tardes de zico…
por Péris Ribeiro

Ah! Quantas saudades… E quem não as teria, se viveu um Maracanã em tarde de Zico?
De todas as que vivi, guardo um carinho especial por duas delas: as das decisões dos Campeonatos Brasileiros de 1980 e 1983. Tardes típicas de Rio de Janeiro. Com alma bem carioca. De céu azul profundo e sol aberto convidando à praia. E bandeiras e gritos de “Flamengo!”, “Flamengo!” tomando as ruas e sacadas. Da Zona Norte à Zona Sul.
Na decisão do Brasileiro de 80, Reinaldo, praticamente com uma perna só, parecia deveras enfeitiçado. E dava a entender que poderia, com a sua genialidade, impedir a conquista tão ansiada pela torcida rubro-negra – com um simples empate, o Atlético Mineiro seria o campeão.
Mas, em contraponto a cada gol do “9 de ouro” do Galo – e foram dois -, Zico esbanjava categoria e visão de jogo. E um inacreditável poder de decisão.
Na abertura da contagem, por exemplo, fez um primoroso lançamento em diagonal, como se medido fosse à fita métrica, para o artilheiro Nunes. E, pouco depois, exibia todo o seu senso de oportunismo, ao marcar o segundo gol após um tremendo bate-rebate dentro da área atleticana – e em que os seus reflexos apurados, e aquele raro poder de decisão, é que acabaram de vez com as chances de defesa do goleirão João Leite.
Já os 3 a 2 vieram numa jogada de pura raça de Nunes, quando vivíamos a angústia dos minutos finais. Mas foi a visão de um Zico vencedor, erguendo para a torcida em delírio o troféu de campeão, que me ficou para sempre no arquivo da memória.
- Joguei machucado. Com o pé direito enfaixado, o tornozelo inchado. Doendo pra burro! Mas, pra ver o Flamengo campeão, faria qualquer sacrifício. A alegria dessa torcida me enlouquece – diria ele depois, na esfuziante comemoração dos vestiários.
Quanto à decisão de 83, seria a última antes da sua ida para a Itália. E, por isso mesmo, estava a merecer aquele público frenético de 155 mil pessoas – recorde, até hoje, em decisões de Brasileiros.
Àquela altura, convém dizer que aquele Flamengo já havia chegado ao seu auge. Tinha se consagrado, inclusive, como Campeão do Mundo de Clubes – e da Libertadores da América -em 1981. E vira Zico ser escolhido o Maior Jogador do Ano, na mesma temporada. Porém, não em uma enquete qualquer, em algum tipo de pesquisa banal. Mas, sim, na que realizara a famosa revista italiana “Guerin Sportivo”, uma das mais conceituadas de toda a Europa. O que significa dizer que, em 1981, Zico se destacara definitivamente como o maior Jogador do futebol mundial.
Pois agora, eis que lá estava ele, mais uma vez sem as condições físicas ideais, enlouquecendo a torcida rubro-negra. Simplesmente porque, em menos de um minuto, havia surpreendido a defesa santista e o goleiro Marola, inaugurando o placar. E, como em tantas outras vezes, utilizando-se daquele seu fantástico poder de conclusão, no ato de decidir uma jogada. Na verdade, o craque ideal no momento e lugar adequados.
E, daí para a frente, não seria outro, senão ele, quem comandaria um inesquecível baile no Santos de Pita, Paulo Isidoro, Serginho Chulapa e Cia. Um baile que fez a torcida cantar e dançar o tempo inteiro, aos gritos de “Mengo!, Mengo!” e “Flamengo campeão!”. Uma agitação que só fez aumentar após os 3 a 0, com dois belos gols de cabeça de Leandro e Adílio.
Paixão para sempre, da imensa nação rubro-negra, até hoje Zico é parado onde quer que vá, para uma interminável sessão de fotos, abraços e autógrafos. E demonstra, como Pelé, a compreensão permanente do que é ser um ídolo de verdade. O sorriso é sempre aberto, simpático, e do mais grato entendimento por aquele momento. É como se estivesse a cumprir, ali, a mais nobre das missões.
É que Zico sabe que, aquelas mãos que pedem um autógrafo, um aceno, e um simples afago, muitas vezes são as mesmas que, a cada domingo, pagaram com sacrifício o ingresso só para vê-lo jogar. Os olhos que solicitam um mero sorriso são os mesmos que acompanharam os seus dramas e vitórias. Seu joelho danificado. E a taça de campeão, que ele erguia sobre a cabeça, era como uma espécie de senha, capaz de liberar de vez a louca festa de uma multidão em transe.
Sabe, enfim, que é por causa desses rostos anônimos na multidão que ele um dia foi Zico, o rei do Maracanã. Estádio que se confunde com a sua própria história, e onde ele marcou nada menos de 333 gols, tornando-se o seu maior artilheiro. Um cenário, aliás, tão especial em sua vida, que também é dele o recorde de títulos por ali, com sete Campeonatos Cariocas, oito Taças Guanabara e três Campeonatos Brasileiros. E, contando com uma meritória dose de justiça, uma heroica Taça Libertadores da América. No caso, não só pela importância da grande conquista, mas, mais do que tudo, por ter ele, Zico, marcado os gols da vitória do Flamengo ( 2 a 1 ) sobre o Cobreloa chileno, na primeira partida da série decisiva da competição – realizada exatamente no mais famoso estádio do mundo.
E é com um fecho clássico para uma bela história, que nunca é demais dizer que Zico tem, até hoje, a mais plena consciência das tardes inesquecíveis que nos proporcionou. Particularmente, as das decisões dos Brasileiros de 1980 e 1983 – aquelas que teimo em não esquecer.
Como não consigo esquecer a sua imagem, após uma daquelas irresistíveis arrancadas em ziguezague – e que acabavam, sempre, no fundo das redes adversárias. No chão, aquele bando de zagueiros empilhados, zonzos com os seus dribles. E ele, camisa 10 às costas, os esvoaçantes cabelos louros ao vento, a soltar o grito louco da comemoração. Ali bem junto da galera, colado às gerais do estádio.
O Z de Zico, afinal, como o Z do Zorro. Tremulando, implacável, em meio às bandeiras rubro-negras. Eternamente justiceiro! E para sempre, vencedor!
DORIVAL SIMPLES
por Zé Roberto Padilha

Meu primeiro é inesquecível treinador, João Baptista Pinheiro, sempre dizia: “Futebol é simples”. E citava uma máxima que, segundo ele, seria eterna: “Com a bola você joga, sem ela você marca!”.
E para ter sempre o elenco nas mãos, a receita era ainda mais simples. “Sempre escalo os melhores!”. Só assim acalmava o “gabinete de crise”, que no futebol chama-se banco de reservas.
Pinheiro tinha razão, todas as greves, passeatas e insurreições surgem de lá quando seus “líderes” enxergam apadrinhamentos e burrices.
Ele nos treinou, no Fluminense, na década de 70, e muita coisa evoluiu. A Holanda implantou um revolucionário Carrossel, o Guardiola nos trouxe o Tic-Tac, mas tanto Cruyff quanto Xavi e Iniesta jogavam com a bola e marcavam sem ela.
Simples assim. Acontece que após s saída de Jorge Jesus, desembarcaram na Gávea os novos navegadores portugueses inventores da bússola, da pólvora e da roda. E um telão foi colocado à beira do campo de treinamento.
Suas comissões técnicas, tão inovadoras, seguiam em um veículo separado, tal a quantidade de “especialistas”. Tudo isso para pedir a contratação do Marinho, que atuava pela direita no Santos, e escalá-lo do lado esquerdo.
Isso sem queimar o Arão, um baita protetor de zaga, ao lhe dar a função de zagueiro. A mesma que Luxemburgo deu a Felipe Melo, no Palmeiras, e ambos foram dispensados.
Apesar do nepotismo, o favorecimento de parentes e amigos nos cargos de livre nomeação, em detrimento dos mais capazes, “Dorival Neto é coisa de Brasília, não de Maracanã”, a recuperação do Flamengo passa pela simplicidade dos métodos do Dorival Júnior.
Com a bola estão jogando, sem ela estão marcando. O resto deixa que o Arrascaeta resolve.
JÔ E O FUTEBOL
por Claudio Lovato Filho

Humorista, apresentador, escritor, colunista, roteirista, ator e diretor, homem da música e das artes em geral, Jô Soares também era um cara do futebol. Amava o futebol.
Torcedor do Fluminense, conhecia a fundo história do Tricolor das Laranjeiras, mas, quando achava necessário, fazia suas críticas ao clube pelo qual era apaixonado desde a infância. Foi assim, por exemplo, quando o Fluminense liberou Gustavo Scarpa. Jô ficou inconformado e se manifestou. O tempo provou e continua provando que Jô tinha razão.
Como esquecer o personagem Zé da Galera, criado por Jô às vésperas da Copa de 82, para o programa Viva o Gordo? “Falando” com o técnico Telê Santana de um orelhão, Zé da Galera enunciava aquele que provavelmente foi o bordão mais repetido no Brasil naqueles tempos: “Bota ponta, Telê!” Jô achava que Renato – o Portaluppi, o Gaúcho – deveria estar ali. Jô sabia tudo.
Presente à final da Copa de 50, o Maracanazo, aos 12 anos de idade, Jô voltaria a ver o Brasil em campo na Copa seguinte, na Suíça. As memórias dessas experiências vividas quando ainda era tão jovem foram a base para a sua participação no livro “A Copa que ninguém viu e a que não queremos lembrar”, escrito em parceria com Armando Nogueira e Roberto Muylaert.
“Em 1950 eu tinha doze anos, mas participei intensamente da IV Copa do Mundo. Era um evento que mexia com o Brasil todo, mas muito especificamente com o Rio de Janeiro por causa da inauguração do Maracanã como o maior estádio de futebol do mundo, uma coisa monumental, um negócio extraordinário”, escreveu Jô. Sobre a final, relatou: “Eu saí chorando. Meu pai ficou triste, mas achou curioso e até um pouco engraçado um menino de doze anos ficar emocionado e chorar assim aos borbotões, por causa de um jogo de futebol. Para mim aquilo não era um jogo de futebol, era a minha primeira afirmação do Brasil como primeiro em alguma coisa. Qualquer afirmação de brasilidade lá fora me emociona, por mais boba que seja”.
Quatro anos depois, lá estava ele, na Copa da Suíça. Havia ido estudar no país em 52 e morava em Lausanne. Testemunhou a Batalha de Berna, em que o Brasil foi derrotado pela Hungria de Puskas. Voltando a 52, ano de seu desembarque na Suíça, Jô relembrou no livro papos com os novos colegas sobre o Maracanazo, o Rio e o Brasil. “(…) inventei uma história: garantia que, mesmo com 200 mil pessoas no estádio, não havia medo de invasão de campo. ‘Porque’, eu dizia, ‘há um fosso em torno de todo o campo com água e crocodilos’. Os moleques do colégio acreditavam. Alguns adultos também. O Brasil era uma coisa tão distante que as pessoas acreditavam em qualquer coisa. Pra eles, havia cobra nas ruas do Rio e de São Paulo. Dependendo do grupo, eu confirmava: ‘Claro. Mas não das venenosas’”.
Salve Jô Soares! Viva o Gordo!
FALTA TREINAR FUNDAMENTOS
por Elso Venâncio

‘Capitão do Tri’, Carlos Alberto Torres, quando se tornou técnico, insistia em treinar os fundamentos do futebol com seus atletas. Passes, chutes, domínio de bola, cabeceios, faltas, cobranças de escanteio… As atividades pareciam simples, mas eram profundas. Pegava a bola com a mão e avisava:
– Domina com a direita! Agora, com a esquerda! No peito… De cabeça…
O Capita declara aos jornalistas:
– Sabe porque eu treino os fundamentos? Esses caras não sabem dominar e nem chutar com o pé ruim. Tem jogador que não sabe cabecear. Isso é o beabá do futebol.
Hoje em dia, Gabigol erra na conclusão, por não chutar com a direita. Rodinei, então, se enrola todo para dominar a bola e acaba marcando gol contra, diante do Corinthians. O futebol mudou muito.
Por que Zico e Junior foram especialistas na bola parada? A explicação é simples: porque treinavam forte. Zico pegava as bolas, a barreira móvel, e se dirigia ao gol à esquerda da arquibancada na Gávea. Um garoto sentava na grama e o observava com atenção. Era Marcelinho Carioca, que se tornou um dos maiores cobradores de faltas do nosso futebol.
Junior, tendo Zico ao lado em boa parte da carreira, por muito tempo não cobrava faltas, muito menos pênaltis. Porém, quando Zico parou, o ‘Maestro’ virou um dos craques da bola parada. Quantos gols saíram de seus pés, nas batidas laterais e nos escanteios? Até o golaço do penta nacional, contra o Botafogo, ele fez. Na decisão do Brasileiro de 1992.
Numa entrevista, Junior me disse:
– Aprendi com ‘Seu Telê’. A gente bate a falta lateral para um companheiro roçar levemente de cabeça para a área. Essa jogada mata o goleiro e a zaga.
Ontem, o Santos marcou seu primeiro gol desta forma, contra o Fluminense. No cruzamento, desvio de Barbosa e conclusão de Luiz Felipe.
Telê Santana, tanto nos clubes como na seleção, dedicava um bom tempo a esse tipo de exercício. Fazia muito bem.
Os gols de falta no Campeonato Brasileiro diminuíram em mais de 50% nos últimos anos. Por falta, sim, mas de treino, de dedicação!
Eu vi Mestre Didi comandando a Máquina Tricolor. Ele colocava o calção, calçava as chuteiras e ia para o campo. O jogador vinha com a bola dominada e passava por Didi na entrada da área. Ele dominava e devolvia para que o jogador batesse para o gol. Mário Sérgio, irreverente e, de certa forma, até irresponsável, chutou com violência em direção a Didi. O inventor da ‘Folha Seca’ matou com tranquilidade a pelota no peito e, de propósito, rolou rente à grama, mas no pé direito de Mário Sérgio, que por ser canhoto se desequilibrou, não conseguindo chutar. Vários craques consagrados, como Paulo Cézar Lima e Rivellino, riram diante da cena hilária.
Didi, de forma serena, disse ao jovem mas rebelde ponta-esquerda:
– Garoto, vem cá! Você tem que saber usar essa perna cega.
Meio emburrado e cabisbaixo, Mário Sérgio naquele momento foi fazer um treino à parte com Didi.
Será que os treinadores de hoje têm autoridade para exigir que seus jogadores, que chegam a ganhar R$ 1,5 milhão por mês – e muitos deles, com o ego Inflado – treinem os fundamentos, que são a base de tudo no futebol?
Fica a dúvida no ar.
OS 40 ANOS DE UM DIVISOR DE ÁGUAS
por Paulo-Roberto Andel

É impressionante a velocidade do tempo. Um dia desses, nos esbaldávamos com craques e partidas a valer não somente no Maracanã, mas pelo Brasil agora. Então veio a Copa da Espanha e, por conta de tudo que já se sabe, nosso mundo mudou para sempre.
De 1958 a 1970, o Brasil ganhou três dos quatro mundiais disputados. Mesmo sem a força de antes, ficamos entre os quatro primeiros nas Copas da Alemanha e da Argentina. Com o time dos sonhos montado por Telê Santana, o penta era tratado como mera formalidade a ser cumprida, só que a história seguiu por outros caminhos.
A derrota no Sarriá foi drástica para o futebol brasileiro e mexeu com o esporte em todo o mundo. Vendeu conceitos absolutamente equivocados: quem joga melhor tende a perder, a força é mais importante do que a técnica, o talento não é primordial, não adianta jogar bem e perder. O equívoco é tão grande que, de lá para cá, ganhamos apenas dois Mundiais, ambos em cima do talento. Bebeto e Romário em 1994; Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e Rivaldo em 2002. Claro que o Brasil campeão nestas duas edições não se resumia a estes cinco jogadores, mas eles explicam boa parte do sucesso.
Há 40 anos, tínhamos jogadores que eram unanimidades mundiais. Falando de Seleção, você tinha Leandro, Júnior, Cerezo, Sócrates, Falcão e Zico. Ok, mas imagine que só pelas meias, o futebol brasileiro tinha jogadores como Renato, Pita, Arturzinho, Deley, Mendonça, Geovani, Mário Sérgio, Adílio, Jorge Mendonça, Jair, Humberto e tantos outros. Aos poucos, o drama da Espanha foi ceifando o talento brasileiro e priorizando o brucutu, o marcador implacável e até violento, o destruidor. Era melhor ganhar jogando feio? O fato é que pioramos e ganhamos pouco.
O que sempre nos diferenciou do resto do mundo foi a profusão de jogadores fora de série que produzimos. Aos poucos eles foram escasseando, diminuindo, até chegarmos a 2022. Vamos à Copa do Catar com boas chances, um time promissor com jogadores que brilham no exterior e prometem voos mais altos, mas com um único – e contestado – super astro: Neymar. Em tempos idos, a Seleção tinha mais uns três ou quatro nomes de super astros titulares.
Em 40 anos, os campinhos desapareceram, as peladas de rua, os jogos na praça. Até no futebol de praia as coisas mudaram, com menos campos. Nossa fábrica de craques foi sendo desativada aos poucos. Será que realmente valeu a pena a vitória do “futebol-força” para os brasileiros?
Nas últimas semanas, a sensação do Brasileirão tem sido o Fluminense, com atuações de futebol ofensivo e bonito, na contramão de botinadas e regimes de força. Seu mentor é o treinador Fernando Diniz. Cantado e decantado nas resenhas esportivas da TV, Diniz tem em seu grande mérito a tentativa de resgate do nosso futebol, do jeito que era quando ele mesmo era um garoto buscando oportunidades como jogador. Andorinha solitária do cenário brasileiro, Diniz pode ser o vetor de uma maravilhosa epidemia entre os treinadores, “infectando-os” para que, num futuro próximo, sejamos capazes de recuperar o tempo perdido.
O Brasil é o país do futebol, não dos brucutus. Que outros treinadores entendam isso e que possamos, um dia, rever em campo ao menos parte do que já tivemos de melhor: um futebol onde a bola era a verdadeira majestade.
@pauloandel