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OBDULIO VARELA, O CAUDILHO URUGUAIO

por Elso Venâncio


Obdulio Jacinto Muiños Varela é um “Deus” para o futebol uruguaio. “El Jefe Negro” foi o principal responsável pelo pesadelo que atormentou o futebol brasileiro, derrotado no dia 16 de julho de 1950 em plena final de Copa do Mundo disputada no recém-inaugurado Maracanã.

O “Caudilho de Nervos de Aço”, como era chamado, disputou dois Mundiais e nunca perdeu um jogo sequer defendendo a “Celeste”. Em 1954, na Suíça, a desclassificação, diante da poderosa Hungria de Puskas, aconteceu após o líder uruguaio se contundir.

Era volante, número 5, e sua garra, força e amor à camisa o transformaram em mito nacional. Uma espécie de sinônimo da seleção de seu país.

Nelson Rodrigues escrevia:

“Obdulio ganhou do nosso escrete no grito e no dedo na cara.”

A vitória do Uruguai de virada, 2 a 1, diante de uma multidão que jamais será reunida novamente em um estádio esportivo, representa a maior zebra da história do futebol. O próprio Obdulio disse, quando recebeu a taça das mãos do presidente da Fifa, Jules Rimet, que em 100 jogos disputados entre ambas as equipes o Brasil venceria 99. O dirigente, sem esconder sua surpresa, declarou que realmente tudo o que aconteceu ao longo do Mundial já era previsto, menos a derrota dos donos da casa.

Prefeito do Rio de Janeiro, o general Mendes de Moraes discursara antes de a bola rolar:

“Brasileiros, vós que sereis campeões; vós que não tendes rivais no planeta… cumpri minha palavra construindo este estádio. Cumpram agora o seu dever, ganhando a Copa do Mundo!”

Curiosamente, o carrasco brasileiro achava que, aos 32 anos de idade, estava velho. Não atendia às convocações. Sequer queria vir ao Brasil. Foi necessária a intervenção pessoal do presidente do país, Luís Batlle Berres. Em troca, Varela pediu um emprego público. Com o título, conseguiu colocações especiais para todos os companheiros.


– Temos que pelear!!! – Varela gritava no vestiário. E urinava nos jornais que apontavam o Brasil como campeão.

– Pelear, pelear!!! – o grito ecoava pelos corredores do Maior do Mundo.

Na entrada em campo, ordenou:

– Ninguém olha pra arquibancada. O jogo é no campo.

Deu certo: 0 a 0 no primeiro tempo, com direito a um tapa de leve dado em Bigode, após falta violenta cometida pelo lateral brasileiro. Esse tapa, na lenda do futebol, acabaria virando bofetada.

O Brasil jogava pelo empate e tinha marcado 21 gols em cinco jogos. Apenas Ademir Menezes, o “Queixada”, pernambucano ídolo do “Expresso da Vitória”, timaço do Vasco que servira como base para a seleção nacional, fez nove.

Friaça abre o placar no início do segundo tempo. Obdulio coloca a bola embaixo do braço e caminha até o bandeirinha. Depois chama o árbitro inglês, George Reader, para conversar. A torcida brasileira, temendo a anulação, para de comemorar. Na verdade, o uruguaio queria esfriar o jogo. O gol, contudo, foi confirmado.


Aos 21 minutos, Schiaffino empata. Treze minutos depois, Ghiggia promove um silêncio sepulcral no Maracanã, àquela altura tomado por mais de 200 mil pessoas. No final, Brasil nocauteado no campo e na arquibancada.

Zizinho, craque brasileiro que era o ídolo de Pelé, disse que ao chegar em casa, após o jogo, encontrou todo mundo chorando. Teve que falar duro, para não enlouquecer. As noites seguintes foram terríveis. Não conseguia dormir, tinha pesadelos, acordava espantado. Os lances da tragédia não saíam da cabeça. Os pais apontavam para ele na rua e diziam aos filhos:

– Aquele ali é o Zizinho, da Copa.

O próprio, porém, pensava:

– Sim, sou Zizinho, Um perdedor.

Tempos se passam e a Rádio Globo fazia uma tarde esportiva aos sábados. Início dos anos 90, estou no estúdio como âncora e toca o telefone interno. O porteiro me diz que um ex-jogador uruguaio pedia para conhecer a rádio. Desço e me deparo com um senhor alto, mulato, de cabeça e pescoço enormes, um pouco corcunda, cabelos crespos e brancos, que se apresenta sorrindo, educadamente:

– Sou Obdulio Varela.

Eu estava diante do grande carrasco do futebol brasileiro, causador da maior depressão nacional provocada por um jogo. Levei-o ao estúdio e ele concordou em bater um papo ao vivo. Disse que às vezes, em Montevidéu, sintonizava à noite na Rádio Globo para ouvir notícias do nosso futebol. Era amigo de Zizinho e, sempre que vinha ao Rio, os dois se encontravam para por o papo em dia e falar da vida.

Gostava, sim, de mandar, de gritar, de ser capitão. Mas não sabia o porquê.

– Eu dei somente um empurrão no Bigode. Preferiram dizer que o agredi.

Tinha mágoa dos dirigentes, que, segundo ele, sempre usaram os jogadores e o futebol. Pedia maior participação dos atletas profissionais nas decisões. Ele, que em 1948 liderou uma greve, paralisando o Campeonato Uruguaio. A Argentina logo copiaria o movimento.

Varela se hospedava no Hotel Paysandu sempre que vinha ao Rio. No mesmo local a delegação uruguaia se concentrou durante a Copa de 50.

Obdulio revelou que havia uma ordem para ninguém sair do hotel após o jogo. Porém, ele chamou o massagista para tomar umas cervejinhas e caminhou pela Rua Paissandu – não foi a Copacabana, como dizem – e dobrou na Senador Vergueiro. Perto da Praça José de Alencar, entrou em um restaurante e percebeu muita gente aos prantos. Ficou meio sem jeito, preocupado com alguma reação intempestiva, já que não demorou a ser reconhecido. Silêncio por alguns segundos. Em seguida, aplaudido por alguns, se comoveu. Esboçou um choro, que tentou conter a todo custo. Mas ninguém foi agressivo com ele.

Pelo contrário. Comeu e bebeu até se embriagar. E de graça. Foi um dos últimos a deixar o local. Ali, segundo ele, nasceu uma profunda paixão pelo Rio e por nosso futebol.

O Hotel Paysandu, que ficava na esquina da Praia do Flamengo com a rua Paissandu, foi fechado há um ano. Ele serviu também de concentração para a seleção brasileira entre o final dos anos 50 e meados dos 60. Atualmente retrofit, lançará aparts no mercado carioca. Já Obdulio faleceu em 2 de agosto de 1996. Mas seguirá sendo imortal na História do esporte.

ROBERTO DIAS, O MAIOR

por André Felipe de Lima


Como quarto-zagueiro ou volante, ele funcionava, e muito bem. Clássico. Talvez o mais clássico de todos os zagueiros que o São Paulo Futebol Clube já teve. Podemos citar Mauro Ramos de Oliveira, o capitão do bi mundial. Tudo bem. Mauro foi um gigante, um zagueiro técnico, maravilhoso, clássico também. Mas Roberto Dias foi, para muitos tricolores, fundamentalmente os da velha-guarda, o melhor que já despontou nas fileiras do Morumbi. Mais emblemático que o uruguaio Dario Pereyra, inclusive.

Roberto Dias chegou ao São Paulo em 1960. Deixou-o somente em 1973. Verdade que ficou parado ao longo de 1971. Na noite de 7 de dezembro daquele tortuoso ano, Dias voltou ao campo. Matou bola no peito, deu carrinho, desarmou e lançou. Também chiou com o juiz. Obviamente natural. Fez o mesmo com os bandeirinhas e os gandulas. O velho Dias estava de volta. O coração permitira o show, a emoção de ouvir o estádio inteiro gritar seu nome: “Eu sou um ex-cardíaco. Quem consegue suportar todas estas emoções que eu tive hoje não pode ser um doente. Jogar não é nada. Difícil é sentir tudo isso outra vez.”


Dona Rosita, a esposa, chorava copiosamente ao lado da filhinha do casal. A festa para o marido foi inesquecível. Quem esteve no Morumbi sabe bem o que escrevo. Não estive lá, mas costume ler com atenção a emoção descrita por outras penas. A do jornal O Estado de S.Paulo do dia seguinte prova minha tese: naquela noite um ídolo foi reverenciado como pouco se viu ou veria depois na história do velho Morumbi. O coração dera uma trégua ao Dias, e a torcida agradeceu ao céu, ao coração. Agradeceu por Roberto Dias estar ali, na grama, fazendo misérias com a bola.


É inegável a longeva época de brilho intenso que imprimiu no Tricolor paulista. Foi o maior ídolo do clube na década de 1960, embora escassa de troféus para o clube. Em 14 anos exclusivamente são-paulinos, marcou 76 gols em 523 jogos, como aponta o Almanaque do São Paulo, assinado por Alexandre da Costa. Pergunto: qual zagueiro marcou tantos gols como Dias? Acho difícil que tenhamos outro Dias no futebol brasileiro. Pelé, por exemplo, era seu fã confesso. Dizia a todos que nenhum outro o marcou como Dias.

Roberto Dias Branco, bicampeão paulista em 1970/71 pelo Tricolor, faria anos hoje.

PÓ DE ARROZ, A VERDADE

por Idel Halfen


O primeiro artigo de 2022 abordará dois temas bem atuais: a diversidade e as fake news, para isso utilizaremos como ilustração o esporte num contexto histórico.

Uma pergunta sumariza bem o que será narrado: por que o pó de arroz foi associado ao Fluminense?

Nossa história começa em 1914, quando o jogador Carlos Alberto, que tinha o hábito de passar pó de arroz em sua pele. passou a fazer parte do elenco tricolor. Todavia, o fato foi deturpado sob a alegação de que o Fluminense não permitia negros em sua equipe e, através do pó de arroz, encontrava uma forma de disfarçar a cor da pele de seus atletas.

Suposição canalha e mentirosa, além de insustentável, para isso basta lembrar que: (i) desde os tempos em que o Carlos Alberto jogava no América, ele já usava o produto como um cosmético pós-barba; (ii) antes disso, em 1910, o Fluminense tinha em sua equipe o jogador Alfredo Guimarães que era negro – e nunca usou pó de arroz.

O que se tira desta história é que a propagação de mentiras não é uma questão de época ou de geração. Hoje o termo “fake news” parece agora mais popular pelo fato de as mídias sociais terem uma maior capacidade de reverberação, porém, a origem do mal não é a plataforma de divulgação e sim a falta de caráter daqueles que, para atacarem algo ou alguém, apelam para a invenção e/ou distorção de acontecimentos.

Coibir tais práticas através de mecanismos que evitem a divulgação massiva das mentiras é apenas um paliativo que, em termos concretos, não acaba com o problema. O cerceamento às redes também não parece fazer muito sentido, ao contrário, a existência delas é um fator de extrema importância para se rastrear os criadores e divulgadores de informações falsas.


A solução, segundo alguns, passa pela educação, ao defenderem que quanto mais educada a população menos mentiras existirão, o que faz até algum sentido no que diz respeito à reverberação, já que as pessoas mais educadas, em tese, desconfiarão do que estão recebendo e pesquisarão antes de repassar qualquer informação suspeita. Reside aqui, no entanto, um erro crasso: reduzir o conceito educação à mera formação através dos bancos escolares, abdicando da importância dos princípios e dos valores que deveriam ter origem no lar, independentemente de classe social.

Corrobora para essa dedução, a significativa quantidade de pessoas que toleram e defendem as fake news, quando essas o favorecem, é claro.

Diante dessa complexidade relativa à educação, é provável que, no curto prazo, as punições venham a ser a melhor forma de combater a proliferação de mentiras, o que é lamentável, mas, pelo menos pode ser uma forma de preservar a honra de pessoas e instituições inocentes.

O caso do pó de arroz, ao envolver uma acusação de racismo, prática abominável sob todos os sentidos, é apenas um exemplo de como uma mentira irresponsável pode trazer consequências na vida das pessoas e das instituições e, como tal, não deve ser tolerada.

VIVA O COLETIVO

:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::


Na primeira coluna do ano reitero para que a população siga se protegendo, usando máscara e tomando os cuidados necessários, pois esse vírus maldito segue contaminando muita gente. Tomem a terceira dose, enfim, cuidem-se, pois a esperança é de um 2022 menos traumático e com mais aproximação, abraços e encontros.

Torço para que o futebol também nos traga boas surpresas. Pelo menos Guardiola segue mantendo sua coerência, seu Manchester City continua me agradando e segue na liderança da Premier League, com 10 pontos a frente do Chelsea, do alemão Thomas Tuchel, adepto do futebol defensivo. Um retranqueiro, em bom português! Guardiola sabe montar times porque seus jogadores tem as mesmas características e o mesmo peso. Quem é o craque do City? Não sei dizer, mas sei que sai jogador, entra jogador e o rendimento é exatamente o mesmo. Isso é futebol coletivo de altíssima qualidade e deve ser valorizado!

O Brasil já dependeu de Romário e dos Ronaldinhos. Amo o termo “coletivo” porque ele consegue nos levar adiante com mais segurança, em tudo, na vida, inclusive. Hoje, dependemos de Neymar e não tem dado resultado. A Argentina há tempos vem dependendo de Messi e Portugal, de Cristiano Ronaldo. Isso atrapalha um bocado. “Dá que ele resolve…”. Essa história de melhor jogador do planeta complica demais porque o escolhido vira um salvador da pátria e não tem bagagem para tanto! Vinicius Junior vem passando por isso. Li que ele, hoje, é um dos jogadores mais valorizados no mundo. Ou seja, deve entregar o melhor futebol do mundo e não entregará, óbvio. Gosto dele, mas essa responsabilidade é danosa.

No futebol coletivo tudo flui, a entrega é melhor o torcedor sai ganhando porque ao invés de assistir uma apresentação solo ele verá uma orquestra bem entrosada. Guardiola segue sendo esse grande condutor, um maestro exemplar. Por conta disso, me lembrei quando Carlos Alberto Torres treinava o Flamengo e falou que o time era Bigu e mais 10! Bigu é meu amigo, uma figuraça, e admite que a declaração foi uma bigorna em sua carreira. A tentativa de criar ídolos pode ser o início do fim. Viva o coletivo!

Sobre as pérolas dos analistas de computadores, já ouvi uma boa em 2022: “Time que propõe o jogo com um meia que fatia a jogada por dentro, tentando, à base da intensidade, quebrar a segunda linha de quatro”.

VENDA DO CRUZEIRO A RONALDO REPRESENTA SINAL DE PREOCUPAÇÃO

por André Luiz Pereira Nunes


No final do ano o meio esportivo foi bombardeado pelas notícias de que Ronaldo Nazário adquiriu o Cruzeiro por R$ 400 milhões. O presidente do clube, Sérgio Santos Rodrigues, confirmou a venda por meio de live em seu perfil do Instagram. Já o ex-craque celebrou a aquisição: “Feliz demais de ter concluído essa operação. Tenho muito a retribuir”, afirmou exultante.

Esse filme envolvendo o Fenômeno não é novo e até o momento não teve qualquer final feliz. O ex-atacante já havia adquirido a maioria das ações do Real Valladolid, em 2018. As consequências, contudo, não foram nada positivas. O clube espanhol foi rebaixado na última temporada à segunda divisão. A equipe terminara em 19º lugar, com 31 pontos, e ora disputa a segundona após três temporadas na elite.

Ronaldo, inclusive, tem sido alvo de duras críticas por parte de uma organização que reúne as torcidas da agremiação. Um comunicado publicado relata a “falta de comunicação e de explicações por parte da diretoria e da comissão técnica”. Por não morar em Valladolid e passar boa parte de seu tempo em Ibiza, o mandatário também tem sido duramente questionado. Soma-se ainda o fato de não ter estado presente ao estádio José Zorrilla nas partidas decisivas contra o rebaixamento, em 2021. O Valladolid sofreu o descenso ao capitular, em casa, diante do Atlético de Madrid.

As três últimas temporadas, em especial a última, foram verdadeiramente frustrantes para quem esperava que Ronaldo se tornasse uma espécie de Roman Abramovich do pequeno time da região autônoma de Castilla y León. Sob sua direção, o Valladolid apenas manteve a sua frustrante tradição de ser um time mediano de acessos e descensos. Nem mais, nem menos.

Ronaldo não é mesmo Abramovich, como a maior parte dos investidores de clubes da Europa também não é. É preciso refletir que 16 dos 20 clubes da Premier League são controlados por ricos empresários estrangeiros. O Arsenal, do norte-americano Stan Kroenke, e o Southampton, com 80% de controle do chinês Gao Shisheng, são apenas alguns exemplos. Já o Burnley, da Inglaterra, tem 84% de seu capital pertencente ao grupo norte-americano ALK, enquanto o Norwich, que luta com unhas e dentes para não ser rebaixado no Campeonato Inglês, pertence em 53% ao galês Michael Jones.

O certo é que Ronaldo pegará um Cruzeiro completamente endividado e relegado à segunda divisão do Campeonato Brasileiro. Segundo informação veiculada primeiramente pelo UOL Esporte, o treinador de goleiros Leonardo Lopes, que trabalhou no clube durante 10 anos antes de ser demitido no final de 2021, entrou com um pedido de indenização de R$ 800 mil mais pensão vitalícia de R$ 5 mil em uma ação movida em função de um alegado acidente de trabalho ocorrido em dezembro de 2016, sobre o qual o clube teria sido negligente. São esses e outros inúmeros problemas que o Fenômeno terá que se deparar.

Ter um investidor não representa qualquer garantia de sucesso esportivo. Uma boa gestão não é sinônimo de títulos para o futebol. Um clube pode necessariamente dar muito lucro a seu proprietário, ter sua contabilidade toda no azul e até revelar e vender jogadores. Não significa, no entanto, que lutará por algum troféu. Portanto, a torcida cruzeirense ainda deve muito que se preocupar se olhar o exemplo do Real Valladolid.