HERÓIS DA RESISTÊNCIA
por Zé Roberto Padilha

Difícil explicar para nossos netos, pois os filhos foram testemunhas, que nossa cidade chegou a ter seus dois clubes de futebol na primeira divisão do estado. América FC e Entrerriense FC estavam entre os doze clubes no Cariocão de 1992.
Com estádios modestos, investimentos idem, como vão imaginar, ao sair da roda gigante, que naquele piso, digo, gramado, os maiores craques do nosso futebol se exibiram por ali.
Uma das explicações está na ousadia dos nossos cartolas que sempre estiveram à frente do seu tempo. Impossível não fazer justiça àqueles que partiam para a FERJ com poucas chances de disputar a segunda divisão, com a verba da prefeitura para jogar a terceira, mas voltavam de lá enfrentando o Fluminense logo na primeira rodada.
Um dia, porém, esta entrega desmedida, esse amor ao futebol, foi vencido pelo cansaço. Não tiveram crias que dessem sequência às suas obstinações.
Exigiram arenas, tínhamos apenas estádios. Os 4 árbitros que vinham de ônibus, deram lugar às vans que traziam 8. Como pagar com ingressos a 10 reais?
Deles, nossos heróis da resistência, guardo as últimas lembranças do derradeiro campeonato que entramos. Deve ter uns 10 anos. O América enfrentava o Miguel Couto, pela terceira divisão, no Estadio Odair Gama, com portões fechados. Não tinha liberação do Corpo de Bombeiros.
As 15h as duas equipes estavam em campo e o juiz aguardava o delegado autorizar seu início. E ele só daria seu ok se o América pagasse a taxa de arbitragem antes do jogo.
Aí nosso presidente, José Michel Farah, depois de muito relutar, foi ao carro e pegou um talão de cheques. E quando estava preenchendo, seu eterno diretor de futebol, Betinho Barbosa, chegou após furar o bloqueio.
“Por qu esse jogo não começa?”, esbravejou.
Farah respondeu:
“Só vai liberar se eu der o cheque!”.
Betinho, sem perceber a presença do delegado, nem deixou cair:
“Você sabe, Farah, que esse cheque não tem fundos!”.
A partida não foi realizada. Era mesmo o fim. Do fim.
Mas todos nós, que tivemos oportunidades profissionais diante de tamanha coragem e amor ao futebol, temos muito a agradecer a cada um deles. Na conta da gratidão, sobram mundos e fundos.
SÓCRATES EM NATAL
por Rubens Lemos

O Doutor Sócrates, verbete de inteligência no futebol, jogou apenas uma vez em Natal e encantou a plateia irrisória para o seu toque de enxadrista da bola. Apenas 8.335 pessoas foram ao Estádio Castelão ver o Botafogo de Ribeirão Preto (SP), primeiro clube do gênio vencer o América por 3×1 na abertura da segunda fase do Campeonato Brasileiro de 1976. O time paulista era muito melhor que o adversário do ABC pela Série B.
O futebol de Sócrates e a sua postura de gazela em campo e contestadora fora, começavam a tomar as manchetes dos principais veículos de comunicação.
Sócrates, aos 22 anos, usava a camisa 8 e cursava Medicina, algo raro e, para alguns, excêntrico, no meio da boleirada imediatista e gastadora dos cruzeiros parcos em comparação aos euros atuais pagos a gente sem criatividade sequer distante.
O São Paulo já anunciava interesse no gigante prodígio que acabaria sendo o maior talento do Corinthians ao lado de Rivelino. Sócrates seria o cérebro da decantada seleção do técnico Telê Santana, que jogou em Natal em janeiro de 1982 contra a Alemanha Oriental(Brasil 3×1) sem ele, machucado.
O mísero público naquele domingo, 10 de outubro de 1976, conseguiria, sem adivinhar, a primazia da contemplação de um futebol de antevisão de jogadas no meio-campo, de lançamentos e dribles curtos e o uso habitual do calcanhar como instrumento de superação do marcador.
O habilidoso e polêmico volante Juca Show ficou encarregado de marcar Sócrates e saiu de campo sem poder contar a sucessão de fintas levadas e o espanto diante da eficiência do adversário ao jogar de costas e, ainda assim, deixar os companheiros na cara do goleiro Otávio.
O América do técnico Sebastião Leônidas fazia boa campanha e venceria a Máquina Tricolor do Fluminense, bicampeão carioca, com Paulo César Caju e outros ídolos(menos Rivelino), por 2×1 num dos principais resultados de seus quase 108 anos de história.
Sócrates estudava e (pouco) treinava em 1976. Não precisava. Chegava para jogar com o fardamento de acadêmico, trocava de roupa no vestiário e empolgava multidões. Em Natal, sorridente, deu entrevista dentro do ônibus(foto), que levaria o time ao estádio.
Suas declarações revelavam ceticismo em relação ao futuro e desenhavam o perfil do homem que fazia de um jogo profissional, diversão e exercício de inteligência superior.
Artilheiro do Paulistão com 15 gols, Sócrates afirmava aos repórteres natalenses de rádio e jornal: “É um pouco difícil exercer as duas atividades(futebol e medicina). Mas os diretores do meu clube estão sendo bastante compreensivos e me dão as condições necessárias para que eu possa jogar futebol sem precisar interromper os meus estudos.”
Em 1976, o meio-campo da seleção treinada pelo lendário Oswaldo Brandão tinha de titulares Falcão, Rivelino e Zico, intocáveis segundo o treinador, quando questionado sobre Sócrates. Paternalista e, por vezes, grosseiro, Brandão afirmava que Sócrates deveria provar seu brilho num clube grande. “ O Botafogo não tem tanta expressão assim.”
Enquanto a delegação se juntava para deixar o Hotel dos Reis Magos rumo ao Castelão, Sócrates fazia uma profecia que os deuses da bola, felizmente, trataram de demolir. “Quero continuar jogando futebol, mas isso, é claro, vai depender da possibilidade de conciliar o esporte com a Medicina.”
Sócrates conduziu a partida contra o América com a soberania ainda imberbe. Fez lançamentos longos para os pontas Zé Mário(falecido precocemente de leucemia em 1977) e João Carlos Motoca, atuando bem abertos. No primeiro gol do Botafogo, Sócrates vislumbrou Zé Mário que recebeu com açúcar e afeto. Matou Otávio em leve toque.
No 2×0, Sócrates achou livre o lateral-esquerdo Mineiro, que ganhou de Olímpio, cruzou e João Carlos Motoca conferiu, sem chances para Otávio. Novamente Zé Mário, promessa que chegou a ser convocada para a seleção no ano de sua morte, foi presentado com a visão de jogo de Sócrates. Driblou o zagueiro Odélio e tocou sem chances para Otávio. O América diminuiu em gol contra de Jair.
Sócrates seria vendido ao Corinthians em 1978. Campeão Paulista em 1979/82/83, titular do escrete nacional de 1979 até 1986, parou de jogar no Flamengo em 1987, atuando em breve tempo de jaleco de médico. O alcoolismo já dominava o mito. Sócrates morreu em 2011, aos 57 anos.
QUEM DIRIA, SAUDADES DO EURICO
por Zé Roberto Padilha

O Vasco, após a derrota sofrida contra o São Paulo, começando a se aproximar do incômodo lugar que há alguns anos o credencia a oscilar entre as Séries A e B, anuncia seu nome reforço: Serginho.
Com 28 anos, Serginho é o camisa 10 do discreto Giresunspor, que atualmente ocupa a 16a colocação no discretíssimo Campeonato Turco.
Sem levantar um titulo desde 2016, o clube que abriu as portas para o SAF, começa a ter saudades do Eurico.
Eurico Miranda era polêmico, invadia campo, peitava os juízes e nos arbitrais da federação sempre estava envolvido em confusão. Mas ele jamais anunciaria o Serginho como solução.
Francisco Horta trouxe PC, Mario Sérgio e Rivelino. Márcio Braga comprou o Nunes e repatriou o Zico. O Botafogo nos deu a honra de ver Seedorf de perto.
Já Eurico, para alcancar uma virada histórica em cima do Palmeiras, manteve Romário ao lado de Edmundo, Juninho Pernambucano, Felipe e Juninho Paulista.
Ao contrário do SAF, que tem amor ao caixa, Eurico tinha amor ao clube, que se chama CR Vasco da Gama. Não da grana.
E o amor ao clube anda fazendo falta aos homens, os tais SAFos, que assumiram uma agremiação tão querida e respeitada. E que merecia algo mais que um discreto atacante a esta altura do campeonato.
FORÇA, VINI!
por Marcos Eduardo Neves

Pedem-me um texto sobre o racismo que Vini Jr. vem sofrendo. Me nego a escrever sobre essa aberração desumana. Citarei apenas nomes, pedindo perdão aos que não couberam no texto.
Pelé, Michael Jordan, Mãe Menininha do Gantois, Beyoncé, Gilberto Gil, Muhammad Ali, Zezé Motta, Nelson Mandela, Joaquim Barbosa, Martin Luther King, Tim Maia, Bob Marley, Abdias Nascimento, Jimi Hendrix, Elisa Lucinda, Malcom X, Mussum, Prince, Camila Pitanga, Morgan Freeman, Sheron Menezes, Will Smith, Milton Gonçalves, George Weah, Emicida, Wesley Snipes, Elza Soares, Whitney Houston, Lenny Kravitz, Djavan, Ray Charles, Jorge Ben Jor, George Benson, Wilson Simonal, Billie Holyday, Toni Tornado, Nina Simone, Thiaguinho, Magic Johnson, Milton Nascimento, Louis Armstrong, Glória Maria, Aretha Franklin, Taís Araújo, Donna Summer, Teresa Cristina, Lionel Richie, Bezerra da Silva, Mariah Carey, Margareth Menezes, Kareem Abdul-Jabba, Toni Garrido, Chuckk Berry, Ruth de Souza, Tina Turner, B. B. King, Alcione, Tupac, Grande Otelo, Donna Summer, Marina Silva, Diana Ross, Pixinguinha, Quincy Jones, Lázaro Ramos, Marvin Gaye, Leci Brandão, Seal, Seu Jorge, John Legend, Isabel Fillardis, Pharrel William, Baden Powell, Aleijadinho, Denzel Washington, Leandro Firmino, Eddie Murphy, Whoopi Goldberg, Antonio Pitanga, Samuel L. Jackson, Carlinhos Brown, Stevie Wonder, Luiz Melodia, Al Jarreau, Sandra de Sá, Spike Lee, Ivone Lara, Serena e Venus Williams, Luiz Gonzaga, Yannick Noah, Conceição Evaristo, Lebron James, Maju Coutinho, Sarah Vaughan, Dandara, Kobe Bryant, Carolina de Jesus, James Brown.
Sem esquecer Zumbi dos Palmares. Ou quem revolucionou os videoclipes, Michael Jackson. Jesse Owens humilhou Hitler em Berlim. Machado de Assis fundou a Academia Brasileira de Letras. Lewis Hamilton reconfigurou a elitista Fórmula 1.
No futebol, então, Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Didi, Zizinho, Jairzinho, PC Caju e Mané Garrincha, para ficar só entre nós, brasileiros. Mas, voltando à Espanha, por que não agiram assim com Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo, Rivaldo, Romário, Seedorf, Henry, Benzema e tantos outros?
Ser humano, invenção que não deu certo.
ÍDOLO ETERNO
por Elso Venâncio, o repórter Elso

Roberto Dinamite é o maior ídolo e artilheiro da história do Vasco. Marcou 708 gols em 1110 jogos. Apenas Pelé, no Santos, e Rogério Ceni, no São Paulo, superaram a marca de mil partidas por um único clube. Com 190 gols, é também o número 1 dentre os goleadores do Campeonato Brasileiro. No Carioca, outra liderança: balançou as redes por 284 vezes.
Dos 22 anos de carreira, o camisa 10 cruz-maltino passou 21 temporadas em São Januário. Nesse estádio, por sinal, assinalou 185 gols. Teve, ainda, breves passagens pelo Barcelona, da Espanha, Portuguesa, de São Paulo, e Campo Grande, do Rio.
O clássico Flamengo x Vasco, por muito tempo, era Zico contra Roberto. E também Roberto contra Mozer, que sabia jogar e bater, o que irritava o goleador:
“Olha quem vai entrar, zagueirão…”
Um garoto de 19 anos aquecia. Era o baixinho Romário, que, de cara, após ser lançado por Roberto, driblou Mozer em alta velocidade e fez seu gol.
Na Rádio Globo, fui setorista do Vasco no bicampeonato carioca de 1987 e 1988 e acompanhei bem de perto o ÍDOLO ETERNO, além de ver Romário surgir. Anos mais tarde, já consagrado, Romário, no Flamengo, me confidenciou:
“Sou muito grato ao Bob. Ele me enchia de bolas.”
Aos 25 anos, Roberto foi contratado, no começo dos anos 80, pelo Barcelona. O clube catalão pagou 300 mil euros para tê-lo. Quanto valeria hoje um Roberto Dinamite? Ele fez dois gols na estreia, mas perdeu espaço após a chegada do técnico franco-argentino Helenio Herrera. Jurema Crispim, esposa e procuradora de Roberto, não admitiu:
“Reserva?”
Foi o momento mais tenso de sua carreira. Presidente do Flamengo, Márcio Braga foi à Espanha contratar o craque. Mandatário do futebol do Vasco, Eurico Miranda viajou às pressas e convenceu primeiramente Jurema. Depois, Roberto. O lendário goleador retornou para o Vasco e, na sua reestreia, contra o Corinthians, marcou os cinco gols da vitória por 5 a 2, numa das maiores apresentações de um jogador no estádio mais famoso do mundo, o Maracanã.
Roberto treinava muito cobranças de falta. Colocava várias bolas ao mesmo tempo: uma, na meia lua; outras, mais para o lado direito ou para o esquerdo. Algumas, mais distantes. Hoje, os atletas têm preguiça de treinar…
Quantos gols decisivos Dinamite marcou…. Alguns, eternos – como aquele em que deu um lençol no zagueiro Osmar, do Botafogo, antes de estufar as redes com um sem-pulo arrasador.
Pressionado, certa vez explodiu:
“Roberto deu muito ao Vasco.”
Disse isso enquanto discutia a renovação do contrato com o Gigante da Colina. Estava magoado com o desgaste da negociação. Não tinha mais a seu lado a enérgica Jurema, que faleceu em 1984 e sempre o defendeu com unhas e dentes, contra tudo e todos.
Roberto foi o artilheiro da seleção brasileira na Copa de 1978, disputada na Argentina. Em 1982, Telê Santana cedeu ao apelo popular e o convocou para a vaga aberta com a contusão do centroavante Careca, então no Guarani. No entanto, o técnico errou ao deixá-lo na reserva de Serginho Chulapa.
Em 24 de março de 1993, Roberto despediu-se do esporte em um amistoso contra o La Coruña. Compôs o ataque com Zico, que vestiu a camisa cruz-maltina em pleno Maracanã.
Carlos Roberto de Oliveira nasceu, em Duque de Caxias, no dia 13 de abril de 1954. E entrou para a História como um dos maiores artilheiros do futebol. Depois de alguns mandatos como deputado e vereador, o ídolo realizou o sonho de presidir seu Clube de Regatas Vasco da Gama.
Em decorrência de um câncer, Roberto faleceu no oitavo dia de janeiro deste ano. Ao menos, recebeu um sem-fim de homenagens e honrarias. Como uma estátua em São Januário. Hoje em dia, o trecho da avenida em frente ao estádio se chama Roberto Dinamite. Nome melhor, impossível.