FLA x FLU: O JOGO QUE NUNCA TERMINA
por Paulo-Roberto Andel
Todos falam da Copa Libertadores, todos miram na Libertadores, o Campeonato Carioca perdeu em charme, o Campeonato Carioca não é mais o mesmo, mas a verdade é que haverá Fla x Flu. O jogo que nunca termina.
Nelson Rodrigues disse muitas vezes que o Rio de Janeiro era triste e vazio até que o Fla x Flu inventou a multidão. Dessa vez, por conta da tragédia que vivemos em torno da Covid-19, novamente teremos uma necessária decisão sem público, assim como no ano passado. Quem viveu o Fla x Flu de outras épocas sabe o que era o mar de gente no jogo imortal.
O Fla x Flu é mistura e alternância: alegrias e tristezas, emoções misturadas, disputas épicas, fantasia, folclore e imensidão. Carrega consigo uma curiosidade em sua tradição centenária: geralmente o favorito dança. O maior Flamengo de todos os tempos, com Leandro, Júnior, Adílio, Zico e companhia, sofreu com os pés de Valtair, Zezé Gomes e Amauri – quem se lembra do monumental Andrade escorregando e caindo? A Máquina Tricolor também tropeçava para o time rubro-negro de Radar e Marciano. Nos tristes tempos dos rebaixamentos tricolores, ao final dos anos 1990, o Fluminense não deixou de bater no Flamengo com Nildo, Alcindo e Dirceu. Logo, favoritismo é algo que não conta muito nesse clássico
Do primeiro 3 a 2 Tricolor em 1912 até aqui, são quase 111 anos de muita luta, histórias e sonhos. Desde aquele jogo inicial, os irmãos Karamazov do futebol brasileiro não se cansam de disputar uma luta de boxe com um milhão de assaltos, que vai continuar nos dois próximos sábados à noite.
Na história do clássico, o Flamengo venceu mais na estatística documentária. Já nos momentos decisivos é o Fluminense que prevalece. Fatos, lendas e contraditórios que vêm de Marcos Carneiro de Mendonça de Domingos da Guia, de Zizinho, Castilho, Dida, Didi e muitos mais.
Ok, existe favoritismo no Fla x Flu a priori, mas ele acaba sempre parando à beira do gramado enquanto os jogadores entram em campo. Pode acontecer qualquer coisa. E tome lembranças.
No abarrotado Fla x Flu de 1963, no último minuto Escurinho acertou o travessão e o Flamengo foi campeão com o empate em 0 a 0.
Cristóvão driblando Manguito maravilhosamente em 1979, fazendo um golaço nos 3 a 0 para o Flu.
Lico deu o troco em 1981, um gol de placa por cobertura, Flamengo 3 a 1.
Assis e Assis. Renato Gaúcho!
No final dos anos 1980, o Flamengo deu duas goleadas impiedosos no Fluminense, 4 a 0 e 5 a 0, mais os 4 a 2 na final de 1991. O Flu devolveu em parcelas, 3 a 0 e 4 a 2 em 1994, até que veio 1995 e o maior jogo de todos os tempos, precedido por duas vitórias e um empate. Quem viu, não tem dúvidas: nada se comparou àquilo.
O Fla x Flu também inventou o chororô: em 1941, no famoso Clássico da Lagoa, criou-se a lenda da cera tricolor chutando as bolas fora do estádio. Coube a Roberto Assaf, craque rubro-negro do jornalismo, desmentir a pantomima no livro que escreveu com Clóvis Martins, pesquisador tricolor. Sérgio Britto, um dos maiores atores brasileiros de todos os tempos, foi ao jogo e também desmentiu a cera.
Muita gente vestiu a camisa dos dois clubes: Nunes, Uidemar, Zezé, Charles Guerreiro, Roni, Romário. Aílton foi desprezado no Fla e virou herói no Flu. Pedro foi criado em Xerém e agora louva o Mengão.
Nos tempos do verdadeiro Maracanã, a massa rubro-negra que tomava todos centímetros possíveis do Maracanã, berrando loucamente a plenos pulmões, oprimindo quem estivesse do outro lado da arquibancada. Em contrapartida, vinham o charme e a beleza da maravilhosa nuvem de pó de arroz entrecortada por centenas de bandeiras tricolores. Um show do contraste de cores. Mãos ao alto comemorando, gritos de “uhhhhhhhh” que ecoavam pela maravilhosa cobertura de concreto. O querido placar de lâmpadas desenhando escudos e nomes inesquecíveis.
Com o tempo, a corruptela do nome do clássico virou verbete. Quando há lados diametralmente opostos num debate, diz-se que é um Fla x Flu.
O que vai ser agora em 2021, ninguém sabe. O Flamengo tira foto de favorito. O Fluminense é a mosca na sopa.
Os dois velhos adversários íntimos, parecendo o leão e o tigre andando numa mesma calçada de Nova York, feito o escrito de Tom Wolfe.
Vai ter um Fla-Flu. Dois Fla-Flus. Vale título.
O Rio sofre, agoniza com a miséria, a violência e a pandemia. O cheiro de rua triste é uma constância, as pessoas estão trancadas ou cabisbaixas em calçadas desertas, mas nas próximas duas noites de sábado haverá trégua para o sorriso e a boa emoção. Os corações vão se sentir mais aquecidos.
Afinal, é Flamengo e Fluminense, é a novela emocionante com quase 110 anos de história.
Fla x Flu. O jogo que nunca termina.
@pauloandel
IN MEMORIAM
por Paulo Roberto Melo
Ainda estou sob o efeito do inacreditável, causado pela morte do Paulo Gustavo. O que é preciso fazer para entender como uma pessoa, no auge da sua carreira, vai embora, morre, seja por doença ou algum acidente? Precisamos de uma explicação rápida que nos console, que nos conforte e que seja suficientemente forte para nos fazer continuar a ter esperança. Uns recorrem à religião, outros ao acaso e ainda outros, simplesmente sofrem. Apesar de ser a única certeza que carregamos na vida desde o momento do nascimento, não estamos preparados para o adeus definitivo.
Ainda criança, me lembro da minha mãe falando, sobre um poema chamado “O Corvo”, do escritor americano, Edgar Alan Poe. Nele, um corvo responde sempre a mesma coisa, quando questionado sobre a morte: Never more, ou, nunca mais. Creio que essa é a principal dor da morte: a certeza irremediável do nunca mais.
No futebol, nunca havia passado pela minha cabeça a ideia da morte. A imagem do atleta sempre correndo e forte, me parecia a própria imagem do indestrutível. Por isso, não entendia, em 1974, com oito anos, meu pai falando que o lateral esquerdo Everaldo, tricampeão com a seleção brasileira no México, havia morrido. Aquele jogador era campeão do mundo! Ídolo do Grêmio! Como assim?! Never more…
Quando eu tinha dez anos, em 20 de maio de 1976, o time do Cruzeiro entrou no Mineirão para enfrentar o Alianza Lima, do Peru. O esquadrão azul, formado por Raul, Nelinho, Piazza, Eduardo, Jairzinho, Palhinha e Joãozinho, em pouco mais de dois meses depois, conquistaria a Taça Libertadores da América pela primeira vez. A estrela daquela noite, porém, não era nenhum deles. Roberto Batata, um atacante de mais de 100 gols com a camisa azul, era a pessoa mais importante daquela partida. E ele não estava lá.
Roberto Batata tinha morrido sete dias antes em um acidente na rodovia Fernão Dias. Eu via meu pai e meus irmãos conversando sobre o ocorrido e minha cabeça dava um nó. Um atacante tão rápido, tão bom, como poderia morrer dessa forma? Por que não driblou também a morte? Never more…
Ainda em 1976, apesar de vascaíno, eu já admirava uma dupla que fazia sucesso no Flamengo: Zico e Geraldo. Um dia eu escutei meus pais conversando que o Geraldo foi fazer uma cirurgia para retirar as amígdalas e morreu de choque anafilático causado pela anestesia, em uma cadeira de dentista. Ele tinha apenas 22 anos! Lembro, que achava engraçado o fato dele jogar assobiando, gerando o apelido “Assobiador”. E estranhava o Flamengo jogando de calções pretos e, me perguntava: “Como vai ser agora, com o Zico? Vai voltar a jogar bem sem o amigo? Como uma das maiores revelações do futebol dos anos 70 podia morrer dessa forma, tão banal?”Never more…
Passaram 18 anos e em abril de 1994, quando cheguei para dar aula no colégio em que trabalhava, estranhei o comentário de que o Dener, jogador maravilhoso, que brilhava no Vasco e me enchia de alegrias, havia morrido em um acidente de carro na Lagoa Rodrigo de Freitas. Diziam as notícias, que o jogador havia morrido estrangulado no cinto de segurança. Antes de entrar em sala de aula, minha cabeça fervia com interrogações e exclamações: “O Dener tinha só 23 anos! Como uma carreira tão promissora podia acabar desse jeito?” Nevermore…
Ao longo dos anos, vimos imagens das atuações corretas do Everaldo, mas nunca mais vimos novas atuações dele. Vimos dribles e gols do Roberto Batata, mas nunca mais vimos novos gols e dribles dele. Vimos aquele gol do Geraldo na decisão da Taça Guanabara de 1976, entre Vasco e Flamengo, mas nunca mais vimos um gol do Geraldo. Vimos dribles endiabrados e gols sensacionais do Dener, passando por meio time, mas nunca mais vimos novos gols e novos dribles dele.
Veremos ao longo deste ano, reprises dos filmes e programas do Paulo Gustavo, mas nunca mais veremos novos filmes e programas dele. Nunca mais…
Quando a morte alcança alguém no auge de uma carreira, precisamos convencer nossas mentes, diante do inesperado, do inexplicável, do irremediável que é o “nunca mais”. Experimentei isso da forma mais dura possível, quando, no dia seguinte da morte da minha mãe, esperei um telefonema dela e ele não veio.
No especial de fim de ano da Rede Globo, em 2020, Paulo Gustavo se despediu dizendo, entre outras coisas, que “a gente não vai deixar de sorrir, não vai deixar de ter esperança.” Com certeza, vamos voltar a sorrir e vamos voltar a ter esperança. Hoje, ainda não dá…
SAUDADE SEM FIM
por Marco Antonio Rocha
Da varanda eu vejo o cantinho do quintal onde jogávamos bola. Era apenas um gol a gol, mas pra mim era meu Maracanã. E, ele, meu Acácio, meu Roberto Dinamite. Em uma contramão da vida, foi o filho que fez o amor pelo Vasco ficar mais forte no pai. O Chevette marrom ainda corta a Avenida Brasil com a bandeira para fora, ligando a Ilha a São Januário. É como se o barulho do tecido estivesse para sempre dentro de mim, como as vitórias e até o primeiro pênalti que Geovani perdeu na carreira, na Rua Bariri.
Ele sempre foi muito mais São Cristóvão, Olaria e Quinta da Boavista do que Leblon, Ipanema e Barra. Era na simplicidade que habitava. Na simplicidade do Fusca verde clarinho que dirigia para ganhar a vida como taxista, ainda na Guanabara – sim, a escolha do Yoda seguiu um rigoroso critério, o sentimental, ainda que eu tenha visto aquele carro apenas por fotos. Os caminhos o levaram para a simplicidade de um balcão de botequim, de onde tirou o sustento para formar dois filhos, mesmo que jamais (e talvez até por isso) tenha tido condições de estudar. Ali, na rotina do dia a dia, vendia fiado a quem precisava, na certeza de que jamais receberia.
A infância em Portugal dos anos 30 e 40 não foi fácil. A juventude na década de 60 parecia ainda pior: a Guerra pela Libertação de Angola havia explodido e portugueses eram enviados em massa à África. Ele fugiu para o Brasil, porque heróis são os que evitam a morte: “Ir para o país dos outros para matar? Eu não…”.
Voltou pouco tempo depois à terrinha, para aí sim ter sua maior conquista: o coração da mulher que o acompanharia para além do sempre. Juntos, transformaram-se quase em uma só pessoa. Para ser feliz, poucas coisas bastavam: a alegria dos seus, um copo de vinho e uma tigela de azeitona ou tremoços. Foi na simplicidade do seu quarto, ao lado da mulher que amou por mais de 56 anos, que morreu de surpresa nesta manhã.
É na simplicidade das pequenas lembranças que seguirá vivo, como os jogos de botão enquanto o rádio transmitia alguma partida; os passeios ao zoológico ou ao Museu Nacional; as manhãs no Tivoli; as idas a Portugal e São Lourenço; as sardinhas na brasa; os almoços cheios de abraços aos domingos; as visitas tortas, a distância no quintal, nesta pandemia; o vasinho de pimenta que ainda ontem separou para mim.
Como nos despedíamos a cada vitória do Vasco: saudações vascaínas!
Te amo, pai.
ICE PEDRO
por Zé Roberto Padilha
Para muitos atacantes, a grande área é um caldeirão de responsabilidades. Porque o gol é o grande momento do futebol, e o objetivo, a meta, estão bem próximos e há um natural nervosismo que muitas vezes atrapalha a conclusão.
Ice Pedro, entre poucos Romarios, é daqueles que entram na grande área como entram no freezer. Sua cabeça esfria ante as altas temperaturas dos últimos que saem a protege-la. Fora o goleiro que já vem no desespero.
Aí fica fácil, vai desviando dos que vem quente pensando que ele está fervendo e acaba entrando com bola e tudo.
E de cabeça fresca, torna simples uma equação diante dos que por lá encontram a soma dos quadrados da hipotenusa.
E eu, como torcedor tricolor, acho que nossos dirigentes estavam com a cabeça na gaveta de legumes para não perceber a ascensão desse menino rumo ao alto do congelador.
SÃO CRISTÓVÃO: O CAMPEÃO ESQUECIDO DE 1937
por André Luiz Pereira Nunes
Em 1937, a organização do Campeonato Carioca se encontrava dividida em duas ligas: a Federação Metropolitana de Desportos (FMD) e a dissidente Liga Carioca de Futebol (LCF). Devido a inúmeros e costumeiros desentendimentos entre os clubes, os torneios eram separados. Entretanto, enquanto ocorria o certame organizado pela FMD, os presidentes do America e do Vasco se reuniram por iniciativa própria para organizar a tão almejada unificação da disputa sob a égide de uma única entidade.
A campanha do São Cristóvão no campeonato da FMD foi realmente avassaladora. Os cadetes, em 7 jogos do primeiro turno, venceram todos, se consagrando campeões antecipados. Além do Vasco, enfrentaram Andaraí, Carioca, Madureira, Olaria, Bangu e Botafogo. Quando o campeonato foi interrompido e a extinção da federação confirmada, devido à reunificação das ligas, já não haveria como nenhum adversário ultrapassar o São Cristóvão na tabela, mesmo que fossem realizados os jogos restantes. Portanto, o não-reconhecimento do título de campeão carioca de 1937 por parte da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) é uma das maiores injustiças do mundo do futebol que precisa ser urgentemente reparada. Surpreendentemente, o vice-campeão foi o Madureira, ficando o Vasco somente na terceira posição.
Com a dissolução abrupta da FMD, o certame acabaria suspenso antes do término do primeiro turno. Apesar disso, em 3 de setembro, o extinto Conselho Geral da FMD proclamou o clube cadete campeão. A FFERJ, por sua vez, lamentavelmente não reconhece ainda em caráter oficial essa conquista do São Cristóvão. Contudo, estranhamente, para fins estatísticos, as partidas realizadas foram computadas aos números do Campeonato Carioca, visto que os jogos não foram anulados, o que se trata de uma grande contradição. O clube de Figueira de Melo, atualmente sem o prestígio de outrora e licenciado da Série C, a quinta divisão do Campeonato Estadual, reivindica o justo reconhecimento pelo título estadual de 1937. Vale ressaltar que a Federação Paulista de Futebol, tida como bem mais profissional e melhor organizada, computa todos as conquistas, tanto de equipes ativas como extintas, abarcando os períodos que vão do amadorismo ao profissional.
No mesmo ano, enquanto ocorreria a reunificação a partir da recém-criada Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ), Vasco da Gama e America realizaram o primeiro jogo sob a direção da nova entidade, apoiada pelo próprio São Cristóvão, o qual ficou conhecido como “Clássico da Paz” devido a ambos terem promovido a concórdia do futebol carioca. Os cadetes ficaram na quarta colocação, empatados com Botafogo e America. O Fluminense foi o campeão e, obviamente, obteve seu título reconhecido. Os cadetes, por seu turno, até fizeram boa campanha, mas não o suficiente para mais um troféu. Apesar de terem vencido alguns jogos com facilidade, empataram muitos cotejos, culminando na perda de pontos essenciais. Ainda assim, foram os únicos a baterem o Fluminense.
Para quem deseja se aprofundar no tema, é altamente recomendável a obtenção da obra do saudoso Raymundo Quadros, o qual coadjuvado por Auriel Martins, escreveu e publicou “O campeão esquecido”, pela Editora Hanói. Nesse livro, os renomados pesquisadores expõem os pormenores acerca de como esse título do São Cristóvão foi injustamente apagado da história.
Válter, Hernandez e Osvaldo; Picabea, Dodô e Afonsinho; Roberto, Villegas, Caxambú, Quintanilha e Carreiro. Com esse time, o São Cristóvão conquistou o legítimo título de campeão carioca de 1937, vencendo todas as suas partidas.