O FALECIDO BIRA BURRO E DADÁ MARAVILHA: NOS TEMPOS DO FUTEBOL IRREVERENTE
Por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Essa semana fez um ano que o futebol brasileiro perdeu um de seus grandes personagens. Em 14 de setembro de 2020, morria Ubiratã Silva do Espírito Santo, o Bira Burro.
Antes de mais nada, vale ressaltar que de burro este macapaense não tinha nada. O apelido surgiu quando Bira decidiu se transferir para o Internacional de Porto Alegre. A opção foi classificada por muitos como burrice, já que o clube da Beira-Rio passava por uma forte crise e havia um suposto interesse pelo seu passe por parte do Flamengo de Zico, Adílio e Carpegiani, que começava a despontar para uma era de glórias.
O fato é que a “burrice” de Bira lhe rendeu o título de campeão brasileiro em 1979 e a admiração eterna do torcedor colorado pelo seu futebol. No Inter, não chegou a fazer muitos gols, mas foi peça fundamental no esquema do técnico Ênio Andrade, com boas assistências e fazendo o pivô para a chegada em condições de concluir de Falcão, Jair e Cia.
Além de goleador, Bira também era um marqueteiro. Espirituoso, sempre dava asa àquela rivalidade sadia entre jogadores e torcidas. E quando do lado do maior adversário tinha um especialista em marketing de si como Dadá Maravilha, o futebol se tornava mais interessante, delicioso, alegre e festivo.
Antes de Bira se mudar para o Sul, ambos se confrontaram num dos mais disputados clássicos do Brasil, Remo e Paysandu, o RE-PA. Dadá passou a semana provocando e prometendo o gol Sossega Leão, numa referência ao mascote do Remo. Sem deixar barato, Bira, que ainda não era “burro”, garantia fazer outro gol como resposta a cada gol do consagrado e fanfarrão artilheiro, além de lhe aprontar uma boa surpresa.
No domingo, o Mangueirão lotado foi palco de um jogaço de bola, com os dois artilheiros sendo o centro das atenções. Ao abrir o placar, ainda no primeiro tempo, Bira protagonizou uma das comemorações mais originais e inusitadas do futebol brasileiro. Ensandecido com o seu gol, escapou dos abraços dos companheiros e saiu na disparada até o meio de campo ao encontro de Dadá para festejar pendurado em seu colo. Era a anunciada surpresa do artilheiro azulino. No segundo tempo, Dario empatou para o Paysandu, sossegando o Leão tal como prometido e devolvendo a comemoração ao se jogar nos braços de Bira, sob aplausos das torcidas rivais, já confraternizadas num armistício que durou até o apito final do clássico.
Diante de tanta irreverência e naturalidade, desta saudável disputa nascia uma grande amizade, que seguiu firme e forte até a partida de Bira para o andar de cima.
PASTA DE PAPELÃO
por Claudio Lovato Filho
– O que ele tem?
– Não sei. Faz dois dias que está lá no quarto, agarrado naquela pasta de papelão. Não quer sair pra nada. Perguntei se ele estava sentindo alguma coisa, se queria ir ao médico, mas ele disse que não, você conhece o seu irmão.
– À noite eu passo aí.
– Obrigada, querido!
Desligaram.
Ele ficou pensando no irmão, seu irmão mais velho, trancado no quarto.
À noite, depois de cumprimentar a cunhada, ele avançou pelo corredor do apartamento, e, lá no fim, deu duas batidas na porta do quarto do casal.
– Chico, posso entrar?
Ele não ouviu resposta.
Deu mais uma batida e foi entrando devagar.
– Oi, garoto! – disse o irmão mais velho enquanto se erguia e sentava na beirada da cama.
O irmão mais novo viu a velha pasta de papelão verde com elástico preto nas extremidades em cima da cama.
– Está tudo bem? – ele perguntou ao irmão mais velho.
O irmão mais velho ficou olhando para ele sem dizer nada.
O irmão mais novo sabia o que havia na pasta. Algumas vezes haviam passeado juntos pelo seu conteúdo. Eram reportagens sobre a carreira do irmão mais velho, ex-meio-campo com passagens vitoriosas por alguns dos maiores clubes do país. Havia também fotos presenteadas por um grande fotógrafo esportivo de quem ele se tornara amigo. As lembranças da carreira do irmão mais velho estavam espalhadas pela casa – em algumas caixas, em um armário, no computador –, mas aquela velha pasta de papelão continha a nata das memórias, uma seleta do que aconteceu de mais importante, registros de alto poder simbólico que abarcavam toda sua trajetória, desde os tempos em que, ainda adolescente, fora promovido a profissional no clube que jamais deixou de ser seu clube do coração até a despedida do futebol em outro grande clube pelo qual, já veterano, conquistara um campeonato nacional.
O irmão mais novo se sentou ao lado do mais velho na beirada da cama.
– Aconteceu alguma coisa?
Passou-se algum tempo até que o irmão mais velho respondesse.
– Nada. Não aconteceu nada. Esse é o problema. Nunca acontece nada. Nunca mais aconteceu nada.
– Não diz isso, Chico! Quanta coisa boa tem na sua vida!
O mais velho não disse nada por algum tempo. E então:
– Agora dei para começar a ficar nervoso quando o telefone toca, quando chamam no interfone, até quando chega uma mensagem… Caraca!
Ficaram mais um tempo quietos no quarto iluminado apenas pela claridade que vinha da rua.
– Quer sair pra conversar? Vamos dar uma passada lá no bar do Bento?
– Não, não estou pra isso, vou ficar na minha! – disse o mais velho com um meio sorriso.
– Estou na boa, pode ir tranquilo.
– Então vamos ver o jogo juntos amanhã. Vai lá pra casa!
– Pode ser. Amanhã a gente combina.
O irmão mais novo se levantou apoiando uma das mãos no ombro do outro.
– Tá bom. Estou indo. Fica bem. Valeu?
Quando estava abrindo a porta, ouviu a voz do irmão mais velho às costas.
– Toma. Leva isto com você.
Ele se virou e olhou para a pasta nas mãos do irmão mais velho.
– Por quê?
– Leva com você e faz o que quiser com o que tem aí.
– Isso é seu, é importante pra você.
– Pega!
Ele pegou a pasta e foi embora.
No carro, antes de dar a partida, colocou a pasta no colo e a abriu. Mais uma vez, conforme folheava as páginas de jornais e revistas, as impressões de matérias de sites e blogs em papel A4 e as fotos, ele pensou, orgulhoso, no sucesso que o irmão conseguira fazer.
Encontrou uma reportagem feita quando o irmão já era veterano, mas ainda jogava em alto nível, e que incluía uma foto de arquivo, já bastante antiga à época, em que apareciam, lado a lado, o irmão mais velho, no começo da carreira, e ele, o mais novo, então uma criança, ambos com o uniforme completo do clube. A matéria, de duas páginas, que agora lhe chamava a atenção de um jeito diferente, incluía uma entrevista em formato de perguntas e respostas. O último questionamento se referia ao período pós-carreira.
“Você já pensou no que gostaria de fazer depois que parar de jogar?”
E a resposta dele:
“Sinceramente, não penso nisso. Vou deixar para pensar quando chegar a hora. Mas ainda vai demorar! (risos)”
Ele fechou a pasta pensando no irmão mais velho, em tudo o que o irmão fez, tentando imaginar o que estava por vir.
“Um dia de cada vez”, ele pensou. “Um passo depois do outro”.
Então ligou o rádio no volume mais alto que podia tolerar e arrancou.
Enquanto isso, lá em cima, no apartamento, o irmão mais velho virava-se de lado na cama e pegava no sono, em paz (a paz possível), como há tempos não conseguia.
MISSÃO CUMPRIDA
por Zé Roberto Padilha
Poucas imagens refletem tanto um reinado.
O Rei, suas vestes, seu brasão e um trono postado dentro do seu vestiário. E sua expressão serena a revelar: missão cumprida!
Por lá, anos seguidos, vestiu sua armadura e munido de bolas, não de bombas, saiu a derrotar reinos adversários. Não inimigos.
Perdeu os meniscos em entradas criminosas, sacrificou seus tornozelos nos gramados esburacados que tinha. Sem jamais deixar a luta.
Quando chegou menino, sua nação não tinha um Rei. Tinha o Dida, o Evaristo, Carlinhos, Silva e Nelsinho, respeitados comandantes, mas faltava quem acertasse uma bola parada de fora da área nas redes cobreloas.
Faltava quem liderarasse seus Adílios, orientasse seus Andrades, para vencer a Copa Libertadores da América. E, em Tóquio, conquistar, finalmente, o mundo.
Faltava ao Reino da Gávea alguém com um arsenal de magias que encantasse seguidas gerações que não o tenha visto jogar.
Um rosto, um nome, que fosse desfraldado nas bandeiras, brindado nos copos, nos chaveiros que carregassem todas as chaves como símbolo maior daquele reinado.
A nação não tinha seu ser de luz para coroar.
Faltava um Rei àquela nação.
Depois de Zico, não faltou mais.
CRAQUE DO BRASIL EM 1999
por Luis Filipe Chateaubriand
Quando aquele menino franzino chegou no Parque Antártica, vindo de Curitiba, muitos não acreditavam que tivesse bola suficiente para jogar no Palestra!
Além de tudo, outros achavam que ele era lento, o que gerou o apelido de “Alexotan”.
Mas o fato é que Alex “batia um bolão”, e calou a boca dos críticos.
Unindo habilidade e inteligência, técnica pura, encantou o Brasil e o mundo com seu futebol refinado, criativo e inventivo.
E, em 1999, liderou o Palmeiras na conquista de sua primeira Copa Libertadores da América, sendo o principal artífice de um time que aliava muita qualidade com muita luta.
E, com isso, foi o craque do Brasil em 1999!
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
AS DIFICULDADES DA IMPLEMENTAÇÃO DO FUTEBOL PROFISSIONAL NO RIO DE JANEIRO
por André Luiz Pereira Nunes
A implantação do profissionalismo no futebol carioca, em 1933, inicialmente se revelou um fracasso. A ideia reuniu apenas seis clubes: Bangu, Fluminense, Vasco, Bonsucesso, America e Flamengo.
Já o Botafogo, campeão em 1930 e 1932, optou por continuar amadorista, a exemplo de outras equipes, consideradas menores, como Andaraí, Olaria, Engenho de Dentro, Confiança, Portuguesa, Mavílis, Cocotá, Brasil e Ríver.
Por conta de desentendimentos com a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA), Confiança, Engenho de Dentro, Ríver, Cocotá e Brasil abandonaram, em 1934, o certame em andamento, deixando o Clube da Estrela Solitária acompanhado apenas por Andaraí, Mavílis, Olaria e Portuguesa.
As agremiações retirantes, então, passaram a disputar os chamados torneios do futebol menor, se filiando a algumas das inúmeras ligas amadoras que proliferavam como moscas naqueles áureos tempos em que a cidade detinha um número igualmente infindável de espaços destinados ao esporte bretão.
No mesmo ano, o Vasco foi campeão pela Liga Carioca de Futebol (LCF), de caráter profissional. Em 1935, a entidade, com a saída do Gigante da Colina, que se aliou ao Botafogo, ficou reduzida ao grupo composto por America, Fluminense, Flamengo, Bonsucesso, Modesto e Portuguesa. A Federação Metropolitana de Desportos (FMD) passou a contar com Botafogo, Vasco, Andaraí, Bangu, Madureira, São Cristóvão, Olaria e Carioca.
Em 1936, os presidentes Pedro Pereira de Novaes, do Vasco, e Pedro Magalhães Correia, do America, organizaram na Associação dos Empregados do Comércio uma reunião histórica que formulou a pacificação do futebol carioca. O acontecimento, o qual ficou conhecido como ‘Solução Dois Pedros’, acabou dando origem ao chamado ‘Clássico da Paz’, disputado entre Vasco e America.
Foram, portanto, reunidos, em 1937, na recém-criada Liga de Futebol do Rio de Janeiro (LFRJ), os doze principais clubes da cidade. Como nem tudo são flores, no ato da reunificação, o São Cristóvão liderava o Campeonato Carioca organizado pela Federação Metropolitana de Desportos (FMD), que acabou interrompido ao fim do primeiro turno. A entidade organizadora então o proclamou campeão. Contudo, até os dias atuais, os Cadetes não tiveram a sua conquista oficializada pela Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ), injustiça que pretendemos corrigir através de um dossiê por nós formulado que se encontra totalmente embasado por documentos e fontes fidedignas.
Fluminense, Flamengo, Vasco, Botafogo, São Cristóvão, America, Madureira, Portuguesa, Bonsucesso, Olaria, Bangu e Andaraí tiveram um ano de prazo para se organizarem técnica e materialmente para disputar a primeira divisão. Os que não satisfizessem as exigências seriam desligados, com direito a retorno, apenas quando cumprissem o regulamento. O principal vitimado nessa história foi o Andaraí, irremediavelmente excluído para sempre do rol dos grandes times do futebol carioca.