O JOGADOR MODERNO
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
No futebol do novo normal o professor aluga um campo de grama sintética, impecável, para organizar uma peneira. Abandonou seu emprego de corretor imobiliário para investir no mercado milionário do futebol. Maquininha de cartão de crédito em punho cobrou cinquenta reais pela inscrição e arrecadou uma boa grana. Mas para serem aprovados os meninos precisavam responder um rigoroso questionário.
– Nome?
– Me conhecem por Sirleizinho.
– Esquece, tem que ser nome composto. Sugiro Ricardo Felipe.
– Quantas tatuagens tem?
– Duas.
– Não estou vendo nenhuma. O ideal é fazer uma no pescoço e uma em cada braço.
– Seu corte de cabelo é inspirado em qual jogador?
– Gabigol!
– Perfeito! É só manter nesse tamanho e alterar a coloração mensalmente. Por favor, mostre a coxa.
– Assim está legal?
– Olha, precisa ganhar mais músculos para chamar a atenção quando levantar o short. E também sugiro uma tatuagem de dragão na coxa.
– A sobrancelha é feita regularmente?
– Sim, mas esqueci o piercing de nariz em casa.
– Piercing é fundamental!
– Qual a sua posição?
– Zagueiro.
– Quer um conselho? Invista em uma barbona!
– Altura?
– Um e noventa e oito.
– A chance de entrar como titular é grande. Tá vendo aqueles dois baixinhos ali? Nem vou me alongar na entrevista com eles.
– Já comprou seus fones de ouvido?
– Tenho três.
– Como está sua velocidade, tem assistido os vídeos de Usain Bolt sugeridos por nossa comissão técnica?
– Claro! Meu condicionamento físico está 100% e também pratico UFC.
– Perfeito! Parabéns!
– Por favor, pegue aquela bola da beira do campo tente arremessá-la com as mãos dentro da grande área.
– Que maravilha! Está bem de carrinhos?
– Dou ótimos carrinhos e também sei simular faltas, tenho treinado muito.
– Olha, estou impressionado com o seu desempenho.
– Para a comemoração dos gols preparou alguma dancinha?
– Todas foram ótimas, mas gostei muito dessa da reboladinha até o chão.
– Você saiu-se muito bem e pode retornar amanhã, mas leve essa cartilha porque é importante aprender o que é bochecha da rede, último terço, beirinha de campo e outros termos que estão destacados aí.
– Estou emocionado, sempre sonhei com esse momento. Sorte não ter caído dribles e lançamentos nessa prova. Confesso que sou quase zerado nesses quesitos.
– Seu empresário já havia me alertado sobre isso. Deixe de lado essas bobagens e vá providenciando o passaporte e coloque uma coisa em sua cabeça a Escolinha do Neca fechou, ficou ultrapassada, e nós damos as cartas. Faça sua tatuagens e deixe o resto comigo!
Em tempos de “modelo de jogo”, encontramos a passarela perfeita para os manequins desfilarem seus estilos!
A MALDIÇÃO DE ARUBINHA DO ANDARAHY
por PH Gomes
Foto do Arubinha. Fonte: Sport Ilustrado, edição 265, de 1943.
Um acidente. Com jogo atrasado. 12 a 0. Quatro gols de Niginho. Uma costela quebrada de Oscarino. A maldição de Arubinha contra o Feitiço do ataque dos Camisas Negras. Uma história que virou lenda e tornou o futebol carioca ainda mais curioso.
Lá nos anos de 1920 e 1930, os Camisas Negras inscreveram o nome do Vasco da Gama na eterna história de títulos do futebol carioca. Era o time a ser batido. Era o favorito das finais. Enfrentá-lo era sinal de derrota ou vitória sofrida, especialmente pelos times do subúrbio carioca. Por outro lado, o Andarahy Athletico Club era o time da fábrica, dos trabalhadores da Confiança, do misterioso zagueiro Dondon da canção do vascaíno Nei Lopes. Em 29 de dezembro de 1937, haveria mais um confronto dos Jaquetas Verdes contra o vitorioso Camisas Negras. O resultado? Sem milagres ou novidades – vitória maioral do Vasco da Gama. O que mais chamou atenção? O acidente envolvendo os jogadores vascaínos a caminho do jogo na cancha das Laranjeiras. Apesar do susto, o Diário A Noite noticiava: “Todos bem, apesar da costela partida de Oscarino”. O que ficou na história? A Uruca dos 12 anos. Como assim?
Notícia do jogo. Fonte: Diário A Noite, edição 9298, de 30/12/1937.
O Andarahy enfrentou um verdadeiro bombardeio, sem dó, nem piedade. Ao final do jogo, os jogadores estavam desnorteados. Arubinha, reserva do time, espectador do desastre e treinado na mandinga, não se fez de rogado e transformou sua fúria numa maldição contra o Vasco da Gama: 12 gols, 12 anos sem glórias no futebol carioca. Na surdina, foi a São Januário e enterrou um sapo na cancha vascaína. História verídica? Não se sabe. Mas, a partir daquele jogo, os Camisas Negras tiveram muitas dificuldades para ganhar jogos e títulos. Até 1945, nenhum título carioca, muita perturbação e incredulidade. A Cancha de São Januário foi revirada aos quatro cantos. Nenhum vestígio de sapo ou mandinga foram encontrados. Verdade ou não, a uruca de Arubinha durou apenas nove anos, quando o Vasco de Ondino Vieira quebrou o encanto obtendo o cetro de 1945 e nos anos posteriores alcançou as cabeças das competições locais. Por certo, o voluntarioso e místico Arubinha, do banco de reservas dos Jaquetas Verdes, assinou seu nome na história do Futebol Carioca e virou até estampa de camisa.
FEDERAÇÃO SUBURBANA: NOTÁVEL INICIATIVA DE MÁRIO CALDERARO AGRUPOU TIMES DO SUBÚRBIO CARIOCA
por André Luiz Pereira Nunes
Graças aos notáveis esforços de Mário Calderaro, então presidente do Engenho de Dentro Atlético Clube, em 24 de agosto de 1936, foi fundada a Federação Atlética Suburbana em conferência realizada na sede da mencionada agremiação alvi-anil, campeã carioca, em 1925, pela Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT).
O projeto foi corroborado pelo experiente desportista Benedito Sarmento, o qual tivera marcantes atuações na crônica esportiva e como representante da Associação Atlética Suburbana, Liga Brasileira, Liga Metropolitana e outras entidades que impulsionaram o esporte menor na cidade do Rio de Janeiro. Sarmento, que granjeara grande simpatia nas rodas esportivas, morreria a 25 de junho de 1938.
Já o dinâmico Calderaro, residente à Rua Dr. Bulhões 77, tinha a intenção de reunir e valorizar os pequenos times, notadamente os do subúrbio da Central, que eram costumeiramente desprezados e excluídos pelas ligas que organizavam o futebol carioca. Seu clube, o Engenho de Dentro, sofria essa mesma segregação. Mesmo tendo se sagrado campeão da Sub Liga Carioca, em 1935, fora preterido no ano seguinte do certame principal da Liga Carioca de Football, criada dois anos antes, e precursora da profissionalização do esporte no Brasil.
– O meu clube sentiu-se ferido nos seus direitos a partir da escolha do Jequiá e da Portuguesa para figurarem no campeonato da Liga Carioca, visto que fomos campeões, em 1935, da Sub Liga, declarou na ocasião ao jornal O Imparcial.
Engenho de Dentro AC, Del Castilho FC, Modesto FC (Quintino), CA Central (Engenho Novo), Adélia FC (Engenho de Dentro), Mavílis FC (Caju), Ríver FC (Piedade), SC Abolição, Magno FC (Madureira) e SC América (Lins de Vasconcelos) estiveram presentes na convenção inaugural. O Ramos FC também compareceu, mas por conta da repercussão do encontro, passou a fazer restrições quanto a sua participação. Segundo o seu presidente, Vitório Caruso, a adesão definitiva não se concretizaria, pois considerava que a reunião tinha apenas caráter preparatório. O motivo, no entanto, era bem outro. Por ser filiado à Liga Carioca, temia uma punição e a sua consequente desfiliação.
A assembléia, presidida por Calderaro, proclamou presidente da nova entidade Manoel de Oliveira Brandão Sobrinho, então mandatário e principal esteio do Del Castilho, falecido a 15 de julho de 1947. Entre os dirigentes fundadores, se encontravam presentes, além dos já mencionados, Victor Paolino, José Carvalho Barbosa, Manoel Afonso Lisboa, João Machado, Mário Natividade, Oscar Jacques, entre outros.
Participaram do certame: Ríver, Adélia, SC Oposição, Abolição, Del Castilho, Central, Magno, Modesto, Mavílis, Engenho de Dentro, SC Mackenzie e Argentino FC (Cascadura). O Modesto sagrou-se campeão do Torneio Início, disputado no campo do Ríver, na Avenida João Pinheiro, enquanto o Del Castilho foi o vice-campeão. Pelo Campeonato Suburbano, o SC Mackenzie, do Méier, foi o vencedor inaugural, enquanto o SC Abolição, o qual possuía campo na Rua Cantídia Maciel, no Largo da Abolição, por onde passavam os bondes de Cascadura e Engenho de Dentro, o segundo colocado.
Mário Calderaro era uma figura muito conhecida no subúrbio carioca. Além do Engenho de Dentro, presidira a Associação Comercial Suburbana e fora sócio do Vasco da Gama. Contava com apenas 39 anos, quando em 28 de janeiro de 1940, menos de um mês após assumir a presidência da Federação Atlética Suburbana, se encontrava presente ao campo da Rua Henrique Scheid para assistir a partida entre Adélia e Ideal, de Parada de Lucas. No momento em que o Adélia consignava o segundo tento, Calderaro deixou-se contagiar pela emoção, o que foi fatal para seu coração cansado de vibrar durante as competições esportivas. Socorrido imediatamente, foi levado a um automóvel, o qual rumou rapidamente para o posto de assistência do Méier, mas durante a viagem sobreveio a morte.
Quando planejava quatro anos antes fundar uma entidade nos moldes da Federação Suburbana, poucos foram os que acreditaram na sua realização. Mas contra todos os entraves, desavenças e descrenças, enfrentando os obstáculos que lhe antepunham, conseguiu tornar realidade o que constituiu um motivo de orgulho para o esporte carioca. Quis o destino que falecesse justamente em seu posto de honra e no mesmo local onde seu clube tivera seus maiores dias de glória.
Desfrutando de um largo círculo de relações, se impusera à admiração de todos pela sua dedicação e abnegação à causa das pequenas agremiações dos subúrbios. Com a sua morte, perdeu o esporte menor um dos seus mais abnegados defensores, um verdadeiro benemérito de sua causa. Hoje seu nome batiza uma rua no bairro no qual viveu e devotou a sua maior paixão: o futebol.
Quando assumiu a presidência do Engenho de Dentro encontrou a agremiação com 93 sócios. Deixou-a com mais de 400. Sobre a criação de uma entidade suburbana independente, Mário declarou ao Imparcial, em 14 de agosto de 1936:
– Sempre pensei na possibilidade, e porque não dizer francamente, na conveniência dos clubes menores se congregarem em uma entidade independente. Na minha opinião uma liga suburbana com clubes eficientes, disciplinados e bem dirigidos seria o ideal para o esporte menor. Regulamentos facilmente compreensíveis, 11 medalhas de ouro para os jogadores campeões e 11 de prata para os do segundo colocado. Taça de posse temporária ao vencedor e de posse definitiva para o clube que fosse tricampeão fariam sucesso, ressaltou.
A existência da Federação Atlética Suburbana perduraria por apenas seis anos. O motivo de sua dissolução, em março de 1943, tinha relação com os critérios adotados pelo Conselho Nacional de Desportos (CND), os quais estabeleciam que apenas uma entidade deveria congregar clubes. Portanto, as equipes tiveram que solicitar adesão à segunda e terceira categorias da Federação Metropolitana de Futebol (FMF), presidida por Manuel do Nascimento Vargas Netto. O então presidente da Federação Suburbana, João Carlos Machado, figura proeminente do Ríver, passou a presidir a Segunda e Terceira Categorias de Amadores da supracitada entidade, sendo um dos artífices, em 1949, do histórico Departamento Autônomo, que congregou importantes equipes, como Campo Grande e Portuguesa, e revelou inúmeros talentos para o futebol brasileiro.
UM DOS MAIORES JOGOS DE TODOS OS TEMPOS
por Luis Filipe Chateaubriand
O dia era 20 de Janeiro de 1982, uma segunda-feira, feriado no Rio de Janeiro.
O cotejo era Flamengo x São Paulo, um embate que tinha tudo para ser sensacional!
E foi!
O São Paulo formou com: Waldir Peres; Getúlio, Oscar, Dario Pereira e Marinho Chagas; Almir, Renato e Éverton; Paulo César (Ricardo), Serginho e Mário Sérgio.
O Flamengo foi de: Raul; Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Chiquinho (Victor), Nunes e Lico.
Era o jogo de abertura do Campeonato Brasileiro, e calhou dos dois timaços estarem no mesmo grupo.
No primeiro tempo, domínio total do São Paulo.
Serginho recebe uma bola da direita, próximo, a entrada da área, dribla o marcador rubro-negro e, de frente para o gol, conclui no canto esquerdo de Raul.
São Paulo 1 x 0.
Ainda era pouco, pois o tricolor paulista dominava completamente o jogo.
Até que Renato, conhecido como “Pé Murcho”, recebe a bola na área pelo lado direito, faz um fuzuê com os vermelhos e pretos, toca por cima, já para o gol vazio, mas Serginho ainda chega para concluir.
São Paulo 2 x 0.
E assim, o Flamengo, então Campeão do Mundo, foi para o vestiário tomando um “banho de bola”.
Mas nenhum time é Campeão do Mundo à toa…
O segundo tempo começa com um Flamengo aceso, esfuziante, querendo jogo.
Rapidamente, Zico vem pela meia direita, tabela com Lico, recebe na entrada da área do lado direito e emenda para o gol.
São Paulo 2 x 1 Flamengo.
Pouco depois, Andrade pega uma bola na entrada da área e chuta rasteiro, para empatar o jogo.
São Paulo 2 x 2 Flamengo.
E, faltando cerca de dez minutos para terminar o jogo, Junior vai à esquerda da área e cruza na cabeça de Zico, que conclui para o gol.
São Paulo 2 x 3 Flamengo.
Em resumo, tivemos um time que, sendo Campeão do Mundo, foi completamente dominado no primeiro tempo, mas se mostrou presente, com brilho e competência, no segundo, mostrando porque era o melhor.
Brilhante!
Épico!
Histórico!
Quem viu aquele Flamengo jogar, viu, quem não viu, não sabe o que perdeu.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
ROBERTINHO, DO BOTÃO AO JOHREI
por Paulo-Roberto Andel
Meu primeiro craque botão de galalite. Azul de madre pérola em cima e amarelo em baixo, nada de cores do Fluminense. Eu o troquei com um amigo, vizinho de prédio que também jogava botão, chamado Mário. Selamos a negociação no quinto andar, onde ele morava.
Cedi os passes de outros atletas cujos nomes não me lembro agora. Batizei a contratação de Robertinho porque ele era a nossa esperança vinda dos juvenis do Fluminense, onde jogava como atacante. Acho que foi por isso. Eu tinha dez anos de idade, 1978, 1979.
No profissional, com a chegada do experiente cracaço Cláudio Adão, Robertinho passou para a ponta direita, onde infernizou defesas com sua mistura de habilidade e velocidade, sendo um dos expoentes do maravilhoso time tricolor campeão carioca de 1980 e chegando à Seleção Brasileira. Sua fama de driblador era tamanha que pode ter inspirado Jô Soares a criar o personagem Zé da Galera, que ligava de um telefone público para o treinador da própria Seleção, Telê Santana, com um bordão lembrando até os dias atuais: “Bota ponta, Telê!”.
Depois, Robertinho correu o mundo. Jogou no rival da Gávea, atuou pelo Botafogo, Internacional, Palmeiras, Atlético Mineiro e mais trocentos times, sendo inclusive campeão brasileiro de 1987 pelo Sport. Anos mais tarde, ganhou o Carioca de 2002 como treinador do Fluminense, entrando no seletíssimo rol de ex-jogadores do clube que foram campeões no campo e posteriormente dirigindo a equipe.
Encontro meu ídolo de infância quase quarenta anos depois daquela troca de passes de atletas do botão no quinto andar, numa situação inesperada e nem das mais confortáveis. Sereno, tranquilo, aparentando bem menos do que os seus 57 anos, Robertinho era um dos presentes ao velório da mãe de um amigo meu, no Memorial do Carmo. Falante, ele logo começou a se lembrar dos tempos em que levava os laterais à loucura, enquanto eu e meus camaradas Gonzalez e Tiba ouvíamos atentamente a narrativa do craque, também me lembrando daquele botãozinho que guardo até hoje, pensei que ele nem era baixinho como eu pensava, ou como parecia para um garoto que via um de seus heróis no campo, de longe, na arquibancada.
Ok, mas qual era a ligação de Robertinho com a senhora falecida?
Não parecia ser nada relativo ao Flu. Na verdade, nem era. O caso era tão somente de algo que anda faltando pelos corações e mentes Brasil afora, conhecido como generosidade.
Durante mais de um ano de doença da mãe do meu amigo, Robertinho era um voluntário a lhe ministrar o Johrei, que é um tipo de oração feita através da imposição de mãos, vista pelos messiânicos como a comunicação da luz divina para o aprimoramento e elevação espiritual e material do ser humano. O Johrei visa a eliminação dos pecados presentes no espírito, maus pensamentos, palavras e ações, buscando a purificação e obter progressivamente mais saúde, prosperidade e paz. Depois de muito sucesso nos gramados e à beira deles mundo afora, o Robertinho que ali se revelava era outro, ainda maior do que a lembrança do ponta-direita que entortava defesas.
Quando nos despedimos no Memorial do Carmo, nosso aperto de mãos valeu muito mais do que qualquer gol na mesa de botão ou mesmo um grande título do Fluzão. Era a admiração por um homem de bem que estava – e está – a ajudar o próximo, sem camisa nem bandeira, mas com um gesto de fé.
(Originalmente publicado em “Roda Viva 1”, Vilarejo Metaeditora, 2019)