DIVIDIR POR DOIS
por Rubens Lemos
É sumária a sentença segundo a qual o atacante Raphinha é montanhas acima da cordilheira técnica do futebol brasileiro. Pelo jogo contra o Uruguai na semana passada (4×1), Raphinha selou seu carimbo de virtuoso e de homem que pode ser o protagonismo em caso de ausência de Neymar e parceiro dele, de igual para quase igual, com pequena vantagem para o camisa 10.
Em 2006, na Copa do Mundo das futilidades e rebolados, o Brasil dispunha de monstros: Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo Fenômeno, Adriano, Roberto Carlos, Kaká e Robinho de ótimo opcional.
Faltou Rivaldo, mais maduro, aos 34 anos e craque, para dar o mínimo de equilíbrio emocional a um time que virou circo, transformando treinos em piruetas coletivas e bagunça como a de fãs beijando jogadores.
O Brasil tinha um timaço do meio – onde também estava Juninho Pernambucano, que fracassou por apatia geral ao time, mas a cada dia, a cada exibicionismo coletivo, achava que venceria o Mundial quando quisesse. Aí chegou Zidane e botou todos no bolso, com direito à chapelaria coletiva num amplo lençol, maior que a lona do fiasco final.
Zidane, abrindo aqui uma prosa, parecia aquele cara que, no colégio, nos perseguia, batendo na gente só por sadismo, no que o tempo depois convencionou chamar de bullying.
Pois é, o Brasil sofria bullying de Zidane. O cara que nos sacolejava menino e, dez anos depois, em reencontro no bar, dava um cascudo, de leve, apenas para não perder a supremacia da força, no caso dele, com técnica de pianista.
Quando o Brasil entrou em campo em 2010 com Felipe Melo no meio, as probabilidades de um título foram anuladas. Amedrontava feito lutador de MMA, um brigador de rua, um porra-louca dando carrinhos criminosos e sem afetividade no trato com a bola. Além dele, Gilberto Silva, meramente protocolar, sem nenhum algo a mais, critério de um selecionável.
Kaká e Robinho eram os últimos. Kaká, brihante com a bola, era engomadinho demais. Nunca sujou cueca e meião em partida que fosse, essa é a minha suspeita, que fique bem evidente.
Kaká não dispunha da raiva de arrancada dos grandes meias. Postava-se na intermediária abusando de toquinhos e dando chutes despretensiosos, desperdiçando o talento do baú do seu par de chuteiras.
Revelado em 2002 no show dos meninos do Santos, Robinho logo se achou Pelé. Todo garoto revelado na Vila Belmiro deveria assistir 180 vezes um filme de gols, dribles, malandragem e pancadas do Rei, que sabia bater e quebrar sem ser notado. Robinho é o semi-quase, o pseudo, enrolado em casos criminais que sepultaram em definitivo a sua carreira.
Raphinha é um canhoto, primeiro ponto positivo. O canhoto é um subversivo em campo. Sua ginga é feiticeira, Sua finta, mais deslumbrante que a do destro, pode ser alongada ou curta igual a um prego.
O pé esquerdo abençoado é fascinante. Rivelino me ensinou ainda nos anos 1970, domando a gorducha com leveza e fúria em combinação irretocável.
Para Neymar, se Neymar resolver ser menos egoísta, a chegada de Raphinha lhe será decisiva para a última Copa do Mundo dele, no próximo ano. Neymar e Raphinha e a dupla que jamais houve desde a estreia de Neymar contra os Estados Unidos em 2011. Os holofotes sempre foram para ele, por truque de merchandising e por escassez de brilho próximo.
Ora, Neymar é supercraque, nunca foi negado aqui, mas nas duas Copas do Mundo, a de 2014, a da Vergonha contra a Alemanha (ele não jogou nem teria evitado o massacre de 7×1) e na de 2018 na Rússia, acompanhou-se de Fred, Hulk, Jô, Philipe Coutinho e suas oscilações e pernas de pau de grife: Paulinho, Willian e o obtuso-mor Renato Augusto.
Agora, Neymar pode preparar seu encerramento de carreira com boas chances de ser campeão mundial por contar com parceiro de extrema qualidade e destemor.
Os dois podem tabelar, criar um para o outro, inverter posições confundindo defesas, formar dueto afinado, tipo Tom Jobim e João Gilberto na Bossa Nova. Não eram exatamente amigos, mas a plateia (a quem interessava a criatividade), delirava nas maravilhas divinas dos gênios.
MISSÃO QUASE IMPOSSÍVEL
por Eliezer Cunha
Democraticamente venho utilizar deste espaço proposto pelo “Museu da Pelada”. Espaço este normalmente utilizado para enaltecer grandes jogadores de nossa história, porém agora tento com sucesso ou não, de alguma forma corrigir injustiças.
Me oriento para esta abordagem, utilizando de fatos pragmáticos e de uma abordagem sistêmica. São injustiças impostas pela história do futebol, como já ocorrido com tantos jogadores profissionais dentro das 4 linhas ou circundado por 3 troncos de madeira, o Gol. Mas hoje o momento é de se fazer justiça a um jogador que talvez tenha a função mais em risco dentro destes espaços, entre o céu e o inferno. Falo de Cantareli, arqueiro rubro negro que defendeu o famoso manto com unhas, dentes e mãos no meados dos anos 70. Recebeu de Renato o trono difícil de ser um goleiro de um dos times mais amado do Brasil. Catareli recebeu a incumbência num momento difícil da história rubro negra, time desfeito pós Campeonato Carioca 72 e 74, já sem os grandes astros e, num momento de reestruturação. O Flamengo ainda não era a potência de 1978 e dos anos a seguir, lutava pelo Campeonato Carioca com times extraordinários como: Fluminense chamada de máquina, Vasco com um elenco maravilhoso e uma zaga consistente, os anos finais do maestral Botafogo, sem falar no América que também na época lutava por títulos.
Foram anos difíceis aqueles meados da década de 70, mas se manteve titular e fez o que lhe cabia, até entregar a camisa número 01 a Raul, recém-chegado do Cruzeiro. Não pode participar daquele time que conquistou brasileiros, sul-americano e mundial, não desfrutou das glórias de uns dos melhores times formados pelo Flamengo. Apenas trabalhou em silêncio e paciência, porém, o destino não o contemplou com a foto histórica daquele fabuloso time ao lado de Zico e companhia.
Neste momento, peço mais um pouco de reflexão aos críticos que fazem de Cantareli um inexpressível e apenas simples arqueiro de futebol de um possível grande time de futebol, mas sim, um jogador que trabalhou com afinco e determinação para impedir que o Flamengo não deixasse de ser um time respeitado, que apesar dos contratempos ainda lutava pelos títulos nacionais.
RUBENS GALAXE, UM CORINGA MULTICAMPEÃO
por Paulo-Roberto Andel
Hoje em dia é quase impossível ter num clube um jogador que atravesse uma década vitoriosa num elenco, mas na década de 1970 isso era perfeitamente possível. É o caso de Rubens Galaxe, sexto jogador que mais vestiu a camisa do Fluminense na história, com 462 apresentações.
Em meio a craques consagrados, Rubens atravessou diversas formações. No começo dos anos 1970, quando ele chegou, o Flu vinha de uma trajetória vitoriosa, ganhando o Campeonato Carioca de 1969 e o Brasileiro de 1970. E assim seguiu, ganhando os estaduais de 1971 e 1973, até desaguar na monumental Máquina Tricolor, campeã em 1975 e 1976, além de chegar a duas semifinais de brasileiros. Jogadores chegavam e saíam, mas Rubens estava lá. Era o “coringa”, o jogador que se adaptava às diversas funções e posições sem qualquer reclamação – hoje em dia seria uma referência mundial. E ninguém foi tão fundo quando o assunto tratou de posições diferentes em campo: só não jogou de goleiro e centroavante, sempre honrando a camisa tricolor. Não era um craque, mas possuía todos os fundamentos qualificados no futebol e trazia um consigo que foi sua marca: a eficiência.
Com a diáspora da Máquina, vieram tempos ruidosos e o Fluminense ficou três anos sem títulos importantes – hoje, com nove, tem gente que aplaude e comemora, mas naquela época dava até confusão. Pela primeira vez vivendo uma crise no Flu, Rubens aguentou firme e, aos 28 anos, foi o “veterano” do grandioso time campeão carioca de 1980, praticamente todo formado na base tricolor. Dois anos depois, deixou o clube. Uma pena: ele merecia fazer parte do time tricampeão de 1983 a 1985.
Sempre discreto, Rubens marcou poucos gols, mas dois deles foram espetaculares: um chute violentíssimo numa goleada sobre o São Cristóvão por 8 a 1 em 1979 e outro, belíssimo, numa vitória sobre o Flamengo por 3 a 0 no mesmo ano. Este jogo por si dá um livro, tantos foram seus acontecimentos: o Maracanã abarrotado com mais de 100 mil torcedores, o goleiro Paulo Goulart defendendo um pênalti de ninguém menos do que Zico, um monumental gol marcado pelo jovem Cristovão (que depois seria treinador de diversos clubes) num drible sobre Manguito e, por fim, a frustrada estreia da torcida Flagay no Maracanã, provocado por homofobia de setores da arquibancada rubro-negra. O gol de Rubens abriu o marcador num chute forte, no ângulo esquerdo do goleiro Cantarele, e a comemoração virou uma foto maravilhosa publicada na Revista Placar.
Numa entrevista mais recente, Rubens Galaxe declarou: “Nunca fui vaiado pela torcida do Fluminense”. Nem teria como: nos tempos em que o Campeonato Carioca era o mais importante do país, Rubens foi nada menos do que pentacampeão em uma década. Quando o Fluminense teve o time mais emblemático de sua história, ele teve lugar cativo como titular. E depois de uma grande crise, ele colaborou muito para o que Flu voltasse a ser campeão. Sua trajetória e história merecem ser contadas e relembradas: elas falam de um jogador honesto, sério, que nunca teve os holofotes para si, mas que está em muitos posters de um dos gigantes do futebol brasileiro. Um pentacampeão que não escolheu posição para defender sua camisa.
Ele foi muitos num só.
O CRAQUE DO BRASIL EM 2002
por Luis Filipe Chateaubriand
Em 2002, o futebol de Ricardo Izecson dos Santos Leite, o Kaká, começava a florescer em nosso futebol.
Meia atacante do São Paulo, teve atuações destacadas ao longo do ano – que, inclusive, o levaram à Seleção Brasileira que foi penta campeã no referido ano.
Jogador vertical, partia para cima das defesas com imensa volúpia, grande espírito de luta e imensa técnica.
Seus passes para os atacantes não eram laterais, mais sim verticais ou diagonais, colocando-os em condições de concluir a gol.
Alto, era bom demais no cabeceio.
Especialista tanto em fazer gols, como em propiciá-los para os companheiros, era jogador “arco e flecha”, assim como Zico.
Aliás, o próprio Zico, ao ser indagado qual jogador mais se parecia com seu estilo, escolheu Kaká como tal.
Kaká fez uma carreira muito bonita.
Ela começou a dar frutos em 2002.
Luis Filipe Chateaubriand é Museu da Pelada!
A MAIOR ZEBRA DA HISTÓRIA DO FUTEBOL
Por Pedro Tomaz de Oliveira Neto
Diferente de outras modalidades esportivas, como basquete e voleibol, nas quais as chances de um time mais fraco vencer o mais forte são quase nulas, o futebol tem na imprevisibilidade do resultado um de seus atrativos. Em que pese o favoritismo sempre pender para os times superiores em termos financeiros, físicos e técnicos, de vez em quando a zebra resolve dar o ar de sua graça, tal como aconteceu na Copa do Mundo de 1950, disputada no Brasil, em que o mundo do futebol testemunhou, incrédulo, uma das maiores zebras da história, com a Seleção dos Estados Unidos vencendo o England Team.
O espanto não se deu só por causa das diferenças técnicas abissais que opunham, de um lado, uma equipe de amadores, e, de outro, a prestigiada seleção do país onde nasceu o futebol e floresceu uma das ligas profissionais mais ricas do planeta. O mais inusitado foram as circunstâncias que envolveram a participação americana nesta Copa. O futebol no país tinha pouca importância, sendo mais praticado entre imigrantes do que propriamente pelos americanos nativos, para quem o verdadeiro futebol era outro, aquele jogado com pés, mãos e muita porrada.
Foi com imigrantes britânicos que os Estados Unidos se fizeram presentes nas Copas de 1930, no Uruguai, conseguindo um honroso 3º lugar, e na de 1934, na Itália, terminando num horroroso último lugar. Para ir à Copa no Brasil, o país se apoiou no voluntarismo de imigrantes portugueses, espanhóis, irlandeses e até de um haitiano, para os quais o futebol era apenas um passatempo, pois ganhavam a vida exercendo outras profissões como professor, agente funerário, lavador de pratos, carteiro etc. Nas eliminatórias para o mundial, esta seleção, que parecia mais um “catadão”, levou 15 gols em quatro partidas, mas se classificou goleando por 5 a 2 a ainda mais fraca Seleção de Cuba. Antes de embarcar para o Brasil, fizeram sete jogos amistosos, marcando dois míseros gols e sofrendo 45!
Sediado em Belo Horizonte, os Estados Unidos estrearam na Copa perdendo para a Espanha por 3 a 1, placar recebido quase como uma vitória tendo em vista as sucessivas goleadas sofridas nos últimos jogos. Só que não dava nem para comemorar. O próximo compromisso era contra a temida Inglaterra no estádio Independência. Aos “norte-americanos” restava lutar por uma derrota honrosa. Decididos, se fecharam em seu campo de defesa e só avançavam em tímidos contra-ataques. Com uma escalação praticamente de reservas, notava-se por parte dos ingleses uma soberba acompanhada de preguiça, certos de que ganhariam fácil o confronto.
Mas, surpreendentemente, aos 37 minutos do primeiro tempo, numa escapada pelo lado, os Estados Unidos abriram o marcador com um gol do haitiano Joe Gaetjens. Desde então, assistiu-se a um bombardeio impiedoso da Armada Inglesa contra a meta defendida pelo goleiro Frank Borghi que, com defesas sensacionais e milagrosas e muita entrega dos seus companheiros, garantiram uma vitória histórica que, de tão inesperada, tornou-se inesquecível.
Pelo feito, toda a delegação americana varou a madrugada pelas ruas e bares da capital mineira comemorando o inacreditável triunfo. Três dias depois, ainda grogues de tanto festejar, o time voltou a campo. O placar de 5 a 2 para o Chile eliminou os Estados Unidos do torneio, mas isso pouco importou e não impediu que a volta para casa dos novos heróis da América fosse com aquela enorme sensação de felicidade, orgulho e missão cumprida.