor, mas se realizava com os gols que fazia. Pernas voltadas para dentro, como a se prevenir por natureza de levar uma caneta de um atacante atrevido.
Após a Copa de 1974, ele e Leivinha, para nossa tristeza, foram contratados pelo Atlético de Madrid, conseguindo por lá o mesmo sucesso que tinham por aqui. Um capitulo à parte, para o Mundial de 1974, Zagallo levou seis jogadores do Palmeiras, mas se não fosse pra usar, pra que levar a espinha dorsal do maior time da época?
O que me trouxe à lembrança, foi uma entrevista dada por Luis Pereira pouco tempo depois em visita ao Brasil, em que falava com um sotaque tão acentuado, como se fosse nativo da Espanha, para quem no tempo na Capital Paulista pouco sotaque o remetia à sua Bahia, já se vislumbrava o futuro em terras espanholas, onde fixou residência.
PEQUENAS LEMBRANÇAS DA META AMERICANA
por Paulo-Roberto Andel
Acabei de espiar ótimas crônicas de “O nosso futebol”, livro de Fernando Calazans, decano da imprensa esportiva, e li sobre Pompéia, o mitológico goleiro do America campeão de 1960 e que jogou mais de uma década pelo clube.
Calazans contava sobre a dificuldade crônica de Pompéia em guardar nomes de companheiros de time, chamando-os pelo número às costas: “Vai, três”, “Chega junto, dois” e por aí vai. Em certa ocasião, num jogo festivo de seleções no Maracanã, o goleiro seguia sua praxe de batizar os companheiros pelos números, marcando em cima o lateral-esquerdo: “Vamos, seis, entra firme”, “Cadê o seis” e tal. Em certo momento, irritadíssimo, o jogador simplesmente saiu de campo, foi até o banco de reservas e disse “Por favor, ponha outro em meu lugar. Não posso jogar num time onde o goleiro não sabe meu nome”. Fazia sentido: era ninguém menos do que Nilton Santos, a Enciclopédia.
Descontadas as hipérboles, Pompéia foi um dos grandes goleiros da história do futebol brasileiro. É curioso saber que no começo da carreira jogava como artilheiro, assim como seu apelido ter vindo do seu gosto em desenhar Popeye, o marinheiro, quando criança em Minas Gerais: os amiguinhos não acertavam o nome do personagem, então virou Pompéia. Anos mais tarde, Pompéia ganharia o apelido de “Constellation”, famoso avião da época, em alusão a seus voos acrobáticos para fazer as defesas, sendo o autor do apelido outro gigante: o narrador Waldyr Amaral. Tudo bem diferente dos seus anos finais de vida, quando amargou enorme sofrimento e penúria, mas pelo menos ficou uma história espetacular, digna de livro.
E eu, que não vi Pompéia jogar mas sempre ouvi falar de sua fama, depois fiquei a pensar em outros goleiros americanos. Quando garoto, em fins dos anos 1970, vi País em campo, já devidamente celebrado neste Museu da Pelada. Tinha o Ernâni, que passou pelo Santos e atuou na partida de despedida de Pelé pelo Cosmos de Nova York. E também Jurandir, que tinha se destacado no Campeonato Carioca naquela época.
Ainda nos anos 1980, o America teve no gol nomes de muita expressão, tais como os saudosos Gasperin (Campeão dos Campeões em 1982) e Waldir Peres (goleiro da Seleção Brasileira). Por lá também passou outro goleiro de Seleção: Paulo Sérgio. E na última grande campanha nacional do America, o goleiro Régis, excelente debaixo das traves e fera jogando na linha em treinos e peladas. E bem antes destes, mas depois de Pompéia, o America teve Rosan no gol, também registrado nos jornais de então como Rosã, que marcou presença no final dos anos 1960.
Numa breve espiada, em amostra pontual, logo se vê quantos nomes importantes defenderam a meta americana ao longo de sua história, fruto de uma longa tradição que começou nos anos 1910, mais precisamente em 1911, quando o goleiro do America era ninguém menos do que Marcos Carneiro de Mendonça, antes de se transferir para o Fluminense e marcar seu nome de vez, tanto quanto primeiro goleiro da Seleção Brasileira e também como campeão. A começar pelo gol, o velho America tem histórias demais.
@pauloandel
O CRAQUE DO BRASIL EM 82
Por Luis Filipe Chateaubriand
Em 1982, algo não mudou em relação a 1980 e 1981: o melhor jogador de futebol do país foi, novamente, o tal Arthur Antunes Coimbra, o Zico!
No Campeonato Brasileiro de 1982, conquistado pelo Flamengo, Zico se destacou em três atos:
a) No primeiro ato, no jogo semifinal contra o Guarani, em Campinas, marcou três golaços, levando o time para a final;
b) No primeiro jogo da final contra o Grêmio, no Maracanã, tomou o gol aos 38 minutos do segundo tempo e, em seis minutos de um recital de futebol, só faltou fazer chover, empatou o cotejo aos 44 minutos do segundo tempo, evitando a perda do título quase certa;
c) No terceiro jogo da final, meteu uma “caneta” em um atleta gremista e, em seguida, deu passe magistral para Nunes fazer 1 x 0 – o gol do título.
Assim, o Flamengo era campeão brasileiro pela segunda vez, tendo em Zico seu principal jogador – o melhor jogador do ano.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!