AMARILDO, O ETERNO “POSSESSO”

Mas o auge mesmo acabou sendo no Chile, em plena Copa do Mundo de 1962
Um cigarro, um único e escasso cigarro – da modesta, mas popularíssima marca Continental -, pode ter significado, afinal, o início da vertiginosa escalada de Amarildo rumo à glória e à fama.
– Joga esse cigarro fora, garoto.
Já cansado do jeitão autoritário do técnico Fleitas Solich, e vendo poucas chances de subir dos juvenis para o time de cima do Flamengo – ainda mais que na sua posição, a meia-esquerda, quem reinava absoluto era Dida, o maior ídolo rubro-negro -, aquele garoto campista de cabelos encaracolados, e de semblante quase sempre crispado, não perdeu tempo.
– Olha, seu Fleitas. O problema é que gosto de fumar. E não vou jogar o cigarro fora, não.
– Se não jogar, pode pegar as suas coisas e ir embora. Agora!
Sabendo o tamanho da encrenca na qual havia se metido, de imediato foi o que Amarildo fez. Afinal de contas, não desconhecia, em absoluto, a força que o paraguaio Don Fleitas tinha no clube. Poderes ditatoriais. Ainda mais, depois de haver levado o Flamengo ao primeiro tricampeonato da Era do Maracanã. E ainda por cima com Dida, o dono da meia-esquerda, como um dos heróis da grandiosa façanha.
Mesmo assim, foi o temperamento impulsivo do garoto campista, com seu jeitão libertário, que falou mais alto. E ele ainda disse poucas e boas para Don Fleitas antes de ir embora, chamando-o, inclusive, de velho caduco. “Em quem só não dou umas boas porradas agora, porque estou respeitando a sua idade”. De cabeça quente, mas plenamente consciente do poder de fogo do seu jogo, Amarildo Tavares da Silveira acabou deixando a Gávea para desembocar, pouco depois-ou quase de imediato –, em General Severiano. A ponte acabou sendo João Saldanha – um padrinho e tanto. Que já tinha ouvido falar dele através do velho amigo Galo, lendário lateral-esquerdo bicampeão pelo Flamengo em 1914/15, e que não saía dos treinos da Gávea.
Abusado no drible, decidido e veloz, além de possuir um verdadeiro canhão no pé esquerdo, Amarildo impressionou nos dois primeiros meses a tal ponto que, antes de completar 18 anos, já podia se considerar enraizado no Botafogo. Jogava nos Juvenis e nos Aspirantes, indistintamente. E no meio daquele Butantã de cobras que vestiam a camisa alvinegra, já começava a sonhar com uma vaguinha no time de cima. Ainda que fosse na ponta-esquerda.
O diabo é que o titular era o Zagallo, que havia sido campeão do mundo e pouco se machucava. A minha sorte é que haviam as excursões – costuma lembrar Amarildo, mergulhado no tempo.
É que, nas excursões, os jogos eram praticamente uns atrás dos outros. O roteiro, cigano. Três jogos na Bélgica, mais quatro na Holanda, outros três na França… Então, um revezamento do elenco se fazia necessário. Mesmo com a briga de Saldanha- àquela altura, técnico do time – com os empresários, que viviam a exigir a presença dos campeões mundiais Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo em todas as partidas.
Marcando gols com uma competência exemplar, e se entendendo às mil maravilhas com os parceiros que eram escalados ao seu lado – ora, gente consagrada como Garrincha, Quarentinha, Paulinho Valentim e Zagallo; outras vezes, jogando com Amoroso, China, Neivaldo e Bruno, que com ele haviam sido bicampeões nos Aspirantes -, Amarildo foi conquistando aos poucos, o seu espaço nas excursões à Europa, América do Sul, México e América Central. E mais: acabou ganhando um lugar definitivo entre os titulares quando menos esperava, favorecido que foi com a venda milionária de Paulinho Valentim ao Boca Juniors da Argentina.
Mesmo assim, que fique registrado que 1961 foi o ano decisivo em sua carreira. É que, naquela temporada, ele arrasou a banca pra valer, consagrando-se como o artilheiro absoluto do Campeonato Carioca, com 18 gols. E mais: tornou-se um jogador fundamental, para que o Botafogo enfim se consagrasse um grande campeão. Um campeão capaz de realizar uma série espetacular de 37 jogos sem derrotas – recorde de invencibilidade até hoje, na história dos Campeonatos Cariocas.
Mas foi logo no início de 1962, que Amarildo, ao lado de Garrincha, Didi, Quarentinha e Zagallo, formou em um ataque deveras arrasador, verdadeiro terror para as defesas adversárias. Um ataque tão poderoso, que levou o Botafogo ao título de campeão do famoso Pentagonal da Cidade do México, lá nos altiplanos astecas. E, por aqui, do nosso Torneio Rio -São Paulo – do qual foi ele, Amarildo, o artilheiro, com 10 gols.
Pronto e acabado para a consagração definitiva, eis que Amarildo Tavares da Silveira embarcou para a Copa do Mundo do Chile, no mês de maio, como reserva de Pelé. Muitos queriam, porque queriam, vê-lo lado a lado com o Rei, deslocado para a posição de centroavante. Mas a Comissão Técnica, mais uma vez, preferia apostar na experiência de Vavá, campeão em 1958 e celebrado como o “Leão da Copa” da Suécia.
No Chile, após uma estreia sem novidades contra o México – vitória do Brasil por 2 a 0, gols de Pelé e Zagallo. Com o ataque sendo o mesmo de 58: Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo-, eis que Pelé, logo ele, se contunde seriamente diante da Tchecoslováquia, no segundo jogo. Azar? Destino? Ou havia chegado, simplesmente, a hora da verdade para o garoto campista, que vinha arrebentando nos treinos?
Quando falaram que eu ia entrar, sabia que aquele ia ser o jogo da minha vida. Podia me consagrar. Ou, se nada desse certo, me afundar de vez. Para sempre! Felizmente, acabei fazendo os gols da nossa vitória! – viaja Amarildo no tempo mais uma vez. Agora, com um brilho diferente nos olhos. O prazer a lhe adoçar as palavras.
É que, naquela batalha contra a Espanha, ele tremeu nas bases, sim. Jogou nervoso durante os 90 minutos, preso ao chão, sem a mobilidade costumeira. Mas, mesmo assim, sem nunca deixar de acreditar. E foi por acreditar, que acabou fazendo o impossível: os gols da vitória brasileira por 2 a 1. Certamente, a mais difícil e dramática em toda a Copa.Na primeira vez que marcou, por sinal, um centro na medida de Zagallo, da esquerda, deixou-o em condições de concluir rasteiro, de pé esquerdo, contra o goleiro Araquistain, de dentro da pequena área. Uma finalização inapelável.
Porém, no segundo gol, foi preciso que Garrincha costurasse toda a defesa espanhola lá na direita, à base de dribles desmoralizantes. E prendendo a atenção, inclusive, do goleiro Araquistain. O bastante para que, o sempre esperto Amarildo se esgueirasse até o segundo poste, onde recebeu o cruzamento perfeito de Mané para a cabeçada fatal.
Já de moral elevada, e cada vez mais confiante, o Amarildo tinhoso, brigão e serelepe do Botafogo, foi visto por inteiro em campo nos jogos seguintes. Aí, acabou virando uma arma fatal. O parceiro tão esperado por Vavá, Garrincha, Didi, Zagallo e Zito nas evoluções do ataque. E se Garrincha, em estado de graça, arrebatava a coroa de Maior Jogador da Copa, era Amarildo quem saía com as honrarias de Grande Revelação da competição. Uma Copa repleta de disputas acirradas – e , não raro, violentas – pelos vários palcos andinos.
Sua maior atuação, contudo, como que a coroar uma jornada cheia de glórias, acabou por ocorrer justamente no jogo final, com o Estádio Nacional de Santiago do Chile inteiramente lotado. O seu gol, o de empate, veio depois de dribles sensacionais e uma bomba de pé esquerdo, que pegou no contrapé o goleirão tcheco Schroif. E o desempate só ocorreu, após um cruzamento de pé direito, lá da ponta-esquerda, quando o garoto campista enrolou toda a defesa adversária até centrar, com fita métrica, para a cabeçada épica de Zito.
Consagrado pelo genial Nelson Rodrigues como o verdadeiro “Possesso” de Dostoiévski – acima de tudo, por sua bravura indômita em campo-, o que Amarildo mais merecia, depois daqueles 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia, era o beijo emocionado – e agradecido – que lhe aplicava Sua Majestade, Pelé, na festa dos vestiários. Ou então, a medalha de ouro de campeão do mundo, que o presidente da FIFA, Stanley Rous, havia lhe colocado solenemente no peito.
Mas, certamente, o que ele mais preferia naquele momento, era se divertir com os apuros porque passava Mané Garrincha, fugindo a todo custo dos afagos calorosos da torcida. Uma turma pra lá de ensandecida, que insistia em chamá-lo, em altos brados, de Rei Mané, Rei Mané, Rei Mané…
Ou, secretamente, o que talvez mais desejasse mesmo, fosse se reportar aos seus tempos de garoto, nas ruas do bairro da Lapa, lá em Campos dos Goytacazes. Onde, na bola e no braço, iniciara uma saga que havia acabado de colocá-lo lá em cima, no topo da glória. Um privilégio concedido a poucos, bem poucos- que ele ficasse certo disso -, pelos matreiros Deuses do Futebol.
ONDE ESTÃO OS FUROS DE REPORTAGEM?
por Elso Venâncio

Jorge Jesus ficou pouco mais de uma semana no Rio, deslumbrado com seu status de ídolo. A situação do conterrâneo português Paulo Souza, que desarruma o time mais do que arruma, fez aumentar o coro de “Volta, Jesus”. O treinador campeão da Libertadores de 2019 rodou a cidade, reencontrou amigos e jogadores, além do seu restaurante preferido. Na Sapucaí, durante todo o Desfile das Campeãs, era uma celebridade. Até ir ao encontro de dirigentes e jornalistas e chutar a ética profissional, pensando estar entre amigos, onde poderia abrir seu coração. Acabou virando uma espécie de “traíra” – termo muito usado no futebol.
Isso me fez sentir falta dos furos de reportagem. Essas entrevistas coletivas chatas, os treinos fechados e a falta de contato do torcedor com seus ídolos vêm adormecendo a imprensa. É estatística pra lá, estatística pra cá, mas… cadê a notícia?
Sim, até que há algumas. Só que repetidas ou requentadas. Não há mais a disputa saudável pela informação. Onde estão os GRANDES FUROS DE REPORTAGEM?
Durante um programa na TV, junto a Cahê Mota, que representa com brilhantismo na Globo a nova geração do Esporte, debatemos o tema. Ele explicou que hoje é tudo em tempo real. A redação cobra postagens imediatas, antes, durante e após os fatos. Ninguém tem paciência para suportar a ansiedade e trabalhar uma notícia.
Os chefes têm culpa no cartório. Não cobram mais boas informações. Veículo grande tem obrigação de INFORMAR COM EXCLUSIVIDADE. Hoje é muita gente atrás do computador, atenta aos twitters. O celular virou instrumento de trabalho, mas nada como a apuração olho no olho! Indo pra rua! Buscando “A Notícia”.
Jantei recentemente com meu amigo Sérgio Lobo, o Lobinho, do SporTV:
“Você tem o telefone do Landim?” – pergunto. “Você liga para o presidente?”
“Não. Não temos contato.”
Como assim? Argumento que Landim é um dos personagens do futebol dos mais agradáveis que conheço. É acessível e valoriza quem está ao seu lado. Lobinho ainda completou dizendo que o presidente Mário Bittencourt, do Fluminense, lê as mensagens e um assessor retorna.
As redes sociais aproximam as pessoas, atualmente contatamos qualquer um. Teve até o caso de um paulista que ligou para o Michel Temer quando ele era o Chefe do Executivo. E o Presidente da República, simplesmente, assim o atendeu:
“Sim, sou eu” – respondeu Temer.
No futebol, noto que há um abismo cada vez maior entre os setoristas, que vem diminuindo a cada dia, e quem comanda os clubes. O que dificulta ainda mais o vazamento das grandes notícias, aquelas capazes de abalar estruturas.
Em 1997, o “Maestro” Junior, que nunca se firmou como técnico, foi afastado após um empate do Flamengo com o Madureira, em Conselheiro Galvão. No tenso e acanhado vestiário, assim que eu o questionei sobre o jogo, ele declarou que não era treinador. Disse que estava apenas “colaborando”.
“Mas… como assim?” – perguntei, surpreso.
Não obtive resposta.
No início da madrugada, recebo a informação de que Evaristo de Macedo tinha ido para o apartamento do então presidente rubro-negro, Kleber Leite, no Posto 6, ao lado do Forte de Copacabana. Dei plantão por lá. A reunião, que contou também com Plínio Serpa Pinto e Michel Assef, só terminou depois das três da manhã. Porém, o Rio amanheceu ouvindo, pela Rádio Globo, o nome do substituto do recém-demitido “treinador”.
Sei que o momento é outro e que vida de repórter não é fácil. Mas a busca pela notícia tem que ser constante e não ficar restrita a comunicados oficiais ou coletivas de Imprensa.
KOCSIS, O CABECINHA DE OURO
por Péris Ribeiro
Depois de brilhar no Honved, Kocsis também foi campeão e Ídolo no poderoso Barcelona espanhol
A primeira vez que ouvi falar dele foi no Mundial de 1954, na Suíça. E de uma maneira, no mínimo, arrebatadora! Afinal, cabeceador de verdade para mim, até então, era o espetacular Baltazar – bicampeão e artilheiro,lá no Corinthians paulista.
Por sinal, um mulato forte, dono de uma impulsão extraordinária. E que andava brilhando tanto na Seleção Brasileira, que merecera, até, uma música do compositor Alfredo Borba, que dizia: “Gol de Baltazar/ Gol de Baltazar/ Salta o Cabecinha/ 2 a 0 no placar…”
No entanto, com Baltazar fora daquele jogo com cara de decisão, passei a confiar mesmo foi na valentia de Índio. Um centroavante que marcara 18 gols recentemente, levando o Flamengo, inclusive, a se sagrar campeão carioca, acabando com um jejum de nove anos do clube da Gávea. E foi assim que, nem de longe, poderia imaginar que um branquelo grandalhão, que usava a camisa 8, fosse acabar com a festa logo de saída.
Na verdade, foram dois golaços. Mas o segundo impressionou ainda mais, como se fosse um verdadeiro tiro de cabeça. Pinheiro, o nosso beque de área, ficou praticamente no chão, enquanto o branquelo grandalhão testava lá do terceiro andar, quase furando as redes de Castilho.
Mesmo assim, dias depois, e para espanto geral, aquela Hungria arrasadora, que havia enfiado 4 a 2 no Brasil e estava invicta há quatro anos, acabou perdendo o Mundial para a Alemanha de Rahn e Fritz Walter. Um time que lhe era infinitamente inferior.
Apesar da surpresa, o que sei bem é que, a imagem que me ficou através de velhos filmes e fotos em preto e branco, foi a daquela Hungria maravilhosa. A Hungria,campeã olímpica de 1952. A Hungria de Puskas, Czibor, Boszik, Grocsis, Hidekguti e daquele grandalhão forte e branquelo – não por acaso, o artilheiro da Copa, com 11 gols. Seis deles de cabeça.
Tempo vai, tempo vem, e lá pelo verão de 1957, quase três anos depois, o fato histórico é que consigo vê-lo, finalmente, jogando ao vivo. E vi-o com o sensacional Honved de Budapeste, tetracampeão húngaro, em pleno cenário do Maracanã. Para só então tomar conhecimento de que o seu nome, por inteiro, era Sandor Kocsis Péter – o super temido artilheiro Kocsis. Pesadelo dos goleiros de todo o mundo.
Matador nato, o que logo percebi nele é que, como poucos, sabia se colocar em posição de chute dentro de uma área. E como chutava forte e colocado com os dois pés, o caminho das redes era a sequência natural para as suas finalizações. Além do mais, tinha grande habilidade no toque de bola – que executava com vertiginosa rapidez.
Quanto as cabeçadas… Bem, aí realmente era um espetáculo à parte. Ainda mais por possuírem a força de um chute. E variarem tanto de repertório, que ora eram desferidas de cima para baixo, rente ao chão. Outro tanto, preferiam ganhar o ângulo imprevisto. E, não raro, atiravam o goleiro para trás, com bola e tudo. Propositalmente.
Com a cruel invasão de Budapeste pelos tanques russos, em 1956, eis que lá se vai Puskas, após a excursão ao Brasil, rumo ao Real Madrid, onde iria formar dupla com Alfredo Di Stéfano. Já Kocsis, prefere o arqui-inimigo Barcelona. Não sem antes emitir uma frase sentida, porém definitiva:
– Amo muito o meu país. Mas quero, para sempre, a liberdade de jogar por puro prazer. Isso é tudo o que desejo!
E unindo a ação às palavras, forma com o brasileiro Evaristo de Macedo, os espanhóis Luisito Suarez, Basorae Rammalets e os compatriotas Czibor e Kubala, um dos maiores Barcelonas da história. Um esquadrão tão poderoso, que ousou ser bicampeão nacional logo em cima do Real Madrid de Puskas, Di Stefano, Santamaria, Didi eGento.
Com a vida finalmente em paz, eis que, certo dia, o destino se interpõe mais uma vez na trilha de Kocsis. E, tal como em 1956/57, cruelmente. Um câncer amputa-lhe a perna direita. E o velho goleador , tomado pelo mais profundo desalento, joga-se do sétimo andar do seu apartamento, em plena capital da Catalunha.
Na época, fez-se uma comoção e tanto em Barcelona. Enlutou-se o universo da bola. Porém, desde aqueles tempos ficou em mim uma espécie de cisma. E, ainda hoje, acredito que onde houver um artilheiro a estufar as redes, lá estará a imagem onipresente de Kocsis. Com toda a certeza, a abençoar- lhe a festa épica do gol.
SEM LENÇO, SEM DOCUMENTO
por Zé Roberto Padilha
Esqueça o futebol. E pense na sua profissão. Seja ela qual for.
Você chegando em uma empresa fora da sua cidade, contratado e saudado com todas as suas referências e, com 21 dias de trabalho, morando ainda num hotel porque nem deu tempo de arrumar um apartamento, com as crianças ainda não matriculadas e a esposa perdidinha com a mudança, você é sumariamente demitido.
Nenhum de nós gostaria de estar, hoje, na pele de um profissional respeitado como Fabio Carille. Como alguém deixa de ser a solução e passa a ser o problema em apenas três semanas?
Será que os dirigentes do Athletico-PR não sabiam que não foi ele que montou seu time? Que não teve tempo para treinar porque estreou em plena Copa Sul-Americana e com Brasileirão e Copa do Brasil em andamento?
Eles, dirigentes, sabiam disso. Nao queriam um técnico. Queriam um mágico.
Por isso são frios, calculistas e covardes. Incompetentes, usam a desunião de uma classe, a de treinadores de futebol, que aceitam um companheiro de profissão ser humilhado desse jeito, para justificar seus atos absurdos e desleais.
Em três semanas, um cidadão do bem, que estudou para exercer sua profissão, sem parentes importantes para viver de indicação, deixa seu novo clube cabisbaixo pela porta dos fundos, levando consigo um caminhão de culpas que ninguém mais por lá vai precisar assumir.
Por que não, a obrigatoriedade de todo treinador permanecer, no mínimo, por seis meses no cargo em que for convidado?
Por que temos que conviver com tais injustiças apenas porque não foi com o trabalho da gente?
Torço pelo Fluminense e, temporariamente, contra o Athletico-PR. Merece cair. Não apenas de divisão, mas pro quintos do inferno.
1995 – A ÚLTIMA GRANDE DECISÃO DO CAMPEONATO CARIOCA
por Elso Venâncio
A última grande final do Carioca se deu em 1995, no jogo que ficou marcado pelo gol de barriga do Renato Gaúcho. Aquela competição foi disputada em todo o primeiro semestre, com direito a um octogonal final disputadíssimo, que pegou fogo.
No ano do seu Centenário, o Flamengo era o favorito ao título – principalmente após a espetacular contratação de Romário, o melhor jogador do mundo. No entanto, na véspera da decisão, durante o último treino, realizado na cidade de Friburgo, os desentendimentos eram mais que visíveis.
Vanderlei Luxemburgo, técnico que levara o Palmeiras ao bicampeonato paulista e brasileiro, havia sido contratado por Kleber Leite. O treinador, contudo, não aceitava as regalias de Romário. Por dentro, ardia de ciúmes. A verdade é que, em todos times pelos quais o Baixinho jogou no Brasil após a Copa do Mundo dos Estados Unidos, o camisa 11 deixava bem claro aos presidentes:
– Gosto da noite, mas não bebo. Por isso, só treino de manhã se eu quiser.
Evidenciando o mal-estar, Romário, até por não falar com Luxemburgo, voltou ao Rio no sábado à tarde, de carro, junto aos amigos que o cercavam, seus “parças”. Ou seja, o ônibus rubro-negro desceu a serra, direto para a concentração de São Conrado, sem o seu principal jogador.
Do lado do Fluminense, Renato Gaúcho chegara às Laranjeiras contra a vontade do técnico Joel Santana. Nosso amigo Pierri Carvalho havia sido fundamental na contratação. Ele era o setorista da Rádio Globo nas Laranjeiras e viajou a Búzios com o dirigente Alcides Antunes para contatar o atacante, que estava curtindo férias forçadas, após o rompimento do contrato do atacante com o Atlético Mineiro, um dos raros fracassos do camisa 7, que sempre foi carro-chefe nos clubes que defendeu. A recepção, após um longo chá de cadeira, não foi nada boa:
– Vocês estão de sacanagem… Esse treinador não me quer! – vociferou Renato, apontando para uma manchete de jornal.
Alcides avisou que contratar era responsabilidade dele. A fera gaúcha sentiu firmeza:
– Vocês querem ser campeões? Eu dou o título a vocês! – bradou Renato, com uma bola de futevôlei à mão.
Nem o Campeonato Carioca de 2001, que terminou com aquele indefectível gol de falta de Petkovic contra o Vasco, foi mais emocionante do que a disputa que estamos falando. Teve o lance decisivo, sim, mas no todo, o “Fla-Flu do Século” foi imbatível.
Sem falar que, de quebra, estava em jogo a coroa de “Rei do Rio”. Romário, Túlio Maravilha, Renato Portaluppi e Valdir Bigode estavam no páreo. Os craques “vendiam” o jogo e, nisso, lotavam o Maracanã. Como de costume, Túlio provocava. Sem papas na língua, Romário respondia ao vivo, pelas rádios e TVs. Detalhe: não havia ainda Internet. Muito menos redes sociais.
O Flamengo jogava muito na Gávea, sempre contra os times de menor investimento. Naquele ano, o estádio do Mais Querido contava com arquibancadas tubulares no entorno do gramado. Numa partida contra o Madureira, me avisaram que o cantor Nelson Gonçalves estava atrás do gol que ficava à direita da velha arquibancada. Para os mais jovens, vale dizer que, até hoje, no Brasil, apenas Roberto Carlos vendeu mais discos do que ele. Foram 79 milhões de cópias consumidas entre os anos 40 e 90.
Assim que fui entrevistá-lo, o velho boêmio pegou meu microfone e cantou:
– Ô-lê-lê, ô-lá-lá… Romário vem aí…. o bicho vai pegar!
De repente, com vários rádios ligados, surge o coro que viraria símbolo da “Era Romário”:
– Ô-lê-lê, ô-lá-lá… Romário vem aí…. o bicho vai pegar!
Pois bem; vamos para a histórica decisão do dia 25 de junho de 1995. Astuto, Alcides Antunes, sem avisar a ninguém, tirou no sábado a delegação tricolor do antigo Leme Palace após o jantar, levando a equipe para o Sheraton. A torcida do Flamengo, com direito a intensos foguetórios, não deixou nenhum hóspede dormir no Leme naquela madrugada, sem saber que os tricolores roncavam tranquilíssimos na Avenida Niemeyer.
Leo Feldman no apito. Um temporal forte surge do nada, dificultando a bola rolar. Até a visão do campo se torna turva. O jogo se equipara e os tricolores demonstram uma garra, uma gana, incomum. Ouso dizer que ali surgiu o “Time de Guerreiros”.
Mais de 100 mil torcedores viram Renato Gaúcho e Leonardo marcarem, calando a massa rubro-negra no primeiro tempo. Aos 26 da etapa final, Romário, que nunca havia vazado redes tricolores em toda a carreira, desencantou. Seis minutos depois, Fabinho empatou. Resultado que dava o título ao Flamengo.
Pandemônio no estádio, vários jogadores foram expulsos em sequência: um pelo Flamengo e três pelo Fluminense, que se viu com apenas oito atletas em campo. Até então contida, a nação rubro-negra explodiu:
– É campeão!!! É campeão!!!
Eis que, aos 41 minutos, Ailton, outro ex-rubro-negro, driblou duas vezes Charles Guerreiro e bateu cruzado, marcando o terceiro. Na súmula, gol dele, Ailton. O grande José Carlos Araújo, o “Garotinho”, narrou gol de Ailton. Na mesa redonda da CNT, graças aos exaustivos replays, notamos que a bola, antes de estufar as redes do goleiro Roger, tocou a barriga de Renato.
Na tribuna de honra, incrédulo, o presidente Arnaldo Santiago comentou com Juber Pereira, seu vice de finanças:
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– Do coração eu não morro mais!
Pois então…. Médico, Arnaldo Santiago faleceu cinco anos depois após um infarto fulminante enquanto jogava basquete com amigos, no Clube Caiçaras, na Lagoa.
Valorizado, Joel Santana assinou com o Flamengo poucos dias após o “Fla-Flu do Século”. Porém, só desembarcou na Gávea em janeiro do ano seguinte. Essa notícia estou revelando somente agora. Na época, não vazou porque “Papai Joel” pediu a seu procurador para guardar todas as vias daquele contrato.
Em 1996, Joel levou o Flamengo ao título carioca. Roubando de Renato a coroa de Rei do Rio.