Escolha uma Página

ENCARNAÇÃO NO FUTEBOL

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Acho que a encarnação faz parte do futebol. Na década de 80, com ajuda do Jornal dos Sports e da Revista Placar, essas provocações ficaram mais acirradas. Os jogadores adversários posavam para a capa desses veículos promovendo os clássicos. Pouco antes disso, o troca-troca do Francisco Horta era uma forma de dar visibilidade ao espetáculo. Joel Santana, Jairzinho e eu disputávamos o título de Rei do Rio, e isso foi até capa da Revista Placar de 1972, quando fui campeão pelo Flamengo.

Na década de 90, tinha jogador que imitava um porco e outro que usava máscara nas comemorações dos gols, uma tremenda zoação. Antes de Edílson Capetinha fazer aquelas embaixadinhas que geraram grande confusão, eu já havia feito contra o Vasco e o Buglê partiu cima de mim. Já na década de 60, o goleiro Manga avisava que o bicho já estava garantido em jogos contra o Flamengo. Ontem mesmo, após a vitória do meu Botafogo, liguei para alguns amigos vascaínos. É irresistível! Mas no Sul, a rivalidade e essas encarnações há tempos passaram do ponto.

Ontem, Patrick exibiu um caixão de papelão após a vitória sobre o Grêmio. Nos últimos clássicos vários jogadores foram expulsos e pouco futebol se viu. A imprensa incentiva e trata a partida como guerra, a torcida entra na onda, e em uma época de pandemia, todos mais sensibilizados e cansados de ouvir falar em caixão a história não poderia acabar bem, como não acabou. Os jogadores comemoraram como se fosse um título se esquecendo que, hoje, o Inter é apenas um time de médio para ruim. Assim como é o meu Olympique de Marseille.


Nessa rodada, empatou com o Metz, último colocado. Gerson e Luís Henrique não vão bem. E como o futebol é provocação saudável, sigo torcendo pelas zebras. O West Ham venceu o Liverpool, o Atletico de Madrid não passou pelo Valencia, o Veneza venceu a Roma, o Napoli empatou em casa e o Lyon perdeu feio. Não, por acaso, sempre gostei da zebrinha, do Fantástico.

É importante saber ganhar e perder. Na verdade, o caixão de Patrick é o retrato do futebol atual, que não convence dentro de campo e nem na dose das comemorações. Desliguei o mute nesse fim de semana para rir um pouco do linguajar e separei uma pérola para vocês: “Um time com consistência e intensidade, que joga por dentro e briga pela bola viva”.

PENTA VICE É O …

por Luis Filipe Chateaubriand


Os vascaínos das antigas, como eu, estavam acostumados a ser “zoados” pelos rivais, sobretudo os rubro-negros.

Penta vices!

Não era verdade.

Nos dois Campeonatos Cariocas de 1979, fomos vice em um deles, no outro não fomos.

Tínhamos, então, quatro vices em cinco Campeonatos Cariocas disputados: 1978, 1979 (um dos dois), 1980 e 1981.

Eram, de qualquer forma, muitos vices.

Era insuportável a zoação dos vermelhos e pretos.

Só que a hora deles estava chegando…

Em 1982, foram à final o Vasco da Gama, o Flamengo e o América. 

Como Vasco da Gama e Flamengo venceram o América, os dois primeiros foram fazer o jogo decisivo.

Primeiro tempo morno e equilibrado.

Mas eis que, aos três minutos do segundo tempo, Pedrinho Gaúcho bateu escanteio pela esquerda, a bola veio fechada, e Marquinho raspou nela para fazer o gol, frente a um embasbacado Raul.

Era o gol do título, pois, dali para a frente, o Vascão segurou o jogo com força e galhardia.

Então, responde aí:

Quem é vice?

QUINZE PRAS CINCO

por Paulo-Roberto Andel


Mal acabavam de fazer o primeiro jogo, os garotos dos dois times juvenis se apinhavam perto das escadas. Nada de descer para tomar banho: eles queriam era ver os craques entrarem em campo.

Cem mil pessoas, cinquenta mil de cada lado mais ou menos.

Dos dois lados, dezenas de bandeiras imensas enfileiradas, prontas para serem desfraldadas assim que os times entrassem.

Quinze pras cinco da tarde. De repente, entre os gritos das torcidas, havia certo silêncio e alguma aflição, alguma coisa que mexia com o peito.

De repente, no belo placar de lâmpadas amarelas, estava escrito “SU-DERJ IN-FORMA: ÁR-BI-TRO”. Pronto, todo mundo vaiava. Um barulhão. Em meio ao caos, no alto-falante uma voz abafada e inesquecível narrava o que se lia.

Cinco para as cinco. O coração parece que vai sair pela boca. Num súbito, o lado de cá explode num grito de alegria: entra um time todo de branco e, de repente, não dá para enxergar quase nada porque tudo em volta está no meio de uma grande nuvem branca. Um sinal de paz. E logo em seguida explode o lado de lá, com outro mar de bandeiras tremulando e centenas de rolos de papel higiênico desfraldadas.

É um oceano de barulho, mas dá para ouvir direitinho o que se canta lá e cá. Aquela aflição no peito bate com força total feito a pancada nos bumbos logo acima na arquibancada.

Aparece o nosso escudo no placar de lâmpadas e gritamos como se fosse um gol. Quando é a vez do escudo deles, aí berram com toda força. É uma festa fascinante, pra arrombar a retina de quem vê, como na letra imortal de Chico Buarque.

Cinco da tarde. Eu tenho onze anos de idade. Meu pai me segura pela mão na velha arquibancada de concreto cinza, onde quase não podemos nos mexer. Estou coberto de pó de arroz. Daqui a pouco eu vou ganhar um cachorro quente e uma coca-cola. Vai ser dada a saída.

Por uma hora e meia, sou o garoto mais feliz do mundo: estou no maior estádio do mundo, em meio a uma multidão, vendo o melhor futebol do mundo. No placar do Maracanã, aparece o nome do craque do meu time, ele tem a camisa 5. Vai enfrentar uma barra pesada: o 2, outro 5, o 7, o 8, o 9, o 10. Enfim, um grande clássico.

Parece que foi ontem, mas faz muito tempo. Há muito tempo eu não tenho a mão do meu pai para apertar, nem me junto a cem mil pessoas que sequer cabem onde, um dia, esteve o maior estádio do mundo.

Onde estão os craques?

Bandeirão, não pode. Fumaça, não pode.

Não há mais o velho placar de lâmpadas, nem milhares de pessoas humildes, às vezes desdentadas, que sorriam feito crianças ao ver algum nome escrito com as luzes.

Não há nem os garotos juvenis para se apinhar nos túneis da felicidade.

Vida que segue, diria o mestre João Saldanha, ao menos presente de espírito, mas para sempre.

@pauloandel

O HISTÓRICO SUPER SUPERCAMPEONATO CARIOCA DE 1958

por Victor Kingma


Em 1958 o futebol brasileiro vivia uma fase de euforia, pois a seleção tinha conquistado pela primeira vez o tão sonhado campeonato mundial, na Suécia.

Os campeonatos regionais, principalmente do Rio e São Paulo, onde atuavam todos os jogadores da inédita conquista, nunca estiveram tão empolgantes. Os torcedores lotavam os estádios para ver os heróis da seleção, além de outros craques consagrados.

O campeonato carioca da daquele ano, então, talvez tenha sido o mais emocionante de todos os tempos.

Disputado em dois turnos o regulamento previa que o campeão seria aquele com maior número de pontos conquistados.  Se dois times terminassem empatados na pontuação a decisão aconteceria numa “melhor de três”.

Caso três equipes terminassem com a mesma pontuação, seria disputado um triangular entre eles para definir o campeão, mini-torneio chamado de  Supercampeonato. 

O Vasco, dos campeões mundiais Bellini, Orlando e Vavá, liderou quase todo o certame e faltando duas rodadas para o fim bastava um empate nos jogos contra Flamengo e Botafogo para se tornar o campeão daquele ano.   

Mas isso não aconteceu. Perdeu de 2 x 0 para o Flamengo de Moacir, Joel e Dida, que estiveram com a seleção na Suécia, e de 2 x 1 para o Botafogo, dos consagrados craques e titulares na Copa, Nilton Santos, Didi, Garrinchae Zagallo, que havia sido comprado do Flamengo.

O campeonato terminou com os três empatados, com campanhas idênticas: 14 vitórias, 4 empates e 4 derrotas. E a decisão foi para o triangular decisivo, o Supercampeonato. 

Na primeira partida o Vasco venceu o Flamengo por 2 x 0, gols de Pinga e Almir. 


Na partida seguinte, entre Flamengo e Botafogo, vitória rubro-negra por 2 x 1. Dida e Luis Carlos marcaram para o Flamengo e Paulinho Valentim para o Botafogo. 

E veio a última partida entre Vasco e Botafogo.  Mais uma  vez o empate daria o título  para os  cruzmaltinos. Mas o Botafogo ganhou de 1 x 0, com novo gol de Paulinho Valentim. Tudo igual de novo entre os três.

Foi necessário, então, um novo triangular para definir o campeão, o Super Super, como a imprensa esportiva começou a chamar aquele histórico campeonato.

Na primeira partida, o Vasco derrotou o Botafogo por 2 x 1, com dois de Pinga contra um de Quarentinha, o artilheiro do torneio com 20 gols. 

Na segunda rodada  Botafogo x Flamengo  empataram de 2 x 2, gols de Quarentinha para os alvinegros e Dida e Luis Carlos para o Flamengo. Resultado que eliminou o time botafoguense do técnico João Saldanha.

E a decisão ficou para a última partida entre  Vasco x Flamengo. Quem vencesse seria o campeão. O empate, mais uma vez, daria o título ao Vasco.

E no dia 17 de janeiro de 1959, os times entraram em campo no Maracanã para a grande decisão assim escalados:


Vasco:  Miguel, Paulinho, Bellini, Orlando e Coronel; Écio e Valdemar; Sabará, Almir, Roberto Pinto e Pinga.
Técnico: Gradim.

Flamengo: Fernando, Joubert, Pavão, Jadir e Jordan; Dequinha e Moacir; Luís Carlos, Henrique, Dida e Babá.
Técnico: Fleitas Solich.

Diante de um publico de 140.000 torcedores e com arbitragem do árbitro Eunápio de Queiróz  a partida foi emocionante. 

Depois de um primeiro tempo muito estudado, o meiaRoberto Pinto, sobrinho do lendário Jair da Rosa Pinto,abriu o placar para o Vasco, aos 13 minutos.  Os rubro-negros reclamaram impedimento, mas o quarto zagueiro Jadir  dava condições de jogo ao vascaíno. 

O Flamengo partiu para o ataque e aos 24 minutos o ponta esquerda Babá, pegou um rebote da defesa e empatou a partida.  

O final do jogo foi dramático. O time rubro-negro pressionou muito, mas dessa vez os vascaínos espantaram o fantasma do empate e souberam segurar o resultado que lhes garantiu o histórico título de Super Supercampeão carioca de 1958.

MONGOL: O SONHO QUE VIROU PESADELO

por André Luiz Pereira Nunes


Um menino pobre, negro e criado numa comunidade da cidade do Rio de Janeiro que sonhou em se tornar jogador de futebol. Essa é uma realidade recorrente de nove entre dez personagens que vivem nas favelas cariocas. Porém, um deles é real e chegou até a vestir a camisa da Seleção Brasileira. Seu nome: Paulo dos Santos Fernandes Filho, o Mongol!

Nascido no Jacarezinho, em 5 de fevereiro de 1968, tentou a sorte nas categorias de base do Botafogo, em 1984. Talentoso e de boa altura, o quarto-zagueiro logo seria convocado para seleções brasileiras amadoras.

Contudo, desde cedo, problemas familiares o atormentavam. O pai, alcoólatra, diariamente espancava as suas irmãs.

Após uma breve passagem pela Seleção Brasileira sub 20, em 1987, no Campeonato Sul Americano, na Colômbia, fez parte do memorável elenco do Botafogo, campeão estadual em 1989. A memorável conquista findou com o incômodo jejum de 21 anos sem títulos.

A situação, todavia, começou a mudar, quando numa excursão à Europa, foi acusado pelo vice de futebol Emil Pinheiro e por outros membros da comissão técnica de roubar pares de tênis de uma loja na Alemanha. A partir daí o relacionamento com o bicheiro acabou.

– “Como se fosse só isso. Só aparecia para treinar quando seu contrato se aproximava do fim”, acusava o dirigente na época.

Sem ambiente no clube, acabaria emprestado ao América de Três Rios. Após jogar quatro partidas, sofreu um acidente de automóvel. A mais de 120km por hora, bateu numa mureta e caiu num barranco na BR 116, que por pouco não lhe custou a vida.

– “Quase acabei com o mongomóvel (o Monza que ganhou de presente de Emil)”, declarou.

Os constantes sumiços de Mongol nos treinos fizeram os dirigentes do Alvirrubro Trirriense devolvê-lo ao Botafogo.

– “Aqui ele não joga mais. Já lhe dei mais de 10 oportunidades. Quem quiser seu passe, é só depositar Cr$ 2 milhões na Federação”, ratificou, na ocasião, Emil à imprensa.

Sem saber das intenções do patrão, Mongol, que ficou quatro meses sem receber salários, ainda tentou, em vão, sensibilizar o treinador Valdir Espinoza ou reduzir o preço de seu passe para que ele próprio pudesse comprá-lo.

– “Está colhendo tudo o que plantou. Arrume um clube para treinar e ainda poderá se recuperar.” Foi o máximo que ouviu do amigo e auxiliar-técnico Gil.

Bem mais magro, mas, como sempre, impecavelmente vestido, Mongol tentou novo contato com Emil Pinheiro, porém foi proibido até de entrar no vestiário do Maracanã.

– “Estou com fome. Um dente meu já caiu, vendi o carro e o dinheiro acabou. Tenho vivido com o apoio da família, mas confesso que já penso seriamente em viver de outras paradas fora da lei, fazendo uns ganhos.”

De fato, fora despejado do apartamento que Emil alugara no Cachambi. Para Mongol, a vida teria que recomeçar do zero, mas não foi bem isso o que aconteceu.

Sua vida nunca foi fácil. As dificuldades do dia a dia nunca lhe permitiram terminar a sexta série do primeiro grau. Na infância foi lixador de cadeiras. Sempre desejou ser jogador de futebol. Treinou no America e na Portuguesa, mas foi por intermédio de Ferreti, que chegou ao Botafogo. Passou um ano no juniores até ser promovido pelo técnico Joel Martins. Na época de sua promoção houve uma tragédia familiar. Sua mãe havia se suicidado.

Sem a menor esperança de retorno aos gramados, seu destino enveredou, de fato, para a criminalidade. Em 1997, o ex-zagueiro, grande promessa da base do Botafogo e da Seleção Brasileira, foi assassinado no Jacarezinho em circunstâncias até hoje não esclarecidas.

O pesadelo de Mongol é similar ao de milhões de crianças desestruturadas, sem qualquer apoio estrutural e psicológico para lidar com as questões mais práticas da vida. Essa dura conjuntura, altamente excludente, representa um imenso manancial de desperdício humano que sempre vigorou no Brasil.

Mongol pode não ter deixado muitas saudades no torcedor alvinegro, mas ninguém o apagará da história e nem do poster do Glorioso, campeão estadual em 1989. Seu legado ainda revive no desejo diário de milhões de meninos que almejam se tornar ídolos do futebol.