VASCO, TEMPO DAS CAMISAS
por Rubens Lemos
Tenho um saco imenso cheio de camisas oficiais do Vasco, duas delas, de uso em jogo, pelo maestro Geovani no bicampeonato carioca de 1987/88. Geovani é meu amigo, veio para o lançamento do meu livro Memórias Póstumas do Estádio Assassinado, em 2017 e dispensou hotel: ficou em minha casa, humildade transversa à pose dos pernas de pau que estão levando o cruz-maltino ao caminho da Série D.
Olhei cada camisa e nelas, senti o frescor da classe, da habilidade e da raça, três componentes fundamentais de um time que já se foi há pelo menos 21 anos, depois daquela decisão que Romário ganhou contra o São Caetano valendo o Campeonato Brasileiro de 2000.
De lá pra cá, apenas uma Copa do Brasil em 2011 com craques envelhecidos e competentes do naipe de Felipe, Juninho Pernambucano (hoje insuportável militante) e Diego Souza, que chutou nas mãos do corintiano Cássio, o título da Libertadores que, se fosse nosso, mudaria o curso do destino.
O pior da decadência é quando se torna banalizada. O Vasco se acostumou a ser um timeco. Faz tempo, afinal 21 anos é a maioridade absoluta de um ser humano no Brasil. Nunca mais surgiu um cracão, o máximo que saiu das bases foi Philippe Coutinho, bonzinho, habilidosinho, razoável. Dispensado pelo Barcelona.
Ao observar camisa a camisa, me revi no improvável título de 1982 sobre o Flamengo de Zico, no mencionado bicampeonato no qual jogou o melhor time que acompanhei: Acácio; Paulo Roberto, Donato, Fernando e Mazinho; Dunga (Henrique), Geovani e Tita (Bismarck); Mauricinho, Roberto Dinamite e Romário.
Em 1994, o Vasco venceu o único tricampeonato carioca de sua história, cinco anos depois de Bebeto levar o clube ao terceiro título nacional, tirado em lusitana malandragem do impoluto Flamengo.
Veio o Brasileiro de 1997, com Edmundo estraçalhando, a Libertadores do ano seguinte, de Donizete e Luizão, o Rio-São Paulo de 1999 e, finalmente, o Brasileiro de Romário em 2000. Camisas guardadas, foi-se o Vasco.
O CRAQUE DO BRASIL EM 2006
por Luis Filipe Chateaubriand
O ano de 2006 consagraria o título mundial do Internacional de Porto Alegre e, comandando a turma, estava o centroavante Fernandão.
Como uma primeira qualidade de seu jogo, Fernandão era um centroavante que, além de fazer gols, funcionava como “pivô” e, assim, propiciava chances de gols aos companheiros de time.
Como uma segunda qualidade de seu jogo, Fernandão sabia tirar proveito de sua altura avantajada e era ótimo no cabeceio, o que propiciava tanto gols de cabeça, como passes açucarados de cabeça para os companheiros.
Como uma terceira qualidade de seu jogo, Fernandão sabia exercer liderança em relação ao time, orientava posicionamento, “cantava” jogadas, chamava atenção dos desajustados, era um verdadeiro capitão em campo.
Em 2006, tudo isso estava exacerbado, e o resultado foi o topo do mundo para o “Colorado” – com a imprescindível participação de Fernandão!
ESTÁDIO NÃO É LUGAR DE GOL, MUITO MENOS DE ALEGRIA
por Marco Antonio Rocha
O atacante domina a bola no peito e, de primeira, fuzila no ângulo, sem chances para o goleiro. Em êxtase, o artilheiro corre em direção à sua torcida, mas logo percebe que está sendo perseguido pelo time adversário. Sai em disparada rumo a seu campo, e logo uma confusão generalizada se forma. Fazer gol e ainda por cima comemorar?! Quando os ânimos parecem mais serenos, o árbitro se dirige ao atacante e lhe dá cartão vermelho. Estádio de futebol não é lugar de gol, muito menos alegria.
À noite, as mesas redondas – ou seriam quadradas? – elogiam a atitude do árbitro. “O jogo se encaminhava para o 0 a 0 até que esse irresponsável fez o gol”, vocifera um dos comentaristas. Passados mais alguns dias, o STJD se reúne para o julgamento: CULPADO! O atacante pega cinco rodadas de suspensão. Imediatamente seu staff se reúne para redigir um pedido de desculpas, que logo coleciona curtidas nas redes sociais: “Gostaria de pedir perdão. Foi um ato impensado, jamais deveria ter feito aquele gol. Já aprendi que em situações como esta, cara a cara com o goleiro, o melhor a se fazer é tocar para o meia, que deve passar para o volante, que joga para o lateral, que aciona o zagueiro, que recua para o goleiro…”.
No futebol brasileiro, que celebra mais a posse de bola ineficaz do que o gol, fazer embaixadinha como Mauricio, do Internacional, é passível de cartão amarelo; e dominar com estilo, como Michael, do Flamengo, é visto como desrespeito. No futebol brasileiro, Garrincha morre um pouco mais a cada semana.
CONVULSÃO DE RONALDO EM 1998
Fatos que merecem um livro, uma série ou um documentário
Por Elso Venâncio
Na Copa de 1998, na França, Ronaldo Luís Nazário de Lima era o maior jogador do planeta. Aliás, melhor do mundo por dois anos consecutivos: 1997 e 1998.
Aos 21 anos, no auge da forma e da fama, o mundo se prepara para vê-lo em ação na sua primeira decisão de Mundial, no Stade de França. Inclusive, ele já tinha sido eleito pela Fifa o craque do Mundial, mesmo antes da grande final.
Há poucas horas do jogo, realizado no dia 12 de julho, porém, o atacante sofreu uma convulsão. Quase morreu.
Ele estava no quarto 290 do Chateau de Grande Romaine, em Lesingny, que acabaria virando atração turística. Foi socorrido pelo lateral-esquerdo Roberto Carlos, que dormia na cama ao lado, além de Edmundo e César Sampaio, que repousavam no 291 e foram chamados às pressas. Edmundo lembra:
“Desenrolaram a língua dele, deram um banho e o colocaram pra dormir.”
Na hora do lanche, Ronaldo aparece caminhando lentamente, meio abobado, meio sonolento. Toma um suco de laranja e come um bolo, sem sequer parecer se lembrar do que lhe houvera ocorrido. Ao falar ao celular, todos observaram o garoto, que há um ano tinha recebido o apelido de Fenômeno, durante sua experiência vitoriosa na Internazionale de Milão. O meia Leonardo, momentos depois, chamou Ronaldo e, caminhando pelos jardins do hotel, com habilidade, comunicou ao jovem a gravidade do acontecimento. Em seguida, o maior enigma da história das Copas.
Na porta do Chateau ficavam sempre mais de mil jornalistas – brasileiros e estrangeiros – acompanhando a seleção de futebol mais poderosa do mundo. Dentro do hotel havia um estúdio exclusivo da TV Globo. A qualquer sinal de saída de alguém, os jornalistas se movimentavam em busca de notícias.
Aí o grande mistério…
Já vetado do jogão, Ronaldo deixou o hotel com o médico Joaquim da Marta, mas ninguém o viu sair. O careca mais famoso do futebol, que se preparava para confirmar ao planeta todo o seu gigantesco talento, foi levado a um hospital de Paris sem que ninguém o reconhecesse.
Ninguém noticiou esse fato. Algo, para mim, surreal.
A Globo acompanhou a saída da seleção e o helicóptero da emissora seguiu o ônibus até a chegada ao estádio. Eu costumava ligar para alguém da delegação quando ela ia para os jogos, para checar se estava tudo bem. Nesse dia liguei para o Junior Baiano:
“Não posso falar” – ele desligou, repentinamente.
Achei estranho, mas não desconfiei de nada. Foi a única vez na história que não houve batuque no ônibus. Ninguém puxou o samba. Silêncio geral.
No estádio, Tino Marcos registrou ao vivo:
“Desce Bebeto, Dunga, Rivaldo, Edmundo, Roberto Carlos… Zagallo conversa com Lídio Toledo…”
E o Ronaldo? Como não sentir a ausência dele? Inexplicável.
Considero esse fato o maior erro, a maior gafe da imprensa brasileira e mundial. E me incluo nessa. Estava ao lado do Eraldo Leite, da Rádio Globo, na cobertura da seleção e entrevistamos um alegre e descontraído Fenômeno na véspera, após o treino. Lembro que o Mario Magalhães “Mariguella” apontou para um churrasco que a comissão técnica fazia ao lado do campo:
“O poderoso Américo Faria virou churrasqueiro!”
Tudo indicava uma vitória e o título de pentacampeão. Clima leve, descontração.
No dia da decisão, antes de seguirmos para Paris – a 35 km de Lesigny –, passamos na concentração e nada vimos de anormal. Engano nosso. A escalação oficial saiu a uma hora da decisão e de imediato liguei para o Gilmar Rinaldi, que passava pela pista de atletismo. Perguntei, aos gritos:
“E o Ronaldo?”
“Ele joga!”,garantiu, seco, dando fim à conversa.
Na verdade, Gilmar estava a caminho de Ricardo Teixeira, o presidente da CBF, para lhe comunicar a confusão ocorrida recentemente no vestiário.
Ronaldo chegara do hospital poucos minutos antes da seleção entrar em campo. Na verdade, quando os jogadores iniciavam o aquecimento. Foi direto vestir o material de jogo, já que os roupeiros chegam cedo e não sabiam de nada. O capitão Dunga bateu pé dizendo que Edmundo jogaria. Zagallo, inclusive, mudara a tática, não contava mais com o titularíssimo camisa 9. Ronaldo retrucou. Declarou que os exames nada apontavam de grave:
“Vou jogar!”
Reunião no vestiário. Ricardo Teixeira, Zico, Zagallo e Lídio Toledo presentes. Pesou a opinião do presidente:
“Se ele tá bem, por que não jogar?”
Em campo, desde o apito inicial assistimos a um Ronaldo pálido, apático, e a seleção visivelmente preocupada com o estado emocional e físico do ídolo, que absorvia aquele baixo astral. Pior, no comecinho da partida veio um choque brusco dele com o goleiro Barthez, numa disputa na área. Aquela trombada assustou nosso time inteiro.
Zidane, que ainda não havia marcado gols na Copa, fez logo dois, e de cabeça, fato raríssimo em sua carreira. O craque francês organizava o jogo, armava, mas não era muito de concluir. No final, França 3 a 0. Os donos da casa eram os novos campeões do mundo!
Boatos absurdos surgem após a derrota acachapante. Alguns garantem que o Brasil entregou a decisão em troca de dinheiro. Que a seleção deu a Copa de bandeja para poder sediar o Mundial de 2014. Para uns, a Nike impôs a escalação de seu garoto-propaganda, que não tinha a menor condição de jogar.
O futebol é o esporte que mais movimenta dinheiro no mundo. As receitas globais, segundo a empresa Sports Value, são superiores a 300 bilhões de dólares. A Copa é uma mina de ouro, por isso a FIFA sonha em realizá-la a cada dois anos.
Na coletiva de imprensa, um transtornado Zagallo chega assustado, rosto todo vermelho, e apontou para o companheiro Mauro Leão, do jornal O Dia:
“Tá satisfeito?”
Mauro balança a cabeça negativamente e responde.
“Eu não, alegre tá o Aime Jacquet…”
Jacquet era o treinador da França.
De repente, ninguém fala nada. Parecia um velório. Zagallo respira fundo e ninguém o questiona. O técnico, em seguida, encara uma surpresa imprensa cujo teor único dos questionamentos era o drama vivido por e com Ronaldo às vésperas do grande jogo da sua vida até então.
Esses fatos, o dia em que o “melhor do mundo” passou mal e isso influiu diretamente na derrota brasileira em uma final de Copa, merece um livro, talvez um documentário ou mesmo uma minissérie. Espero que não morra assim, sem maiores apurações, do nada, algo que mudou do dia para a noite a história da última Copa do penúltimo milênio.
FLAMENGO MINHA VIDA
por Leovegildo Junior
No Flamengo eu cheguei, cresci, lutei, aprendi, me sacrifiquei. Ali me formei como homem e profissional. Tive paciência, fui ajudado e ajudei, dentro e fora de campo. Vi o clube crescer, evoluir, ser exemplo e também vi o descaso, a falta de amor, a recessão e o declinio.
Fui jogador, treinador e dirigente. Vibrei, conquistei, sorri e chorei, perdi e ganhei. Fui injustiçado e idolatrado.
Já fui Careca, Cabeça, Copacabana, Capacete, Maestro e Vovô Garoto.
Fiz amigos e pouquíssimos inimigos. Sorri vendo companheiros chegarem, mas também chorei vendo alguns indo embora. Discuti com jogadores, treinadores, preparadores, massagistas e até com o presidente. Com e sem razão.
Fui lateral, volante e meia. Joguei 10 minutos, depois 45, 90 e até 120 minutos num dia só. Fiz gol de direita, de esquerda, de falta e até de cabeça, de pênalti. De dentro e de fora da área. E para não faltar também fiz gol contra. Jamais tinha feito gol em final, mas de repente marquei dois numa única decisão.
Ilustração: Marcos Vinicius Cabral
Cometi pênaltis marcados e também não marcados. Falhei em gols dos adversários, mas salvei meu goleiro em cima da linha. Dei bicicleta a favor e contra meu próprio gol. Dei e levei soco, cotovelada, bico na canela e voadora. Levei pontos na boca, no supercílio, na cabeca. Mas ganhei muitos mais na tabela.
Fui responsável por muitas segundas-feiras de alegria e, gracas a Deus, por poucas de tristezas. Dei volta olímpica pelo mundo, no Maracanã, em Porto Alegre, em Montevidéu e, a mais importante, em Tóquio. Foi com Taça Guanabara, Campeonato Carioca, Copa do Brasil, Campeonato Brasileiro, Libertadores e Mundial.
E um dia também fui obrigado a jogar contra minha segunda pele.
Ganhei grana, perdi grana e abri mão de grana. Fiz bons e maus contratos, processei e fiz acordos.
Mas, o melhor é que fiz dos meus filhos flamenguistas de coração. A minha mulher, claro, sempre foi.
Isso tudo é só pra dizer que:
“Eu teria um desgosto profundo se faltasse o Flamengo no mundo”.