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RECORTES DE UMA VIDA – PARTE 3

por Zé Roberto Padilha

Trabalhava na Prefeitura de Três Rios, em 1987, um ano após encerrar minha carreira, quando o Rubens Galaxe me indicou para ser técnico dos Infantis do Flu. Ele dirigia o Juvenis.

Primeira pergunta que fiz em Xerém, porque não poderia arriscar ficar sem emprego :

– O treinador infantil cai também?

Me falaram que sim. “Tanto que você está aqui assumindo o lugar do que caiu!”, responderam.

– Mas foi por resultado?

Não, erro de avaliação. O treinador também tem que observar jogadores indicados ao clube. E ele foi convidado a ir até Vitória-ES, observar dois garotos da Desportiva. Eram irmãos.

– E aí, o que aconteceu?

Bem, tinha o meia, o Rodrigo, que está com a gente, e ele não observou qualidades no ponta esquerda. Não indicou a sua contratação. Acontece que o Flamengo ficou com ele. E, que azar do treinador, no último Fla x Flu ele fez o gol da vitória. E aí…

– Que azar! Qual o nome do ponta?

– Sávio.

Ainda bem que ganhamos o título infantil e não perdi o emprego. Acontece.

De repente o Sávio não estava inspirado naquele fatídico dia em que o futebol tricolor perdeu um dos mais completos ponta esquerda que vi jogar.

Ou meu antecessor era maluco. 

ANDREAS: UMA BOLA NA TRAVE DO FLAMENGO

por Marcos Eduardo Neves

Andreas foi uma bola na trave no Flamengo. Chegou no momento certo, do Manchester United, num time que tinha tudo pra ganhar tudo. Só que não ganhou nada.

E foi Andreas quem quis destino assim. Largou a reserva de um gigante da Europa pra mostrar no maior do Brasil quem era. Mostrou. Com personalidade. E alguns chutes que – Nossa Senhora! –,… bola na trave do Andreas!

Porque foi isso. Andreas foi uma bola na trave no Flamengo.
Bom jogador, dedicado, talentoso, organiza, limpa, arrisca forte, sem medo, de qualquer distância. No Brasileirão, hoje mesmo, pode checar, tem apenas um gol a menos que Gabigol.

Mas na hora errada e na partida mais do que errada, na prorrogação, simplesmente, da decisão da Libertadores que selaria o tri do Flamengo, Andreas nem trave foi. Foi gol. Só que contra. Gol do Palmeiras.

Ah, ocasos do futebol! Márcio Theodoro entregou pra Romário a Taça Guanabara de 1995 e acabou para o futebol. Gonçalves deu mole num Flamengo x Botafogo, foi contratado pelo rival e virou ídolo, vai entender, brilhou intensamente, entrou para a História do Glorioso. Andreas, no Flamengo, deu – não tem como negar: simplesmente, DEU – a Libertadores pro Palmeiras, no ano passado.
DEU. Mas ao escorregar. Infelicidade total. Nada por vontade, lógico, longe disso. Só que foi como ter explodido as torres trigêmeas, mesmo sem querer. Nisso, implodiu junto com o avião.

Se já não era, Andreas quis muito ser Flamengo. Aceitou menos que ganhava. Queria ficar. Errou, ok, mas errar é humano. O cara é baita jogador. 25 anos! Um pecado ter se despedido ontem. Vai para o Fulham, da Inglaterra. Que siga seu caminho e, na fé, arrebente. Mas, por favor, só não me volte, de empréstimo, para um Palmeiras, um Fluminense, um Corinthians, um Botafogo da vida ou sei lá quem.

Em qualquer fim de relacionamento a gente sente alívio ou saudade. Ontem foi 1 a 0, gol de Andreas. Cadê o alívio? Já sinto saudades. Ontem Andreas mostrou, provou para todos nós, nos deixando, graças a seu gol, praticamente nas quartas da Libertadores, que ele não – que ele não era uma bola na trave. É um gol. Que entregamos.

Tipo Tita, em 87. Cocada, 88.

Ainda vamos lamentar muito essa saída. O menino tinha tudo pra dar a volta por cima e luzir por anos.

De toda forma, obrigado, Andreas. ‘Cést la vie.’ Mas saiba, portas abertas.

SESSENTA E OITO VEZES JUNIOR

Ilustrações e texto: Marcos Vinicius Cabral

Junior e Heloísa se olharam e o silêncio respondeu à pergunta do filho do casal: “Pai, quando vou te ver jogar no Maracanã com a camisa do Flamengo?”, quis saber Rodrigo Gama, filho mais velho de Junior, homem que mais vezes vestiu a camisa do Flamengo e com ela ganhou tudo, ao assistir gols e mais gols de Zico em fitas VHS (formato anterior ao DVD).

Mas tal alegria de Digo, como é chamado até hoje pelos amigos mais chegados o pai do pequeno João Henrique, que vai fazer quatro aninhos no próximo dia 12, parecia sonho distante no fim dos anos 80. Fã dos lances do inseparável parceiro do Capacete, ardia no coração de Digo, o desejo em ver o pai com o Manto Rubro-Negro. Ganhar título seria bom demais, agora títulos como a Copa do Brasil, em 1990, o Carioca, em 1991 e o Brasileiro, em 1992, melhor ainda.

– Não lembro a maneira que fiz o pedido, mas via a fita do Zico direto, e a maioria dos gols era no Maracanã! – recorda-se.

Não teve jeito. Junior deixou o Pescara, o outro clube, além do Torino, que defendeu na Itália, no segundo semestre de 1989.

Mas Junior voltou para realizar o sonho do filho, pois nos cinco anos de futebol italiano, Leo Junior – como passou a ser chamado em Turim – conduziu, em 1984, o Torino ao vice-campeonato e acabou sendo eleito o melhor jogador daquele campeonato, que contava com craques como Maradona, Platini, Rummenigge, Falcão e Zico. Pouco tempo depois, já com a camisa do modesto Pescara, se tornou o segundo melhor estrangeiro no Campeonato Italiano de 1987, ficando à frente de nomes como Maradona, Careca, Van Basten, Gullit e Rijkaard e ajudou a manter a equipe alvi-azuis na elite da competição.

Mas Junior estava realizado financeiramente e a volta foi também para vencer desafios traçados por ele mesmo, já que era o único remanescente daquela geração vitoriosa que foi o Flamengo de 81.

Logo de cara, conquistou a Copa do Brasil – competição criada para aplacar o descontentamento das federações de vários estados com menos tradição no futebol nacional – em dois confrontos contra o Goiás, em 1990, em um time comandado por Jair Pereira e que contava com Uidemar, Zinho, Bobô, Renato Gaúcho e Gaúcho.

No ano seguinte, a frase “Ganhar Fla-Flu é normal” da torcida tricolor foi silenciada por Junior e com um sonoro 4 a 2, diante de quase 50 mil pagantes em uma noite de quinta-feira iluminada no Maracanã.

Mas a cereja do bolo na carreira, como ele próprio define, veio no Campeonato Brasileiro do ano seguinte, nos dois jogos contra o bom time do Botafogo: “Eu posso dizer que 92 representou muito mais do que os torcedores pensam, principalmente porque eu era o último remanescente daquela geração de ouro do Flamengo. Naturalmente, comandar aquela molecada toda foi motivo de prazer, satisfação e ter podido, mesmo aos 38 anos, dar minha contribuição para a história do clube”.

Naquele ano, Junior não só foi campeão Brasileiro de 92, mas foi eleito melhor jogador, Bola de Prata pela revista Placar e se tornou, com o bigode espesso e cabelos grisalhos, o vovô para os outros dez netinhos daquele Flamengo.

Perto de completar 30 anos da conquista do pentacampeonato brasileiro, dois anos antes, em 2020, em um ranking elaborado por jornalistas, Junior figurou na 2ª posição entre os maiores ídolos de futebol da história do Clube de Regatas do Flamengo, atrás apenas de Zico.

No entanto, uma das maiores alegrias deste paraibano que completa 68 anos nesta quarta-feira (29), ocorreu há quase quatro anos com a chegada do pequeno João Henrique, filho de Digo, este mesmo que naquele Fla-Flu de 1991, com apenas sete anos, correu em direção do pai suado pela dificuldade do clássico e com os braços abertos, agarrou-o pelas pernas e os dois, comemoraram juntos, em particular, aquele título, realização de dois sonhos: o de Digo, que viu o pai com a camisa do clube de coração e o de Junior, que realizou o sonho do filho.

KATINHA, O ENSABOADO

por Luis Filipe Chateaubriand

Quando o ponta direita Katinha chegou ao Vasco da Gama, em 1979, a torcida ganhou um ídolo.

Veloz, driblador, insinuante e autor de ótimos cruzamentos, Katinha estreou no Cruz Maltino exatamente em um clássico contra o Flamengo.

O Vasco da Gama venceu por 4 x 2.

Katinha “fez a festa” pelo lado direito.

Junior, coitado, não achou o ponta direita a partida inteira.

Na sequência do Campeonato Carioca, Katinha continuou a apresentar o seu talento, embora o Vasco da Gama não tenha sido campeão.

Em 1980, Zagallo assumiu o comando técnico do “Gigante da Colina”.

Sabidamente avesso aos pontas típicos – tinha preferência por pontas que compunham o meio de campo –, descartou Katinha, e este acabou negociado.

Assim, Katinha teve uma passagem curta, porém marcante, por São Januário.

ÍDOLOS NEGROS NO FUTEBOL

por Elso Venâncio

Foto: Alex Ribeiro

Dois ídolos que todos admiram: Pelé e Zico. Além disso, dois seres humanos de uma simplicidade ímpar, um carisma que impressiona a todos e a qualquer um.

São dois ‘Reis’: Pelé, no Santos; Zico, no Flamengo. E ninguém é ‘Rei’ por acaso. Ouvi, certa vez, um comentário do Rodolfo Landim, presidente rubro-negro:” Zico é de outro mundo. Que cara sensacional!”. Mas confesso que gostaria de ver um ídolo negro indiscutível no clube mais querido do Brasil”.

Ora, Leônidas da Silva foi o primeiro ídolo do nosso futebol. Os negros eram proibidos, até os anos 30, de jogarem nos grandes clubes. Leônidas, o homem que popularizou a bicicleta, era unanimidade nacional. Desfilava de carrão importado e namorava as filhas de famílias ricas e tradicionais da cidade.

Na época o Brasil tinha três ídolos: Getúlio Vargas, o Presidente da República; Orlando Silva, ‘O Cantor das Multidões’; e Leônidas da Silva, o ‘Diamante Negro’. Por sinal, foi ele quem emprestou seu apelido ao chocolate. A Lacta criou o produto em sua homenagem e ele foi o garoto-propaganda, aliás o pioneiro nessa atividade, entre os atletas. Foi também o primeiro ex-jogador a se tornar comentarista esportivo e ter contribuído de forma direta para o aumento gigantesco da torcida rubro-negra.

Conversei com o biógrafo do Didi, Péris Ribeiro, um historiador da minha cidade, Campos dos Goytacazes, sobre a falta, nas últimas décadas, de um grande ídolo negro – ou preto, como costumam dizer os próprios – no Flamengo. Passaram pela Gávea, além de Leônidas, Domingos da Guia, Zizinho, Junior e Adilio, entre outros. Em dois momentos imaginei que isso se tornaria realidade. Nos anos 60 chegou Silva, o ‘Batuta’, com o clube buscando um astro, já que Dida tinha parado e Gerson havia sido comprado pelo Botafogo.

Silva passou por clubes de massa, como Flamengo, Corinthians e Vasco. Fez tabelas com Pelé no Santos e com Zizinho – este, em fim de carreira – no São Paulo. Contudo, ficou apenas dois anos na Gávea: 1965 e 1966. Era um cigano da bola.

Voltou ao Flamengo em 1968, para mais duas temporadas. No Estádio Presidente Perón, do Racing, em Avellaneda, Argentina, há um pôster gigantesco na entrada com os dizeres: ‘El Ídolo Machado da Silva’. Vale dizer que o nome de Silva era Walter Machado da Silva.

Em 1972 Paulo Cezar Caju foi indicado por Pelé como seu substituto. Acabou sendo contratado a peso de ouro pelo Flamengo. Péris Ribeiro faz, então, uma volta no tempo:

– Pensei que o Flamengo teria o seu Pelé. Paulo Cezar Lima, o Caju, um dos maiores do nosso futebol, ficou pouco mais de dois anos no clube. Foi descartado, negociado como Silva, em 1974. Paulo Cezar, que foi campeão carioca em 1972 assim como Silva havia sido em 1965, se tornaria o primeiro brasileiro a ser destaque na França, jogando no Olimpique, de Marselha.

Aliás, o grande livro da literatura Esportiva do país é ‘O Negro no Futebol Brasileiro’, de Mário Filho, irmão de Nelson Rodrigues. Esta obra é leitura mais do que obrigatória para quem gosta e estuda o futebol. E futebol tem tudo a ver com negros. Porque são os negros que têm ginga, malemolência, mais do que muitos brancos. E nosso país é formado por uma miscigenação de brancos, índios, negros, pardos, caboclos, enfim.

Viva os negros, como Pelé, Didi, Eusébio, Drogba, Pogba, Mbappé, Barbosa, Thuram, Obdulio Varela, George Weah, Ronaldinho Gaúcho, Neymar e tantos outros. Sem eles, o futebol não seria o que é. Nem nós, o que somos.

Vida longa a estes deuses do futebol.