MARINHO SETENTÃO
por Rubens Lemos
Nesta terça, dia 8, a maior glória esportiva do Rio Grande do Norte faria 70 anos. Da eternidade a fotografia de Marinho Chagas com a camisa do Cosmos de Nova York, o time mais badalado do mundo nos anos 1970, desde quando Pelé tirou as chuteiras detrás da porta para ensinar o Soccer aos norte-americanos e fazer sua merecida fortuna.
Marinho Chagas poucas vezes esteve tão pleno na junção espírito e estética. Sua risada é do moleque irreverente das Salgadeiras em Natal, indomável em pleno centro do planeta.
A imagem de Marinho Chagas no Cosmos é como uma resposta definitiva, sem direito a recurso, aos que ainda lhe torcem o nariz.
Marinho Chagas foi comprado ao Fluminense (RJ) e chegou chegando ao time-constelação. Convenceu Beckenbauer, a estrela principal, a lhe ceder a camisa 3 e a posição de meia-armador. Marinho Chagas encantou os States.
Foram 70 mil pessoas pagando ingresso para ver a magia subversiva do loiro irreverente e craque. Marinho Chagas estreou contra o Fort Lauderdale na vitória por 3×2 na primeira rodada da Liga dos EUA. Solto, passarinho voando pelos céus e chãos do meio-campo, levou incrédulos sardentos ao delírio. Marcou os três gols.
Marinho Chagas virava astro num time que, além do mitológico Beckenbauer da Alemanha, contava com o espetacular holandês Neeskens, o brasileiro Oscar, na defesa, o paraguaio Romerito, futuro campeão brasileiro pelo Fluminense e o italiano Chinaglia. A luz loira criava o refletor solar nas suas incursões missionárias ao ataque. A liberdade como filosofia de jogo e de vida.
Quando deixou o Fluminense (RJ) para seguir ao Cosmos, Marinho Chagas estava às turras com diretoria e torcida tricolores, inconformadas com seu desempenho bem abaixo do furor botafoguense que o fez melhor lateral-esquerdo do clube, com a Enciclopédia Nilton Santos deslocada para a quarta-zaga.
A ausência na Copa do Mundo da Argentina foi pior para o Brasil. Marinho Chagas, Paulo Cézar Caju e Paulo Roberto Falcão, os preteridos por Cláudio Coutinho, dividiriam por três a exuberância e a malandragem que faltaram a um time tosco e aquartelado em campo, sem inspiração, entregue à correria do bom e sem magia Dirceuzinho.
Natal, lembro bem pelos jornais, repercutiu a falta de Marinho Chagas na lista do capitão Cláudio Coutinho, que preferiu, primeiro, improvisar o beque Edinho na lateral-esquerda e, depois, entregar a camisa ao sóbrio Rodrigues Neto, envelhecido, mas de bom desempenho no mundial.
Marinho Chagas não agradava ao status quo, ao poder vigente, era acusado de indisciplinas, ele que traçava duas chacretes, bailarinas do Programa do Chacrinha, a cada três dias.
A contratação pelo Cosmos teve o devido aval de Pelé, que, em 1972, Marinho Chagas estreando pelo Botafogo contra o Santos, levou um lençol que gerou espanto e revolta diante da insolência do menino de 20 anos, abusado e confiante no seu brilho incandescente.
Marinho Chagas deixava o calor e a badalação do Rio de Janeiro, onde mandava do Baixo Gávea à barra-pesada da Lapa ou da Praça Mauá, pelos agitos de Manhattan, frequentando discotecas, dançando à John Travolta e colecionando beldades cintilantes que pareciam saídas da forma do paraíso.
Reparem bem no rosto de Marinho Chagas, maior expressão esportiva do Rio Grande do Norte em qualquer tempo. Há o olhar do menino de rua tramando presepadas, há a autoconfiança do gênio de personalidade firme. Há o solitário saindo do casulo no formigueiro do universo.
Sempre será dono do espaço que houve ou no mistério do pós-morte. Marinho Chagas é maior – bem superior – aos corvos que vibravam no seu final melancólico, driblado e dominado pelo álcool. Não é o meu caso.
A fotografia de Marinho Chagas no Cosmos, no Cosmos do planeta da bola, cobiçado por 11 entre 10 bons de molejo do tempo de beleza em quatro linhas, me joga na varanda do orgulho e na tristeza da saudade. Marinho Chagas, o do Cosmos, nunca vai combinar com morte. Anjo setentão.
Na seleção
A primeira partida oficial de Marinho Chagas na seleção brasileira aconteceu na derrota para a Suécia (0x1) durante excursão para a Europa em 1973.
Titular
Marinho Chagas ganhou em seguida a posição de Marco Antônio nos amistosos preparatórios para a Copa do Mundo de 1974, da qual foi o melhor lateral-esquerdo.
Números
Segundo o Almanaque da Seleção Brasileira, de Roberto Assaf e Antônio Carlos Napoleão, Marinho Chagas fez 36 jogos com a camisa do Brasil, ganhando 24, empatando nove, perdendo três e marcando quatro gols.
Títulos
Marinho Chagas ganhou dois títulos estaduais: pelo ABC em 1970 e pelo São Paulo em 1981. Na seleção brasileira, ganhou o Bicentenário dos Estados Unidos em 1976.
Melhor Botafogo
Na seleção do Botafogo(RJ) de todos os tempos, Marinho Chagas ocupa a lateral-esquerda com o deslocamento de Nilton Santos à quarta-zaga.
Time
É Manga ; Carlos Alberto Torres, Leônidas(ex-técnico do América de Natal), Nilton Santos e Marinho Chagas; Gerson e Didi; Garrincha, Jairzinho, Heleno de Freitas e Paulo Cézar Caju.
DISTÂNCIA DO ÍDOLO DIMINUI PAIXÃO DO TORCEDOR
por Elso Venâncio
A cada dia aumenta a dificuldade do torcedor em ter acesso a seus ídolos. Isso acontece também com a imprensa. Há um abismo entre os jornalistas e os craques.
Quando surgiu o Fla-Barra, nos anos 90, Vanderlei Luxemburgo levava o time para o clube na véspera dos jogos. Não queria perder a identidade. Hoje o pai não pode levar o filho para bater uma foto com o ídolo. Na maioria das vezes, o pai era quem tietava; o filho era o escudo.
As crianças sonhavam entrar em campo com o time no Maracanã. Quando isso acontecia, chegavam a perder o sono. Eram os mascotes, substituídos hoje por bonecos, caricaturas.
Aos poucos, a paixão do torcedor por seu clube do coração vai diminuindo. Fato que, há tempos, acontece com a Seleção Brasileira. Paixão tem que ser regada, precisa ser renovada.
Vamos relembrar as tardes de sábado na Gávea. Jogadores, dirigentes, sócios, torcedores e imprensa conviviam todos bem de pertinho. Aquela energia positiva passava para o time. Seu Edmundo, no portão de entrada com seu inseparável cachimbo, sorridente, chamava todos de ‘Doutor’ e barrava os penetras. Ele era a última barreira para quem tentava se aproximar do campo. O treino de apronto se tornava programa obrigatório na agenda dos torcedores, que vinham de toda parte do país para assistir ao jogo do dia seguinte.
Zico, o grande Ídolo, atendia, com toda paciência, um repórter de cada vez. Falava com as TVs, com as rádios e com os jornais. Não existia coletiva! Arquibancada cheia, a Gávea era uma verdadeira festa!
O Galo treinava faltas, normalmente no gol à esquerda dos vestiários, e quase sempre sozinho. Eu pensava com os meus botões: como pode o maior jogador do Brasil, um dos maiores do mundo em todos os tempos, armar sozinho as barreiras móveis. Ele pegava umas dez ou vinte bolas e dava um show nas batidas. Era um ‘avant-première’ do que aconteceria na tarde seguinte.
Os cartolas e jogadores não se escondiam atrás de assessores. Nomes consagrados, como Junior, Leandro, Bebeto e Renato Gaúcho, paravam para dar entrevistas e posar para fotos à beira do gramado. Jogadores chamavam os repórteres pelo nome. A imprensa fazia o elo entre quem era notícia e os torcedores. Hoje os craques não conhecem sequer os diretores, à exceção dos que trabalham diretamente no futebol e, claro, o presidente do clube.
O futebol brasileiro, o maior do planeta, começa a despencar no momento em que tenta imitar os europeus. Nosso país tem calor humano. Quem já morou fora sabe disso.
Vale lembrar aquela máxima do Tom Jobim:
“Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom.”
Vamos direto para a despedida oficial de Zico – o último treinamento na Gávea antes da ida do Flamengo para Juiz de Fora. Ele fica no vestiário por bastante tempo. Faz sauna, corta a barba, é o último a sair. O ônibus já tinha seguido para Minas Gerais, onde a equipe disputaria um histórico Fla-Flu. Zico preferiu ir de carro com Sandra, sua esposa, domingo cedo. A tarde de repente virou noite e só eu o esperava. Fomos para o estacionamento dos jogadores e ele me atendeu com calma. Vesti toda a programação da Rádio Globo (noite, madrugada e manhã) com suas declarações. Não havia com ele um assessor, um puxa-saco, sequer um segurança. Estamos falando de Zico!
Na Copa do Brasil de 1990, o Flamengo foi campeão ao vencer por 1 a 0 o Goiás em Juiz de Fora (o Maracanã estava em uma de suas intermináveis reformas) e, depois, empatar sem gols no jogo decisivo, disputado no Serra Dourada. A festa uniu jogadores, dirigentes, imprensa e alguns torcedores. Uma grande mesa foi colocada na parte externa de uma churrascaria.
Não sou saudosista. Acho essa era atual das mídias sociais muito melhor do que antigamente. A modernidade chegou. É verdade, sim, que sinto falta do furo de reportagem. Da briga pela notícia exclusiva – ‘guerra’ definitivamente sepultada. Hoje tudo é falado ou exposto em tempo real e há as chatíssimas e pasteurizadas entrevistas coletivas.
O que não consigo entender é o isolamento do torcedor, que é a razão principal dessa paixão nacional chamada futebol. Para azar do futebol. E também da própria paixão nacional.
TEMPOS SOMBRIOS
:::::::: por Paulo Cézar Caju ::::::::
Ter 72 anos traz vantagens e desvantagens. Um dos pontos negativos é não conseguir mais jogar bola e um dos positivos é ter visto e participado do melhor futebol do mundo. Com essa vasta experiência posso fazer comparações de forma segura, mas muita gente fica chateada quando expresso minha opinião sobre o declínio do futebol.
Outro dia um apresentador comediante, desses bobos da corte que imitam melhor do que opinam, ironizava o ponto de vista da turma da velha guarda. Não tenho culpa se ele tem como herói o Neymar e nunca se deu ao trabalho de pesquisar sobre nossas verdadeiras lendas.
Falo isso, porque, infelizmente, assisti, Brasil x Argentina pela Copa América de futebol de salão. Não sei se essa é a pior geração da história, mas está entre elas. E o que mais me surpreendeu é saber que Ferrão, nosso pivô, já foi eleito o melhor do mundo. O Brasil perdeu nos pênaltis e o técnico da Argentina percebendo que nossa seleção não oferecia qualquer perigo colocou gol linha para tentar resolver no tempo normal. Pode parecer um detalhe, mas não é.
O Brasil não tinha nenhum coelho na cartola, nenhum jogador que pudesse resolver, improvisar, driblar, encantar o torcedor, como em outros tempos. Perder jogando é uma coisa, mas perder acuado é vergonhoso. O Brasil não vence mais nem no futebol de praia. Hoje baseamos nosso futebol em força e tática. Não criamos mais talentos, artistas. E se criamos não os encontramos em nossas seleções.
Também vi o português Abel Ferreira, do Palmeiras, dando entrevista, ensinando aos brasileiros como se deve jogar. Os portugueses viraram as grandes estrelas internacionais, mesmo nunca tendo vencido nada de relevante. Ganharam uma Eurocopa aos trancos e barrancos, estão na repescagem para a Copa do Mundo e dependem de CR7 pra tudo!
Pelo menos Senegal venceu o Egito e conquistou de forma inédita o título da Copa Africana. E dessa vez não era um técnico alemão, italiano, mas o senegalês Aliou Cissé. Torci demais! Um técnico negro no topo!
Também vi um belíssimo gol em um estádio suburbano, o do vascaíno Gabriel Pec contra o Madureira, uma matada no peito e o petardo no ângulo, um gol que parecia ter se libertado das amarras, um grito de socorro, um clamor, um pedido….não nos engessem, não enterrem nossa essência.
Preparados para a pérola da semana? Ouvi que “o time estava acoplado no sincronismo para ser mais propositivo, direcionando os atacantes agudos para chaparem a cara da bola”.
TRISTEZA, POR FAVOR, FIQUE DO LADO DE FORA
por Zé Roberto Padilha
Dizem que apenas Deus, e o resultado da Mega-Sena, um titulo alcançado aos 45 minutos do segundo tempo, podem decidir, quem nesta terra dos homens que amam o futebol, e perseguem a sorte, alcançará a felicidade.
Mas naquele domingo, 16 de julho de 1950, ele estaria nas mãos de um simpático e ardiloso mineiro. Seu Chico, radialista da Rádio Pequeri, era quem decidiria se sua gente explodiria de alegria, ou sucumbiria junto a todo país na mais completa dor do holocausto. Digo, perdão, Maracanaço.
No começo da década de 50, nem todos tinham rádio portátil em Pequeri, pequeno distrito de Bicas, zona da mata mineira, que só seria emancipado dois anos depois, localizado a 300 km de Belo Horizonte.
Os que tinham em suas casas, e ouviam a Voz do Brasil, Gerônimo, o Herói do Sertão, Emilinha e Marlene disputando o cetro de melhor voz pela Rádio Nacional, permaneceram desligados. Todos foram convocados para a praça principal para acompanhar pelas cornetas, fixadas aos postes, a final entre Brasil X Uruguai.
Era seu Chico quem comandava o microfone e ele estava inspirado. Era a bola sair pela lateral que ele fazia graça, baixava o volume que vinha da Radio Globo e anunciava um patrocinador.
Nem quando o Uruguai empatou a partida ele esmoreceu. E avisava, interrompendo seguidamente Waldir Amaral e Jorge Curi, onde a maioria das rádios pelo Brasil pegavam caronas: “O empate é nosso, minha gente. Brasil, zil,zil…”
E quando Gighia, aos 34 minutos do segundo tempo desempatou, Chico foi mais rápido do que o porta-voz do Apocalipse. E desligou o botão. E gritou, em nome dos ambulantes, que precisavam vender, da sua gente, tão esquecida, “Acabou! Somos campeões mundiais!”
Se o árbitro sempre dava minutos a mais, porque não posso antecipar alguns e evitar um trauma coletivo? No seu fundo musical certamente se ouvia: “Tristeza, por favor vá embora…”
Dizem, os mais antigos por lá, que a festa vazou a madrugada enquanto todos os 5 mil municípios pelo país ardiam em dor. E Pequeri, em Minas Gerais, foi, por 12 horas, a única cidade a comemorar o primeiro título mundial do futebol.
Quando acordaram e souberam do ocorrido, perdoaram o Chico. Que estava corrido. Para todos eles, foi um sonho vivido, uma festa não interrompida, um pesadelo superado, mesmo porque toda ressaca é ruim com qualquer resultado.
Nada que um Melhoral, quem se lembra, não resolvesse dia seguinte. Mesmo porque a tristeza, a verdade, a realidade nua e Gighia estava a caminho, pelas ondas médias da Rádio Globo, para recolocar a tristeza no seu devido placar.
DA PROFECIA DE BRANDÃO, EIS BASÍLIO E, ENFIM, UM TÍTULO
Não há Libertadores, Mundial de Clubes ou Brasileirão que supere em emoção aquele título de campeão paulista de 1977. Para o corintiano, aquela conquista é a mais emblemática, a mais próxima da essência corintiana, que se traduz em duas palavras: alma e superação. E o herói naquela noite histórica no Morumbi foi Basílio, o aniversariante do dia. Conheça um pouco da trajetória deste grande ídolo alvinegro.
por André Felipe de Lima
“Oswaldo Brandão era espírita, kardecista. Ele disse para mim: ‘Esta noite eu tive um sonho. Na mensagem, Neguinho, disseram que você vai fazer o gol’.”
A profecia do velho Brandão foi precisa. O Timão acabou com um jejum de campeonatos paulistas que durava desde 1954, e Basílio entrou para história com o gol que assinalou contra a meta do goleiro Carlos, da Ponte Preta, no dia 13 de outubro de 1977. Final: 1 a 0, e uma das maiores festas que São Paulo já presenciou.
“Na hora, foi correr para o canto do campo, fazer uma oração e esperar pelos abraços dos companheiros. Deus tinha me escolhido. Podia ter sido Vaguinho, naquele primeiro chute, podia ter sido Wladimir, na cabeçada, mas tinha que ser eu porque Deus me tinha escolhido. Deus é uma pessoa estranha e que gosta de fazer as coisas sempre na hora certa. Deixando que eu fizesse o gol, ele estava me dando chance de responder a algumas pessoas que criticavam minha presença no time do Corinthians, dizendo que eu nunca fiz o necessário para justificar minha contratação e também de acabar de lavar a pequena mágoa que eu ainda guardava do clube”, confessara Basílio ao repórter José Maria de Aquino.
João Roberto Basílio nasceu na Casa Verde, bairro da Zona Norte de São Paulo, no dia 4 de fevereiro de 1949. O início, contudo, foi como centroavante do Cruz da Esperança, um time de peladeiros do bairro onde nasceu e foi criado. Gente da Portuguesa de Desportos que andava pelas bandas da Casa Verde viu Basílio e gostou do que viu. Ainda adolescente, Ipojucã, ídolo histórico do Vasco, percebeu que o garoto era bom de bola e o ensinou muito do que Basílio mostraria anos depois nos gramados. O gol de 77, inclusive, garantiu Basílio ter sido inspirado nos ensinamentos de Ipojucã, como narrou ao repórter Paulo Escobar, em entrevista (https://www.museudapelada.com/basilio) o Museu da Pelada. “Foi um atacante alto, mas com domínio e qualidade com a bola.”
Em 1964, o futuro “neguinho” do Brandão já estava no Canindé. Lá conviveu com craques da estirpe de Leivinha e Ivair. Contentava-se com a reserva, o que era plenamente plausível. Levou um tempinho para ser titular, o que aconteceu somente em 1969, quando Leivinha debandou para o Parque Antarctica para escrever uma bela história de gols infindáveis no Palmeiras.
“Meu pai era marceneiro e a gente tinha que se virar para sustentar a casa. Comecei a trabalhar numa loja, mas não durei um mês. Como eu queria continuar treinando nos infantis da Portuguesa, o dono da loja sentiu que não ia dar certo e eu fui embora. Mas passei direto dos infantis e juvenis para os profissionais, e comecei a ganhar dinheiro, bem na hora certa.”
Basílio aprendeu tudo direitinho com os seus mestres. Ainda garoto, foi campeão pela Lusa da Taça São Paulo e do Campeonato Paulista, ambos os torneios disputados em 1973. Aliás, a final do Paulistão daquele ano foi, no mínimo, surreal. A Portuguesa teve que dividir o título com o Santos, tudo por causa de um equívoco do árbitro Armando Marques (1930–2014), que, durante a decisão por pênaltis entre os dois times errou a contagem de cobranças do time da Vila Belmiro e declarou o Santos campeão. Os jogadores da Portuguesa deixaram o gramado e os cartolas do Canindé trataram de botar a boca no trombone. A Federação reconheceu a falha do árbitro e dividiu o título entre os dois clubes.
Antes das conquistas de 1973, mesmo não sendo um jogador com estilo refinado, ou seja, no genuíno significado do termo, um craque, Basílio despertou o interesse do Corinthians em 1972. Mas ainda não era a hora de pisar no Parque São Jorge, o que só aconteceu, por incrível que pareça, na madrugada do dia 4 de março 1975, uma quarta-feira, após uma manobra ágil do presidente corintiano Vicente Matheus, superando a oferta dos cartolas santistas, que também queriam ver Basílio na Vila Belmiro.
Enfim, o Corinthians tentaria fazer de Basílio um substituto à altura do ex-ídolo Roberto Rivellino que, dias antes, se transferira para o Fluminense, seduzido pela oferta do dirigente tricolor Francisco Horta. Missão, no mínimo, incômoda para Basílio, que, mal a tinta do contrato havia secado, já estava escalado pelo então técnico Sylvio Pirillo (ex-ídolo do Internacional de Porto Alegre, Flamengo e Botafogo). O jogo foi contra o Fluminense, de Rivellino e Carlos Alberto Torres, no Pacaembu. O Timão saiu de campo derrotado por 2 a 1, mas a forra viria em 1976, com juros e correção monetária, na semifinal do Campeonato Brasileiro de 1976, quando a torcida corintiana invadiu o Rio de Janeiro e tomou conta da metade do estádio do Maracanã para ver a “Máquina” das Laranjeiras tombar diante de Basílio e a trupe alvinegra. Um jogo que marcou uma das maiores invasões de torcida de outro Estado ao Rio de Janeiro. A Zona Sul da cidade estava vestida de preto e branco. E este cronista, menino na época, estava na Rua Paula Freitas, em Copacabana, e se recorda bem da festa dos torcedores que, entre merecidos goles de cerveja na birosca da esquina, brindavam à inesquecível façanha. Uma epopeia da qual Basílio foi protagonista. Aliás, o meia é o que Nélson Rodrigues definiria como um indefectível predestinado. O cara não falhava nunca e tampouco a santa intuição de Oswaldo Brandão.
O redentor – Logo que foi contratado pelo Corinthians em 1975, o jogador concedeu uma entrevista ao jornalista João Bosco, de “A Gazeta Esportiva”, em que disse que “a sua luta na Portuguesa foi sempre obter um título para enterrar definitivamente o tabu que persistia desde 1936”. Vaticínio cumprido.
“Agora vim para cá (Corinthians) na mesma situação. Tenho certeza de que nossa luta não será inglória. Vamos acabar com esse negócio de fila. (…). Tenham certeza, torcedores corintianos, de que vamos lutar por isso. Será minha gratidão pela maneira com que fui recebido aqui. Quero ser campeão.”
Missão de gente como Basílio é, geralmente, árdua, penosa. Tudo sempre conspira na contramão. O que não falta na História são exemplos iguais ao dele.
Por pouco Basílio não seguiu outro rumo: a Vila Belmiro. Mas o destino era mesmo o Parque São Jorge. Jogar no Corinthians já é um desafio do tamanho de um bonde. Ainda mais quando se é contratado para substituir Rivellino, estreando justamente contra o Fluminense, para onde o Garoto do Parque se transferiu. O jogo, realizado no Pacaembu, no dia 6 de março de 1975, terminou 2 a 1 para o time carioca, com um gol do ex-craque corintiano.
Mas logo no primeiro ano de Timão, um susto. Basílio sofre parada respiratória durante um jogo contra o América FC, de São José do Rio Preto. Viriam, contudo, outras intempéries.
Em 1975, fratura no perônio, durante um jogo contra o Remo, do Pará, deixou Basílio em segundo plano no Timão. Iniciou a temporada de 1977 na reserva. Do banco, viu o time estrear no Campeonato Paulista que o consagraria na final contra a Ponte Preta. O pé-direito, motivo de seu ocaso, foi também motivo de glória. “Muitas vezes, ele reclamou desse rótulo de jogador de uma partida só, achando-se injustiçado. Mas, no fundo, ele sabe que, por esse feito, sua caricatura estará para sempre tatuada na pele alvinegra”, escreveu Bruno Chazan.
“Quando vi a bola pulando e se oferecendo para meu pé-direito, pensei rápido ‘É agora ou nunca! Vou entrar rasgando, que ele (o goleiro Carlos) não pega’. Vi a bola estufando e foi uma loucura. Até hoje ainda sinto a bola tocar no meu pé. Jamais vou esquecer aquele dia”. As duas camisas daquela final e um pedaço da rede que balançou com o seu gol estão devidamente guardados por Basílio.
O querido “Neguinho” do Brandão ainda fez parte do time que anunciou Sócrates como o maior ídolo do Corinthians em todos os tempos e que seria campeão paulista em 1979. Basílio vestiu a camisão do Timão em 253 jogos, marcou 29 gols e ainda se deu ao luxo de fazer um contra. Mas ninguém se lembra disso. E nem é preciso.
A epopeia no Corinthians chegou, contudo, ao fim. Uma operação de menisco e consequente queda de rendimento em campo. Em 1981, foi emprestado para o CA Juventus, após chatear-se com a diretoria, que não o aproveitava no time e tampouco lhe dava o passe livre. E olha que nesse ínterim, entre o Parque São Jorge e a Mooca, recusou em 1980 uma proposta do norte-americano Fort Lauderdale Strikers. Preferiu ficar ao lado da mãe, que faleceu em 1984. Ambicionou o passe-livre, mas os cartolas do Corinthians não lhe deram ouvidos. Em 1983, uma rápida passagem pelo Nacional AC e, em 84, o final da carreira no EC Taubaté.
O ex-ídolo não fugiu à regra. Como a maioria dos jogadores, não conseguiu deixar os gramados. Foi convidado para ser técnico dos times de base do Corinthians em 1983. Em muitas ocasiões, foi treinador interino do time principal até 1992. Nas idas e vindas, que duraram quase dez anos, dirigiu o Timão em mais de 100 partidas.