por Rubens Lemos

Nasci e fui criado para amar o futebol artístico e malabarista. Meus ídolos jamais deram um chutão fora da estética, tampouco foram vistos praticando o que hoje é doença crônica: o chutão como arma de incompetência para afastar os adversários. Tenho uma coleção de mais de mil jogos históricos, guardada com o esmero de um ouvinte meticuloso.
O primeiro a ser reverenciado é Didi — o Príncipe Etíope de Rancho, o mestre do folha-seca, melhor jogador da Copa de 1958. Ele é a prova de que ninguém jogava como os brasileiros: moleques dos dribles, saltimbancos de circo. Didi era aquele cara que socorria onze quando havia pane no time. Um drible curto e seco, um toque por entre as pernas do adversário, e a calma voltava. A parcimônia reinava outra vez.
Minha seleção brasileira de todos os tempos é escalada assim:
Taffarel; Leandro, Carlos Alberto Torres, Orlando e Nilton Santos; Gerson e Didi; Garrincha, Pelé, Zico e Romário.
No banco: Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Aldair e Marinho Chagas; Zito, Zizinho, Ademir da Guia e Rivelino; Ronaldo e Tostão.
Há uma centena de outros nomes capazes de fazer suspirar os românticos da bola.
Considero a seleção de 1958 melhor que a de 1970 pelo simples e irrespondível fato de que Pelé, Garrincha e Didi estavam juntos. Os três jogavam por um batalhão inteiro. Faziam embaixadinhas como Didi, arrancavam, freavam, driblavam como Garrincha — a quem as pancadas desesperadas eram a proteção moral de suas vítimas. Carlos Heitor Cony disse certa vez que Garrincha não jogava futebol — humilhava os colegas de profissão.
Exagero? Talvez. Mas vindo do autor de O Ato e o Fato, e de dezenas de livros imperdíveis, distribuídos em livrarias resistentes e sebos onde o cheiro do papel lembra que nada é tão bonito quanto valorizar a ginga — a dos meninos de praia e dos (hoje inexistentes) terrenos baldios.
As escolinhas de futebol, com nomes de clubes estrangeiros, estão criando orangotangos sem nenhuma intimidade com a bola. E pior: ensinando as crianças a não torcer por times brasileiros.
Ah, Deus… colocar Zizinho no time reserva é uma dor que carrego. Certa vez, no salão nobre do ex-Maracanã (hoje, uma arena impessoal), Pelé chegou com suas namoradas e deu um abraço em Zizinho, de quem era fã incondicional:
— “Olha, pessoal, este é Zizinho, meu ídolo e com quem aprendi bastante.”
Zizinho, espirituoso, respondeu:
— “É, crioulo… eu acho que te ensinei demais.”
Dener Augusto (dos Anjos), o elétrico e genial meia do Vasco que morreu aos 23 anos e teria disputado umas três Copas do Mundo, dizia que o drible é mais bonito que o gol. E ele era a prova material da frase. Perfurava defesas às fintas desmoralizantes. Até hoje, sinto sua partida. Vi seu último gol, contra o ABC em Natal (Vasco 2×0). Ele ocupava aquela vaga onde, anos depois, entrou o inexpressivo Paulo Sérgio em 1994 ou Doriva em 1998.
Futebol foi feito para nos trazer alegrias. E Pelé era o maioral, fazendo gols assombrosos aos 17 anos, na Suécia. Pelé tabelava na caneta do beque e fuzilava o goleiro. Pelé nasceu para fazer os torcedores ficarem em transe durante 90 minutos. Garrincha era a personificação do malandro e da irreverência própria do ser brasileiro.
Nasci para odiar Zico. Mas Zico foi meu Pelé branco. Lembro, chateado, de um gol em que ele e o lateral-direito Toninho Baiano fizeram uma linha de passe aérea, tocando de cabeça até Zico encobrir Leão. O meu Vasco era freguês naquele 1979 em que o Flamengo era o vice-rei do Brasil.
O Internacional de Falcão, cujo smoking era guardado no armário do vestiário, ocupava o topo dos times da década. Vocês repararam como Leandro dominava uma bola? Sem olhar para ela. Como lateral — e depois como zagueiro brilhante —, teve sua supremacia abalada quando topou com o baixinho Romário, que lhe deu um passeio naquele Vasco 2×1 de 1988 (Vasco bicampeão).
Sou escravo das minhas nostalgias. Os lances que tento descrever correspondem ao menino tímido, sentado no cinema, assistindo às edições do Canal 100. Cinco minutos de compactos dos melhores jogos. Silencioso e sonhador, imaginando o impossível: fazer cinco embaixadinhas com uma bola de borracha. Na cabeça, a ideia fixa: me tornar um Didi provincial.
Que texto sensacional!! Parabéns Rubens Lemos.
Tudo ótimo, cada um tem sua opinião, a minha escalar melhores de todos os tempos só com campeões e cada um em suas posições originais, por exemplo minha seleção titular só abrangeria de 1958 a 1970, os demais na reserva