DIDI, O “MISTER FOOTBALL”
por Elso Venâncio
Um dos maiores jogadores da História, Waldir Pereira, o genial Didi, completaria 93 anos na próxima sexta-feira. Aliás, em outubro nasceu a Santíssima Trindade da Bola: Didi, dia 8; Pelé, dia 23; e Garrincha, dia 28.
A primeira escolha do “Melhor Jogador do Mundo” ocorreu em 1958. Didi foi eleito com longa margem, tendo recebido 1.350 votos e deixando para trás, como vice, o francês Raymond Kopa, com 456, e o sueco Lennart Skoglund, terceiro colocado, com 436 votos.
Péris Ribeiro, o biógrafo do “Gênio das Folhas Secas”, me disse que o francês Gabriel Habot, “Papa da Crônica Esportiva”, sempre falava que o torcedor deveria pagar dois ingressos para ter o privilégio de ver Didi jogar. Segundo ele, Didi executou 52 passes – curtos e longos – na final da Copa do Mundo, contra a Suécia, sem errar um sequer. Vale dizer que Hanot – que, dentre outros empreendimentos, criou em sua época, ainda que com outros nomes, a Champions League, a Eurocopa e a “Bola de Ouro”, da revista France Football, com o intuito de premiar o melhor jogador da temporada – foi quem batizou Didi como “Mister Football”.
Convivi de perto com meu conterrâneo Didi no final dos anos 90 e no comecinho do novo milênio. Ele vinha tendo problemas na coluna e estava recluso ao lado da esposa, Dona Guiomar, na Ilha do Governador. Fernando Calazans costumava lembrar que Didi e Guiomar, durante anos, foram o casal mais famoso do país.
Certa vez liguei para Didi, a pedido do amigo Carlos de Souza, o Biro-Biro. O que ele me disse ao telefone não dá para esquecer:
– Poxa, lá fora me chamam de ‘Mestre’, mas aqui já fui esquecido.
Imediatamente o convidei para participar do “Enquanto a Bola Não Rola”, programa de debates que eu apresentava aos domingos na Rádio Globo. E foi lá que o ‘Mestre’ nos brindou com verdadeiras lições de futebol. Didi e Gerson eram atrações fixas do programa, que contava ainda com outros seis convidados que se revezavam a cada semana.
Um dia fomos almoçar após a rádio e Didi me falou da primeira vez que pisou no gramado do Maracanã. Olhou para cima e pensou: “Esse Gigante nunca vai encher”.
Era 16 de julho de 1950 e o Estádio Mário Filho, construído para a Copa do Mundo, estava sendo inaugurado após dois anos de obras. Seleção Carioca x Seleção Paulista. Na ocasião, nossa competição nacional era um torneio de seleções estaduais, enquanto os clubes disputavam os campeonatos de cada Estado. O jogo festivo inaugurou o novo monumento do país, o “Maior Estádio do Mundo”. Aos 10 minutos, Didi cobrou falta com sua famosa “folha seca” e fez 1 a 0.
– Eu cortava a bola, pegava no meio dela e a fazia subir e cair, mudando de direção no ar..
O chute lembrava folhas secas que caem das árvores no outono e mudam a esmo de direção.
Didi defendeu a seleção brasileira em três Copas do Mundo (1954, 1958 e 1962), sendo campeão das duas últimas. Fez história no Fluminense, no Botafogo e no Real Madrid. É considerado o sétimo maior jogador brasileiro do século XX, baseado em votação de jornalistas do Brasil e do exterior.
Lamento não cultuarmos os nossos ídolos eternos. Campos dos Goytacazes deveria ter, em plena Praça São Salvador, uma estátua do Mestre Didi. É o mínimo. Aliás, foi também na minha cidade que nasceu Nilo Peçanha, o único Presidente negro do país. Que memória fraca nós temos. Impressionante!
CRISE GLOBAL
::::::: por Paulo Cezar Caju :::::::
O Botafogo, novo xodó do futebol brasileiro, perdeu para o Avaí, mas não se desespere Enderson Moreira, afinal a rodada mundial foi de zebras….ou não? O Espanyol vencer o Real Madrid atual é surpreendente? E o Benfica perder para o Portimonense? O Ajax ser derrotado pelo Utrecht? Não acho nada de anormal. E querem saber, também não considero zebras as vitórias de Rennes e Lille sobre PSG e Olympique. Mas, não mesmo!
Esse PSG, repleto de estrelas, ainda não se encontrou e é importante que as labaredas da fogueira das vaidades sejam controladas logo ou a vaca irá para o brejo. Sobre o Olympique, clube que me orgulho de ter defendido, também enfrenta uma crise e a torcida já pede a saída de Sampaoli. O meio-campo Gerson que chegou como salvador da pátria também precisa reagir. Há quem diga que está com alguns quilinhos extras, sem mobilidade. E o Grêmio perder para o Sport em casa é zebra? Ainda teve o Palmeiras empatando com o Juventude.
A verdade é que o futebol mundial está mediano. Até o Bayern perdeu para o Eintracht!!! Mas o Brasil segue abaixo da média mundial. Portugal venceu o campeonato da FIFA de futsal. O Brasil nem na decisão estava e o mesmo aconteceu, recentemente, com o futebol de praia. A torcida sofre e esta é a parte mais linda do futebol.
Por isso, não posso deixar de fazer a minha homenagem a Tia Ruth, torcedora-símbolo do América, do Rio, que nos deixou aos 96 anos sempre acreditando na retomada de seu clube de coração. Assim como morreu Dona Salomé, do Cruzeiro. Também me lembro de Dona Elisa, do Corinthians, e de Dulce Rosalina, do Vasco. Essas nunca se assombraram com zebras. Derrota após derrota estavam lá fiéis, roucas, encantadoras. Mas temo que essa paixão esteja se esvaindo, virando pó.
E ainda temos que aguentar as asneiras dos analistas de computadores, que vivem inventando moda! Neste fim de semana, ouvi que o time estava dando a posse de bola propositalmente para o adversário, que o líder estava queimando gordura e que o adversário estava com uma tremenda leitura de jogo, com muita intensidade! Deve ser por causa da “consistência dos jogadores espetados no segundo terço do campo”…
COALHADA, O CRAQUE PERNA DE PAU
por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Otávio Arlindo Antunes do Nascimento. Eis o nome, ou talvez pseudônimo, não sei bem, de um dos grandes personagens do futebol brasileiro, o popular Coalhada, craque revelado pelo genial Chico Anysio no início dos anos 1970.
Coalhada teve ascensão meteórica na arena esportiva, logo ganhando a admiração e a audiência de todo o país, reconhecido como o craque perna de pau, digno representante dos milhares de jogadores medianos Brasil afora e sem os holofotes da mídia nacional.
Estrábico, sem domínio e habilidade no trato com a bola — para ele, um objeto não identificado —, Coalhada compensava suas deficiências técnicas com muita malandragem e espírito boleiro. Típico centroavante que jogava sem a bola, só se deslocando para chamar a marcação que não vinha, já que era praticamente ignorado em campo.
Com a categoria que lhe era peculiar, nosso craque batia até pênalti, como um em que nem o goleiro nem as traves apareceram na foto e a bola foi parar na bandeirinha do escanteio.
Graças ao zelo de sua mãe e a competência de seu empresário e preparador físico, o Bigode, Coalhada vestiu a camisa de mais de 50 clubes do Brasil e do exterior. Avesso aos treinamentos, sofria com os exercícios físicos passados por Bigode: “Pique no lugar! Flexão! Vai no pé!”
Poucos no mundo do futebol, como Coalhada, tiveram a chance de jogar ao lado de Zico, Júnior, Sócrates e, vejam só, junto a Pelé, no Cosmos de Nova Iorque. Sua transferência para o time norte-americano foi negociada pelo próprio Rei do Futebol, que veio pessoalmente ao Brasil convencê-lo a jogar nos Estados Unidos.
“Aí tem truta! Aí tem truta!”, dizia ao partir desconfiado para os esteites. Como era de se esperar, Coalhada não se adaptou ao “american way of life” e não demorou para voltar ao seu verdadeiro habitat, a pequena e agitada Chico City. “Mas, hein?”
GALO E PIBE, O DUPLO SOL
por Rubens Lemos
Dos quatro jogos no mosaico de fotografias, não devo ter visto o último, Udinese de Zico contra o Napoli de Maradona! Não devo ter visto de preguiça, dormindo alguma manhã de domingo em que a Rede Bandeirantes transmitia o Show do Esporte, atração maior, o Campeonato Italiano.
Na Udinese, Zico deixou de ser dono do Brasil para jogar e muito bem numa espécie de Ponte Preta italiana. No Napoli, Maradona caminhava para explodir em 1986 como um dos maiores da história. O Napoli podia ser comparado a um Coritiba ou Atlético Paranaense. Eram dois times intermediários tornados grandes pelos seus camisas 10.
Zico e Maradona, quem é do meu tempo sabe, jamais trocaram farpas pela mídia. Maradona, claro, ainda não era um chapadão ambulante. Admirava o Galinho do Flamengo, que o idolatrava.
Juntos em qualquer time na primeira metade dos anos 1980, não perderiam para ninguém. Eram os melhores do planeta, superiores ao francês Platini, ao alemão Rummenigge e ao polonês Boniek.
O jogo de 1979, tenho gravado em DVD e foi um dos maiores clássicos da história, jogado no Ex-Maracanã (o Maracanã do povão desdentado na geral), com nada menos do que 118.458 pagantes, algo que jamais será repetido no país.
Peleja válida pela Copa América e Maradona, aos 19 anos, nem aí para a desvantagem no público. Acabara de ser campeão mundial de juniores e era titularíssimo dos profissionais. Em 1978, Maradona merecia uma vaga no time campeão de Menotti.
Neste jogo do Maracanã, o capitão Cláudio Coutinho, técnico “campeão moral” por haver encerrado invicto a Copa do Mundo da Argentina, pretendia uma surra exemplar. Logo aos dois minutos, o hábil ponta-esquerda Zé Sérgio, do São Paulo, dribla três Hermanos e cruza para Zico empurrar para as redes.
Pintava uma goleada que não veio. Maradona passou a dominar Batista e Zenon no meio-campo e a entrar com frequência de amante em quitinete de cabrocha. Deu um belo chute curvado pouco após a intermediária ao observar o goleiro Leão adiantado. Leão fez uma defesa de epopeia. Saltou e trouxe a bola puxando-a com as duas mãos.
Foi Edinho quem tremeu ao vislumbrar Dieguito, que lhe tomou a bola e, calmamente, serviu a Coscia, para empatar aos 29 minutos de partida. Confronto elétrico, imprevisível. O Pibe tomou dois tocos no tornozelo, aplicados pelo cerebral Paulo César Carpeggiani, mas nada sentiu. Ali estava um superdotado, algo diferente do comum e imune a medos pueris.
O Brasil fez 2×1 num dos mais belos gols da história do Ex-Maracanã desde que a acompanhei a partir de 1977. Tita e Zico tabelaram, o Galo deixou Tita na quina da área e ele soltou um balãozinho caprichoso, jogando a bola no ângulo do goleiro Vidallé, reserva do espetacular Ubaldo Fillol.
No retrato do confronto Flamengo x Boca Juniors, em 1981, o rubro-negro mandava no mundo com seu time de poesia parnasiana. Zico fez os dois gols do 2×0 e Maradona, recém-contratado ao Argentino Juniors, brindou a massa com embaixadinhas e toques de curva, dificultando para o grandalhão goleiro Raul.
Saíram abraçados Zico, Maradona e Carpeggiani, que se despedia da carreira de volante clássico para assumir o cargo de trenador do Flamengo, pelo qual venceria a Libertadores, o Mundial Interclubes e o Campeonato Carioca daquele benfazejo ano (para os de vermelho e preto).
No lance em que Zico mete o pé por entre as pernas de Maradona tentando tomar-lhe a bola, eram nervos de aço no gramado do Estádio Sarriá, matadouro do Brasil pelos pés da Itália no duelo seguinte.
Zico e Maradona, no Brasil 3×1 Argentina, trocaram algumas jogadas ríspidas, evitaram dribles um no outro e o semideus portenho teve um ataque histérico e invejoso. Após uma pernada no volante Batista, foi expulso e saiu mandando a secada marota: “Perdemos para os campeões do mundo”. A Itália apagou nossas luzes. Acesos serão sempre Zico e Maradona, duplo sol do meu tempo.
O ADEUS DE TIA RUTH E O DESABAFO DE GERALDAVES
por Paulo-Roberto Andel
Tia Ruth acabou de morrer e com ela se foi um jeito de torcer que não existe mais: colocar o amor e a simpatia acima de todas as intempéries, que no caso do seu America têm sido intensas. Uma lady a serviço da memória do futebol brasileiro, enfrentando viagens, campos esburacados e falta de estrutura para apoiar uma causa que muitos consideram perdida. O fato é que o America faz uma falta enorme ao Maracanã e, se pensarmos no passado, o próprio Maracanã, aquele que aprendemos a amar e admirar, também faz falta.
A tristeza não parou. Recebi por WhatsApp um texto, uma carta aberta possivelmente assinada sob pseudônimo que me emocionou profundamente. Além da enorme simpatia pelo America, estou escrevendo um livro sobre o clube junto com o jornalista André Luiz Pereira Nunes, o que aumenta a reflexão. Ler a carta foi como levar um soco violento no queixo. Tomei a liberdade de reproduzi-la aqui:
“É preciso acabar com o America!
(por Geraldaves de Almeida)
É preciso acabar com o America. O time para o qual torci não mais existe. Trata-se de um arremedo, uma cópia mal feita. A camisa, outrora rubra, se misturou ao anêmico sangue dos botinudos que ora a envergam. Alex, Edu, Bráulio e Luisinho ficaram definitivamente na memória dos tolos saudosistas.
É preciso acabar com o America. Urge que o façam logo. Meu time agoniza lentamente em meio a um limbo em forma de espiral. É um cenário perfeito para um portador de labirintite.
O agora ex-America necessita de uma morte digna, pois seus dirigentes o tem infestado a cada ano com refugos e velharias. No início da temporada o elenco contava com 6 goleiros, vejam só, 6 goleiros! O principal, contundido, não atuou em nenhum prélio destes certames de segundo escalão que o ex-America insiste em atuar sem obter qualquer êxito.
É preciso que algum corajoso aperte logo este botão. O antigo America necessita ser eutanasiado, pois merece uma morte indolor em respeito às suas glórias, restritas a um passado cada vez mais longínquo.
Os jovens de hoje não conhecem o America. Nunca ouviram falar. É o Mineiro, o de Natal? O clube estranhamente desapareceu do noticiário. Seu nome não aparece sequer nas páginas policiais, sinal claro de que o doente terminal necessita urgentemente do direito à inexistência oficial.
O ex-America possuía a sede mais moderna e charmosa da América Latina. Mas o espaço veio ao chão. Dizem que no lugar erguerão um shopping center e no playground ficará acomodado o ex-America. Que triste fim! Será que ao menos a diretoria passará a emitir boletos?
A culpa de toda essa decadência seria da CBF e do famigerado Clube dos Treze, alegam alguns insistentes torcedores. Mas isso não é verdade. A culpa é do futebol moderno que preza pela elitização e a existência dos clubes de massa em detrimento da pluralidade saudável e necessária. Money, my friend!
Não há mais espaço para meu ex-time. Em lugar de vê-lo sujo, mal ajambrado e descolorido, prefiro torcer por um fóssil.
Por favor, desliguem os aparelhos e deixem o meu America morrer em paz!”
O que foi lido acima é uma declaração de amor e desespero. Centenária instituição que ajudou muito nos alicerces do futebol brasileiro, o America tem cumprido uma pena desde 1987, quando foi alijado da primeira divisão do futebol brasileiro numa canetada, até que passou a viver em quase mendicância esportiva e hoje tem uma vida sobrenatural: parece resistir mesmo em estado de decomposição.
O America não pode morrer. Ele é um pedaço fundamental da história dessa cidade. Num período de quarenta anos atrás, curtíssimo para a análise histórica, o America ocupava dignamente o Maracanã, ostentava seu bandeirão na arquibancada e disputava títulos. Sua derrocada é drama, lição mas também um chamado de socorro.
Eu não tenho as soluções, eu não tenho as respostas. A única coisa que sei é que ele precisa ser salvo, precisa ser resgatado de um incêndio que o cremará se nada for feito.
Não adianta que algumas moscas mortas do clube, eternamente penduradas lá, ainda tentem enganar alguém com discursos pernósticos e empáfia oca.
Para o que foi e ainda é, o America não vive menos do que uma tragédia, capaz de alimentar o desespero como se leu na brilhante carta de Geraldaves, reproduzida acima.
Torcedores e sócios do America precisam se unir e lutar, lutar muito para impedir uma morte que parece anunciada em outdoors. O lugar do time rubro não é o de figurante na segunda divisão do Rio. Há um século em jogo. É preciso resistir.