SOBRE TRAUMAS, SERRAS E TRAGÉDIAS
por Zé Roberto Padilha
De vez em quando, acordo de madrugada com aquele barulho. Deve ser o mesmo que minha gata, a Liz, levanta suas orelhas quando chove muito. Ela, outra sobrevivente, foi resgatada daquela tragédia na Serra de Itaipava em 2010.
No caso dela, choveu tanto que as encostas foram cedendo e saíram cobrindo de lama casas, resorts, animais e moradores. No meu, foi durante a inauguração do Estádio Serra Dourada, entre Fluminense x Goiás. Por lá, uma patada atômica desferiu uma bomba para cima de mim.
Pelo tamanho, ficava no primeiro pau para desviar a bola, mas o corner batido pelo Gil foi bem alto. A zaga rebateu e Rivelino, que ficava fora da área esperando um rebote, pegou de primeira.
O míssil veio na velocidade da luz, passou a 2 cm da minha cabeça, explodiu na trave e voltou quase na intermediária. Não deu tempo nem de desviar, muito menos sair do lugar.
As pernas travaram, só ouvia as súplicas do Zé Mário diante do contra ataque do time da casa: “Volta, Zé!!”. Certas noites, quatro décadas depois, elas mal reagem para sair da cama, quanto mais voltar no dia para marcar.
Até hoje, geólogos e marceneiros estudam as causas das tragédias. Da Serra de Itaipava, cujas encostas ruíram, no Serra Dourada, onde a trave balança até hoje. Enquanto picólogos tentam explicar a minha e a Liz continua apenas recebendo, durante os temporais, afagos e carinho, quando levanto elevo as mãos para os céus e agradeço muito.
Porque foi apenas por 2 cm que escapei.
O FUTURO É O VAR
:::::::: por Ricardo Dias ::::::::
Meu querido Arnaldo Cesar Coelho que me perdoe, mas o futuro é o VAR. Um VAR melhor, evidentemente, mais rápido e sem camisa de time nenhum, com profissionais especializados, treinados para isso. Afinal, se o cara é ruim no campo, o será em qualquer lugar. E vejo a tragédia que é sua falta no Campeonato Carioca. Não assisto a muitos jogos, me detenho mais no meu Fluminense, mas a quantidade de erros básicos é assustadora. E nem chamo de roubo, não, é incompetência mesmo.
Antes de chegar à minha tese, gostaria de uma reflexão sobre juízes e técnicos. O sujeito rala, e muito para chegar a uma Série A. Chega no campo, como juiz, e fica olhando para ontem, perdendo jogadas óbvias. Se técnico, faz um gol e recua o time. Os erros são muito maiores, mas simbolizo nessas duas características. Um dia volto ao tema.
Voltando às minhas ponderações sobre o VAR, vemos que algumas de suas limitações estatutárias não fazem sentido. Por exemplo: o VAR pode chamar o juiz no caso de achar que um atleta mereça ser expulso, mas não para um cartão amarelo. Porém, se o jogador faz algo que mereça um SEGUNDO amarelo, e consequentemente, a expulsão, o VAR nada pode fazer…
Algumas pessoas, cujo raciocínio não alcanço, dizem gostar dos erros de arbitragem, pois dariam “sabor” ao jogo. Imagino que torçam para algum hipotético time que, ano após ano, receba ajuda da arbitragem. De minha parte, quero que o resultado seja sempre cristalino.
Outro uso para o VAR é ouvir o que é dito no campo. Alguns juízes, portadores de enormes tuberosidades isquiáticas (também conhecidos como “bundões”) aceitam tudo que lhes é dito, e não fazem nada para proteger os auxiliares, os “bandeirinhas”. Simples: o VAR, ouvindo ofensas, aplica o cartão devido, no mínimo o amarelo.
-Mas Ricardo, isso tira a autoridade do juiz de campo!
-QUE autoridade? Se o cara não toma nenhuma atitude, alguém tem que tomar. E vale para qualquer erro flagrante do juiz, em que não caiba interpretação.
Também poderia caber ao VAR corrigir marcações erradas, como corneres ao invés de tiro de meta e vice-versa, ou laterais invertidos. Não demanda tempo, viu, marcou, acabou o assunto. Outra coisa que facilitaria a arbitragem seria acabar de vez com o carrinho. O jogador pode até deslizar para pegar a bola, mas se em qualquer momento atingir o adversário, falta. Sola, idem, é falta e sem interpretação. Isso tudo protege o craque (supondo que ainda tenhamos algum jogando por aqui), e deixa o jogo mais limpo. Cera, também, caberia a um cronometrador na cabine, incluindo os sempre ignorados 6 segundos que o goleiro tem para repor a bola. Também poderiam manter os 5 minutos de parada técnica em todos os jogos. É sempre importante dar chances ao técnico de fazer bobagem!
Profissionais poderão ponderar, porém, pontuando a pouca possibilidade de percepção de problemas presencialmente, que pode a peleja passar a pobre em pelintragens. Alguns acham que malandragem é bom. Já foi, é de uma outra época, quando piadas com pretos e gays não eram problema, quando o machismo imperava – ok, ainda impera – e os dinossauros dominavam a Terra. Precisamos de um esporte limpo, bonito, que valorize a arte e proteja o craque. E os erros vão continuar acontecendo, para os doidos que gostam deles; nada é perfeito.
Alguém aí tem o zap do International Board para eu enviar essa crônica para eles? E estão todos convidados para a solenidade em que eu serei reconhecido como o salvador do futebol. Vou só precisar de um fraque emprestado.
O CRAQUE DO BRASIL EM 1985
por Luis Filipe Chateaubriand
O ano de 1985 se mostrou de difícil prognóstico, no que diz respeito à escolha do melhor jogador do Brasil do ano.
Isto porque dois grandes jogadores estavam no páreo para “abocanhar” a honra.
Um deles era Marinho, ponta direita do Bangu.
Ágil, serelepe, intenso, era um jogador que fazia a diferença para o clube da Zona Oeste carioca, tendo sido o principal artífice da presença do alvi rubro nas decisões de Campeonato Brasileiro e Campeonato Carioca do ano.
O outro deles era Careca, centroavante do São Paulo.
Visão de jogo privilegiada, noção de onde o gol estava bastante acurada, drible de alta capacidade, jogo vertical, domínio de bola virtuoso, era o homem gol que todos aplaudiam em terras tupiniquins, tendo conquistado o Paulistão do ano.
Sendo ambos jogadores bastante capacitados, Careca foi artilheiro e campeão, Marinho não.
Assim, o melhor jogador do Brasil em 1985 foi Careca, com louvor!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
FUTEBOL RAIZ
::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
A novidade da vez são os 12 clubes da Europa criando a Super Liga das Campeãs com uma premiação estratosférica. Podiam batizar essa Liga de Cube do Riquinho. Acreditem, nessa briga não tem mocinho. FIFA e UEFA abriram a caixa de ferramentas e ameaçaram até chamar o Japonês da Federal caso os rebeldes insistam em seguir em frente com a ideia. Mas eles que se resolvam por lá. A verdade é que o futebol mundial há muitos anos, me perdoem a expressão, é uma zona e esse movimento só está acontecendo por conta dessas guerras políticas e de patrocinadores.
Aqui não é diferente, vejam o histórico de confusões da Conmebol. Esse mundial de clubes serve apenas para iludir torcedores e os clubes europeus estão pouco se lixando. Já foi Copa Toyota, depois Santander, passou para Bridgestone e, agora, Conmebol. É bom lembrar que movimentos como esse da Super Liga são totalmente elitistas e lembram o Clube dos 13. Depois não sabem como alguns clubes tradicionais desapareceram do mapa. Por isso, sou fã incondicional dos regionais, muito mais democráticos. Adoro a Copa da França, inglesa e a nossa. Gosto de ver uma Portuguesa jogando bem contra o Flamengo, Boavista encarando o Vasco.
Esse é o verdadeiro papel das federações, não deixar que clubes como Portuguesa Santista e América, por exemplo, quebrem. Mas isso acontece em todas as áreas. Comecei no futebol de salão e volta e meia aparece uma nova federação querendo derrubar a outra. Será que realmente estão preocupadas com a modalidade. Mudam regras, criam regulamentos esdrúxulos e afastam as torcidas. Na minha época, existiam vários clubes de bairro, Magnatas, São Cristóvão Imperial, Grajaú Tênis Clube, Imperial, Minerva, Carioca, Vila Isabel e as quadras viviam lotadas. Aí chega um esperto, um executivo e monta uma federação para caçar níquel, mexer em time que está ganhando.
O que houve com as competições regionais de futebol de salão? Nunca mais surgiram Vevés, Tambas e Sergio Sapos e clubes com uma história riquíssima, como o Vila Isabel, estão sendo demolidos. O mesmo aconteceu com o futebol de praia. Recebi essa foto pelo zap e, confesso, chorei. Foi impactante para mim porque me remeteu a um tempo maravilhoso, carregado de pureza e alegria. É o time do Columbia, o verde e preto do Leblon. Nessa foto, talvez eu já tivesse até sido campeão, não lembro. Pouco importa, seria logo depois.
Nosso campo era entre a Rua Rainha Guilhermina e o final do Leblon. Tínhamos dois técnicos, Aurélio e Seu Edu, e os jogos eram diários, entre nós mesmos, sempre às cinco da tarde. Com um pedaço de carvão, Aurélio escalava titulares e reservas na escada de acesso à areia. As competições atraiam milhares, e eram milhares mesmo, de torcedores. Tinha o Juventus, Real Constant, Maravilha, o Lá Vai Bola, o Lagoa, o Dínamo, Grêmio do Leblon, Copaleme, Radar, Tatuís e tantos outros.
Aí virou beach soccer, a tevê se meteu no meio, criaram uma infinidade de regras, surgiram federações e seus “especialistas” querendo comandar o show e deu no que deu, enterraram todo o encanto. Nessa foto, em pé da esquerda para a direita estão meu irmão Fred, Gilo, que funcionava como goleiro e centroavante, Manoel, habilidade pura, meu primo Ronaldo Luiz, e o lateral Reinaldo, muito veloz e que dificilmente era driblado. Agachados, o centroavante Roberto, o volante Léo Júnior, que chegou a jogar no Flamengo e Vitória, Lauro, cracaço que tentei levar para o Botafogo, Julinho Capenga, que esbanjava categoria, e eu. Caminho sempre pelo Leblon e nunca mais vi times treinando. Com alguns desses craques mantenho contato, mas Julinho Capenga nunca mais vi.
Outro dia me sentei em um banco do calçadão e olhei para o chão. Hoje, os gigantes, os dirigentes glutões, brigam por cotas milionárias e megas patrocinadores, mas não tem verba para ajudar as escolinhas das favelas, cuidar dos campos esburacados dos clubes de menor poder aquisitivo. Saudade de Aurélio e sua pedra de carvão, do futebol de onde vim.
OS 3×1 DE 21 E OS 2×0 DE 89
por Leymir Moraes
A supremacia técnica ante o embate de Camisas centenárias só é observada se houver humildade do time momentaneamente superior, regra 00 do futebol entre grandes Clubes e digna de menção em manuais sobre o jogo.
Exemplos temos muitos, mas hoje focaremos em duas Camisas que rivalizam em terra e mar e se harmonizam em suas grandezas, a do Flamengo de José Agostinho Pereira da Cunha, Nestor de Barros, Mário Spínola e Augusto Lopes da Silveira e a do Vasco de Gaspar de Castro, Virgílio Carvalho do Amaral e Henrique Ferreira.
A do Vasco, que antes do primeiro título mundial da seleção já vestia orgulhosa de si mesma:
Barbosa, Barcheta, Augusto, Wilson, Rafagnelli, Ely, Danilo, Jorge, Moacir, Djalma, Nestor, Maneca, Ademir, Dimas, Lelé, Friaça, Ismael e Chico.
A do Flamengo, que cobria o time do primeiro tri carioca com um esquadrão de rivalizar com o Reich:
Jurandir, Nilton Canegal e Domingos da Guia; Biguá, Volante e Jaime de Almeida; Valido, Zizinho, Perácio, Pirilo e Vevé.
As Camisas dos grandes Clubes estão campos astrais acima da frivolidade e possessividade de nossas paixões, elas falam através de gestos técnicos apurados como de Leônidas e Ipojucan e correntes de amor desenfreado dos bons e milhões de anônimos que as trajam como sua segunda pele.
A camisa do Flamengo reconhece os excelentes Ademir e Danilo, e não deixa de se comover com o amor de Alfredo Segundo pelas vestes vascaínas. A camisa do Vasco da Gama reconhece os grandes Zizinho e Perillo, e não deixa de se comover com a entrega e devoção de Biguá com o manto rubro-negro.
A Camisa do Vasco não é menor quando admira Dida, a Camisa do Flamengo não se apequena quando se encanta com Roberto.
As Camisas são cientes que ciclos vitoriosos vêm e vão e que suas belezas e eternidades transcendem a isso, elas são lindas por si mesmas e por seus sonhos, pelo que representam e pelo que deixam em terra e mar, pela maneira que decididamente colorem nossas vidas.
Em 1989 o Flamengo vivia um ano de luto, o maior entre todos os defensores de seu manto anunciava o fim do seu reinado, seu possível sucessor se transferia para o maior rival aonde seria ainda neste ano campeão brasileiro.
66 anos se passaram e restava ao Flamengo o mesmo que sobrou em 1923, tentar equiparar forças ao Vasco ainda que para o campeonato nada significasse.
O Vasco de 89 era um verdadeiro esquadrão e contava em sua linha com Tita, Andrade e Bebeto, que haviam conquistado Carioca, Brasileiro, Libertadores e Mundial pelo clube da Gávea, além de Mazinho, Acácio, Bismarck , Winck, Wiliam e Sorato.
O Flamengo tinha um Zico que já se despedia, o retorno de Junior, e as perdas do primeiro semestre de Jorginho, Aldair e sobretudo Bebeto.
O clima na cidade e também em São Januário era de uma vitória Vascaína, as disparidades técnica e anímica eram flagrantes e o resultado do Brasileiro de 1989 confirmaria a previsão. Os torcedores do Flamengo se sentiam diminuídos perante o poderio cruzmaltino e depositavam em Junior e principalmente Zico, um pingo de alegria naquele ano cinza.
Invariavelmente as preces rubro-negras terminavam com “e se perder, que não seja com gol de Bebeto, amém!”
Era necessário mais uma vez que a camisa resolvesse, na preleção só Zico que é a mais perfeita semelhança da camisa do Flamengo falou, só Arthur Antunes Coimbra e mais ninguém.
Dentro de campo o jogo não foi decidido pela genialidade de Zico ou Junior, a Camisa queria ser explícita e escolheu como seu cavalo o menino Bujica que marcou os dois gols de sua vida naquela tarde de domingo.
Para todo o rubro-negro vivo em 89, o sentimento foi: “que eles se contentem com o Brasileiro, a vitória é nossa” exatamente como fora em 1923.
Em 2021, acabamos de testemunhar o mesmo, em demonstração soberba o Flamengo anuncia que faria um teste contra o Vasco em um Campeonato Carioca que busca mais um tri, o Flamengo de uma só vez diminuía o rival, como também um campeonato que entregou o seu exato tamanho e sua justa alcunha de mais querido!
Os dirigentes do Flamengo ainda não entenderam que diminuir o rival é diminuir a si mesmo, e diminuir o Carioca é sangrar e apequenar suas maiores glorias.
Afinal os grandes Filipe Luis, Gabigol, Arrascaeta e Bruno Henrique seriam maiores que Junior, Dida, Zico e Zizinho e que se orgulham por demais de seus respectivos tris carioca?
Alguém tinha dúvida que a camisa Vascaína se levantaria? O Vasco que tem um time em 21 ainda mais fraco que o Flamengo do segundo semestre de 89, o Flamengo de 21 que tem ainda um time mais forte que o Vasco de 89. O Flamengo cai incontestavelmente, mas não aos pés de Leo Matos, Cano e Morato e sim tomba face a sua arrogância frente a camisa Vascaína que manteve a maior invencibilidade do clássico conquistado pelo Expresso da Vitória.
Não fora o Vasco rebaixado e maltratado que enfrentou o Flamengo em 21, não fora o Flamengo de 89 enlutado que enfrentou o Vasco campeão brasileiro, havia muito mais dentro de campo e só aqueles que nada sentem podem a isso ignorar.
Em campo Cano foi Ademir, Morato foi Ipojucan e Leo Matos foi Danilo, todos encantados pelo manto vascaíno.
Se em 1989 pouco importava ao Flamengo o título brasileiro vascaíno, em 2021 pouco importará ao Vasco o que Flamengo já conquistou e conquistará.
Que as Camisas sempre se imponham quando necessário, e após a partida partam juntas para seus lares após as doces resenhas que já se sucedem há mais de século.
Salve o Clube de Regatas do Flamengo, Salve o Clube de Regatas Vasco da Gama!